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Ocorrência de ceceio em fricativas vozeadas e não vozeadas em crianças com fissura labiopalatina operada

Resumos

Objetivo

investigar se o ceceio, quando identificado, difere entre as fricativas alveolares não vozeadas e vozeadas produzidas por crianças com fissura labiopalatina operada.

Métodos

estudo prospectivo, em que frases constituídas pelas consoantes [s] e [z] produzidas por 32 crianças com fissura labiopalatina operada (idade média, 8 anos, 8 meses) foram selecionadas de um banco de dados e posteriormente julgadas auditivamente. Todas as crianças apresentavam relação inter-arcos alteradas, conforme avaliação ortodôntica realizada por três ortodontistas (concordância inter-juiz quase perfeita, kappa= 0.81), a partir da análise de modelos de gesso. Três fonoaudiólogas julgaram auditivamente as produções áudio gravadas. A concordância inter-juízes variou entre 56% e 78% e entre 59% e 93% para as frases constituídas de [s] e [z], respectivamente.

Resultados

o ceceio foi identificado em 69% das crianças e, particularmente, em 72% e 50% das produções envolvendo [s] e [z], respectivamente. Houve diferença significante entre os julgamentos para as fricativas [s] e [z], com maior ocorrência de ceceio em [s].

Conclusões

deformidades dentofaciais podem favorecer a ocorrência do ceceio na população com fissura labiopalatina. A maior ocorrência do ceceio em [s] em comparação à [z], a partir da identificação auditiva, pode ser justificado por razões acústicas e/ou articulatórias. Sugere-se que o ceceio é dependente do contexto fonético-fonológico da frase devendo o mesmo ser considerado para fins clínicos e de pesquisa.

Fala; Fissura Palatina; Má Oclusão


Purpose

to investigate whether lisp, when identified, differs between voiced and unvoiced alveolar fricatives produced by children with cleft palate.

Methods

a prospective study in which sentences comprising the consonants [s] and [z] produced by 32 children with cleft palate (mean age, 8 years, 8 months) were selected and after auditory judged. All children presented altered inter-relationship arches as evaluated by three orthodontists (inter-judge agreement almost perfect kappa = 0.81), performing analysis of dental casts. Three Speech-Language-Pathologists judged perceptually audio recorded productions. The inter-judges agreement ranged between 56% and 78% and between 59% and 93% for the phrases consisting of [s] and [z], respectively.

Results

the lisp was identified in 69% of children, particularly, in 72% and 50% [s] and [z] sounds, respectively. There were significant differences between judgments for the fricatives [s] and [z], with higher prevalence of lisping in [s].

Conclusions

dentofacial deformities may favor the occurrence of lisp in population with cleft palate. The increased occurrence of lisp in [s] compared to [z], based on auditory perceptual identification, can be justified by acoustic and / or articulatory reasons. It is suggested that lisp is dependent of the phonetic-phonological context of the sentence and therefore must be considered for clinical and research purposes.

Speech; Cleft Palate; Malocclusion


INTRODUÇÃO

Vários estudos reportam que alterações oclusais podem resultar em alterações na produção das consoantes fricativas alveolares1. Sahad MG, Nahás ACR, Scavone-Junior H, Jabur LB, Guedes-Pinto E. Vertical interrincisal trespass assessment in children with speech disorders. Braz Oral Res. 2008;22(3):247-51.

. Oliveira CF, Busanello AR, Silva AMT. Ocorrência de má oclusão e distúrbio articulatório em crianças respiradoras orais de escolas públicas de Santa Maria, Rio Grande do Sul. RGO. 2008;56(2):169-74.

. Verrastro AP, Tashima AY, Idehira PN, Stefani FM, Rodrigues CRMD, Wanderley MD. Características oclusais e miofuncionais das crianças atendidas na Clinica de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia da USP. Rev Inst Ciênc Saúde. 2009;27(4):394-9.

. Berwig LC, Silva AMT, Busanello AR, Almeida FL, Bolzan GP, Hennig TR et al. Alterações no modo respiratório, na oclusão e na fala em escolares: ocorrências e relações. Rev. CEFAC. 2010;12(5):795-802.

. Mezzomo CL, Machado PG, Pacheco AB, Gonçalves BFT, Hoffmann CF. As implicações da classe II de Angle e da desproporção esquelética tipo classe II no aspecto miofuncional. Rev. CEFAC. 2011;13(4):728-34.
-6. Farronato G, Giannini L, Riva R, Galbiati G, Maspero C. Correlations between malocclusions and dyslalias. Eur J Paediatr Dent. 2012;13(1):13-8.. Em condições morfológicas e/ou funcionais normais, estas consoantes são produzidas com constrição parcial da corrente aérea entre o ápice da língua e o alvéolo, podendo ser vozeada (com vibração das pregas vocais, [z]) ou não-vozeada (sem vibração das pregas vocais, [s]). Acusticamente, as fricativas vozeadas são caracterizadas pela presença de duas fontes, a fonte glótica (responsável pelo vozeamento) e a fonte de ruído (resultante da constrição do trato vocal) enquanto as fricativas não vozeadas (ou surdas) são formadas por uma única fonte de ruído7. Haupt C. As fricativas [s], [z], [S] e [δ] do português brasileiro. Letras & Letras. 2008;24(1):59-71..

Modificações morfológicas e/ou funcionais podem resultar em um som distinto do esperado durante a produção das fricativas8. Leite AF, Silva SB, Britto ATBO, Di Ninno CQMS. Caracterização do ceceio em pacientes de um Centro Clínico de Fonoaudiologia. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(1):30-6.,9. Martinelli RLC, Fornaro EF, Oliveira CJM, Ferreira LMB, Redher MIBC. Correlações entre alterações de fala, respiração oral, dentição e oclusão. Rev. CEFAC. 2011;3(1):17-26. condição também conhecida como ceceio (anterior ou lateral)8. Leite AF, Silva SB, Britto ATBO, Di Ninno CQMS. Caracterização do ceceio em pacientes de um Centro Clínico de Fonoaudiologia. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(1):30-6.. Estudos prévios envolvendo sujeitos sem malformações craniofaciais indicaram que alterações oclusais podem resultar em um prejuízo na produção das consoantes fricativas alveolares1. Sahad MG, Nahás ACR, Scavone-Junior H, Jabur LB, Guedes-Pinto E. Vertical interrincisal trespass assessment in children with speech disorders. Braz Oral Res. 2008;22(3):247-51.,8. Leite AF, Silva SB, Britto ATBO, Di Ninno CQMS. Caracterização do ceceio em pacientes de um Centro Clínico de Fonoaudiologia. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(1):30-6.

. Martinelli RLC, Fornaro EF, Oliveira CJM, Ferreira LMB, Redher MIBC. Correlações entre alterações de fala, respiração oral, dentição e oclusão. Rev. CEFAC. 2011;3(1):17-26.

10 . Monteiro VR, Brescovici SM, Delgado SE. A ocorrência de ceceio em crianças de oito a onze anos em escolas municipais. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(2):213-8.

11 . Perlato NM, Nahás-Scocate ACR, Jabur LB, Ferreira RI, Garib DG, Valle-Corotte KM. Correlação entre a presença do ceceio anterior e os tipos de trespasse vertical interincisivo na dentadura decídua. Rev Odont Univ Cid SP. 2009;21(2):98-103.
-1212 . Marino VCC, Santos IM, Fabron EMG, Dutka JCR, Gurgel JA, Berti LC. Influência do contexto silábico da palavra no julgamento perceptivo-auditivo do ceceio produzido por pré-escolares. Rev. CEFAC. No prelo. embora esta relação nem sempre seja observada1313 . Tomé MC, Farias SR, Araújo SM, Schimidt BE. Ceceio interdental e alterações oclusais em crianças de 03 a 06 anos. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2004;16(1):19-30. ou, ainda, não esteja diretamente relacionada à severidade da alteração oclusal1414 . Doshi UH, Bhad-Patil W A. Speech defect and orthodontics: a contemporary review. Orthodontics. 2011;12(4):340-53.. Alguns destes estudos investigaram a ocorrência do ceceio quando produzido em palavras ou outras amostras de fala constituídas pelas consoantes alveolares ([s] e/ou [z])8. Leite AF, Silva SB, Britto ATBO, Di Ninno CQMS. Caracterização do ceceio em pacientes de um Centro Clínico de Fonoaudiologia. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(1):30-6.,9. Martinelli RLC, Fornaro EF, Oliveira CJM, Ferreira LMB, Redher MIBC. Correlações entre alterações de fala, respiração oral, dentição e oclusão. Rev. CEFAC. 2011;3(1):17-26.,1212 . Marino VCC, Santos IM, Fabron EMG, Dutka JCR, Gurgel JA, Berti LC. Influência do contexto silábico da palavra no julgamento perceptivo-auditivo do ceceio produzido por pré-escolares. Rev. CEFAC. No prelo.,1313 . Tomé MC, Farias SR, Araújo SM, Schimidt BE. Ceceio interdental e alterações oclusais em crianças de 03 a 06 anos. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2004;16(1):19-30.. No entanto, nestes estudos, não foi investigado se a produção e/ou o julgamento perceptivo-auditivo do ceceio difere entre as fricativas alveolares vozeadas e não vozeadas.

Particularmente, ao se considerar alterações na produção da fala em sujeitos com fissura labiopalatina (FLP)1515 . Peterson-Falzone SJ, Trost-Cardamone JE, Karnell MP, Hardin-Jones MA. The clinician´s guide to treating cleft palate speech. St. Louis: Mosby; 2006.,1616 . Hennigsson G, Kuehn DP, Sell D, Sweeney T, Trost-Cardamone JE, Whitehill TL. Universal parameters for reporting speech outcomes in individuals with cleft palate. Cleft Palate Craniofac J. 2008;45(1):1-17., há relatos de que deficiências no crescimento médio-facial podem resultar em distorções/ceceio na produção das fricativas1515 . Peterson-Falzone SJ, Trost-Cardamone JE, Karnell MP, Hardin-Jones MA. The clinician´s guide to treating cleft palate speech. St. Louis: Mosby; 2006.,1717 . Niemeyer TC, Fukushiro AP, Genaro KF. A produção de fonemas alveolares em casos com mordida cruzada total: análise pré e pós-cirúrgica. V Encontro Científico de Pós-Graduação do HRAC-USP; Novembro 2003; Bauru, São Paulo.. De forma geral, a literatura reporta que quando a mandíbula encontra-se protruída em relação à maxila, a língua pode posicionar-se anteriormente durante a posição de repouso, provocando mudanças no direcionamento do fluxo de ar durante a produção das fricativas alveolares, o que resultaria em distorção na produção destas consoantes. No entanto, alguns estudos1818 . Whitaker ME, Freitas JS, Pegoraro-Krook MI, Ozawa TO, Lauris RC, Lauris JP. et al. Relationship between occlusion and lisping in children with cleft lip and palate. Cleft Palate-Craniofac J. 2012;49(1):96-103.,1919 . Rocha SG, Fabron EMG, Dutka JCR, Berti LC, Marino VCC. Ocorrência do ceceio em fricativas alveolares produzidas por pré-escolares. 19º Congresso Brasileiro e 8º Internacional de Fonoaudiologia. Out-Nov, São Paulo, 2011. p. 803. indicam que ao investigar uma possível associação entre ceceio (identificado por meio de análise áudio-video durante a produção de frase constituída por recorrência de [s]) e relação inter-arcos (verificada pela análise do índice oclusal dos modelos de gesso), não encontrou uma associação direta entre estes dois aspectos em 106 crianças com fissura labiopalatina operada, o que levou os autores a concluírem que outros fatores (morfológicos, funcionais e/ou sensoriais) podem influenciar na produção dos sons fricativos.

De forma geral, observa-se na literatura um grande interesse em se investigar possíveis relações entre ceceio e alterações morfológicas na cavidade oral em crianças com e sem malformações craniofaciais. No entanto, informações sobre possíveis distinções na produção e/ou percepção do ceceio, ao comparar as fricativas alveolares (vozeada ou não vozeada), são restritas na literatura nacional.

Informações sobre as características acústicas e articulatórias das fricativas alveolares vozeadas e não vozeadas reportadas na literatura internacional apontam diferenças entre estas consoantes, quando produzidas por sujeitos com fala normal. Tais descrições acústicas indicam que as fricativas vozeadas apresentam menor intensidade e menor duração, além de maior amplitude no intervalo de fricção, quando comparadas aos seus correspondentes não vozeados2020 . Kent RD, Read C. The acoust analysis of speech. San Diego: Singular Publishing Group; 1992.. Estas diferenças são decorrentes do acoplamento da fonte glótica à fonte friccional que ocorre na produção das fricativas vozeadas2020 . Kent RD, Read C. The acoust analysis of speech. San Diego: Singular Publishing Group; 1992..Presume-se que as pregas vocais abduzidas durante a produção das fricativas não vozeadas permitem que um maior volume de fluxo de ar passe através da glote em direção à cavidade de oral. Já as interrupções ou restrições da passagem do fluxo de ar nas fricativas vozeadas reduzem o volume de fluxo de ar e, portanto, a intensidade da turbulência no ponto de constrição. Até o presente momento, porém, não se investigou se estas características acústicas podem influenciar no julgamento perceptivo-auditivo do ceceio na fala de sujeitos com malformações craniofaciais, tornando sua identificação menos audível nas fricativas vozeadas quando comparado com as fricativas não vozeadas.

Ainda, descrições articulatórias resultantes da eletropalatografia indicaram distinções entre a produção das fricativas alveolares [s] e [z] em sujeitos com fala normal. A literatura reporta que, de forma geral, a produção das fricativas [s] e [z], em condições normais, é caracterizada pelo contato lateral da língua ao longo do palato, além de um contato incompleto da língua na parte anterior do rebordo alveolar, resultando em um sulco nesta região2121 . McLeod S, Roberts A, Sita J. Tongue/palate contact for the production of /s/ and /z/. Clin Ling & Phon. 2006;20(1):51-66.. No entanto, por meio da eletropalatografia, estudiosos2121 . McLeod S, Roberts A, Sita J. Tongue/palate contact for the production of /s/ and /z/. Clin Ling & Phon. 2006;20(1):51-66. identificaram variabilidade inter e intra-sujeitos nas produções de [s] e [z] em adultos com fala normal. Também evidenciam um maior contato linguo/palatal para [z] do que para [s] nas medidas eletropalatográficas realizadas, bem como um maior estreitamento no sulco em [z] quando produzido na posição inicial da palavra. Para os estudiosos, uma possível explicação para esta diferença seria a necessidade de um maior volume de ar para a produção de [s], o que empurraria a língua lateralmente, numa tentativa de criar uma passagem mais ampla para o fluxo aéreo. Estudos envolvendo ressonância magnética também encontraram diferenças no posicionamento da língua durante a produção de fricativas não vozeadas e vozeadas. De forma geral, observou-se uma tendência da raiz/base da língua estar mais anteriorizada nas fricativas vozeadas em relação aos correspondentes desvozeados2222 . Shadle C, Proctor M, Iskarous K. An MRI Study of the effect of vowel context on English Fricatives. Proc. of Joint ASA-EAA Conference, Paris, 2008. p.5101-6..

Considerando que diferenças entre as fricativas [s] e [z] são esperadas na fala normal, quando procedimentos acústicos e/ou articulatórios são utilizados, é de interesse verificar se o ceceio, quando julgado auditivamente, também se diferencia diante das fricativas alveolares vozeadas e não vozeadas produzidas por crianças com fissura labiopalatina operada. Um estudo preliminar envolvendo pré-escolares com má-oclusão (porém, sem malformações craniofaciais) indicou maior ocorrência do ceceio na fricativa [s] do que [z], quando a avaliação perceptivo-auditiva foi empregada1919 . Rocha SG, Fabron EMG, Dutka JCR, Berti LC, Marino VCC. Ocorrência do ceceio em fricativas alveolares produzidas por pré-escolares. 19º Congresso Brasileiro e 8º Internacional de Fonoaudiologia. Out-Nov, São Paulo, 2011. p. 803.. Até o presente momento, porém, não há informações sobre possíveis distinções nas características articulatórias das fricativas [s] e [z] na presença do ceceio em crianças com fissura labiopalatina e, ainda, se tais características podem ser percebidas e/ou mesmo influenciar o julgamento perceptivo-auditivo do ceceio. A hipótese inicialmente adotada neste estudo é de que o ceceio, quando presente, apresenta-se de forma distinta em função das fricativas alveolares não vozeadas e vozeadas, com maior ocorrência para as alveolares não vozeadas do que para as vozeadas. Assim, o objetivo deste estudo foi investigar se o ceceio, quando presente, difere entre as fricativas alveolares não vozeadas e vozeadas produzidas por crianças com fissura labiopalatina operada.

MÉTODOS

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Reabilitação de Anomalias sob o ofício no 111/2009.

Trata-se de um estudo prospectivo, em que amostras de fala armazenadas em um banco de dados, depois de selecionadas, foram julgadas por fonoaudiólogos quanto à ocorrência de ceceio em fricativas vozeadas e não vozeadas. Tais amostras foram obtidas de 32 crianças com fissura transforame unilateral operada, com faixa etária entre 6 e 11 anos (média de 8 anos e 8 meses), de ambos os gêneros. Todas as crianças incluídas no estudo apresentavam, na ocasião da coleta de dados, dentadura mista e relação inter-arcos alteradas, conforme avaliação ortodôntica realizada por três ortodontistas (concordância inter-juiz quase perfeita, kappa=0.81), a partir da análise de modelos de gesso, seguindo os critérios propostos por Mars et al (1987)2323 . Mars M, Plint DA, Houston WJB, Bergland O, Semb G. The Goslon Yardstick: a new system of assessing dental arch relationships in children with cleft lip and palate. Cleft Palate J. 1987;24:314-22..

Embora a classificação de Angle seja uma das mais conhecidas e utilizadas para avaliação da má-oclusão em sujeitos sem malformações craniofaciais, esta classificação preconiza somente a posição dentária inter-arcos no sentido sagital, além de ser considerada como um indicador qualitativo e não um índice quantitativo de má oclusão2424 . Pinto EM, Gondim PPC, Lima NS. Análise crítica dos diversos métodos de avaliação e registro das más oclusões. Rev. Dent. Press Ortodon. Ortop. Facial. 2008;13(1):82-91.. Assim, neste estudo, optou-se por utilizar o índice oclusal “Goslon Yardistick” que permite classificar a severidade da má-oclusão e inferir o grau da dificuldade na correção desta, em sujeitos com fissura labiopalatina. Este índice oclusal tem sido aplicado em muitos centros de reabilitação de indivíduos com malformações craniofaciais uma vez que é um índice confiável e fácil de ser reproduzido, capaz de discriminar a qualidade dos resultados cirúrgicos inter-centros, permitindo o diagnóstico precoce da relação entre os arcos dentários, em todas as dimensões: anteroposterior, vertical e transversal, além de identificar o prognóstico do caso, o que possibilita a mudança precoce no protocolo cirúrgico, sem ter que aguardar a fase da dentadura permanente2525 . Sinko K, Caacbay E, Eagsch R, Turhani D, Baumann A, Mars M. The Goslon Yardstick in patients with unilateral cleft lip and palate: review of a Vienna sample. Cleft Palate Craniof J. 2008;45:87-91..

A classificação “Goslon Yardistick” inclui cinco índices oclusais distintos. No entanto, neste estudo foram incluídas somente crianças que apresentavam índice de Goslon categorizados como 4 e 5. Particularmente, o índice 4 constitui- se por (a) trespasse horizontal negativo, com inclinação dos incisivos normal ou vestibularizados; (b) tendência à mordida cruzada unilateral/bilateral e (c) tendência à mordida aberta na área da fissura (Figura 1). Já o índice 5 constitui-se por (a) trespasse horizontal negativo, com incisivos vestibularizados; (b) mordida cruzada bilateral e (c) morfologia do arco dentário superior e anatomia do palato pobre (Figura 2). Vale ressaltar que a seleção dos índices oclusais 4 e 5 no presente estudo justifica-se pelo maior comprometimento nas relações inter-arcos esperados (prognóstico pobre ou muito pobre) nas crianças selecionadas, o que poderia favorecer a identificação do ceceio nas fricativas de interesse, caso o mesmo estivesse presente.

Figura 1
– Paciente com fissura transforame incisivo unilateral do lado direito com Goslon Yardstick 4. Relação entre os arcos dentários pobre com trespasse horizontal negativo e inclinação dos incisivos superiores normal, mordida cruzada bilateral, tendência à mordida aberta na área da fissura e a face tendendo a classe III de Angle, com deficiência maxilar evidente

Figura 2
– Paciente com fissura transforame incisivo unilateral do lado esquerdo com Goslon Yardstick 5. Relação entre os arcos dentários muito pobre com trespasse horizontal acentuadamente negativo, mordida cruzada total, morfologia do arco dentário superior e anatomia do palato pobre. Face excessivamente côncava com prognóstico ortodôntico-cirúrgico muito pobre

Foram excluídas do estudo as crianças com história ou presença de hipernasalidade, escape de ar nasal, fraca pressão intra-oral ou articulações compensatórias, a fim de controlar, pelo menos em parte, variáveis que afetassem a identificação de distorções dos sons da fala. Nenhuma das crianças selecionadas recebeu tratamento ortodôntico ou ortopédico previamente à data da coleta de dado.

As produções da fala analisadas foram extraídas de um banco de dados, o qual, para a sua constituição, foi solicitado a cada criança, na ocasião das gravações, duas repetições consecutivas de duas frases distintas, uma constituída pela fricativa [s] e uma constituída pela fricativa [z] (“O saci saiu cedo” e “Zizi pousou na casa da Zezé”, respectivamente). Optou-se pelo uso de frases com recorrência de um mesmo fone, uma vez que tal recorrência poderia favorecer a identificação perceptivo-auditiva da presença ou da ausência da distorção na fala.

As produções das crianças foram gravadas de forma aleatória e em um mesmo dia, numa cabine acústica instalada na própria instituição, utilizando equipamento digital de alta fidelidade. Foi posicionado um microfone de cabeça, condensado/ unidirecional, modelo AKG C420, posicionado a aproximadamente 5 cm da comissura labial. Este microfone foi conectado a uma placa de captura de áudio Sound Blaster Audigy 2, instalado em um computador, onde as gravações em audio foram salvas em arquivos no formato WAV, por meio do programa Sony Sound Forge, versão 8.0.

As gravações de interesse para o presente estudo foram editadas, utilizando-se o mesmo software Sony Sound Forge, versão 8.0. e posteriormente armazenadas em um DVD. Neste DVD, as frases produzidas pelas 32 crianças foram distribuídas aleatoriamente. No total, foram selecionadas inicialmente 128 frases para o presente estudo, sendo 64 correspondentes as duas repetições consecutivas da frase constituída pela fricativa [s] e 64 correspondentes as duas repetições consecutivas da frase constituída pela fricativa [z], produzidas pelos 32 sujeitos.

Após, os julgamentos foram feitos independentemente, por três fonoaudiólogas com experiência na área em avaliar alterações de fala associadas à fissura labiopalatina, incluindo as classificadas como distorções dento-oclusais, utilizando o programa Windows Media Player (Microsoft), em um computador de uso pessoal e fones de ouvido. As fonoaudiólogas foram instruídas a julgar auditivamente se, durante as duas repetições consecutivas de cada frase, pelo menos um dos segmentos fricativos inseridos nestas duas repetições foi produzido conforme o alvo (ausência de ceceio) ou se ocorreu ceceio (ou seja, quando o segmento fricativo foi produzido com algum tipo de distorção/ruído). Ao final, um único julgamento foi obtido para cada uma das duas frases, repetidas consecutivamente, resultando num total de 64 julgamentos (32 referentes à frase constituída por [s] e 32 referentes à frase constituída por [z]).

Exemplos de produções com e sem ceceio foram oferecidos aos fonoaudiólogos previamente aos julgamentos do estudo para efeito de calibração dos fonoaudiólogos. Após ouvirem cada frase, as fonoaudiólogas marcaram uma das alternativas (alvo ou ceceio) para cada uma das amostras de fala avaliadas, em uma planilha pré-elaborada para este fim. Vale ressaltar que não foi solicitada aos fonoaudiólogos a caracterização do tipo de ceceio, mas sim a identificação da presença ou ausência do mesmo, em pelo menos um segmento fricativo que constituía cada uma das duas frases, a partir de seu julgamento auditivo.

Os julgamentos realizados foram então compilados e um único julgamento foi obtido para cada criança indicando presença ou a ausência do ceceio nas frases com fricativas vozeadas e não vozeadas, utilizando para isso do critério de concordância da maioria dos juízes. Ou seja, a produção da criança foi considerada como apresentando ceceio durante a produção de [s] ou [z] quando pelo menos dois fonoaudiólogos identificaram o ceceio em pelo menos uma das consoantes fricativas que constituíram cada frase. A concordância entre os três juízes para as frases constituídas de [s] variou entre 56% e 78%, com 17 amostras das 32 julgadas com 100% de concordância. Para as frases constituídas de [z], a concordância variou entre 59% e 93%, com 19 amostras do total julgadas com 100% de concordância.

Aplicou-se o teste exato binomial com o intuito de verificar diferenças entre as categorias de fricativas estudadas (não vozeadas x vozeadas) produzidas pelo total de criança. Para a averiguação das suposições, foi adotado o nível de significância de 5 % (p<0,05).

RESULTADOS

Após três fonoaudiólogas julgarem as frases constituídas pelas fricativas, verificou-se ocorrência do ceceio (independentemente da fricativa alveolar) num total de 23 (72%) crianças. Particularmente, ao investigar diferenças na ocorrência de ceceio entre as fricativas vozeadas e não vozeadas, verificou-se que na fricativa [s], o ceceio ocorreu em 23 (72%) das 32 crianças enquanto que na fricativa [z] o ceceio esteve presente em 16 (50%) destas crianças. A Tabela 1 mostra a ocorrência do ceceio nas fricativas alveolares, vozeada e não vozeada, nas crianças investigadas. Ao comparar os julgamentos do ceceio entre as fricativas produzidas, observou-se aumento significante do ceceio para a fricativa alveolar [s] comparada à fricativa alveolar [z].

Tabela 1
Distribuição das frequências da ausência (produção alvo) e presença do ceceio nas fricativas alveolares, não vozeada e vozeada, produzidas por 32 crianças

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo mostraram que, a partir do julgamento perceptivo-auditivo, o ceceio foi identificado na maioria (72%, N=23) das crianças com fissura labiopalatina operada e alterações na relação inter-arcos significantes. Particularmente, quando as crianças produziram frases constituídas de [s] o ceceio foi identificado na fala de 72% das crianças. Já quando estas mesmas crianças produziram frase constituída da fricativa [z], o ceceio foi identificado na fala de 50% da população. De forma geral, estes achados indicam que deformidades dentofaciais favorecem a percepção auditiva das distorções (ceceio) na fala de crianças com fissura labiopalatina operada, confirmando descrições prévias para esta população1515 . Peterson-Falzone SJ, Trost-Cardamone JE, Karnell MP, Hardin-Jones MA. The clinician´s guide to treating cleft palate speech. St. Louis: Mosby; 2006.,1717 . Niemeyer TC, Fukushiro AP, Genaro KF. A produção de fonemas alveolares em casos com mordida cruzada total: análise pré e pós-cirúrgica. V Encontro Científico de Pós-Graduação do HRAC-USP; Novembro 2003; Bauru, São Paulo..

Vale ressaltar que nem todas as crianças do presente estudo apresentaram distorção/ceceio nas fricativas investigadas, ainda que todas apresentassem deformidades dento-faciais desfavoráveis, com prognóstico para tratamento ortodôntico pobre ou muito pobre, conforme apontado pelos critérios propostos na literatura2323 . Mars M, Plint DA, Houston WJB, Bergland O, Semb G. The Goslon Yardstick: a new system of assessing dental arch relationships in children with cleft lip and palate. Cleft Palate J. 1987;24:314-22.. Estes dados confirmam estudo prévio que observou uma não associação direta entre ceceio e índices oclusais (com variação no grau de severidade, ou seja, índice de Goslon entre 1 e 5) durante a produção de [s], quando a avaliação perceptiva auditiva e visual (simultânea) foi utilizada para investigar a fala de 106 crianças, (idade média de 8 anos, 8 meses) com fissura labiopalatina operada1818 . Whitaker ME, Freitas JS, Pegoraro-Krook MI, Ozawa TO, Lauris RC, Lauris JP. et al. Relationship between occlusion and lisping in children with cleft lip and palate. Cleft Palate-Craniofac J. 2012;49(1):96-103.. Os achados do presente estudo ainda vão de encontro com informações prévias reportadas na literatura1010 . Monteiro VR, Brescovici SM, Delgado SE. A ocorrência de ceceio em crianças de oito a onze anos em escolas municipais. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(2):213-8.,1414 . Doshi UH, Bhad-Patil W A. Speech defect and orthodontics: a contemporary review. Orthodontics. 2011;12(4):340-53. para crianças sem malformações craniofaciais, em que o ceceio não foi observado em todas os pré-escolares com má-oclusão. Nestes estudos a presença da alteração morfológica (má-oclusão) foi considerada como um fator que favorece a presença do ceceio, mas que não deve ser considerada como determinante para o mesmo.

De forma geral, os resultados encontrados para crianças com ou sem malformações craniofaciais indicam que outros fatores, além das alterações dento-faciais, devem ser considerados ao investigar a ocorrência do ceceio na população infantil, tais como: imaturidade sistema sensório motor oral2626 . Wertzner HF, Patah LK. Análise acústica do /s /e / S / em crianças com distúrbio fonológico. J. Bras. Fonoaudiol. 2001;2(7):169-74.; tônus de língua reduzido, em decorrência de respiração oral obstrutiva no caso da fissura palatina2727 . Fukushiro AP, Trindade IEK. Nasal airway dimensions of adults with cleft lip and palate: differences among cleft types Cleft Palate Craniofac J. 2005;42(4):396-402.; diferenças sensoriais devido à manipulação do tecido (cicatrizes) no caso da fissura labiopalatina2828 . Gibbon FE. Abnormal patterns of tongue-palate contact in the speech individuals with cleft palate. Clin Linguist Phon. 2004;18(4/5):285-311. e perdas auditivas frequentemente observadas na população infantil, em especial daquelas com história de fissura palatina2929 . Vallino LD, Zuker R, Napoli JA. A study of speech, language, hearing, and dentition in children with cleft lip only. Cleft Palate-Craniof J. 2008;45(5):485-645.,3030 . Phua YS, Salked LJ, Chalain TMB. Middle ear disease in children with cleft palate - protocols for manegement. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2009;73(2):307-13.. Por outro lado, a possibilidade das crianças em realizar adaptação eficiente as diferentes condições estruturais3131 . Pena CR, Pereira MMB, Bianchini EMG. Características do tipo de alimentação e da fala de crianças com e sem apinhamento dentário. Rev CEFAC. 2008;10(1):58-67. pode resultar em uma fala menos distorcida, o que dificultaria a percepção auditiva do ceceio na presença de uma deformidade facial.

No presente estudo observou-se que a seleção das consoantes fricativas interferiu na percepção auditiva do ceceio, com maior ocorrência do ceceio na fricativa alveolar [s] em comparação à [z]. Esta mesma tendência foi observada em um estudo preliminar envolvendo pré-escolares com alterações oclusais em que o ceceio foi mais percebido diante de [s] em condições de fala controlada1919 . Rocha SG, Fabron EMG, Dutka JCR, Berti LC, Marino VCC. Ocorrência do ceceio em fricativas alveolares produzidas por pré-escolares. 19º Congresso Brasileiro e 8º Internacional de Fonoaudiologia. Out-Nov, São Paulo, 2011. p. 803.. A maior ocorrência do ceceio, a partir da avaliação perceptivo-auditiva, em [s] pode ser justificada por vários fatores. Primeiramente, descrições acústicas indicam que as fricativas alveolares vozeadas apresentam menor intensidade e duração do que seus correspondentes desvozeados devido ao acoplamento da fonte glótica à fonte friccional2020 . Kent RD, Read C. The acoust analysis of speech. San Diego: Singular Publishing Group; 1992.. Presume-se que as pregas vocais abduzidas durante a produção das fricativas não vozeadas permitem que um maior volume de fluxo de ar passe através da glote em direção à cavidade de oral. Já as interrupções ou restrições da passagem do fluxo de ar nas fricativas vozeadas reduzem o volume de fluxo de ar e, portanto, a intensidade da turbulência no ponto de constrição. Tal fato pode ter contribuído para a maior identificação auditiva do ceceio em fricativas alveolares não vozeadas.

Ainda, estudos envolvendo eletropalatografia indicam diferenças no contato da língua/palato durante a produção de [s] e [z] em sujeitos com fala normal, com maior contato linguo/palatal para [z], além de um maior estreitamento no sulco em [z], quando produzido na posição inicial da palavra2121 . McLeod S, Roberts A, Sita J. Tongue/palate contact for the production of /s/ and /z/. Clin Ling & Phon. 2006;20(1):51-66.. Frente às estas considerações, pode-se sugerir que diferenças articulatórias entre [s] e [z] também podem ocorrer na presença do ceceio, porém em menor grau para o [z], permitindo maior percepção auditiva do mesmo diante de [s]. Além disso, a ocorrência de [z] em posição inicial da palavra é restrita para o português brasileiro, o que pode influenciar na produção e percepção do ouvinte de desvios da produção deste som.

Assim como na eletropalatografia, dados obtidos por meio da ressonância magnética também indicaram diferenças entre as consoantes fricativas não vozeadas e vozeadas (incluindo as fricativas alveolares), produzidas por adultos norte-americanos que apresentam fala normal. Por meio desta avaliação, observou-se uma tendência da raiz/base da língua (tongue root) em encontrar-se mais anteriorizada nas fricativas vozeadas, em relação aos correspondentes desvozeados2222 . Shadle C, Proctor M, Iskarous K. An MRI Study of the effect of vowel context on English Fricatives. Proc. of Joint ASA-EAA Conference, Paris, 2008. p.5101-6.. Considerando a ocorrência de diferenças no posicionamento da raiz da língua entre fricativas vozeadas e não vozeadas na produção de falantes normais, espera-se que esta diferença também seja encontrada, ainda que de forma menos marcada, na presença do ceceio (em que ocorre variabilidade na produção das fricativas).

De forma geral, a comparação dos achados do presente estudo com informações prévias torna-se difícil devido à escassez de estudos na literatura, em nível nacional e internacional, que tratam da presença de ceceio em sujeitos com fissura labiopalatina. Além disso, informações sobre possíveis distinções na produção e/ou percepção do ceceio, ao comparar as fricativas alveolares vozeada ou não vozeada, são restritas na literatura nacional, mesmo para sujeitos com má-oclusão, na ausência de fissura labiopalatina. No entanto, em um estudo prévio que envolveu pré-escolares com presença de má-oclusão (mas sem histórico de malformações craniofaciais)1919 . Rocha SG, Fabron EMG, Dutka JCR, Berti LC, Marino VCC. Ocorrência do ceceio em fricativas alveolares produzidas por pré-escolares. 19º Congresso Brasileiro e 8º Internacional de Fonoaudiologia. Out-Nov, São Paulo, 2011. p. 803. foi observada uma maior ocorrência do ceceio em [s] do que em [z]. Ainda que derivados de população distinta (pré-escolares sem malformações craniofaciais), os dados deste estudo preliminar apontam para a mesma tendência daquela observada no presente estudo. Futuras investigações são necessárias a fim de ampliar o conhecimento da presença do ceceio em fricativas vozeadas e não vozeadas em sujeitos com e sem malformações craniofaciais.

As informações derivadas do presente estudo podem contribuir na prática clínica uma vez que apontam que o ceceio pode ser mais facilmente percebido pelo falante e/ou avaliador, quando o mesmo ocorre na fricativa alveolar não vozeada, quando comparado com a fricativa alveolar vozeada. Verifica-se, então, que a fricativas [s] favorece a identificação do ceceio por parte do avaliador, podendo ser utilizada tanto em triagens quanto as avaliações clínicas fonoaudiológicas. Os resultados ainda indicam que palavras constituídas pela fricativa alveolar não vozeada podem favorece o início da terapia (por possibilitar maior percepção do desvio da produção), sendo que palavras constituídas por fricativa alveolar vozeada pode ser utilizada em um momento posterior, por serem contextos silábicos que parecem mais difíceis de serem monitoradas durante o processo terapêutico, uma vez que minimizam o efeito auditivo do ceceio. Ainda, a seleção do contexto fonético-fonológico da palavra pode propiciar, ao paciente, uma melhor percepção do ceceio, o que pode favorecer o processo terapêutico, quando se busca um contraste entre a presença e a ausência deste desvio na sua fala.

Além das contribuições derivadas do presente estudo, investigações futuras que forneçam informações sobre a produção de consoantes fricativas alveolares, não vozeadas e vozeadas, a partir de medidas acústicas podem ampliar ainda mais os conhecimentos sobre a fala de crianças com ceceio. Estudos prévios mostraram a importância da análise acústica para o entendimento da fala patológica2222 . Shadle C, Proctor M, Iskarous K. An MRI Study of the effect of vowel context on English Fricatives. Proc. of Joint ASA-EAA Conference, Paris, 2008. p.5101-6.,2626 . Wertzner HF, Patah LK. Análise acústica do /s /e / S / em crianças com distúrbio fonológico. J. Bras. Fonoaudiol. 2001;2(7):169-74.. Além disso, medidas articulatórias (ultrassonografia/eletropalatografia) podem colaborar no entendimento da produção de consoantes fricativas (vozeadas e não vozeadas) produzidas por adultos e crianças com e sem ceceio. A literatura reporta a importância da ultrassonografia3232 . Bacsfalvi P, Bernhardt BM. Long-term outcomes of speech therapy for seven adolescents with visual feedback technologies: ultrasound and electropalatography. Clin Linguist Phon. 2011;25(11-12):1034-43. e da eletropalatografia3333 . Lee ASY, Law J, Gibbon FE. Electropalatography for articulation disorders associated with cleft palate. Cochrane Database of Systematic Reviews 2009, Issue 3. Art. No.: CD006854.

34 . Wood S. Electropalatography in the assessment and treatment of speech difficulties in children with Down syndrome. Dows Syndr Res Pract. 2010;12(2):98-102.
-3535 . Nordberg A, Carlsson G, Lohmander A. Electropalatography in the description and treatment of speech disorders in five children with cerebral palsy. Clin Linguist Phon. 2011;25(10):831-52. para um maior entendimento da fala patológica envolvendo consoantes fricativas, incluindo aquelas relacionadas à FLP 3333 . Lee ASY, Law J, Gibbon FE. Electropalatography for articulation disorders associated with cleft palate. Cochrane Database of Systematic Reviews 2009, Issue 3. Art. No.: CD006854..

CONCLUSÃO

Os achados do presente estudo sugerem que condições dento-faciais desfavoráveis podem favorecer a ocorrência do ceceio em fricativas alveolares vozeada e não vozeada, quando identificado por meio do julgamento perceptivo-auditivo. Ainda mostra a influência da seleção da amostra de fala no julgamento perceptivo-auditivo, uma vez que a fricativa [s] tende a favorecer a identificação do ceceio, quando comparada com sua corresponde vozeada [z]. De forma geral estes achados apresentam informações adicionais sobre a influência do contexto fonético-fonológico na produção e na percepção dos fones fricativos alveolares que integram o sistema fonológico do Português Brasileiro. Tais informações podem contribuir para fins clínicos e de pesquisa na área da Motricidade Orofacial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2014

Histórico

  • Recebido
    19 Fev 2013
  • Aceito
    02 Jul 2013
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