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Avaliação da motricidade orofacial em indivíduos com neurofibromatose tipo 1

Resumos

OBJETIVO:

descrever e caracterizar as alterações da motricidade orofacial de indivíduos com neurofibromatose tipo 1 (NF1) e correlacionar as alterações encontradas com manifestações clínicas da neurofibromatose tipo 1, mais especificamente com a redução da força muscular.

MÉTODOS:

participaram deste estudo, 24 indivíduos com neurofibromatose tipo 1, sendo 12 do sexo masculino e 12 do sexo feminino, com idades entre 14 e 50 anos, pareados por sexo e idade, com indivíduos voluntários não acometidos pela doença. Todos os indivíduos foram avaliados quanto à força máxima de preensão manual (Fmáx) e submetidos à avaliação da motricidade orofacial utilizando o protocolo MBGR.

RESULTADOS:

os principais achados deste estudo demonstraram que os indivíduos com neurofibromatose tipo 1 apresentaram maior prevalência de alterações das estruturas fonoarticulatórias e diferenças significantes (p < 0,05) quando comparados ao grupo controle em relação à postura corporal e de órgãos fonoarticulatórios, mobilidade, tônus, dor à palpação e funções estomatognáticas. O escore total do teste também apresentou coeficiente de correlação de Spearman significantes com nível de significância menos que 5% em relação a Fmáx.

CONCLUSÃO:

os indivíduos com NF1 apresentaram maior prevalência das alterações fonoarticulatórias com repercussões significantes sobre as funções de respiração, mastigação, deglutição e fala. Estas alterações estiveram relacionadas com a redução global da Fmáx.

Neurofibromatose 1; Fonoaudiologia; Terapia Miofuncional; Força Muscular


PURPOSE:

to describe and characterize alterations in orofacial function in individuals with neurofibromatosis type 1 and to correlate these changes with the clinical manifestations of neurofibromatosis type 1 and muscular strength.

METHODS:

the study included 24 individuals with neurofibromatosis type 1, 12 men and 12 women, aged 14-50 years, matched by sex and age with volunteers not affected by the disease. All subjects were evaluated for maximal handgrip force and, using the MBGR protocol, for orofacial motricity.

RESULTS:

individuals with neurofibromatosis type 1 had a higher prevalence of abnormal phono-articulatory patterns and significant differences (p < 0.05) relative to controls in body posture, speech organs, mobility, muscle tone, pain on palpation, and stomatognathic functions. Moreover, MBGR test score totals showed significant (p < 0.05) Spearman's correlation coefficients with maximal handgrip force.

CONCLUSION:

patients with neurofibromatosis type 1 had a relatively high prevalence of phono-articulatory changes and significant impacts on the functions of breathing, chewing, swallowing, and speaking. These alterations were correlated with a disease-related reduction of systemic muscular strength.

Neurofibromatosis 1; Speech, Language, and Hearing Sciences; Myofunctional Therapy; Muscle Strength


Introdução

A neurofibromatose (NF) é a denominação de um grupo de doenças causadas por mutações genéticas classificadas como neurofibromatose tipo 1, neurofibromatose tipo 2 e a schwanomatose11. Ferner RE, Huson SM, Thomas N, Moss C, Willshaw H, Evans DG et al. Guidelines for the diagnosis and management of individuals with neurofibromatosis 1. J Med Genet. 2007;44(2):81-8.. Entre elas, destaca-se a neurofibromatose do tipo 1 (NF1) por ser uma das alterações genéticas mais frequentes na espécie humana22. Korf BR, Rubestein AE. Neurofibromatosis: a handbook for patients, families, and health care professionals. 2nd ed. New York: Thieme; 2005.. A NF1 se caracteriza por lesões neurocutâneas como manchas café com leite, efélides símiles axilares, inguinais e periorais, neurofibromas cutâneos, nódulos de Lisch e displasias ósseas33. Barker D, Wright E, Nguyen K, Cannon L, Fain P, Goldgar D et al. Gene for von Recklinghausen neurofibromatosis is in the pericentromeric region of chromossome 17. Sciene. 1987;236:1100-2.. As manifestações clínicas têm sido consideradas, na maioria dos casos, discretas e benignas, mas com possibilidade de acometimento além de alterações cognitivas e comportamentais capazes de interferir no aprendizado e desenvolvimento psicossocial33. Barker D, Wright E, Nguyen K, Cannon L, Fain P, Goldgar D et al. Gene for von Recklinghausen neurofibromatosis is in the pericentromeric region of chromossome 17. Sciene. 1987;236:1100-2..

Além destas anormalidades, estudo preliminar realizado no Centro de Referência em Neurofibromatose de Minas Gerais (CRNF-MG) observou alterações fonoaudiológicas em 30 a 40% dos indivíduos com NF1 caracterizadas por disfonia, imprecisão articulatória e hipernasalidade44. Silva CM, Valentin HO, Rodrigues LOC, Rezende NA. High incidence of voice and motor control disturbances in NF1: a preliminary report. In: Models, mechanisms and therapeutic targets. NF Conference 2007: Proceedings of the Childrens Tumor Foundation Conference; 2007 Jun 10-12. Park City, USA; 2007. p. 52-3.. Outros estudos, desenvolvidos com diferentes faixas etárias de indivíduos com NF1 apontaram resultados semelhantes em relação aos distúrbios da comunicação, envolvendo a voz e a motricidade orofacial55. Cosyns M, Mortier G, Corthals P, Janssens S, Saharan N, Stevens E et al. Speech fluency in neurofibromatosis type 1. J Fluency Disord. 2010;35(1):59-69.

6. Cosyns M, Mortier G, Corthals P, Janssens S, Saharan N, Bogaert F, et al. Articulation in schoolchildren and adults with neurofibromatosis type 1. J Commun Disord. 2012;45(2):111-20.

7. Cosyns M, Mortier G, Corthals P, Janssens S, Claes K, Borse JV. Objective assessment of nasality in Flemish adults with neurofibromatosis type 1. Am J Med Genet A. 2011;155A(12):2974-81.

8. Zhang I, Husein M, Dworschak-Stokan A, Jung J, Matic DB, Siu V et al. Neurofibromatosis and velopharyngeal insufficiency: is there an association? J Otolaryngol Head Neck Surg. 2012;41(1):58-64.
- 99. Cosyns M, Mortier G, Corthals P, Janssens S, Borsel J. Voice characteristics in adults with neurofibromatosis type 1. J Voice. 2011 Nov;25(6):759-64..

A avaliação clínica em motricidade orofacial (MO) ou avaliação miofuncional orofacial é fundamental no processo de diagnóstico fonoaudiológico nessa área, uma vez que possibilita a compreensão das condições anatômicas e funcionais do sistema estomatognático (SEG). Permite, ainda, estabelecer o planejamento terapêutico, além de fornecer dados sobre o prognóstico1010. Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC, Marchesan IQ. Avaliação Miofuncional Orofacial - protocolo MBGR. Rev CEFAC. 2009;11(2):237-55..

Com o conhecimento acumulado no CRNF-MG de que os indivíduos com NF1 apresentam hipotonia muscular e que esta hipotonia seria decorrente da redução da força muscular global1111. Souza JF. A aptidão física está comprometida na neurofibromatose tipo1, mesmo nas formas de menor gravidade. [Dissertação]. Belo Horizonte (MG): Universidade Federal de Minas Gerais; 2013. indaga-se sobre a existência de correlação desta hipotonia com as alterações da motricidade orofacial. O objetivo deste estudo é descrever e caracterizar as alterações da motricidade orofacial de indivíduos com NF1, pareados por sexo e idade, com indivíduos voluntários não acometidos pela doença, e correlacionar as alterações encontradas com manifestações clínicas da NF1, mais especificamente com a redução da força muscular global.

Métodos

O projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (ETIC 0307.0.203.000-09) e todos os voluntários, indivíduos com NF1 e sadios ou seus responsáveis assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Todos os indivíduos e os pais e/ou responsáveis dos adolescentes/sujeitos da pesquisa leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido para pesquisas.

Trata-se de um estudo do tipo caso-controle, com amostra não probabilística por tipicidade. A amostra deste estudo foi calculada em 24 indivíduos com NF1 que foram pareados com 24 indivíduos sem a doença pelo sexo e idade. Os indivíduos com NF1 confirmada, por diagnóstico médico, foram recrutados do CRNF-MG, que funciona no Anexo de Dermatologia do Hospital das Clínicas da UFMG - Ambulatório Professor João Gontijo. Os controles foram selecionados entre voluntários na instituição de pesquisa.

Os critérios de inclusão no grupo NF1 foram: apresentar três ou mais dos seguintes critérios: 1) seis ou mais manchas café-com-leite: 1,5 cm ou maior após a puberdade, 0,5 cm ou mais antes da puberdade. 2) Dois ou mais neurofibromas de qualquer tipo, ou um ou mais neurofibromas plexiformes. 3) Efélides em região de dobra cutânea (especialmente na axila ou região inguinal). 4) Glioma óptico. 5) Dois ou mais nódulos de Lisch. 6) Displasia do esfenóide ou displasia/adelgaçamento do córtex de ossos longos. 7) Um parente de primeiro grau com NF1. Foram excluídos deste estudo indivíduos com neurofibromatose tipo 2, schwanomatose, os pacientes com suspeita de NF1, mas sem diagnóstico definido e aqueles com neurofibromas plexiformes na cavidade oral ou no pescoço.

Para cumprir os objetivos da pesquisa foram utilizados os seguintes procedimentos: Avaliação Miofuncional Orofacial - Protocolo MBGR1111. Souza JF. A aptidão física está comprometida na neurofibromatose tipo1, mesmo nas formas de menor gravidade. [Dissertação]. Belo Horizonte (MG): Universidade Federal de Minas Gerais; 2013.. A avaliação foi realizada pelo mesmo fonoaudiólogo, com duração de aproximadamente 45 minutos, que anotou os resultados no protocolo específico no momento do exame. O protocolo do exame clínico compreendeu a observação da postura corporal, análise morfológica extra e intraoral, avaliação da mobilidade, tonicidade e sensibilidade orofacial, além das funções de respiração, mastigação, deglutição e fala. A mastigação e a deglutição de sólido foram avaliadas com alimento (biscoito cream-cracker) e o líquido (água).

Todos os indivíduos com NF1 e os voluntários sem NF1 foram avaliados quanto à força máxima de preensão manual (Fmáx), por meio de três medidas padronizadas da força máxima de cada indivíduo, utilizando o dinamômetro manual (0-100 kg Kratos(r), Brasil). A área de secção transversal foi derivada da medida da circunferência do antebraço (cm) e a força muscular por unidade de área (Fárea) foi calculada (kg/cm2). Foi realizada a medida do comprimento do antebraço (da prega do punho à fossa cubital) de cada lado e da circunferência do antebraço a dois terços da prega do punho. No mesmo ponto da medida da circunferência, na face flexora, foi feita a medida da dobra cutânea (mm) com a utilização do compasso clínico. A área da secção transversal foi derivada da medida da circunferência do antebraço (cm) menos a dobra cutânea do antebraço.

Os resultados deste estudo foram analisados estatisticamente pelo software SPSS versão 15.0. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para análise das variáveis quantitativas entre os grupos NF1 e controle. Na análise de correlação foi empregado o coeficiente de correlação de Spearman. Em todos os testes foi utilizado o nível de significância de 5%.

Resultados

Este estudo não apresentou distribuição normal na análise dos resultados. A Tabela 1 representa os resultados encontrados na avaliação da MO. Os resultados apresentados apontam que indivíduos sem NF1 apresentam médias menores em todos os domínios do protocolo, exceto o de dor à palpação, menor média indica menos comprometimento das estruturas e do funcionamento do SEG.

Tabela 1:
Escore dos itens do protocolo MBGR, expresso em média, em indivíduos com neurofibromatose tipo1 e grupo controle

A Figura 1 apresenta as alterações posturais que estiveram presentes no grupo de indivíduos com NF1, sendo a alteração postural dos ombros a mais prevalente. Não foram encontradas alterações posturais no grupo de indivíduos sem NF1. Este domínio apresentou diferença significante entre os grupos.

Figura 1:
Prevalência de alterações posturais no grupo neurofibromatose tipo 1

Na Tabela 2 observa-se que indivíduos com NF1 apresentaram maior alteração de tônus quando comparados aos indivíduos sem NF1. As mulheres com NF1 apresentaram maior prevalência de alteração do tônus em relação aos homens com NF1.

Tabela 2:
Média de escore da variável tônus e prevalência de alteração do tônus, comparada entre os grupos neurofibromatose tipo 1 e controle, estratificados por sexo

A Figura 2 mostra que as estruturas avaliadas que apresentaram maior prevalência de redução do tônus, no grupo de indivíduos com NF1, foram lábio superior, língua e bochechas. As outras estruturas como lábio inferior, mento, sulco nasolabial e assoalho da boca também apresentaram redução do tônus, porém com menor prevalência.

Figura 2:
Prevalência de redução do tônus no grupo neurofibromatose tipo 1, por estrutura avaliada

O padrão mastigatório no grupo de indivíduos com NF1 apresentou-se alterado, sendo caracterizado como unilateral crônico direito. Outros padrões alterados foram unilateral preferencial e crônico esquerdo (Figura 3).

Figura 3:
Prevalência do padrão mastigatório no grupo neurofibromatose tipo 1

A fala dos indivíduos com NF1 caracteriza-se por articulação imprecisa com intensidade reduzida e hipernasalidade, como demonstrado na Figura 4. Outras alterações encontradas se referem à voz, pitch, incoordenação pneumofonoarticulatória.

Figura 4:
Prevalência de alterações vocais no grupo neurofibromatose tipo 1

Foram encontradas alterações do SEG nos níveis estrutural e funcional no grupo de indivíduos com NF1. As alterações estruturais se caracterizaram pela assimetria facial e as funcionais pela alteração da mobilidade, tremor de língua e alteração da fala (Tabela 3).

Tabela 3:
Prevalência de alterações estruturais e funcionais do sistema estomatognático no grupo neurofibromatose tipo 1 e no grupo controle

Como pode ser observado na Tabela 4, a prevalência de alterações vocais esteve maior no grupo de indivíduos com NF1 do que no grupo sem NF1, assim como o tempo máximo de fonação.

Tabela 4:
Prevalência de alteração vocal e médias do tempo máximo de fonação, entre os grupos neurofibromatose tipo 1 e controle estratificado por sexo, análise perceptivo-auditiva do protocolo MBGR.

A Tabela 5 evidencia que no grupo de indivíduos sem NF1 a Fmáx foi maior em mulheres saudáveis do que naquelas com NF1, mas sem diferença estatística, fato que se repetiu na avaliação de Fmáx em homens saudáveis e naqueles com NF1. Observou-se uma diferença significante entre o grupo NF1 e controle (valor p = 0,035), quando analisada a Fmáx apenas entre os grupos.

Tabela 5:
Força máxima de preensão manual estratificada por sexo, em indivíduos com neurofibromatose tipo 1 e controle, expressa em média

A Tabela 6 mostra os coeficientes de correlação de Sperman entre Fmáx de preensão manual, relação s/z e escore total do protocolo. Apesar dos coeficientes mostrarem uma fraca relação entre estas variáveis, todos foram significantes.

Tabela 6:
Coeficiente de correlação de spearman entre força máxima de preensão manual e escore total do protocolo MBGR

Discussão

Este estudo apontou maior prevalência de alterações estruturais e funcionais do SEG de indivíduos com NF1 quando comparados aos saudáveis, aspecto até então não relatado na literatura e importante para o diagnóstico fonoaudiológico da população estudada.

Não foram encontradas alterações referentes à postura da cabeça e ombros no grupo de voluntários saudáveis enquanto o grupo de indivíduos com NF1 apresentou, 58,3% de alterações destas posturas. A característica mais evidente se refere a postura do tronco superior em indivíduos com NF1 com a presença de cifose, rotação interna, e elevação dos ombros além de assimetria em postura estática. Esses dados sugerem que a hipotonia muscular e redução da força muscular, já descrita em pacientes com NF11212. Souza JF, Passos RLF, Guedes ACM, Rezende NA, Rodrigues LOC. Muscular force is reduced in neurofibromatosis type 1. Rev Assoc Med Bras. 2009;55(4):394-9. e também observada neste estudo, é global influenciando não só os grupos de grandes músculos esqueléticos, mas também em grupos musculares menores como aqueles da musculatura da cabeça e do pescoço.

Sabe-se que o sistema respiratório é um conjunto de estruturas fundamentais para permitir uma respiração eficiente. Observa-se no exame clínico dos indivíduos com NF1 o tipo respiratório predominante do tipo médio superior ou torácico e modo nasal. Este tipo respiratório exige maior participação das costelas e observa-se com frequência elevação dos ombros com inspiração e expiração mais curtas. A respiração costo-diafragmática ou média inferior se caracteriza como o tipo respiratório ideal para um melhor direcionamento do fluxo aéreo expirado para uma boa coaptação glótica resultando uma fonação adequada. Este tipo respiratório está diretamente ligado a ativação da musculatura do tronco e do abdome e relacionado com alterações corporais importantes como deformidades da caixa torácica, musculatura abdominal flácida e distendida, cabeça mal posicionada em relação a pescoço, trazendo alterações para a coluna no intuito de compensar este mau posicionamento, ombros rodados para frente comprimindo o tórax.

Estudo recente também comprovou redução da força da musculatura respiratória, apesar da função respiratória avaliada por espirometria estar normal em indivíduos com NF11212. Souza JF, Passos RLF, Guedes ACM, Rezende NA, Rodrigues LOC. Muscular force is reduced in neurofibromatosis type 1. Rev Assoc Med Bras. 2009;55(4):394-9..

Os resultados descrevem algumas características estruturais e de posicionamento dos órgãos fonoarticulatórios (OFA) dentre eles, lábios, língua, dentes, bochechas, palato duro e mole, desta população. O tipo facial predominante nos dois grupos foi o longo, com uma diferença, no grupo NF1 o terço inferior é maior que o terço médio, já no grupo controle os terços são em sua maioria semelhantes. Apesar dos dados não serem baseados em estudo cefalométrico dos indivíduos estudados principalmente dos indivíduos com NF1, pode-se inferir que essas alterações podem estar associadas à hipotonia principalmente do músculo masseter um dos músculos principais na elevação da mandíbula. Nos indivíduos com face mais curta, com o crescimento predominantemente horizontal, observa-se maior vigor, potência e força mastigatórias. Naqueles com face longa, nota-se uma mastigação menos potente e menor força de mordida1313. Bianchini EMG. Mastigação a ATM: avaliação e terapia. In: Marchesan IQ. Fundamentos em Fonoaudiologia: aspectos clínicos da motricidade oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998. p. 37-49..

No exame intraoral, 83% dos indivíduos com NF1 apresentou marcas dentárias em ambas as bochechas no grupo dos indivíduos sem NF1 (62,5%). Sabe-se que as marcas dentárias nas estruturas citadas anteriormente podem estar relacionadas à falta de espaço intraoral e/ou tensão aplicada nos arcos dentários. Em relação à língua, 70,8% dos indivíduos com NF1 apresentaram tremor de língua ao protrair e largura aumentada.

Observou-se ocorrência de diminuição do tônus de língua, lábios e bochechas. É importante considerar que na clínica da MO, para uma avaliação clínica menos subjetiva, ao avaliar a tonicidade da musculatura o terapeuta necessita ter em mente que o tônus pode estar alterado para hipertonia (massa muscular rígida) ou hipotonia (massa muscular flácida) quando há um mau uso das estruturas e quando a forma, função e/ou postura da musculatura estão alteradas1414. Marchesan IQ. Deglutição atípica ou adaptada: como considerar os problemas da deglutição? In: Junqueira P, Dauden ATB. Aspectos atuais em terapia fonoaudiológica. São Paulo: Pancast; 1996.. Além disso, é de suma importância diferenciar o tônus postural do tônus de ação.

Diante dos resultados apresentados foi possível caracterizar a funcionalidade do SEG do grupo de indivíduos com NF1 com alteração na coordenação da mobilidade dos OFAs, além das dificuldades na execução dos movimentos orais espontaneamente, seguido por ordem verbal do avaliador. Esta necessidade de modelo para a movimentação correta da estrutura avaliada pode estar relacionada a distúrbios do processamento auditivo já descrito nesta população1515. Batista PB, Silva CM, Valentim HO, Rodrigues LOC, Rezende NA. Avaliação do processamento auditivo na neurofibromatose tipo 1. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(4):604-8. ou possível dispraxia oral.

Os resultados evidenciaram a distribuição da ressonância predominante no grupo de indivíduos com NF1, com uso excessivo nasal, porém foi observado que em relação à mobilidade do véu palatino em sua maioria se apresenta de forma adequada, em relação à simetria e extensão. O fechamento eficiente do esfíncter velofaríngeo depende da mobilidade adequada do véu palatino e a aproximação medial das paredes laterais da faringe, por isso, os indivíduos que não apresentam alteração da mobilidade podem apresentar comprometimento funcional dos músculos constritores da faringe1616. Penido FA, Noronha RMS, Caetano KI, Jesus MSV, Di Ninno CQMS, Britto ATBO. Correlação entre os achados do teste de emissão de ar nasal e da nasofaringoscopia em pacientes com fissura labiopalatina operada. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(2):126-34. , 1717. Mourão D, Souza GS, Torres LV, Vaz RN, Prado SG. Estudo sobre desenvolvimento fonológico em fissurados: implicações na fala e na linguagem. Estudos. 2006;33(5/6):425-41..

O padrão mastigatório observado na população NF1 estudada na avaliação clínica foi o unilateral crônico, contrastando com o grupo controle que apresentou padrão unilateral preferencial. Na população NF1 o trânsito oral do alimento foi aumentado, mas este fato já era esperado devido à consistência do alimento utilizado na avaliação, que não forma um bolo coeso durante a mastigação.

Não foram observadas alterações durante a deglutição de alimentos nas consistências sólida e líquida. A prova de deglutição de líquido dirigida alguns indivíduos com NF1 apresentou contração acentuada da musculatura perioral. Esta contração excessiva se caracteriza como uma deglutição atípica. A deglutição atípica corresponde à movimentação inadequada da língua e/ou outras estruturas que participam do ato de deglutir, durante a fase oral da deglutição, sem que haja nenhuma alteração, de forma, na cavidade oral. Como os indivíduos com NF1 que participaram deste estudo não apresentaram alteração da forma óssea e dentária, concorda-se com a diferenciação dos padrões de deglutição propostas em estudos anteriores com diferentes populações1414. Marchesan IQ. Deglutição atípica ou adaptada: como considerar os problemas da deglutição? In: Junqueira P, Dauden ATB. Aspectos atuais em terapia fonoaudiológica. São Paulo: Pancast; 1996..

Apenas 12,5% do grupo NF1 apresentou alguma alteração na produção de fala, que foi caracterizada como distorção fonética, em todos os casos que apareceram. Estes achados também são descritos em crianças e adultos com NF155. Cosyns M, Mortier G, Corthals P, Janssens S, Saharan N, Stevens E et al. Speech fluency in neurofibromatosis type 1. J Fluency Disord. 2010;35(1):59-69..

A ressonância exibiu alto índice de hipernasalidade (79,1%) juntamente com a incoordenação pneumofônica (66,6%) e alguns casos apresentaram imprecisão articulatória (25%). Estas alterações não foram encontradas no grupo controle. Pode-se associar a diminuição do tônus muscular às alterações do SEG, com influência direta na produção e na qualidade da fala, além da incoordenação da ativação muscular para a articulação da fala.

A hipotonia muscular foi observada clinicamente em 32% dos indivíduos com NF1 avaliados no CRNF-MG, com a ampliação da amostra foi possível observar que 67% dos indivíduos com NF1 apresentaram força muscular menor do que indivíduos sadios pareados por sexo e idade1212. Souza JF, Passos RLF, Guedes ACM, Rezende NA, Rodrigues LOC. Muscular force is reduced in neurofibromatosis type 1. Rev Assoc Med Bras. 2009;55(4):394-9..

Estes achados motivaram a realização de estudos complementares em relação à força muscular inclusive com a ampliação da amostra de indivíduos com NF1 em diferentes faixas etárias, além da avaliação de outros grupos musculares que participam das funções estomatognáticas como a musculatura da face.

A hipótese inicial a ser considerada é que este achado esteja relacionado com as próprias alterações genéticas da NF1, que resultam na insuficiência da neurofibromina, gerando disfunção da coordenação motora (hipótese de origem central para redução de Fmáx na NF1). As desordens motoras de origem neurológica são bem conhecidas na NF1 e assim as alterações musculares e esqueléticas encontradas na NF1 poderiam ser decorrentes de alteração no desenvolvimento neurológico, o que resultaria menor força muscular1212. Souza JF, Passos RLF, Guedes ACM, Rezende NA, Rodrigues LOC. Muscular force is reduced in neurofibromatosis type 1. Rev Assoc Med Bras. 2009;55(4):394-9..

Pode ser considerado também como mecanismo correlato, o possível sedentarismo dos indivíduos com NF1. Este comportamento compromete toda a estrutura óssea e muscular global do corpo com interferência direta na postura e funcionamento das estruturas orofaciais.

É importante salientar que movimentos incoordenados e posturas inadequadas podem afetar os movimentos normais dos músculos e o desempenho de suas funções.

Na clínica fonoaudiológica tem-se como premissa que o bom desempenho das funções orofaciais, que envolvem a respiração, mastigação, deglutição e fala está intimamente ligado ao interrelacionamento das estruturas estáticas ou passivas com as estruturas dinâmicas ou ativas, que equilibradas e controladas pelo SNC serão responsáveis pelo funcionamento harmônico da face1313. Bianchini EMG. Mastigação a ATM: avaliação e terapia. In: Marchesan IQ. Fundamentos em Fonoaudiologia: aspectos clínicos da motricidade oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998. p. 37-49..

As estruturas estáticas ou passivas são representadas pelos arcos osteodentários, maxila e mandíbula, relacionados entre si pela articulação têmporo-mandibular. Ainda fazem parte destas estruturas outros ossos cranianos e o osso hióide. Já as estruturas dinâmicas ou ativas são representadas pela unidade neuromuscular, que mobiliza as partes estáticas. Estas estruturas interligadas formam um sistema com características próprias, desenvolvendo funções comuns1818. Douglas CR. Fisiologia da mastigação. In: Douglas CR. Fisiologia Aplicada à Fonoaudiologia. São Paulo: Pancast; 2002. p. 325-50.. Esta sucessão de estudos clínicos amplia as informações e consolida o fenótipo muscular da NF1, porém, até o momento, sem definições quanto à causa destes achados. A etiologia da redução da força muscular nos indivíduos com NF1 ainda não foi esclarecida e é provável que seja multifatorial, quer seja devido à deficiência de neurofibromina diretamente no músculo esquelético (displasia muscular) ou, indiretamente, através das diversas alterações neurológicas (displasia do SNC) potencialmente correlacionadas ao fenótipo muscular1212. Souza JF, Passos RLF, Guedes ACM, Rezende NA, Rodrigues LOC. Muscular force is reduced in neurofibromatosis type 1. Rev Assoc Med Bras. 2009;55(4):394-9.. Pode-se inferir que alterações da força muscular global provavelmente afetam a musculatura facial, gerando disfunções orofaciais significantes em indivíduos com NF1.

Conclusão

Os resultados desta pesquisa demonstraram um comprometimento direto no desempenho das funções do SEG, com interferência na qualidade e efetividade da comunicação de indivíduos com NF1. Entretanto, os aspectos investigados nesta pesquisa, necessitam de estudos complementares com uma amostra mais homogênea de indivíduos com NF1 associados ao uso de equipamentos para quantificar o desempenho da musculatura envolvida nas funções de respiração, mastigação, deglutição e fala. Estes estudos poderiam dar suporte a uma intervenção clínica fonoaudiológica voltada para o fortalecimento muscular orofacial e adequação das funções estomatognáticas em pacientes com NF1 e alterações da motricidade orofacial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2015

Histórico

  • Recebido
    26 Ago 2013
  • Aceito
    28 Mar 2014
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