Processamento auditivo temporal em crianças com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH)

Resumos

PURPOSE:

to compare findings of behavioral assessment of auditory temporal processing in children with and without Attention Deficit Hyperactivity Disorder.

METHODS:

study participants were 30 children aged 8-12 years, with 15 in the control group and 15 in the study group, with audiometric thresholds within normal limits. As procedures, temporal testing of pitch and duration patterns were performed.

RESULTS:

the comparison between control group and study group presented significant difference in pitch pattern and duration pattern; while the study group showed abnormal results in most cases, all control group children were normal. It was also possible to observe that all the children in both groups had lower results for duration patterns when compared to the results of pitch patterns.

CONCLUSION:

the behavioral assessment of auditory temporal processing in children with and without Attention Deficit Hyperactivity Disorder showed that subjects with Attention Deficit Hyperactivity Disorder had alterations, whereas the group without ADHD resulted normal on both tests. The present study has enabled a better understanding of the central auditory pathways of children with and without Attention Deficit Hyperactivity Disorder, however, further studies are needed, especially in the national literature, in order to better understand the functioning of the auditory processing of these populations.

Hearing; Child; Auditory Perception; Hearing Tests; Attention Deficit Hyperactivity Disorder

Introdução

A ASHA (2005)¹ define o processamento auditivo temporal como a percepção do som ou da alteração do som dentro de um período restrito e definido de tempo, ou seja, refere-se à habilidade de perceber ou diferenciar estímulos que são apresentados numa rápida sucessão, sendo dividido em quatro categorias: ordenação ou sequencialização temporal, resolução, discriminação ou acuidade temporal e integração ou somação temporal.

A percepção da ordem temporal depende de respostas comportamentais, porém seu processamento é central e o lobo temporal bem como o complexo olivar superior seriam responsáveis pela percepção de padrões sequenciais de estímulos e da codificação da informação temporal ².

A literatura tem descrito comorbidades entre os sintomas das crianças com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e as alterações de processamento auditivo (PA) e tais sintomas têm sido negligenciados na avaliação e consequentemente na reabilitação desses indivíduos^{3 , 4}. Crianças com TDAH apresentam problemas em vários aspectos do processamento das informações temporais, incluindo a dificuldade na discriminação da duração dos sons, o que contribui para os baixos resultados encontrados nas avaliações cognitivas e comportamentais dessas crianças^{5 , 6}.

Autores⁶ se referiram ao processamento da informação temporal como um conceito multidimensional, e estimularam o desenvolvimento de uma ampla variedade de métodos para quantificar as habilidades que o compõem, uma vez que afirmam ser difícil integrar os resultados da informação temporal, principalmente em crianças do TDAH.

Estudos de processamento temporal em crianças TDAH são limitados por serem realizados com amostras pequenas e não diferenciarem os diversos subtipos de TDAH^{4 , 5 , 7}. Nesse trabalho optou-se por investigar o processamento temporal apenas das crianças com o tipo combinado do transtorno, déficit de atenção mais hiperatividade e descartar os tipos isolados.

Além disso, outros estudos ainda precisam ser realizados, uma vez que, alguns autores afirmam que as dificuldades no PA, eventualmente observadas em portadores de TDAH, não representam um déficit primário, sendo mais bem entendidas como um fenômeno secundário à desatenção^{4 .}

Em decorrência do exposto acima, este estudo tem como objetivo comparar os achados da avaliação comportamental do processamento auditivo temporal em crianças com e sem Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).

Métodos

Este foi um estudo de caso controle, e para sua realização foi submetido à análise e apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual Paulista e foi realizado após sua aprovação de acordo com o protocolo número: 0094/2011.

Participaram deste estudo, 30 crianças de ambos os gêneros na faixa etária de 8 a 12 anos distribuídas em:

Grupo Controle (GC) - composto por 15 crianças com bom desempenho acadêmico, selecionadas nas escolas pelos professores seguindo o critério de desempenho satisfatório em dois bimestres consecutivos em avaliação de leitura e escrita;

Grupo Pesquisa (GP) - composto por 15 crianças devidamente diagnosticadas com TDAH por uma equipe interdisciplinar, na qual incluía avaliação fonoaudiológica, neurológica, pedagógica e neuropsicológica, que levava em consideração a presença de pelo menos seis (ou mais) sintomas de desatenção e seis (ou mais) sintomas de hiperatividade-impulsividade persistentes há pelo menos seis meses, segundo os Critérios Diagnósticos para Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade do DSM-IV. Foram aplicados os Instrumentos da bateria neuropsicológica: WISC-III⁸ e a bateria neuropsicológica⁹, a fim de descartar alterações neuropsicológicas. Os escolares do GP foram avaliados após um período de 24 horas sem o uso da medicação (metilfenidato), uma vez que segundo a literatura especializada⁴ a avaliação do processamento auditivo em situação de uso da medicação melhorou o desempenho nos testes comportamentais nos portadores de TDAH, porém é preciso destacar que a falta do medicamento pode prejudicar o comportamento auditivo tornando o teste falsamente prejudicado. Assim é necessário que outros estudos com uso da medicação também sejam realizados, a fim de que os achados sejam comparados.

As crianças de ambos os grupos foram avaliadas após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos responsáveis, todas as crianças tinha idade cronológica entre 8 e 12 anos e foram submetidas previamente às avaliações audiológica, oftalmológica e psicológica. Dessa forma, foram excluídas deste estudo os sujeitos que não apresentaram limiares audiométricos dentro dos padrões de normalidade¹⁰ e que tinham alteração cognitiva e de acuidade visual.

A caracterização dos sujeitos encontra-se na Tabela 1.

Tabela 1:
Caracterização dos sujeitos do Grupo Controle e Grupo Pesquisa quanto a faixa etária, sexo e audibilidade

• Avaliação audiológica básica: Audiometria tonal limiar *Lloyd e Kaplan (1978), GC = Grupo Controle, GP = Grupo Pesquisa

A avaliação audiológica básica foi realizada em cabina acústica. Para a audiometria tonal limiar foi utilizado o audiômetro GSI 61 (padrão ANSI 3.6-1989 e S3.43-1992) com fones TDH - 50. Os limiares de audibilidade foram obtidos, por via aérea, nas frequências sonoras de 250 a 8000 Hz. O critério de normalidade utilizado foi à classificação proposta por Lloyd e Kaplan (1978) ¹¹ na qual a média das frequências de 500, 1000 e 2000Hz deve ser igual ou menor a 20dBNA.

A avaliação do processamento auditivo temporal foi realizada em cabina acústica, utilizando-se um CD player acoplado ao audiômetro GSI 61. O protocolo seguido foi o proposto pelo Auditec( (1997) ¹², na versão infantil, que utiliza para o teste de padrão de frequência (TPF) a apresentação de 30 sequências de três tons, os quais podem ser graves (G) (880 Hz) ou agudos (A) (1430 HZ). Cada tom tem a duração de 500 ms, com intervalo entre os três tons de 300 ms e o intervalo entre cada sequência de tons de 10 seg. Estas variam entre seis possibilidades: AAG, AGA, AGG, GGA, GAG e GAA.

Os testes de padrão de duração (TPD) apresentam 30 sequências de três tons, que diferem quanto à duração: tons puros longos (L) (500ms) e curtos (C) (250ms), com intervalo de 300ms entre os tons, sendo que a frequência é mantida constante em 1000 Hz. O TPD apresenta seis possibilidades de combinação: LLC, LCL, LCC, CLL, CLC e CCL.

Nesse trabalho os estímulos foram apresentados binauralmente^{13 , 14}, em um nível de intensidade de 50 dBNS, acima da média aritmética dos limiares de audibilidade obtidos para as freqüências sonoras de 500Hz, 1000Hz e 2000Hz. O sujeito foi instruído, por demonstração, a verbalizar a sequência exata dos sons que ouviu, utilizando os termos "fino" (1430 HZ) e "grosso" (880 Hz) para o TPF e "longo" (500ms) e "curto" (C) (250ms), para o TPD. Exemplo: "fino, fino, grosso" e "curto, longo, curto". Ao final, foram computados os números de acertos e o resultado deste teste foi apresentado em porcentagem de acertos. As inversões de tons, por exemplo, "fino, fino, grosso" por "grosso, grosso, fino" e as inversões de padrões sequenciais, como "fino, grosso, grosso" por "grosso, grosso, fino", foram considerados erros¹⁵, assim como a omissão de padrões e tons e a inserção de tons nas sequências, por exemplo, "fino, fino, grosso", por "fino, fino, grosso, grosso".

Os resultados foram considerados como normais ou alterados segundo os valores descritos por Bahlen (2001) ¹⁶.

Quanto ao tempo de registro levou-se cerca de 20 minutos, uma média de 10 minutos para cada teste, com intervalo de descanso de três minutos entre um teste e o outro para descanso.

Foram realizadas análises descritivas dos resultados dos testes, a partir da construção de tabelas com valores de média e desvio-padrão, por grupo e por orelha. Foi aplicado o teste de Shapiro-Wilk a fim de verificar a normalidade dos dados. A comparação das médias dos testes entre os grupos estudados foi feita a partir da análise de variância - Teste F (ANOVA), e quando verificada significância foi confirmada pelo Tukey Test (ANOVA), um teste paramétrico que faz comparação de médias utilizando a variância em dados que necessariamente configuram distribuição normal.

O resultado foi descrito como valor de p, e o nível de significância adotado foi sempre de 5% ou 0,05 (p ≤ 0,05).

Resultados

Quando realizada a comparação entre a avaliação temporal do GC e GP em ambos os testes - Padrão de Frequência (TPF) e Padrão de Duração (TPD) foram verificadas diferenças significantes entre os grupos, mostrando que as crianças do GP apresentaram resultados significantemente inferiores quando comparadas ao GC.

Além disso, foi possível observar que todas as crianças de ambos os grupos tiveram resultados inferiores para o TPD quando comparado aos resultados do TPF.

As Tabelas 2 e 3 apresentam os valores de média, desvio-padrão e valor de p, nos testes de padrão de frequência e duração para ambos os grupos.

Tabela 2:
Estatística descritiva da Média, desvio-padrão e valor de p calculados dos Testes de Padrão de Duração

• TPD= Teste de padrão de duração DP= Desvio Padrão. ** Tukey Test - Minimum Significant Difference = 17,48 respectivamente

Tabela 3:
Estatística descritiva da Média, desvio-padrão e valor de p calculados dos Testes de Padrão de Frequência

• TPF=Teste de padrão de frequência DP= Desvio Padrão. ** Tukey Test - Minimum Significant Difference = 12,49

Discussão

A literatura frequentemente tem descrito que as crianças com TDAH apresentam déficits na produção e reprodução do tempo^{17 - 19} porém, ainda não há um consenso a cerca dessas alterações^{20 - 22 .}

Nesse estudo foi realizada a comparação entre GC e GP na avaliação do TPF e TPD e verificou-se que houve diferença estatisticamente significante entre os grupos, sendo que o GP apresentou em média valores mais baixos quando comparado ao GC em ambos os testes, além disso, ficou evidente que o TPD teve piores resultados quando comparado ao TPF.

Os achados desse estudo, em que as crianças com TDAH apresentaram melhor desempenho em discriminar frequências quando comparado à duração, pode ser justificado pelo fato de que no teste em que se varia a duração, duas variáveis relacionadas ao processamento temporal estão presentes, a duração do estímulo e a ordenação do mesmo, tarefas essas que segundo a literatura^{23 , 24} o grau de dificuldade é maior.

Nesse estudo pode-se verificar que os indivíduos com TDAH possuem alterações quando precisam além de manter atenção, discriminar diferentes estímulos, principalmente quando envolvem tarefas relacionadas à duração, o que corrobora com estudos⁵ que afirmam ter crescido as evidências de que crianças com TDAH apresentam problemas em vários aspectos do processamento das informações temporais, incluindo a dificuldade na discriminação da duração dos sons, contribuindo para os baixos resultados encontrados nas avaliações cognitivas e comportamentais dessas crianças.

Estudos neuropsicológicos descreveram que crianças com TDAH apresentam alterações em regiões e circuitos cerebrais relacionados ao controle tanto dos sintomas cardinais (atenção, hiperatividade e impulsividade), como ao funcionamento executivo adequado salientando-se estruturas e vias associadas às regiões pré-frontais, lobo parietal, gânglios da base e cerebelo^{25 , 26} comprometendo o funcionamento adequado das capacidades de planejamento, resolução de problemas, modificação de estratégias, memória operacional, inibição de fatores distratores e também de comportamentos e pensamentos inapropriados²⁷.

Autores²⁸ analisaram o grau de sobreposição de sintomas entre TDAH e distúrbio do PA a partir da avaliação de 15 sujeitos com TDAH e 10 sujeitos normais. Os resultados apontaram que 12 sujeitos com TDAH apresentaram alteração do PA, sugerindo que o TDAH e o distúrbio do PA são transtornos intimamente relacionados, dados que corroboram os resultados desse estudo.

Um estudo⁷ propôs dois modelos para explicar como o processamento temporal pode estar alterado no TDAH, sendo que o mais comum, é que o controle inibitório dessas crianças é pobre e interferem na memória de trabalho, posteriormente afetando o processamento temporal.

Autores²⁹ afirmam que a alteração de processamento é frequentemente encontrada em crianças com TDAH, porém há diferenças em relação à natureza da desatenção observada na criança com TDAH, que costuma ser persistente e supramodal, e na criança com alteração de PA que é restrita a atenção auditiva.

Além disso, pesquisas³⁰ afirmam que déficits de memória e atenção, que são frequentes em crianças com TDAH podem levar a déficits em testes que envolvem a discriminação entre estímulos com duração diferente, o que pode justificar também os achados deste estudo.

O presente estudo possibilitou um maior conhecimento da via auditiva central das crianças com e sem TDAH quando avaliadas a partir de testes de processamento auditivo temporal (TPD e TPF), porém outros estudos ainda se fazem necessários, principalmente na literatura nacional, a fim de se conhecer melhor o funcionamento da via auditiva dessas populações.

Conclusão

Na comparação entre o desempenho das crianças com e sem TDAH nos testes de avaliação temporal do processamento auditivo foram verificadas diferenças significantes entre os grupos, sendo que as crianças com TDAH apresentaram alterações em ambos os testes, enquanto que as crianças sem TDAH apresentaram resultados normais.

Foi possível observar ainda que os resultados foram mais alterados no TPD que no TPF em ambos os grupos.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Mar-Apr 2015

Histórico

• Recebido
  10 Dez 2013
• Aceito
  14 Jul 2014