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Capacitação de agentes comunitários de saúde na área de saúde auditiva infantil: retenção da informação recebida

Resumos

OBJETIVO:

verificar a retenção das informações sobre saúde auditiva infantil por agentes comunitários de saúde que participaram de um curso de capacitação.

MÉTODOS:

participaram do estudo 24 agentes comunitários de saúde que haviam sido capacitados por meio de um Cybertutor, sistema de ensino baseado na web. O conteúdo programático desta capacitação envolveu informações que versaram desde a prevenção à reabilitação da deficiência auditiva. Imediatamente após a capacitação, os agentes comunitários de saúde responderam um questionário de múltipla escolha contendo 20 questões, divididas em domínios (1: conceitos gerais; 2: tipo, prevenção e causas da deficiência auditiva; 3: técnicas de detecção e identificação da deficiência auditiva; 4: aspectos gerais da deficiência auditiva). Os agentes comunitários de saúde responderam novamente o questionário decorridos 15 meses da capacitação. O nível de retenção das informações foi analisado comparando o desempenho nos dois momentos por meio do teste de Wilcoxon e adotando-se nível de significância de 5%.

RESULTADOS:

houve uma redução significante (p=0,03) em percentual, do conhecimento geral dos agentes comunitários de saúde sobre saúde auditiva infantil (73,5±8,4/66,7±12,5). Na análise por domínios foi possível constatar uma piora nos domínios 1(76,4±14,7/58,3±22,5), 2 (72,9±30,3/64,6±19,4) e 3 (69,4±14,5/68,8±17,2), sendo significante para o domínio 1 (p=0,012). No que se refere ao domínio 4, observou-se discreta melhora (76,0±11,6/78,1±11,2).

CONCLUSÃO:

houve redução significante, em percentual, do conhecimento geral dos agentes comunitários de saúde sobre saúde auditiva infantil, demonstrando a importância da educação continuada para estes profissionais.

Capacitação; Programa Saúde da Família; Retenção (Psicologia); Audição; Audiologia


PURPOSE:

to investigate the information retention provided to Community Health Workers on infant hearing health training.

METHODS:

the sample was composed of 24 Community Health Workers prior trained through a cybertutor, a based web education system. The content was ranging from prevention to rehabilitation of hearing impairment. Immediately after training, the Community Health Workers answered a multiple choice questionnaire with 20 questions, divided into domains (1: general concepts; 2: type, prevention and causes of hearing impairment; 3: Techniques of identification and diagnosis of the hearing impairment; 4: general aspects of hearing impairment). The same questionnaire was applied one more time after 15 months. The information retention level was analyzed comparing performance in the evaluations by the Wilcoxon test and the significance level adopted was 5%.

RESULTS:

it was verified a significant decrease (p = 0.03) in percentage, of the Community Health Workers general knowledge on infant hearing health (73,5±8,4/66,7±12,5). In the analysis by domains it was possible to see a worsening in 1(76,4±14,7/58,3±22,5), 2 (72,9±30,3/64,6±19,4) and 3 (69,4±14,5/68,8±17,2) domains, it was significant in 1 domain (p = 0.012). Regarding to 4 domain, there was a slight improvement (76,0±11,6/78,1±11,2).

CONCLUSION:

it was observed significant decrease of the Community Health Workers knowledge on infant hearing health, which demonstrates that the community health workers training should occur continuously.

Training; Family Health Program; Retention (Psychology); Hearing; Audiology


Introdução

Com o objetivo de promover a formação e o desenvolvimento de habilidades dos profissionais da Estratégia de Saúde da Família (ESF), desde 2004, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS)11. Brasil. Portaria GM/MS nº 198 de 13 de fevereiro de 2004. Institui a Política nacional de educação permanente em saúde como estratégia do Sistema Único de Saúde para formação e desenvolvimento de trabalhadores para o setor. Diário Oficial da Republica Federativa do Brasil. 2004. Seção 1:24.. Dentre as recomendações para a implementação efetiva desta Política destaca-se a importância de promover articulação entre Instituições de ensino e os demais programas estratégicos da Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação em Saúde, como o Pró-Saúde, Pet-Saúde, UnA-SUS, Profaps e a Telessaúde.

Ressalta-se que várias definições tem sido atribuidas à educação permanente em saúde (EPS) sendo que algumas delas correspondem à educação em serviço; à educação continuada e à educação formal de profissionais. Entretanto, o debate conceitual avançou consideravelmente com a proposta22. Ceccim RB, Feuerwerker LCM. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis. 2004;14(1):41-65. da imagem do quadrilátero da formação para a área da saúde - ensino / gestão setorial / práticas de atenção / controle social para situar esta formação como um projeto educativo que extrapola a educação para o domínio técnico-científico da profissão e propõe construir e organizar uma educação responsável por processos interativos e de ação na realidade para operar mudanças (desejo de futuro), mobilizar caminhos (negociar e pactuar processos), convocar protagonismos (pedagogia in acto) e detectar a paisagem interativa e móvel de indivíduos, coletivos e instituições, como cenário de conhecimentos e invenções (cartografia permanente).

A EPS também incrementou o debate sobre a educação de adultos e possibilidades de capacitação que pressupõe a utilização de metodologias ativas de ensino-aprendizagem sendo que o modelo pedagógico inovador é o de aprender fazendo, que pressupõe a inversão da sequência clássica teoria/prática na produção do conhecimento e assume que ele ocorre de forma dinâmica por meio da ação/reflexão/ação33. Brasil. Ministério da Saúde. Uma nova escola médica para um novo sistema de saúde: Saúde e Educação lançam programa para mudar o currículo de medicina. Rev Saúde Pública. 2002;36(3):375-8.. Tanto nas atividades presenciais ou à distância deve haver tutoria propiciando agilidade na comunicação entre profissionais e tutores/facilitadores/orientadores para o acompanhamento do trabalho e enfrentamento de situações críticas33. Brasil. Ministério da Saúde. Uma nova escola médica para um novo sistema de saúde: Saúde e Educação lançam programa para mudar o currículo de medicina. Rev Saúde Pública. 2002;36(3):375-8..

Mais recentemente, foi instituída a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde, por meio da portaria nº 793, de 24 de abril de 201244. Brasil. Portaria nº 793 de 24 de abril de 2012. Institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde. 2012. Diário oficial da República Federativa do Brasil. 2012.. A atenção básica consiste de um dos componentes nos quais esta Rede se organizará. A capacitação de recursos humanos tanto na rede básica (incluindo as equipes de Saúde da Família e os Agentes Comunitários de Saúde) quanto nos serviços de reabilitação (física, auditiva, visual, intelectual) permanece prevista como uma das diretrizes da Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência44. Brasil. Portaria nº 793 de 24 de abril de 2012. Institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde. 2012. Diário oficial da República Federativa do Brasil. 2012..

Na literatura especifica, constata-se que as ações de educação em saúde para os profissionais da ESF geralmente são voltadas aos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e enfermeiros, ocorrendo de forma predominante por meio de cursos introdutórios e dentro de programas como o da AIDS, Tuberculose, Hemodiálise, Dengue, entre outros55. Frazão P, Marques D. Efetividade de programa de agentes comunitários na promoção da saúde bucal. Rev Saúde Pública. 2009;43(3):463-71.

6. Hermann K, Damme WV, Pariyo GW, Schouten E, Assefa Y, Cirera A et al. Community health workers for ART in sub-Saharan Africa: learning from experience - capitalizing on new opportunities. Human Resources for Health. 2009;7:31-42.
- 77. Kalyango JN, Rutebemberwa E, Alfven T, Ssali S, Peterson S, Karamagi C. Performance of community health workers under integrated community case management of childhood illnesses in eastern Uganda. Malaria Journal. 2012; 11:282-95..

No que se refere à Fonoaudiologia, alguns estudos foram realizados a fim de elaborar ferramentas ou propor programas de capacitação para ACS88. Berretin-Félix G, Ferrari DV, Daré S, Wen CL. Teleamamentação para Agentes Comunitários de Saúde - 10 passos para comunicação e deglutição do bebê. [Cybertutor] Bauru: Telemedicina - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2009. , 99. Arakawa AM, Sitta EI, Maia Junior AFM, Carleto NG, Santo CE, Bastos RS et al. Avaliação de um programa de capacitação em fonoaudiologia para agentes comunitários de saúde na Amazônia brasileira. Distúrb Comun. 2013;25(2):203-10.. Em relação especificamente à saúde auditiva, em âmbito nacional, desde o ano de 2005, os pesquisadores do presente estudo junto ao Departamento de Fonoaudiologia da instituição vêm desenvolvendo estudos voltados à capacitação de ACS em parceria com a Secretaria de Saúde de Bauru/SP, Sorocaba/SP e Itajaí/SC.

A deficiência auditiva é considerada um problema de saúde pública devido à sua prevalência e também por seu impacto no desenvolvimento do indivíduo, envolvendo a linguagem, assim como aspectos sociais, emocionais, acadêmicos e profissionais. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o número estimado de pessoas com perda auditiva incapacitante era de 278 milhões em 20051010. World Health Organization (WHO). Prevention of deafness and hearing impairment. Disponível em: http://www.who.int/pbd/deafness/en/survey_countries.gif. Acesso em: 01 de novembro de 2013.
http://www.who.int/pbd/deafness/en/surve...
. Em nível nacional, o censo demográfico demonstrou que 5,1% da população brasileira declararam incapacidade, com alguma ou grande dificuldade auditiva1111. IBGE. Censo Demográfico 2010. Disponível em: <http://www. censo2010.ibge.gov.br. Acesso em: 01 de novembro de 2013.
http://www. censo2010.ibge.gov.br...
. Em relação, especificamente, à cidade de Bauru, uma prevalência de 0,96:1000 de perda auditiva sensorioneural foi verificada na análise dos resultados do Programa de Triagem Auditiva Neonatal desenvolvido em um Hospital Maternidade Público da cidade, que é de alto risco e referência para o município1212. Bevilacqua MC, Alvarenga KF, Costa OA, Moret AL. The universal newborn hearing screening in Brazil: from identification to intervention. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2010;74(5):510-5..

Os estudos desenvolvidos previamente em saúde auditiva se basearam na recomendação da OMS, utilizando o material proposto no International Workshop on Primary Ear and Hearing Care 1313. Organização Mundial de Saúde. The report of the International Workshop on Primary Ear and Hearing Care - Cape Town, South Africa. 1998.. Inicialmente este material foi adaptado à realidade brasileira e validado, e posteriormente, foi utilizado em um programa de capacitação presencial1414. Alvarenga KF, Bevilacqua MC, Martinez MANS, Melo TM, Blasca WQ, Taga MFL. Proposta para capacitação de agentes comunitários de saúde em saúde auditiva. Pró Fono R Atual Cient. 2008;20(3):171-6.. Nos estudos subsequentes analisou-se a eficácia de diferentes ferramentas de tele-educação interativa: videoconferência1515. Melo TM, Alvarenga KF, Blasca WQ, Taga MFL . Capacitação de agentes comunitários de saúde em saúde auditiva: efetividade da videoconferência. Pró Fono R Atual Cient. 2010;22(2):139-45., Cybertutor1616. Alvarenga KF . Capacitação dos agentes comunitários de saúde do Programa de Saúde da Família: uma proposta de educação à distância na área de saúde auditiva. 2010. Bauru (SP): Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia de Bauru. [Relatório final]: Processo CNPq n. 485508/2007-9. e CD-ROM1717. Araújo ES, Alvarenga KF, Urnau D, Pagnossin DF, Wen CL . Community health worker training for infant hearing health: effectiveness of distance learning. Int J Audiol. 2013;52(9):636-41.. Na análise dos resultados, a metodologia utilizada nestes estudos foi a comparação do desempenho dos participantes em um questionário aplicado nos momentos pré e pós-capacitação imediata, os quais demonstraram que há retenção da informação a curto prazo, com diferença significante do conhecimento geral nos dois momentos de avaliação.

Contudo, é imprescindível que o profissional consiga aplicar o conhecimento em suas atividades diárias de atuação não apenas no momento pós-capacitação imediata, mas sim continuamente. Nesse sentido, questiona-se a manutenção do nível de retenção da informação ao longo do tempo.

Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi verificar a retenção das informações sobre saúde auditiva infantil por ACS que participaram de um curso de capacitação.

Métodos

Trata-se de um estudo longitudinal, realizado mediante a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Faculdade de Odontologia de Bauru - Universidade de São Paulo (FOB-USP), processo número 038/2010 e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos participantes.

Participaram do estudo 24 ACS com representatividade das diferentes equipes da ESF do município de Bauru e que haviam participado de um programa de capacitação na área de saúde auditiva infantil. A Tabela 1 apresenta o número absoluto de ACS e de equipes de ESF, bem como a quantidade relativa da cobertura populacional de ambos, em nível federal, estadual e municipal, tendo como referência o período em que foi realizado o estudo.

Tabela 1:
Número absoluto de agentes comunitários de saúde e equipes de Saúde da Família e a quantidade relativa da cobertura populacional, em nível federal, estadual e municipal

- Capacitação na área de saúde auditiva infantil:

O programa de capacitação foi realizado por meio de um Cybertutor, uma ferramenta de tele-educação interativa baseada na web. Esta capacitação foi realizada em estudo anterior1616. Alvarenga KF . Capacitação dos agentes comunitários de saúde do Programa de Saúde da Família: uma proposta de educação à distância na área de saúde auditiva. 2010. Bauru (SP): Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia de Bauru. [Relatório final]: Processo CNPq n. 485508/2007-9.e o conteúdo programático da mesma envolveu desde a prevenção à reabilitação da deficiência auditiva, organizado em cinco módulos: (1) Som e sistema auditivo; (2) Audição, linguagem e deficiência auditiva; (3) Causas da deficiência auditiva e atenção à saúde; (4) Identificação e diagnóstico da deficiência auditiva no primeiro ano de vida; (5) (Re)habilitação da deficiência auditiva, incluindo a utilização de imagens estáticas, dinâmicas e vídeos ilustrativos.

Cada ACS acessou o material de forma individualizada e direcionou o seu próprio aprendizado, porém conduzido pelo tutor eletrônico que verificou o seu desempenho e a sua programação de estudo. O tutor permitia o avanço para o próximo módulo de estudo somente após a conclusão daquele que o antecedia, incluindo o acerto dos exercícios de reforço presentes no final de cada módulo. Importante ressaltar que todos os ACS realizaram o curso no mesmo período e carga horária.

Imediatamente após concluir os estudos de todos os módulos, os ACS responderam um questionário de múltipla escolha contendo 20 questões relacionadas ao conteúdo abordado na capacitação (Figura 1). O questionário utilizado foi previamente traduzido e adaptado para a realidade brasileira1111. IBGE. Censo Demográfico 2010. Disponível em: <http://www. censo2010.ibge.gov.br. Acesso em: 01 de novembro de 2013.
http://www. censo2010.ibge.gov.br...
e as questões que o compõem foram divididas em quatro domínios:

  • Domínio 1: questões de 1 a 6, referentes ao conceitos gerais sobre a audição deficiência auditiva (Conceituação);

  • Domínio 2: questões de 7 a 10, referentes a tipo, prevenção e causas da deficiência auditiva (Prevenção);

  • Domínio 3: questões de 11 a 16, referentes às técnicas de detecção e identificação da deficiência auditiva (Identificação), e,

  • Domínio 4: questões de 17 a 20, referentes aos aspectos gerais da deficiência auditiva.

  • Conhecimento geral: representado por todas as questões (1 a 20), englobando portanto, os quatro domínios avaliados pelo questionário.

As possíveis respostas eram "verdadeiro", "falso" e "não sei" e a pontuação foi computada a partir de gabarito proposto em estudos anteriores1414. Alvarenga KF, Bevilacqua MC, Martinez MANS, Melo TM, Blasca WQ, Taga MFL. Proposta para capacitação de agentes comunitários de saúde em saúde auditiva. Pró Fono R Atual Cient. 2008;20(3):171-6. , 1515. Melo TM, Alvarenga KF, Blasca WQ, Taga MFL . Capacitação de agentes comunitários de saúde em saúde auditiva: efetividade da videoconferência. Pró Fono R Atual Cient. 2010;22(2):139-45.. A cada resposta correta era atribuído um ponto. Assim, o escore total do questionário é de, no máximo, 20 pontos, totalizando 100% de acerto.

Figura 1:
Questionário aplicado nos dois momentos de avaliação

- Análise da retenção da informação:

A fim de verificar o nível de retenção das informações obtidas no programa de capacitação, após um período de 15 meses, os ACS responderam novamente o questionário que havia sido aplicado imediatamente após a capacitação (Figura 1). A aplicação do questionário ocorreu em uma data única para todos os participantes, em uma reunião específica para este fim.

Por meio da comparação das respostas do questionário pós-capacitação e após um período de 15 meses, foi possível analisar o nível de retenção das informações pelos participantes.

Os dados foram submetidos à análise estatística descritiva e inferencial, utilizando o teste de Wilcoxon e adotando-se nível de significância de 5%.

Resultados

Foram analisadas por meio de estatística descritiva as pontuações obtidas por domínios e o escore total do questionário aplicado pós-capacitação imediata e 15 meses após a capacitação (Tabela 2).

Tabela 2:
Medidas-resumo, em percentual, do escore total e por domínio do questionário aplicado aos agentes comunitários de saúde pós-capacitação imediata (momento 1) e 15 meses após a capacitação (momento 2)

Os resultados da análise inferencial comparativa do desempenho por domínios e do escore total nos dois momentos de avaliação podem ser vistos na Figura 2 e indicam que houve redução significante do conhecimento geral do ACS sobre saúde auditiva infantil (p=0,03).

Figura 2:
Comparação do desempenho médio, em percentual, nos dois momentos de avaliação: pós-capacitação imediata (momento 1) e15 meses após a capacitação (momento 2)

Discussão

A retenção da informação analisada a curto prazo é importante para verificar as informações assimiladas, contudo, não representa necessariamente que a mesma manter-se-á ao longo do tempo. Neste estudo, os resultados demonstraram uma redução significante do conhecimento geral dos ACS sobre saúde auditiva, 15 meses após a capacitação. Tal achado aponta a importância de que estes profissionais sejam capacitados de forma contínua e não somente em momentos isolados, reforçando, portanto, a relevância da PNEPS11. Brasil. Portaria GM/MS nº 198 de 13 de fevereiro de 2004. Institui a Política nacional de educação permanente em saúde como estratégia do Sistema Único de Saúde para formação e desenvolvimento de trabalhadores para o setor. Diário Oficial da Republica Federativa do Brasil. 2004. Seção 1:24..

A análise da retenção de informação pode ser realizada por meio de tarefas de evocação livre ou auxiliada e também por meio de reconhecimento da informação, sendo que nas provas de reconhecimento exige-se menor atenção e recursos cognitivos, pois possibilita maior apoio na busca e recuperação da informação1818. Thompson AE, Goldszmidta MA, Schwartzb AJ, Bashook PG. A randomized trial of pictorial versus prose-base medication information. Patient Educ Couns. 2010;78(3):389-93.. No presente estudo, o questionário aplicado focava a tarefa de reconhecimento da informação, uma vez que o mesmo foi constituído por afirmações que o participante deveria julgar como verdadeiras ou falsas, ou seja, conteúdos desenvolvidos foram apresentados nas questões o que pode ter sido um facilitador para a evocação da resposta correta.

Na literatura pesquisada não foram encontrados outros estudos analisando a retenção da informação em programas de capacitação para ACS. A análise de estudos relacionados à retenção de informações transmitidas a pacientes em outras áreas da saúde1818. Thompson AE, Goldszmidta MA, Schwartzb AJ, Bashook PG. A randomized trial of pictorial versus prose-base medication information. Patient Educ Couns. 2010;78(3):389-93.

19. Ayotte BJ, Allaire JC, Bosworth H. The associations of patient demographic characteristics and health information ecall: the mediating role of health literacy. Neuropsychol Dev Cogn B Aging Neuropsychol Cogn. 2009;16(4):419-32.
- 2020. Wilson EAH, Park DC, Curtis LM, Cameron KA, Clayman ML, Makoul G et al. Media and memory: The efficacy of video and print materials for promoting patient education about asthma. Patient Educ Couns. 2010;80(3):393-8. e também em Audiologia2121. Desjardins JL, Doherty KA. Do experienced hearing aid users know how to use their hearing aids correctly? Am J Audiol. 2009;18(1):69-76. , 2222. Geraldo T, Ferrari DV, Bastos BG. Orientação ao usuário de prótese auditiva: retenção da informação. Arq. Int. Otorrinolaringol. 2011;15(4):410-7., demonstraram que existe perda da informação fornecida pelos profissionais da saúde e ainda, que alguns pacientes evocaram informações errôneas em relação à sua condição de saúde.

A capacidade de retenção da informação é influenciada por uma série de fatores, como a quantidade de informação e a forma de aquisição da mesma, a duração da exposição e as intervenções neste processo2323. Pazin Filho A, Scarpelini S. Estrutura de uma aula teórica I: conteúdo. Medicina 2007;40(1):17-27.. Desta forma, a organização de programas de capacitação pautados nestes fatores é essencial, uma vez que os mesmos podem favorecer a capacidade de retenção da informação quando bem aplicados.

Além disso, a absorção do conhecimento é dada por vários canais de comunicação, tanto verbais quanto não-verbais, podendo envolver leitura, audição, visão e execução prática de situações. De acordo com a literatura, a proporção de retenção da informação difere de acordo com o canal utilizado e ainda, quanto maior a quantidade de canais utilizados maior será essa proporção. De forma geral o indivíduo consegue reter 10% do que lê, 20% do que ouve, 30% do que vê, 50% do que vê e ouve e 80% do que vê, ouve e faz2323. Pazin Filho A, Scarpelini S. Estrutura de uma aula teórica I: conteúdo. Medicina 2007;40(1):17-27..

No programa de capacitação ao qual os ACS haviam sido submetidos previamente houve preocupação com estes aspectos, uma vez que a ferramenta de tele-educação interativa utilizada proporcionou diferentes recursos audiovisuais e também possibilitou que o ACS direcionasse seu próprio estudo, característica inerente à ferramenta utilizada, que permite ao usuário revisar os conteúdos de acordo com sua necessidade e avançar nos estudos de acordo com seu ritmo de aprendizagem. Assim, os resultados do presente estudo, demonstraram que mesmo administrando os fatores que influenciam na capacidade de retenção, houve uma redução significante das informações retidas ao longo do tempo, o que demonstrou que outras variáveis devem ser consideradas.

O programa educacional Cybertutor - tutor eletrônico baseado na internet - além de utilizar a metodologia do aprendizado baseado em problemas (PBL) apresenta também recursos de interatividade e está sendo utilizado não apenas pelos programas da educação à distância, mas também para complementar o aprendizado tradicional2424. Ferrari DV, Blasca WQ, Bevilacqua MC, Wen CL . Audiology telehealth research in Brazil. Audinews. 2008;8(57):4-5..

Tal metodologia alinha-se aos principios da educação de adultos ou Andragogia, que consiste na arte e na ciência de ajudar os adultos a aprender, promovendo o aprendizado através da experiência que dá sentido à educação. Desta forma, a educação do adulto é autodirigida e deve ser organizada de acordo com situações de vida/trabalho ao invés de unidade de conteúdo2525. Knowles M. Self-Directed Learning: A Guide for Learners and Teachers. New York: Association Press, 1975..

Outros aspectos que poderiam influenciar o nível de retenção seriam a idade, o nível socioeconômico e a escolaridade, contudo, em estudo anterior desenvolvido com pacientes na área de Audiologia2222. Geraldo T, Ferrari DV, Bastos BG. Orientação ao usuário de prótese auditiva: retenção da informação. Arq. Int. Otorrinolaringol. 2011;15(4):410-7. não foram observadas correlações significantes entre a escolaridade e classificação sócio-econômica com o nível de retenção da informação. Os aspectos demográficos não foram analisados no presente estudo em virtude da homogeneidade da casuística, uma vez, que os participantes apresentavam mesma faixa etária, profissão e nível de escolaridade.

A literatura aponta que o nível de retenção da informação se relaciona também com o envolvimento do indivíduo e utilização destas informações, ou seja, se não utilizado com frequência, o conteúdo aprendido passa pela memória de trabalho e em seguida é descartado, por outro lado, se tal conteúdo é utilizado rotineiramente, o mesmo atinge a memória de longo prazo e fica retido2626. Ioschpe G. A visão evolutiva do aprendizado. Revista Veja 20 de março de 2013: 94-6. , 2727. Wilson EAH, Wolf MS. Working memory and the design of health materials: a cognitive factors perspective. Patient Educ Couns. 2009;74(3):318-22..

Apesar de todos os ACS terem atuado em sua função, durante os 15 meses, de acordo com o determinado pela ESF, não foi realizado um controle rigoroso das atividades que o ACS desenvolveu no período, o que permitiria analisar se todos tiveram ou não a mesma oportunidade de aplicação do conteúdo, o que envolve a abrangência da área de atuação, número de famílias visitadas, contato com crianças deficientes auditivas, dentre outros. Assim, ressalta-se a importância de desenvolvimento de estudos futuros que realizem um controle das atividades desempenhadas pelos profissionais pós-capacitação.

Diante de tal limitação, procurou-se verificar indícios que pudessem esclarecer os achados obtidos. Nesse sentido, foi analisado o nível de retenção da informação para os diferentes domínios avaliados pelo questionário. Os resultados demonstraram que houve redução significante das informações para o domínio 1, o qual representa aspectos conceituais e que portanto, estão mais distantes da prática diária de atuação do ACS. Por outro lado, o conteúdo avaliado pelos demais domínios consistem em aspectos mais práticos e, portanto, a atuação diária destes profissionais pode tem favorecido a manutenção do nível de informações retidas para estes domínios e inclusive ter ocasionado discreta melhora do desempenho no domínio 4 (Tabela 1). Tal achado é coerente com os resultados descritos em estudo anterior2222. Geraldo T, Ferrari DV, Bastos BG. Orientação ao usuário de prótese auditiva: retenção da informação. Arq. Int. Otorrinolaringol. 2011;15(4):410-7., que evidencia que os indivíduos têm maior facilidade para reter informações concretas do que abstratas. Os aspectos conceituais sobre a audição e deficiência auditiva representam a base para que o ACS desempenhe seu trabalho técnico/prático em saúde auditiva de forma efetiva, uma vez que é necessário, por exemplo, ter conhecimento do que é a perda auditiva para que possa atuar na identificação da mesma.

Diante do exposto, nota-se que os resultados encontrados na análise por domínios podem direcionar a estruturação de programas de educação continuada ou mesmo de educação permanente em saúde voltados a trabalhadores do SUS. Os aspectos teóricos e conceituais abordados em tais processos educativos devem ser reforçados constantemente, uma vez que os mesmos chegam à memória de trabalho, mas há dificuldade em manter o nível das informações retidas em longo prazo.

A retenção das informações relacionadas à saúde auditiva infantil permite que os ACS consigam contribuir de forma efetiva para a promoção da saúde auditiva bem como desenvolver ações preventivas na área. Ressalta-se a importância do desenvolvimento de estudos com objetivo de verificar a retenção da informação por meio de tarefas de evocação e de investigar formas de melhorar o nível de retenção em cursos de capacitação direcionados a estes profissionais.

Por tratar-se de um processo educativo dinâmico, em construção e que requer o emprego de metodologias que coloquem o sujeito como ator deste aprendizado, o desenho de novas pesquisas envolvendo a capacitação e retenção de informação para o ACS, no ambiente do Cybertutor, deve incluir outras estratégias como a problematização por meio de simulação de situações-problemas de vida diária e fóruns de discussão, entre outras. A confecção de material de apoio como cartilha para auxiliar a orientação das famílias e o registro na forma de um diário reflexivo do ACS, abordando a temática nas visitas domiciliares, podem facilitar a aplicabilidade das informações no dia-a-dia do profissional.

Conclusão

Houve redução significante, em percentual, do conhecimento geral do ACS sobre saúde auditiva infantil. Desta forma, a capacitação destes profissionais não deve ocorrer em um momento único, mas deve estar alicerçada em uma proposta de educação permanente em saúde, a fim de propiciar maiores possibilidades de retenção da informação e de transformação da realidade em saúde.

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    Brasil. Portaria GM/MS nº 198 de 13 de fevereiro de 2004. Institui a Política nacional de educação permanente em saúde como estratégia do Sistema Único de Saúde para formação e desenvolvimento de trabalhadores para o setor. Diário Oficial da Republica Federativa do Brasil. 2004. Seção 1:24.
  • 2
    Ceccim RB, Feuerwerker LCM. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis. 2004;14(1):41-65.
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde. Uma nova escola médica para um novo sistema de saúde: Saúde e Educação lançam programa para mudar o currículo de medicina. Rev Saúde Pública. 2002;36(3):375-8.
  • 4
    Brasil. Portaria nº 793 de 24 de abril de 2012. Institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde. 2012. Diário oficial da República Federativa do Brasil. 2012.
  • 5
    Frazão P, Marques D. Efetividade de programa de agentes comunitários na promoção da saúde bucal. Rev Saúde Pública. 2009;43(3):463-71.
  • 6
    Hermann K, Damme WV, Pariyo GW, Schouten E, Assefa Y, Cirera A et al. Community health workers for ART in sub-Saharan Africa: learning from experience - capitalizing on new opportunities. Human Resources for Health. 2009;7:31-42.
  • 7
    Kalyango JN, Rutebemberwa E, Alfven T, Ssali S, Peterson S, Karamagi C. Performance of community health workers under integrated community case management of childhood illnesses in eastern Uganda. Malaria Journal. 2012; 11:282-95.
  • 8
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2013
  • Aceito
    21 Ago 2014
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