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Questionário ABEL - Auditory Behavior in Everyday Life: estudo da confiabilidade - consistência interna da versão brasileira e reprodutibilidade no teste-reteste

Resumos

OBJETIVO:

verificar a confiabilidade (reprodutibilidade e consistência interna) da versão em português do questionário Auditory Behavior in Everyday Life e associações da pontuação com dados de anamnese e escolaridade dos entrevistados.

MÉTODOS:

foram entrevistados 18 pais de crianças entre quatro e 13 anos e 11 meses, usuárias de próteses auditivas. A versão em português do questionário foi aplicada em duas ocasiões. Estatisticamente, verificou-se a reprodutibilidade no teste-reteste e a consistência interna do instrumento. Foi investigado se valores obtidos na aplicação do questionário poderiam estar associados às variáveis da anamnese e à escolaridade dos entrevistados.

RESULTADOS:

o questionário mostrou-se reprodutível e com elevada consistência interna (Alfa de Cronbach>0,7). Houve associação entre o grau de perda auditiva e os itens "Atende ao telefone adequadamente" (p=0,004*), "Diz o nome de irmãos, membros da família e colegas de classe" (p=0,032*) e o Fator Consciência Auditiva (p=0,039*). Houve associação entre escolaridade dos entrevistados e o item "Solicita ajuda em situações necessárias" (p=0,027*).

CONCLUSÕES:

a versão em português do questionário ABEL tem confiabilidade: reprodutibilidade e consistência interna. Há associação entre o grau de perda auditiva e a pontuação em itens específicos e no Fator de Consciência Auditiva. Há associação entre a escolaridade dos entrevistados e o item "Solicita ajuda em situações necessárias".

Perda Auditiva; Criança; Auxiliares de Audição; Questionários; Reabilitação de Deficientes Auditivos


PURPOSE:

to check the reliability (reproducibility and internal consistency) of the Portuguese version of the questionnaire Auditory Behavior in Everyday Life and the score associations with anamnesis and with interviewed people's schooling.

METHODS:

we interviewed 18 parents of children between four and 13 years and 11 months, hearing aids users. The Portuguese version of the questionnaire was administered on two occasions. We verified the reproducibility of the test-retest and internal consistency and we investigated whether the values of the questionnaire could be associated with variables of anamnesis and with interviewee's schooling.

RESULTS:

the questionnaire proved to be reproducible and had high internal consistency (Cronbach's Alpha>0.7). There was an association between the degree of hearing loss and scores in item "Answers telephone appropriately" (p=0.004*) and "Says the names of siblings, family members, classmates" (p=0.032*) and scores on Auditory Awareness Factor (p=0.039*). There was an association between interviewee's schooling and the scores in item "Asks for help in situations where it is needed" (p=0.027*).

CONCLUSIONS:

the Portuguese version of ABEL showed reliability - reproducibility and internal consistency. There is an association between the degree of hearing loss and scores on specific items and in Auditory Awareness Factor. There is an association between interviewee's schooling and the score in item "Asks for help in situations where it is needed".

Hearing Loss; Child; Hearing Aids; Questionnaires; Rehabilitation of Hearing Impaired


Introdução

O diagnóstico precoce da perda auditiva tem proporcionado a adaptação de dispositivos eletrônicos de amplificação sonora em crianças muito novas.

A adaptação de tais dispositivos na população pediátrica é uma tarefa bastante difícil. Para seu sucesso é necessário não só ter conhecimento suficiente da perda auditiva de cada paciente, mas também sobre o desenvolvimento auditivo e comportamentos esperados no processo de seleção e adaptação destes dispositivos eletrônicos. Deve-se conhecer também quais os sinais que podem indicar melhora da resposta ao som com consequente melhora do comportamento global.

Para ter acesso a estas informações, o fonoaudiólogo que trabalha com a adaptação de próteses auditivas ou com a ativação e mapeamento de implantes cocleares tem de se contentar, frequentemente, com informações limitadas, na maior parte das vezes subjetivas, obtidas no discurso de pais, professores, terapeutas e familiares que convivem com os pacientes. Para que ajustes precisos sejam realizados, e para que sejam oferecidas orientações sobre o uso de próteses e implantes da melhor forma e em diferentes ambientes acústicos, são necessários dados mais pontuais, concretos e mensuráveis. Isso pode ser obtido por meio da aplicação de escalas ou questionário formulados para este fim. Além destes, é essencial enfatizar a importância de medidas objetivas, tais como as medidas in situ, que permitem confrontar se uma boa adaptação determinada por estes dados são refletidas nas informações coletadas por meio de questionários.

Já existem alguns instrumentos validados para a população pediátrica, elaborados para esta avaliação, a maior parte deles disponíveis apenas na língua inglesa, na forma de questionários ou escalas. Como exemplos de questionários deste tipo, já traduzidos para o português brasileiro, pode-se citar o MAIS - Meaningful Auditory Integration Scale 11. Robbins AM, Renshaw J, Berry S. Evaluating meaningful auditory integration in profoundly hearing-impaired children. Am J Otol. 1991;12(Suppl):144-50. e o IT-MAIS - Infant-Toddler Meaningful Auditory Integration Scale 22. Zimmerman-Phillips S, Osberger MJ, Robbins AM. Infant-Toddler Meaningful Auditory Integration Scale (IT-MAIS). Sylmar: Advanced Bionics Corporation; 1997., ambos traduzidos e adaptados para o português33. Castiquini EAT, Bevilacqua MC. Escala de Integração Auditiva Significativa: Procedimento Adaptado para a Avaliação da Percepção da Fala. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2000;6:51-60. , 44. Castiquini EAT, Bevilacqua MC. Avaliação da percepção da fala em crianças deficientes auditivas profundas. In: XIII Encontro Internacional de Audiologia; 1998; Bauru. Anais. São Paulo: Academia Brasileira de Audiologia; 1998. p.81. que definem os marcos do desenvolvimento auditivo e oral da criança (MAIS) e do bebê (IT-MAIS), mas com aplicação limitada àqueles que apresentam perda auditiva de grau profundo. Há ainda a escala PEACH - Parents' Evaluation of Aural/Oral Performance of Children 55. Ching T, Hill M. The Parents' Evaluation of Aural/Oral Performance of Children (PEACH) Scale: Normative Data. J Am Acad Audiol. 2007;18(3):220-35., traduzida e adaptada para o português 66. Levy CCAC, Rosemberg S. Crianças com ecefalopatia crônica não evolutiva: avaliação audiológica e próteses auditivas. Pró-Fono R Atual Cient. 2009;21(3):237-42. que foi desenvolvida para ser utilizada tanto em bebês quanto em crianças de idade escolar, que têm perda auditiva variando de grau leve a profundo. O questionário ABEL - Auditory Behavior in Everyday Life 77. Purdy SC, Farrington DR, Chard LL, Hodgson SA. A Parental Questionnaire to evaluate Children´s Auditory Behavior in Everyday Life (ABEL). Am J Audiol. 2002;11:72-82. também foi traduzido e adaptado culturalmente ao português brasileiro 88. Souza MRF, Osborn E, Gil D, Iorio MCM. Tradução e adaptação do questionário ABEL - Auditory Behavior in Everyday Life para o Português Brasileiro. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2011;23(4):368-75., sendo denominado de CAAD - Comportamento Auditivo nas Atividades Diárias (Figura 1). Trata-se de um instrumento apropriado para a aplicação em pais de crianças com deficiência auditiva de grau leve a profundo, de quatro a 14 anos de idade, composto por 24 perguntas, divididas em três fatores: Oral-Aural, Consciência Auditiva e Habilidades Sociais e de Conversação, além do Escore Total. Este questionário se propõe a avaliar o comportamento auditivo nas atividades diárias.

Qualquer instrumento deste tipo deve ser avaliado com relação a dois parâmetros ou propriedades psicométricas: confiabilidade e validade. Embora já seja possível o acesso a questionários traduzidos, nenhum dos instrumentos citados anteriormente é validado para a população brasileira, nem teve sua confiabilidade testada para a população de deficientes auditivos. A validade é determinada com base na capacidade que o instrumento tem de medir aquilo a que se propõe 99. Menezes PR, Nascimento AF. Validade e confiabilidade das escalas de avaliação em psiquiatria. In: Gorenstein C, Andrade LHG, Zuardi AW. Escalas de Avaliação Clínica em Psiquiatria e Psicofarmacologia. São Paulo: Lemos Editora; 2000. p.23-8.. A confiabilidade está relacionada com a reprodutibilidade de uma medida, ou ao grau de concordância entre múltiplas medidas e um mesmo objeto, e sua consistência, que permite calcular a correlação entre cada item do teste e o restante ou total dos itens 1010. Sato FP. Validação da versão em português de um questionário para avaliação do autismo infantil. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2008..

Desta forma, o presente trabalho teve como objetivos: verificar a reprodutibilidade da versão em português do questionário ABEL - Auditory Behavior in Everyday Life; verificar a consistência interna da versão em português do questionário ABEL - Auditory Behavior in Everyday Life; investigar possíveis associações dos valores obtidos na aplicação do instrumento com a diferença entre a idade das crianças no momento do diagnóstico e a idade no momento da protetização, o tempo de uso diário das próteses auditivas e o grau de perda auditiva das crianças; e possíveis associações dos valores obtidos na aplicação do instrumento com a escolaridade dos entrevistados.

Figura 1:
Versão em português do questionário ABEL - Auditory Behavior in Everyday Life

Métodos

O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem, por meio do protocolo de número 1097/08, como parte integrante do projeto inicial de tradução do questionário ABEL - Auditory Behavior in Everyday Life. Somente participaram da pesquisa pais e/ou cuidadores previamente avisados sobre os objetivos e métodos do estudo, que autorizaram o uso dos dados coletados, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Esta investigação consistiu em um estudo observacional transversal.

O estudo foi realizado no período entre maio e dezembro de 2010.

A casuística foi selecionada a partir de uma lista de crianças de quatro anos a 13 anos e 11 meses, que apresentassem perda auditiva neurossensorial bilateral, que tivessem sido adaptadas ou readaptadas com próteses auditivas nos anos de 2008 ou 2009. Optou-se por recrutar apenas crianças nessa faixa etária tomando por base o estudo publicado na criação do questionário original 77. Purdy SC, Farrington DR, Chard LL, Hodgson SA. A Parental Questionnaire to evaluate Children´s Auditory Behavior in Everyday Life (ABEL). Am J Audiol. 2002;11:72-82..

Foi realizada a consulta ao prontuário de cada paciente, a fim de detalhar o tipo e grau da perda auditiva e sua localização (se uni ou bilateral).

As crianças deveriam obedecer aos seguintes critérios de elegibilidade:

  • Apresentar perda auditiva bilateral de tipo neurossensorial e de grau leve a profundo, segundo as médias aritméticas dos limiares obtidos em 500, 1000 e 2000 Hz;

  • Fazer uso de próteses auditivas bilateralmente.

Foram considerados critérios de exclusão os problemas evidentes de saúde que impedissem a observação das atividades referidas no questionário (tais como retardo mental e/ou outros comprometimentos neurológicos graves).

Foram avaliadas 18 crianças que se encaixaram nos critérios descritos, sendo dez (55,6%) do sexo feminino e oito (44,4%) do sexo masculino. A Tabela 1 mostra a distribuição dos participantes por faixa etária.

Tabela 1:
Distribuição da casuística de pacientes quanto à faixa etária

Inicialmente, foi realizada uma entrevista com os responsáveis pelas crianças, formulada pela própria autora, com base na anamnese empregada no Ambulatório de Avaliação Audiológica Infantil da instituição em que foi realizado o estudo. Nesta entrevista, foram investigados dados pessoais, dados referentes à perda auditiva (início, duração), época da intervenção, tempo de uso diário das próteses auditivas, dados escolares e de saúde geral.

Dos 18 pais ou cuidadores entrevistados, 17 (94,4%) eram do sexo feminino e um (5,6%) era do sexo masculino. Apresentaram idade média de 36,67 anos. Quanto à escolaridade, sete (38,9%) cursaram o Ensino Médio Completo, seis (33,3%) o Ensino Fundamental Incompleto, três (16,7%) o Ensino Fundamental Completo, um (5,6%) o Ensino Médio Incompleto e um (5,6%) o Ensino Superior Incompleto. Nenhum dos entrevistados concluiu o Ensino Superior.

Após a entrevista, foi aplicado oralmente o questionário ABEL - Auditory Behavior in Everyday Life traduzido e adaptado para o português 88. Souza MRF, Osborn E, Gil D, Iorio MCM. Tradução e adaptação do questionário ABEL - Auditory Behavior in Everyday Life para o Português Brasileiro. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2011;23(4):368-75.. O instrumento tem como objetivo investigar o comportamento auditivo da criança de quatro a 14 anos de idade, deficiente auditiva, em seu dia-a-dia.

O questionário é composto por 24 itens, cuja soma da pontuação resulta no escore total. As questões são ainda divididas em três fatores: 11 referentes ao aspecto Oral-Aural, que verifica a recepção auditiva e a resposta verbal aos sons (itens 1; 2; 3; 4; 10; 12; 13; 14; 18; 21 e 22); dez referentes à Consciência Auditiva aos sons ambientais (itens 7; 8; 15; 16; 18; 19; 20; 22; 23 e 24) e cinco referentes às Habilidades Sociais, de Conversação e de Independência Funcional (itens 5; 6; 9; 11 e 17). Duas questões estão presentes em dois fatores simultaneamente. O tempo médio para aplicação deste questionário é de aproximadamente vinte minutos.

Para cada item, os pais tiveram de optar por uma das seguintes respostas, com relação à frequência do comportamento referido, apresentado pela criança: nunca (0 ponto), quase nunca (1 ponto), ocasionalmente (2 pontos), cerca de metade do tempo (3 pontos), frequentemente (4 pontos), quase sempre (5 pontos) e sempre (6 pontos). As questões 11 e 20 são reversas. Para que não se esquecessem das opções de resposta que tinham, foi oferecida aos pais uma prancha, em papel cartão, contendo as seis opções de resposta. As perguntas eram feitas oralmente, mas o acesso às respostas possíveis poderia, desta forma, ser recordado durante toda a aplicação do instrumento.

Após o preenchimento do questionário, foi possível obter um escore total, resultante da soma dos pontos dos 24 itens, e três outros escores/fatores específicos: Oral-Aural, de Consciência Auditiva e de Habilidades Sociais e de Conversação. Quanto maior a pontuação obtida, melhor o desempenho da criança para cada um dos aspectos medidos.

O questionário ABEL/CAAD foi reaplicado pelo mesmo avaliador, em uma segunda ocasião, seguindo o mesmo protocolo anteriormente descrito, quinze dias após a primeira aplicação. A segunda aplicação foi realizada no mesmo dia da semana, no mesmo horário e local da primeira aplicação, a fim de se evitar que a ocorrência de efeitos externos pudesse interferir na acurácia dos resultados.

Foi realizada a análise estatística dos dados coletados. Inicialmente, foram descritas as variáveis investigadas na anamnese e no questionário para levantamento do perfil social, econômico e cultural dos entrevistados, sendo as variáveis categóricas detalhadas por meio de frequência absoluta (n) e relativa (%), e as variáveis quantitativas descritas por meio da média, mediana, desvio-padrão, valores mínimo e máximo e percentis 25, 50 e 75. Após essa etapa, verificou-se a confiabilidade do questionário ABEL/CAAD: a reprodutibilidade no teste-reteste, por meio do Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon, bem como sua consistência interna, com uso do Teste da Estatística Alfa de Cronbach. Ao final, foram investigados se valores obtidos na primeira aplicação do instrumento poderiam estar associados às variáveis quantitativas investigadas na anamnese e à escolaridade dos entrevistados, o que foi realizado com uso da Análise de Correlação de Spearman. O nível de significância adotado para aplicação dos testes estatísticos foi de 0,05 (5%) e valores estatisticamente significantes foram assinalados nas tabelas com um asterisco.

Resultados

A casuística foi detalhada quanto à idade atual, idade na suspeita da deficiência auditiva, idade na confirmação da deficiência auditiva, idade na protetização e tempo de uso diário das próteses auditivas (Tabela 2).

Tabela 2:
Medidas descritivas das idades atual, na suspeita e na confirmação da deficiência auditiva, na protetização e tempo de uso diário das próteses auditivas (n=18)

Com relação à realização de terapia fonoaudiológica atual ou anterior, sete (38,9%) disseram passar ou já ter passado por este processo e 11 (61,1%) alegaram nunca ter feito terapia fonoaudiológica.

Quanto ao tempo de uso diário das próteses auditivas, quatro (22,2%) referiram permanecer com próteses até dez horas diárias e 14 (77,8%) afirmaram fazer uso por dez horas diárias ou mais.

No que concerne ao grau da perda auditiva na melhor orelha, cinco pacientes (27,8%) apresentaram perda auditiva de grau leve ou moderado, oito pacientes (44,4%) apresentaram perda auditiva de grau moderadamente severo ou severo e cinco pacientes (27,8%) apresentaram perda auditiva de grau profundo.

A partir das pontuações obtidas pelos pacientes avaliados na aplicação e reaplicação do questionário, procurou-se verificar possíveis diferenças entre os resultados obtidos no teste-reteste, cujos resultados são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3:
Medidas descritivas dos escores obtidos na aplicação do questionário ABEL por questão, por fator e escore total e reprodutibilidade no teste-reteste

Como os valores das significâncias calculadas (p) são, em todos os casos, maiores do que 5% (0,050), pode-se afirmar que as diferenças entre os valores do teste e do reteste não são estatisticamente significantes, indicando que o instrumento estudado consegue ser reaplicado e seus resultados são semelhantes.

Foi verificado o grau de confiabilidade do instrumento estudado, em termos de consistência interna dos valores observados. Como os valores dos coeficientes estão, todos, acima de 0,700, pode-se afirmar que a confiabilidade dos valores observados é 'elevada' (Tabela 4).

Tabela 4:
Verificação da consistência interna para os diferentes fatores e para o escore total do questionário ABEL

Foi investigado se valores obtidos na primeira aplicação do instrumento poderiam estar associados às variáveis investigadas na anamnese, a saber: diferença entre a idade no diagnóstico da deficiência auditiva e na ocasião de adaptação de prótese auditiva, o tempo de uso diário de próteses auditivas e o grau de perda auditiva. A mesma análise foi realizada com relação à escolaridade dos entrevistados. Os resultados são apresentados na Tabela 5.

Tabela 5:
Grau de correlação entre a pontuação obtida no questionário ABEL e a diferença entre a idade no diagnóstico da deficiência auditiva e na ocasião de adaptação de próteses auditivas, o tempo de uso diário de próteses auditivas, o grau da perda auditiva dos pacientes e o grau de escolaridade dos entrevistados

Discussão

Foi possível observar reprodutibilidade do instrumento em todas as questões, no Escore Total e nos Escores Oral-Aural, de Consciência Auditiva e de Habilidades Sociais e de Conversação (Tabela 3). A aplicação do Teste de Estatística Alfa de Crombach demonstrou elevada consistência interna do instrumento (Tabela 4). Outros pesquisadores procuraram realizar investigações semelhantes para este instrumento em sua versão em inglês e para outros instrumentos empregados na avaliação de intervenções clínicas, encontrando reprodutibilidade e/ou consistência interna semelhantes aos observados no presente estudo 55. Ching T, Hill M. The Parents' Evaluation of Aural/Oral Performance of Children (PEACH) Scale: Normative Data. J Am Acad Audiol. 2007;18(3):220-35. , 77. Purdy SC, Farrington DR, Chard LL, Hodgson SA. A Parental Questionnaire to evaluate Children´s Auditory Behavior in Everyday Life (ABEL). Am J Audiol. 2002;11:72-82. , 1111. O'Neill C, Lutman ME, Archbold SM, Gregoryd S, Nikolopoulos TP. Parents and their cochlear implanted child: questionnaire development to assess parental views and experiences. Int J Pediatr Otorhi. 2004;68:149-60.

12. Kubba H, Swan IRC, Gatehouse S. The Glasgow Children´s Benefit Inventory: a new instrument for assessing health-related benefit after an intervention. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2004; 113:980-6.
- 1313. Lin FR, Ceh K, Bervinchak D, Riley A, Miech R, Niparko JK. Development of communicative perfomence scale for pediatric cochlear implantation. Ear Hear 2007;28(5):703-12..

Ao verificar se valores obtidos na primeira aplicação do questionário poderiam estar associados às variáveis quantitativas pesquisadas em anamnese, a saber, diferença entre idade no momento do diagnóstico e idade no momento da protetização, tempo de uso diário das próteses auditivas e grau de perda auditiva, não foram encontradas associações estatisticamente significantes entre a pontuação obtida no questionário e a diferença entre a idade no diagnóstico da deficiência auditiva e na ocasião de adaptação de próteses auditivas. Embora a aplicação do questionário ABEL não tenha evidenciado uma maior pontuação naqueles que permaneceram menos tempo em privação auditiva, existe um consenso que a adaptação de próteses auditivas em crianças ocorra precocemente, logo após o diagnóstico da surdez, para evitar os efeitos da privação sensorial sobre o desenvolvimento global e, em especial, da linguagem. A identificação precoce da perda auditiva não resulta em um melhor desenvolvimento infantil, mas sim a idade em que a criança tem acesso à linguagem e à comunicação por meio da intervenção realizada, sendo a última a causa real de um bom resultado 1414. Yoshinaga-Itano C. Levels of evidence: universal newborn hearing screening (UNHS) and early hearing detection and intervention systems (EHDI). J Commun Disord. 2004;37(5):451-65.. Não foi analisada a variável "tempo de adaptação próteses auditivas", considerando se tratar de um grupo bastante heterogêneo com relação a idade, o que poderia dificultar a interpretação deste dado (crianças mais novas teriam fatalmente menos tempo de uso que parte das crianças mais velhas). Optou-se por avaliar o tempo de privação auditiva, anterior à adaptação da prótese, e sua possível repercussão no resultado do questionário, por ser um dado mais homogêneo, considerando que todos os pacientes já estavam protetizados no momento da coleta de dados.

Também não foram encontradas associações estatisticamente significantes entre a pontuação obtida no questionário e o tempo de uso diário do dispositivo eletrônico de amplificação. Este achado por ser explicado pelo fato da maior parte dos participantes fazer uso da prótese por um número de horas considerável, o que dificultou a comparação entre sujeitos de perfis distintos (vide Tabela 1, cujo percentil 25 é de 9 horas de uso diárias, e cujos percentis 50 e 75 são de 12 horas diárias). No entanto, já foram encontradas diferenças significantes com relação ao tempo de uso diário das próteses auditivas para o escore oral-aural, para o escore total e para o Escore de Consciência Auditiva do questionário ABEL: crianças que faziam uso das próteses auditivas por mais tempo apresentaram melhor desempenho medido pelo questionário para estes aspectos 88. Souza MRF, Osborn E, Gil D, Iorio MCM. Tradução e adaptação do questionário ABEL - Auditory Behavior in Everyday Life para o Português Brasileiro. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2011;23(4):368-75..

No que concerne ao grau de perda auditiva e comportamento auditivo nas atividades diárias, foi possível verificar correlação negativa para o grau de perda auditiva e as pontuações obtidas nas questões 07 ("atende ao telefone adequadamente") e 14 ("diz o nome de irmãos, membros da família e colegas de classe"), bem como para o Fator de Consciência Auditiva. Para estes, quanto maior o grau de perda auditiva, pior o desempenho medido pelo questionário. Tais resultados estão dentro do esperado, tendo em vista que, para as atividades referidas, é necessário ter boa sensibilidade auditiva. Isso é verdadeiro, principalmente, ao pensar na atividade de falar ao telefone, em que não há outro sinal que não seja auditivo para auxiliar na compreensão da mensagem. O questionário foi formulado para ser aplicado a pais e cuidadores de crianças com perda auditiva de grau leve a profundo 77. Purdy SC, Farrington DR, Chard LL, Hodgson SA. A Parental Questionnaire to evaluate Children´s Auditory Behavior in Everyday Life (ABEL). Am J Audiol. 2002;11:72-82., e as pontuações menores em crianças com perda de grau severo ou profundo são esperadas, mas sujeitas a mudança após intervenção fonoaudiológica, por meio da adaptação de dispositivos de amplificação, daí a importância de sua aplicação ao longo do desenvolvimento, de maneira a monitorar a evolução do comportamento auditivo. No estudo em que fora publicada a versão original do instrumento, de seis pacientes com perda auditiva profunda, avaliados antes da ativação do implante coclear, apenas um apresentou escore total maior que dois pontos. Após 36 meses da ativação, todos os pacientes obtiveram escore total acima de três pontos no questionário ABEL.

Os achados da presente pesquisa corroboram com os resultados descritos na literatura, em que, em instrumentos de avaliação subjetiva do comportamento auditivo, foram encontradas pontuações menores ou pior desempenho nas crianças com perdas auditivas maiores 77. Purdy SC, Farrington DR, Chard LL, Hodgson SA. A Parental Questionnaire to evaluate Children´s Auditory Behavior in Everyday Life (ABEL). Am J Audiol. 2002;11:72-82. , 88. Souza MRF, Osborn E, Gil D, Iorio MCM. Tradução e adaptação do questionário ABEL - Auditory Behavior in Everyday Life para o Português Brasileiro. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2011;23(4):368-75. , 1515. Vohr B, Jodoin-Krauzyk J, Tucker R, Johnson MJ, Topol D, Ahlgren M. Early language outcomes of early-identified infants with permanent hearing loss at 12 to 16 months of age. Pediatrics. 2008;122(3):535-44. , 1616. Pipp-Siegel S, Sedey AL, VanLeeuwen AM, Yoshinaga-Itano C. Mastery Motivation and Expressive Language in young children with hearing loss. J Deaf Stud Deaf Educ. 2003;8(2):133-45..

Ao verificar se valores obtidos na primeira aplicação do instrumento poderiam estar associados à escolaridade dos entrevistados, somente uma relação apresentou resultado estatisticamente significante: para a questão 10 ("solicita ajuda em situações necessárias"), quanto maior o grau de escolaridade dos pais, pior o desempenho da criança neste item. A investigação da escolaridade dos pais foi realizada supondo que esta poderia influenciar positivamente, ou seja, que quanto maior fosse o nível de escolaridade dos familiares, maior seria o escore no questionário ABEL, o que refletiria melhor desempenho da criança nas habilidades avaliadas pelo questionário. A literatura alega que o nível intelectual e o nível educacional dos pais que respondem a instrumentos similares ao ABEL, no caso o CDI - Communicative Development Inventories, podem influenciar nas respostas por eles oferecidas 1717. Law J, Roy P. Parental report of infant language skills: a review of the development and application of the Communicative Development Inventories. Child and Adolescent Mental Health. 2008;13(4):198-206.. No entanto, foi encontrada uma correlação negativa, diferente da esperada. A existência de altos índices de negligência dos pais no cotidiano dos filhos pode ser observada tanto com relação a estudantes de escolas públicas quanto privadas, o que deixa claro que a falta de comprometimento de alguns pais não é uma questão de falta de condições socioeconômicas, ou de baixa escolaridade, mas uma condição que atinge todas as camadas sociais entre as famílias modernas 1818. Hutz CS, Bardagir MP. Indecisão profissional, ansiedade e depressão na adolescência: a influência dos estilos parentais. Psico-USF. 2006;11(1):65-73.. A restrição na proximidade com os filhos, devido ao tempo limitado dos pais modernos, é mediada por tecnologias de virtualidade, como a internet, as mensagens instantâneas ou o celular, que acabam por propiciar a redução do convívio físico. Soma-se a isso o fato das crianças, desde cedo, frequentarem escolas, possibilitando um leque de possibilidades de figuras de identificação além das figuras parentais 1919. Pazian RT. Os sentimentos maternos diante da hospitalização da criança pequena: em busca de um colo. Assis: Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista; 2007.. Desta forma, os hábitos decorrentes da modernidade acabam por muitas vezes por tornar o convívio entre pais e filhos mais restrito, o que pode justificar uma maior busca de ajuda por parte dos filhos cujos pais tem menor nível escolar e, possivelmente, menos atribuições da vida moderna. Outras famílias e crianças poderão se deparar com outros recursos e/ou com a presença de outras pessoas fora do círculo familiar (babás, cuidadores, professores), aos quais podem vir a recorrer quando necessário.

Conclusões

Há reprodutibilidade no teste-reteste do questionário ABEL - Auditory Behavior in Everyday Life/CAAD - Comportamento Auditivo nas Atividades Diárias, o que comprova que o instrumento estudado consegue ser reaplicado e seus resultados se mantêm semelhantes.

O questionário ABEL - Auditory Behavior in Everyday Life/CAAD - Comportamento Auditivo nas Atividades Diárias apresenta consistência interna, o que demonstra que os itens que se propõe a medir o mesmo construto geral produzem resultados semelhantes.

Há associação entre o grau de perda auditiva os itens "Atende ao telefone adequadamente", "Diz o nome de irmãos, membros da família e colegas de classe" e no Fator de Consciência Auditiva do questionário ABEL - Auditory Behavior in Everyday Life/CAAD - Comportamento Auditivo nas Atividades Diárias: quanto maior o grau de perda auditiva na melhor orelha, pior é o desempenho das crianças.

Há associação entre a escolaridade dos entrevistados e o item "Solicita ajuda em situações necessárias" do questionário ABEL - Auditory Behavior in Everyday Life/CAAD - Comportamento Auditivo nas Atividades Diárias: quanto menor o grau de escolaridade dos pais, maior é o desempenho da criança.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, pelo auxílio à pesquisa, concedido na forma de Bolsa de Mestrado.

  • 1
    Robbins AM, Renshaw J, Berry S. Evaluating meaningful auditory integration in profoundly hearing-impaired children. Am J Otol. 1991;12(Suppl):144-50.
  • 2
    Zimmerman-Phillips S, Osberger MJ, Robbins AM. Infant-Toddler Meaningful Auditory Integration Scale (IT-MAIS). Sylmar: Advanced Bionics Corporation; 1997.
  • 3
    Castiquini EAT, Bevilacqua MC. Escala de Integração Auditiva Significativa: Procedimento Adaptado para a Avaliação da Percepção da Fala. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2000;6:51-60.
  • 4
    Castiquini EAT, Bevilacqua MC. Avaliação da percepção da fala em crianças deficientes auditivas profundas. In: XIII Encontro Internacional de Audiologia; 1998; Bauru. Anais. São Paulo: Academia Brasileira de Audiologia; 1998. p.81.
  • 5
    Ching T, Hill M. The Parents' Evaluation of Aural/Oral Performance of Children (PEACH) Scale: Normative Data. J Am Acad Audiol. 2007;18(3):220-35.
  • 6
    Levy CCAC, Rosemberg S. Crianças com ecefalopatia crônica não evolutiva: avaliação audiológica e próteses auditivas. Pró-Fono R Atual Cient. 2009;21(3):237-42.
  • 7
    Purdy SC, Farrington DR, Chard LL, Hodgson SA. A Parental Questionnaire to evaluate Children´s Auditory Behavior in Everyday Life (ABEL). Am J Audiol. 2002;11:72-82.
  • 8
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    17 Out 2013
  • Aceito
    29 Jan 2014
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