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Desenvolvimento de fala e linguagem na deficiência auditiva: relato de dois casos

Resumos

O objetivo é monitorar o desenvolvimento de fala e linguagem de duas crianças deficientes auditivas, utilizando os protocolos da Lista de Avaliação de Vocabulário Expressivo e Maturidade Simbólica, sendo uma criança do sexo masculino, três anos de idade, perda auditiva neurossensorial moderada na orelha esquerda e profunda na orelha direita, usuária de prótese auditiva bilateral e a outra do sexo feminino, quatro anos de idade, perda auditiva neurossensorial profunda bilateral, com implante coclear unilateral e prótese auditiva, ambas atendidas no ambulatório de audiologia educacional da Universidade Federal de São Paulo, na abordagem aurioral. Os sujeitos foram submetidos à aplicação da Maturidade Simbólica (brincadeira livre, brincadeira semi-dirigida e imitação de ações) e Lista de Avaliação de Vocabulário Expressivo para investigação do jogo simbólico e da linguagem expressiva, respectivamente. Os testes foram aplicados nas duas crianças em dois momentos, num intervalo de cinco meses. Ambas tiveram evolução em todas as provas da Maturidade Simbólica e na Lista de Avaliação de Vocabulário Expressivo quando comparadas as duas aplicações. Na primeira aplicação da Lista de Avaliação de Vocabulário Expressivo, a criança do sexo feminino emitia três palavras (0,9%) e a do sexo masculino 90 palavras (29,4%); na segunda aplicação 25 palavras (8,1%) e 176 palavras (57,5%) respectivamente. O menino apresentou melhor evolução nas provas de Maturidade Simbólica e Lista de Avaliação de Vocabulário Expressivo, quando comparada a menina. Os protocolos aplicados em dois momentos diferentes do desenvolvimento das crianças foram eficazes para monitorar o desenvolvimento de fala e linguagem. O melhor desempenho da criança do sexo masculino pode estar associado ao grau de perda auditiva.

Linguagem; Perda Auditiva; Surdez; Criança; Fala; Audição


This study aims at monitoring the development of speech and language of two children who have hearing loss - one of which is a user of bilateral auditory prosthesis and the other has unilateral cochlear implant and auditory prosthesis. Assessment List of Expressive Vocabulary protocols and Symbolic Maturity were used in both cases, and the children were cared for in the educational audiology outpatient clinic the Federal University of Sao Paulo through aurioral approach. Both were submitted to the application of Symbolic Maturity, having the following recordings: free play, semi-guided play, and action imitation; videos were transcribed and analyzed. Assessment List of Expressive Vocabulary was applied to parents in order to investigate the words that the children were able to pronounce; the number of words was counted and analyzed in conjunction with the results of Symbolic Maturity. Both tests were applied on both children in two moments within an interval of five months. Both had a development in all the tests of the Symbolic Maturity and on Assessment List of Expressive Vocabulary when the two applications were compared. On the first application of Assessment List of Expressive Vocabulary was applied, the girl could say three words (0.9%) and the boy 90 words (29.4%); on the second application, 25 words (8.1%) and 176 words (57.5%) respectively. The boy presented a better development on the tests of Symbolic Maturity and Assessment List of Expressive Vocabulary when compared to the girl. Protocols applied in two different moments of the children's developments were efficient in monitoring the development of speech and language. The better development achieved by the male child could be associated to the degree of auditory loss.

Language; Hearing Loss; Deafness; Child; Speech; Hearing


Introdução

Os primeiros anos de vida são essenciais para o desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem, pois este é o período em que ocorre o auge do processo de maturação do sistema auditivo central e da plasticidade neuronal da via auditiva. Em pacientes com perda auditiva é necessário que o diagnóstico seja realizado precocemente, visando uma diminuição do impacto no desenvolvimento da linguagem, das habilidades auditivas e cognitivas. Dessa forma o intervalo entre a suspeita da deficiência auditiva, o diagnóstico e a intervenção deve ser o menor possível11. Pinto MM, Raimundo JC, Samelli AG, Carvalho ACM, Matas CG, Ferrari GMS et al. Idade no diagnóstico e no início da intervenção de crianças deficientes auditivas em um serviço público de saúde auditiva brasileiro. Arq. Int. Otorrinolaringol. / Intl. Arch. Otorhinolaryngol.2012;16(1):44-9.

2. Theunissen M, Swanepoel DW. Early hearing detection and intervention services in the public health sector in South Africa. Int J Audiol. 2008;47(1):23-9.
- 33. Nóbrega M, Weckx LLM, Juliano Y, Novo NF. Aspectos diagnósticos e etiológicos da deficiência auditiva em crianças e adolescentes. Rev Paul Pediatr. 1998;16(1):28-43..

A deficiência auditiva é um fator que compromete diretamente a linguagem do indivíduo, esse comprometimento pode variar de acordo com o tipo e o grau da perda de audição. Sabe-se que a perda auditiva neurossensorial de grau severo a profundo é a que mais pode causar danos linguísticos, dificultando a aquisição e o desenvolvimento da linguagem oral, principalmente em indivíduos que apresentam perda auditiva pré-lingual. A aquisição da linguagem é um processo dependente da integridade do sistema auditivo e quando este é prejudicado por uma perda auditiva deste tipo, é importante a intervenção terapêutica fonoaudiológica, juntamente com o uso de dispositivos de amplificação sonora, para que a criança possa ter a chance de desenvolver a fala, consequentemente a aprendizagem e a ampliação do seu conhecimento de mundo.

A audiologia educacional é o ramo da fonoaudiologia que trata a relação audição/linguagem e dentre as abordagens terapêuticas, encontra-se a abordagem aurioral, neste âmbito são criadas estratégias terapêuticas para que a aquisição e o desenvolvimento da linguagem oral sejam estimulados por meio da audição residual, a fim de minimizar as barreiras da compreensão e da expressão verbal, fornecendo ao indivíduo possibilidades de ouvir conforme o seu desenvolvimento, ampliação de seus conhecimentos, experiências de vida, tornando-se atuante na sociedade utilizando uma integração visual e auditiva44. Bevilacqua MC, Formigoni GMP. Audiologia Educacional: uma opção terapêutica para a criança deficiente auditiva. Carapicuíba: Pró-fono, 2000.. Para que este tipo de terapia seja bem sucedido, o uso de próteses auditivas e/ou implantes cocleares é imprescindível.

Estudos afirmaram que as próteses auditivas permitem à criança deficiente auditiva o acesso amplo às informações acústicas dos sons da língua, gerando grandes chances para o desenvolvimento da linguagem oral55. Zanichelli L, Gil D. Porcentagem de Consoantes Corretas (PCC) em crianças com e sem deficiência auditiva. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(2):107-13.. Esse tipo de tecnologia é indicada para os mais variados tipos e graus de perdas auditivas, porém, em casos que a prótese auditiva é incapaz de fornecer adequadamente essas informações acústicas, por uma baixa excessiva de audição residual, o implante coclear (IC) pode estabelecer melhores resultados na reabilitação66. Mildner V, Sindija B, Zrinski KV. Speech perception of children with cochlear implants and children with traditional hearing aids. Clin Linguist Phon. 2006;20:219-29..

O implante coclear é atualmente o recurso tecnológico mais eficaz para favorecer o acesso da pessoa surda ao mundo sonoro77. Fortunato CAU, Bevilacqua MC, Costa MPR. Análise comparativa da linguagem oral de crianças ouvintes e surdas usuárias de Implante Coclear. Rev CEFAC. 2009;11(4):662-72.. Até então nenhum dispositivo eletrônico teria possibilitado o indivíduo que adquiriu surdez severa/profunda antes da aquisição da linguagem, a capacidade de compreendê-la e expressá-la com funcionalidade e abstração.

Para que a combinação entre terapia fonoaudiológica e dispositivo de amplificação sonora seja eficaz é necessário o monitoramento da linguagem oral do indivíduo, a fim de verificar quantitativa e qualitativamente a evolução da criança deficiente auditiva. Para isso, existem protocolos que visam avaliar o desempenho do vocabulário expressivo e também a maturidade simbólica da criança, como por exemplo: A LAVE - Lista de Avaliação do Vocabulário Expressivo, uma adaptação para o Português da LDS - Language Developmet Survey, que tem como objetivo investigar a linguagem expressiva e detectar atrasos na emissão oral. Por sua vez, a Prova da Maturidade Simbólica busca investigar as relações entre o desenvolvimento da linguagem, o gesto e o jogo simbólico por meio de situações de interação com a criança.

Para o desenvolvimento da linguagem, é essencial a entrada da criança no mundo simbólico, para que assim, ela possa atingir os níveis de maior complexidade na linguagem. A função simbólica consiste na capacidade de representar o mundo vivido e é composta pela linguagem, brincadeira simbólica, imitação, resolução de problemas por combinação mental de ações e as imagens mentais88. Quintas TA, Curti LM, Goulart BNG, Chiari BM. Caracterização do jogo simbólico em deficiente auditivo: estudo de casos e controles. Pró-fono R Atual Cient. 2009;21(4):383-8..

Pesquisas com usuários de dispositivos de amplificação sonora individual da atualidade são necessárias uma vez que no passado a tecnologia utilizada era mais precária não sendo capaz de possibilitar níveis de audição tão próximos da normalidade quanto hoje, sobretudo com o uso do implante coclear. Somado a este fator, a intervenção terapêutica fonoaudiológica foi ganhando cada vez mais espaço, visto que os resultados obtidos, unindo-se os recursos tecnológicos às abordagens terapêuticas tem sido cada vez mais satisfatórios. Para que a eficácia desse conjunto seja provada, é de extrema importância a utilização de protocolos padronizados de avaliação afim de quantificar a melhora dos sujeitos, para mostrar aos pais o quanto o uso dos dispositivos e a assiduidade às terapias é importante e faz toda a diferença no desenvolvimento da criança deficiente auditiva.

O objetivo destes relatos de casos é caracterizar e comparar o desenvolvimento de fala e linguagem de duas crianças deficientes auditivas com idades semelhantes, sendo uma usuária de prótese auditiva bilateral e a outra de implante coclear e prótese auditiva utilizando os protocolos da LAVE99. Capovilla FC, Capovilla AGS. Desenvolvimento linguístico na criança dos dois aos seis anos: tradução e estandardização do Peabody Picture Vocabulary Test de Dunn & Dunn, e da Language Development Survey de Rescorla. Ciência Cognitiva: teoria, pesquisa e aplicação. 1997;1(1):353-80. e Maturidade Simbólica1010. Befi-Lopes DM, Takiuchi N, Araujo K. Avaliação da maturidade simbólica nas alterações do desenvolvimento da linguagem. J Bras Fonoaudiol. 2000;1(3):6-15. aplicados em dois momentos distintos.

Apresentação dos casos

Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP conforme Parecer Consubstanciado nº 192.036 de 21/12/2012.

Os pais das crianças assinaram o Termo de consentimento livre e esclarecido ao permitir a participação de seus filhos na pesquisa.

Participaram deste estudo, dois indivíduos, um do sexo masculino e outro do sexo feminino, com 3 e 4 anos de idade, respectivamente, atendidos no Ambulatório de audiologia educacional do curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP em atendimentos realizados duas vezes por semana com sessões de 45 minutos de duração em abordagem aurioral. O objetivo dos processos terapêuticos realizados foi desenvolver as habilidades auditivas, adquirir e desenvolver a comunicação oral e os aspectos cognitivos da linguagem, além do fornecimento de orientações à família e à escola.

Caso 1 - Masculino, data de nascimento 27/05/2009 (3 anos de idade), perda auditiva neurossensorial, moderada na orelha esquerda e profunda na orelha direita; pré-termo (7 meses), mãe dependente química. Emissões Otoacústicas Transientes (EOAT) realizadas em março de 2011 com respostas ausentes bilateralmente. Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE) realizado em abril de 2011, resultados da orelha esquerda mostraram ondas I, III e V com morfologia preservada, latências absolutas e interlatências dentro do parâmetros de referência. Onda V não pode ser observada na intensidade de 50 decibéis (dB) com latência deslocada abruptamente (componente coclear). Os resultados da orelha direita mostraram ausência de respostas eletrofisiológicas a 90 dB. Com 1 ano e 11 meses, foi diagnosticado com Perda Auditiva Neurossensorial de grau moderado à orelha esquerda e profundo à orelha direita. Foi adaptado bilateralmente com próteses auditivas retroauriculares em dezembro de 2011, 2 anos e 7 meses de idade (Tabela 1 - Ganho Funcional Caso 2) e iniciou terapia fonoaudiológica em janeiro de 2012 no ambulatório de audiologia educacional da UNIFESP.

Tabela 1:
Ganho funcional do caso 1

Caso 2 - Feminino,data de nascimento 18/06/2008 (4 anos de idade), perda auditiva neurossensorial profunda bilateral; pré-termo (8 meses). Com 1 ano e 6 meses de idade, realizou o PEATE e foi diagnosticada. Em agosto de 2011, aos 3 anos e 2 meses de idade, recebeu a doação de um par de próteses auditivas retroauriculares e após a utilização, a criança passou a ficar mais atenta aos sons, porém a mãe observou melhor comportamento auditivo com o aparelho na orelha direita. Em setembro de 2011 iniciou terapia fonoaudiológica no ambulatório de audiologia educacional da UNIFESP. Em outubro de 2011, foi submetida à cirurgia de Implante Coclear na orelha esquerda, o qual foi ativado em dezembro de 2011, aos 3 anos e 5 meses de idade. Atualmente utiliza implante coclear na orelha esquerda e prótese auditiva na orelha direita (Tabela 2 - Ganho Funcional Caso 2).

Tabela 2:
Ganho funcional do caso 2

As crianças foram avaliadas por meio de dois protocolos: Avaliação da Maturidade Simbólica e LAVE aplicados em dois momentos, com intervalo de cinco meses entre uma e outra aplicação. A LAVE foi respondida pelos pais e Maturidade Simbólica gravada em vídeo para posterior analise. Além disso, a pesquisadora realizou acompanhamento semanal do processo terapêutico das duas crianças.

Avaliação da Maturidade Simbólica (Figura1)

A prova foi aplicada em duas etapas na mesma sessão:

  • Primeira etapa:

  1. Brincadeira livre em que a terapeuta oferece a criança o material do protocolo em uma caixa e diz para que ela brinque como quiser. A terapeuta fica próxima ao paciente, responsiva às iniciativas dele, mas não interfere e nem sugere nenhuma atividade (Duração de 20 minutos).

  2. Brincadeira semi-dirigida com a terapeuta utilizando o mesmo material. A terapeuta interage com a criança, propiciando momentos de atenção compartilhada, sugerindo atividades, mas proporcionando um tempo para que a criança tenha suas próprias iniciativas (Duração de 20 minutos).

  • Segunda etapa: Brincadeira dirigida com terapeuta, a mesma realiza atividade de imitação com a criança. A terapeuta realiza uma ação com determinados objetos e em seguida dá para a criança fazer igual, chamando atenção apenas para o objeto, sem nomear a ação. Cada esquema foi apresentado somente uma vez, repetido apenas quando a criança perdia a atenção durante a apresentação.

Figura 1:
Protocolo da maturidade simbólica

Material da caixa: Telefone de brinquedo, uma bola grande, bonecas e animais de tecido e plástico, veículos pequenos, utensílios de cozinha, mamadeira, um cobertor e um travesseiro pequenos, um colar longo, blocos e copos seriados, ábaco e dois brinquedos mecânicos de corda (Figura 2).

Figura 2:
Foto dos materiais da caixa

Material da imitação: Copo, escova de dente, colher, boneca, sabonete, flor, sapo, avião, chapéu, carro, banana, berço, banheira, babador, cobertor, livro e toalha (Figura 3).

Figura 3:
Foto dos materiais para imitação

Todas as sessões foram gravadas, transcritas e analisadas, para a obtenção dos resultados do teste.

Foram analisados os vídeos da primeira e da segunda aplicação da Prova de Maturidade Simbólica de cada sujeito, a fim de comparar a criança com ela mesma e verificar a sua evolução e em seguida foi realizada a comparação entre as duas crianças. Cada tipo de esquema ou jogo simbólico recebe uma pontuação, que são somados a cada atividade executada pela criança, como observado nos itens abaixo (Esquemas avaliados em situação de brincadeira livre):

  • Esquema pré-simbólico (EPS) 1 ponto;

  • Esquema auto-simbólico (EAS) 2 pontos;

  • Jogo simbólico assimilativo (JSA) 3 pontos;

  • Jogo simbólico imitativo (JSI) 4 pontos;

  • Jogo simbólico de objeto substituído (JSOS) 5 pontos;

  • Jogo simbólico combinatorial simples (JSCS) 6 pontos;

  • Jogo simbólico combinatorial múltiplo (JSCM) 7 pontos.

A cada ação realizada pela criança em situação dirigida/imitação de esquemas gestuais, é somado um ponto, totalizando os valores abaixo:

  • Imitação de esquemas gestuais simples (até 9 pontos);

  • Imitação de esquemas gestuais sequenciais em rotinas familiares (até 12 pontos).

Lista de Avaliação de Vocabulário Expressivo - LAVE (Capovilla, 1997) (Figura 4).

Figura 4:
Lista de avaliação de vocabulário expressivo - LAVE

O questionário LAVE contempla inicialmente o preenchimento de dados pessoais referentes a história da criança e de sua família: dados cadastrais, escolaridade, emprego e renda dos pais, número de filhos, antecedentes mórbidos, doenças crônicas, parto, intercorrências peri-natais, prematuridade, infecções de ouvido, se a criança é cuidada por babá, tratamento fonoaudiológico e/ou psicológico concomitante ou anterior, tempo de escolaridade, número máximo de palavras em uma frase emitida, outro tipo de aula além da escola, incluindo esportes, nível de preocupação dos pais com a linguagem da criança, palavras e frases melhor construídas e longas que a criança já falou até a data da aplicação.

Depois de preenchido o breve histórico da criança, o responsável deve selecionar em um quadro, as palavras que a criança emite, mesmo que não as pronuncie claramente. Neste quadro, as palavras são divididas em 14 categorias: comida, brinquedos, ambiente, animais, partes do corpo, lugares, ações, casa, objetos, pessoas, roupas, veículos, modificadores e outros. Não são permitidas palavras que a criança pode compreender, mas não emite e nem repetições e imitações que não se caracterizam como fala espontânea.

O Protocolo LAVE foi analisado pelo número de palavras que a criança produzia na primeira aplicação em comparação com o que produziu na segunda aplicação. Após essa comparação individual, ocorreu uma comparação entre o desempenho das duas crianças.

Resultados

O estudo comparou o desenvolvimento de linguagem de duas crianças com perda auditiva, após estimulação fonoaudiológica, avaliando a pontuação do nível de jogo simbólico e emissão oral em dois períodos diferentes.

Ambas as crianças apresentaram evolução em todas as provas da maturidade simbólica, exceto a criança do caso 1 na segunda aplicação da brincadeira semi-dirigida. Observa-se melhor desempenho na prova da brincadeira livre na criança do caso 1 e na imitação simples na criança do caso 2. (Tabelas 3 e 4).

Tabela 3:
Resultado da maturidade simbólica caso 1

Tabela 4:
Resultado da maturidade simbólica caso 2

Na LAVE foi observado o aumento do número de palavras produzidas pelos dois sujeitos na segunda aplicação. Entretanto, observou-se melhor desempenho da criança do caso 2 quanto à expressão oral. (Tabela 5)

Tabela 5:
Resultado da lave caso 1 e caso 2

Discussão

Por meio dos protocolos de linguagem aplicados em diferentes momentos nos dois casos, foi possível caracterizar e comparar o desenvolvimento de fala e linguagem de duas crianças deficientes auditivas com idades semelhantes, sendo uma usuária de prótese auditiva bilateral e a outra de implante coclear e prótese auditiva.

Os dois participantes deste estudo apresentaram evolução nas provas da maturidade simbólica, porém, a criança do Caso 1, apresentou uma pontuação menor na segunda aplicação da brincadeira semi-dirigida quando comprada com a primeira aplicação. No entanto, a redução no escore pode ter decorrido do fato da criança ter se entretido por mais tempo em uma mesma atividade e também pelo fato de ter utilizado muito mais a comunicação oral na segunda aplicação em comparação à primeira.

O uso da comunicação oral diminui os aspectos gestuais e simbólicos das crianças, visto que para eles esta etapa já foi cumprida e se tornou mais fácil dizer o que deseja por meio da fala. Neste estudo a terapia mostrou-se indispensável, independentemente da tecnologia utilizada em cada caso. É importante ressaltar que a tecnologia foi capaz de aumentar o nível de audibilidade de cada sujeito, mas o principal fator que contribuiu para a melhoria da linguagem expressiva foi a efetividade da terapia aurioral, juntamente com a orientação para a família.

Nas provas de brincadeira livre e semi-dirigida da Maturidade Simbólica, os dois participantes apresentaram na primeira aplicação mais esquemas pré-simbólicos e menos jogos complexos e na segunda aplicação, ocorreu o inverso, foram realizados menos "esquemas pré-simbólicos" (EPS) e mais jogos complexos como: Jogo simbólico imitativo (JSI); Jogo simbólico de objeto substituído (JSOS); Jogo simbólico combinatorial simples (JSCS); Jogo simbólico combinatorial múltiplo (JSCM).

Foi observado que crianças deficientes auditivas apresentam jogo simbólico menos complexo quando comparados a crianças com audição normal88. Quintas TA, Curti LM, Goulart BNG, Chiari BM. Caracterização do jogo simbólico em deficiente auditivo: estudo de casos e controles. Pró-fono R Atual Cient. 2009;21(4):383-8., ou seja, muito esquema pré-simbólico (EPS) e jogo simbólico assimilativo (JSA). É consensual que a criança com deficiência auditiva pré-lingual apresenta grande risco para o atraso de linguagem, o que difere o desenvolvimento dessa criança ao de uma criança com audição normal, esse atraso impõe limitações que podem retardar aspectos mais primitivos do desenvolvimento, como os primeiros sinais de jogo simbólico que antecedem o uso da linguagem oral. A presença de brincadeira menos complexa também foi observada no presente estudo na primeira aplicação, porém, com a terapia, juntamente com a eficiência dos dispositivos de amplificação sonora, observou-se evolução no tipo de jogo realizado em todas as provas da maturidade simbólica.

Os resultados mostraram que a evolução dos participantes do estudo ocorreu tanto em nível de vocabulário (linguagem expressiva), como na brincadeira (jogo simbólico). Tal achado corrobora outro estudo, no qual a autora referiu que a falta de linguagem, muito comum na criança deficiente auditiva, faz com que a mesma tenha um desempenho inferior no jogo simbólico, dessa forma, se há melhora na fala da criança, consequentemente ela irá apresentar um desempenho superior também no jogo simbólico, como observado nos casos apresentados1111. Goldfeld M. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sócio-interacionista. 2a edição. São Paulo: Plexus; 1997..

A criança do Caso 1 apresentou maior evolução nas provas de maturidade simbólica e LAVE, quando comparada a criança do Caso 2. Estas diferenças podem decorrer do tempo de privação sensorial, o qual foi menor no Caso 1, que foi adaptado 10 meses antes (aos 2 anos e 7 meses) do que o caso 2, que ativou o IC apenas aos 3 anos e 5 meses de idade. Como relatado em outros estudos, quanto mais tarde a criança for protetizada ou implantada, maiores serão suas limitações tanto em relação ao seu desenvolvimento auditivo como cognitivo, social e pessoal1212. Lanzetta BP, Frota S, Goldfeld M. Acompanhamento da adaptação de próteses auditivas em crianças surdas. Rev CEFAC. 2010;12(3):360-70.. Outro fator concomitante à melhora do desempenho do caso 1 é o grau da perda auditiva, que é moderada à orelha esquerda e profunda à orelha direita, sendo assim, mais favorável ao acesso às pistas auditivas com o uso da prótese.

A deficiência auditiva neurossensorial severa ou profunda, a mesma apresentada pela participante do presente estudo (Caso 2), é a que mais provoca prejuízo na aquisição e desenvolvimento da linguagem oral77. Fortunato CAU, Bevilacqua MC, Costa MPR. Análise comparativa da linguagem oral de crianças ouvintes e surdas usuárias de Implante Coclear. Rev CEFAC. 2009;11(4):662-72.. Fato esse que pode ter influenciado para que sua evolução tenha sido inferior quando comparada ao outro participante.

Apesar da criança do Caso 2 ser mais velha do que a da criança do Caso 1, ela possui uma perda auditiva profunda bilateral, o que faz com que ela tenha um desenvolvimento mais lento. Além disso, a criança do Caso 2 tem um comportamento mais introspectivo quando comparada a criança do Caso 1, sempre que tinha vontade de pegar em algo, não o fazia, por timidez ou por não ter compreendido se tinha ou não permissão para brincar.

Conclusão/Considerações Finais

Os protocolos aplicados em dois momentos diferentes do desenvolvimento das crianças foram eficazes para monitorar o desenvolvimento de fala e linguagem das mesmas, já que demonstraram melhor desempenho nas funções avaliadas ao longo do tempo. O melhor desempenho da criança do Caso 1 pode estar associado ao grau de perda auditiva moderada à orelha esquerda e ao menor tempo de privação sensorial.

  • 1
    Pinto MM, Raimundo JC, Samelli AG, Carvalho ACM, Matas CG, Ferrari GMS et al. Idade no diagnóstico e no início da intervenção de crianças deficientes auditivas em um serviço público de saúde auditiva brasileiro. Arq. Int. Otorrinolaringol. / Intl. Arch. Otorhinolaryngol.2012;16(1):44-9.
  • 2
    Theunissen M, Swanepoel DW. Early hearing detection and intervention services in the public health sector in South Africa. Int J Audiol. 2008;47(1):23-9.
  • 3
    Nóbrega M, Weckx LLM, Juliano Y, Novo NF. Aspectos diagnósticos e etiológicos da deficiência auditiva em crianças e adolescentes. Rev Paul Pediatr. 1998;16(1):28-43.
  • 4
    Bevilacqua MC, Formigoni GMP. Audiologia Educacional: uma opção terapêutica para a criança deficiente auditiva. Carapicuíba: Pró-fono, 2000.
  • 5
    Zanichelli L, Gil D. Porcentagem de Consoantes Corretas (PCC) em crianças com e sem deficiência auditiva. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(2):107-13.
  • 6
    Mildner V, Sindija B, Zrinski KV. Speech perception of children with cochlear implants and children with traditional hearing aids. Clin Linguist Phon. 2006;20:219-29.
  • 7
    Fortunato CAU, Bevilacqua MC, Costa MPR. Análise comparativa da linguagem oral de crianças ouvintes e surdas usuárias de Implante Coclear. Rev CEFAC. 2009;11(4):662-72.
  • 8
    Quintas TA, Curti LM, Goulart BNG, Chiari BM. Caracterização do jogo simbólico em deficiente auditivo: estudo de casos e controles. Pró-fono R Atual Cient. 2009;21(4):383-8.
  • 9
    Capovilla FC, Capovilla AGS. Desenvolvimento linguístico na criança dos dois aos seis anos: tradução e estandardização do Peabody Picture Vocabulary Test de Dunn & Dunn, e da Language Development Survey de Rescorla. Ciência Cognitiva: teoria, pesquisa e aplicação. 1997;1(1):353-80.
  • 10
    Befi-Lopes DM, Takiuchi N, Araujo K. Avaliação da maturidade simbólica nas alterações do desenvolvimento da linguagem. J Bras Fonoaudiol. 2000;1(3):6-15.
  • 11
    Goldfeld M. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sócio-interacionista. 2a edição. São Paulo: Plexus; 1997.
  • 12
    Lanzetta BP, Frota S, Goldfeld M. Acompanhamento da adaptação de próteses auditivas em crianças surdas. Rev CEFAC. 2010;12(3):360-70.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2015

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2014
  • Aceito
    09 Jun 2014
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