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Desempenho de vocabulário em crianças pré-escolares institucionalizadas

Resumos

OBJETIVO:

verificar o desempenho de vocabulário de crianças institucionalizadas e comparar com o desempenho de crianças pertencentes à rede pública e particular de ensino.

MÉTODOS:

participaram deste estudo 16 crianças em situação de acolhimento institucional em abrigo, de ambos os gêneros, com idades entre 4 anos a 5 anos e 11 meses (grupo experimental). Para compor o grupo controle, participaram 32 crianças provenientes de escolas pública (n=16) e privada (n=16) pareadas por idade, totalizando 48 participantes. Para a verificação do desempenho de vocabulário foi utilizado o Teste de Vocabulário - ABFW que verifica a competência lexical da criança e os recursos de significação utilizados para nomear a palavra alvo. Foi realizada a análise estatística dos dados a fim de analisar diferenças entre os grupos pesquisados (Teste de Kruskal-Wallis).

RESULTADOS:

foi possível observar que as crianças institucionalizadas demonstraram desempenho inferior na prova de vocabulário em relação aos grupos controle, que não apresentaram grandes diferenças entre si. Cabe mencionar que todas as crianças demonstraram maior dificuldade nos campos conceituais "profissões" e "locais".

CONCLUSÃO:

crianças em situação de acolhimento institucional em abrigo possuem desempenho vocabulário abaixo do esperado para a idade e inferior ao desempenho de pré-escolares de escolas pública e privada que residem com suas famílias.

Vocabulário; Linguagem Infantil; Criança Institucionalizada; Fonoaudiologia


PURPOSE:

to evaluate the vocabulary performance of institutionalized children and compare it with the performance of children which belong to public and private schools.

METHODS:

16 children at institutional care in shelter, of both genders, aged between 4 and 5 years and 11 months (experimental group) participated. As the control group, 32 children from public (n=16) and private (n=16) schools matched for age participated, totaling 48 participants. A Vocabulary Test (ABFW) was used, to evaluate the performance of the vocabulary. This test verifies the child's lexical competence and the resources of significance used to name the target word. Statistical analysis of data was performed to analyze differences between the surveyed groups (Kruskal-Wallis).

RESULTS:

it was possible to observe that institutionalized children showed lower performance in the vocabulary test in relation to the control groups, which showed no differences between them. In addition, all children showed more difficulty in the semantic fields "professions" and "places".

CONCLUSION:

children in situations of institutional care have underperformed vocabulary for their age and inferior than the performance of preschool children in public and private schools who reside with their families.

Vocabulary; Child Language; Child, Institutionalized; Speech, Language and Hearing Sciences


Introdução

Todo ser humano detém um léxico mental que é acessado à medida que deseja representar, por meio de palavras, um objeto, uma ação ou um acontecimento. Aprender palavras e utilizá-las de forma adequada é um aspecto fundamental no desenvolvimento da linguagem e relaciona-se à aquisição da sintaxe, da morfologia e da fonologia 11. Brancalioni AR, Marini C, Cavalheiro LG, Keske-Soares M. Desempenho em prova de vocabulário de crianças com desvio fonológico e com desenvolvimento fonológico normal. Rev CEFAC [periódico na internet]. 2011 [acesso em 21/05/2014];13(3):428-36. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rcefac/2010nahead/122-09.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rcefac/2010nahe...
, 22. Hage SRV, Pereira MB. Desempenho de crianças com desenvolvimento típico de linguagem em prova de vocabulário expressivo. Rev CEFAC [periódico na internet]. 2006 [acesso em 21/05/2014];8(4):419-28. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-18462006000400003&script=sci_arttext
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.

São mencionados pela literatura como fatores que possivelmente interferem na aquisição do léxico, a frequência e a familiaridade das palavras33. German DJ, Newman RS. The impact of lexical factors on children's word-finding errors. J Speech Lang Hear Res. 2004;47(3):624-36. , 44. Gershkoff-Stowe L, Hahn ER. Fast mapping skills in the developing lexicon. J Speech Lang Hear Res. 2007;50(3):682-97. suas extensões55. Maekawa J, Storkel HL. Individual differences in the influence of phonological characteristics on expressive vocabulary development by young children. J Child Lang. 2006;33(3):439-59. bem como os estímulos ambientais66. Hoff E, Naigles L. How children use input to acquire a lexicon. Child Dev. 2002;73(2):418-33..

No que diz respeito aos aspectos ambientais, a literatura refere que a privação precoce e institucionalização nos primeiros meses de vida afetam o desenvolvimento emocional, cognitivo, social e neurofisiológico da criança. No entanto, até o momento pouco se sabe sobre os aspectos específicos que interferem no período pré-escolar dessas crianças77. Cardona JF, Manes F, Escobar J, López J, Ibáñez A. Potential consequences of abandonment in preschool-age: neuropsychological findings in institutionalized children. Behav Neurol. 2012;25(4):291-301..

Neste estudo destaca-se, portanto, a institucionalização da criança como uma variável importante a ser considerada no desenvolvimento da linguagem, tendo em vista o objetivo das instituições em oferecer suporte aos vários aspectos do desenvolvimento das crianças que lá estão abrigadas. Para que a criança tenha o domínio da linguagem, é de suma importância a qualidade das informações que a mesma recebe, bem como a forma como a criança interage com o meio social, que nesses casos é o ambiente social da instituição. Se a criança apresenta maiores oportunidades de interagir socialmente, sendo uma participante ativa desta interação, provavelmente alcançará com mais eficácia o domínio da linguagem do que aquelas crianças que não tiveram esta oportunidade e não participaram ativamente do diálogo adulto-criança88. Borges LC, Salomão NMR. Aquisição da Linguagem: Considerações da Perspectiva da Interação Social. Psicol. Refl. Crít. 2003;16(2):327-36..

Cabe mencionar, no entanto, que muitas vezes as condições dentro das instituições são marcadas por elevados níveis de privação. As crianças podem estar desnutridas, receber atendimento médico deficiente, passar parte do seu tempo desocupadas além da qualidade de suas interações com os cuidadores ser frequentemente pobre99. Smyke EM, Koga SF, ​​Johnson DE, Fox NA, Marshall PJ, Nelson CA et al. The caregiving context in institution - reared and family - reared infants and toddlers in Romania. J Child Psychol Psychiatry. 2007;48:210-8., comprometendo tanto o seu desenvolvimento social como o emocional.

Receber uma intervenção adequada em idades mais precoces propicia melhora no desenvolvimento motor, habilidades de linguagem, cognição e relações sociais1010. Nelson III CA, Furtado EA, Fox NA, Zeanah Jr CH. Developmental eficits among institutionalized Romanian children - and later improvements - strengthen the case for individualized care. The deprived human brain. 2009;97(3):222.. Considerando-se que a instituição pode propiciar um campo de relações que permite trocas sociais e afetivas, que são particularmente importantes para crianças que estão privadas do cuidado dos pais1111. Cavalcante LIC, Magalhães CMC, Pontes FAR. Abrigo para crianças de 0 a 6 anos: um olhar sobre as diferentes concepções e suas interfaces. Rev Mal-Estar Subj [periódico na internet]. 2007 [acesso em: 10/06/2014];7(2):329-52. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/infanciahome_c/acolhimento_institucional/Doutrina_abrigos/cavalcante_abrigo_para_criancas_de_0_a_6_anos.pdf
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal...
, 1212. Newcomb M. Social support and personal characteristics: a developmental and interactional perspective. J Soc Clin Psychol. 1990;9:54-68., considera-se a qualidade do ambiente e do cuidado institucional fundamental para impulsionar seu desenvolvimento1313. Tizard B, Rees J. A comparasion of the effects of adoption, restoration to the natural mother, and continued institutionalization on the cognitive development of four-yearold children. Child Development. 1974;45(1):92-9. , 1414. Siqueira AC, Dell'Aglio DD. O Impacto da Institucionalização na Infância e na Adolescência: Uma Revisão de Literatura. Psicol. Soc. 2006;18(1):71-80..

Frente à reconhecida interferência do ambiente de vivência da criança para o da linguagem, a avaliação do vocabulário de crianças institucionalizadas necessita ser sistemática e recorrente. Esse fato destaca-se no Brasil, por haver um expressivo número de crianças em situação de institucionalização. Nessa perspectiva, estudos sobre o vocabulário de crianças institucionalizadas pode oferecer dados que colaboram para a compreensão do desenvolvimento da linguagem e consequentemente para intervenções em educação e saúde sobre tal aspecto. Assim, esta pesquisa teve como objetivo verificar o desempenho de vocabulário de crianças institucionalizadas e comparar com o desempenho de crianças pertencentes à rede pública e particular de ensino.

Métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, protocolo nº 2121/2010. As escolas onde as crianças dos GC1 e GC2 estavam matriculadas e os seus responsáveis foram informados sobre a realização da pesquisa e seus objetivos. Os diretores das instituições e os pais ou responsáveis pelas crianças que concordaram com a participação na pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme a resolução do Conselho Nacional de Saúde CNS 196/96.

Foi realizado um estudo transversal com 16 crianças institucionalizadas, de ambos os gêneros, com idades de 4 a 5 anos e 11 meses, e 32 crianças provenientes de escolas públicas e privadas para compor o grupo controle, totalizando 48 participantes. As crianças foram divididas em três grupos: Grupo Experimental - GE (composto por 16 crianças provenientes de duas instituições), Grupo Controle 1 - GC1 (composto por 16 crianças de escola pública) e Grupo Controle 2 - GC2 (composto por 16 crianças de escola privada).

As Figuras 1 e 2 apresentam dados referentes a idade, gênero, série escolar, e tempo de permanência na escola de cada sujeito participante.

Figura 1:
Caracterização dos sujeitos pertencentes ao grupo experimental.

Figura 2:
Caracterização dos sujeitos pertencentes aos grupos controle.

Como critérios de inclusão para o GE, as crianças deveriam residir exclusivamente na instituição, no mínimo há um ano, e estarem matriculadas em instituição pública de educação infantil fora do abrigo. As crianças do GE estavam em abrigos institucionais e recebiam os cuidados de monitores que se revezavam em plantões de atendimento de oito em oito horas, sendo um ou dois monitores para um grupo de aproximadamente 15 crianças. Além disso, eram permitidas saídas para escola, passeios e visitas a familiares.

Os critérios de inclusão para o GC1 e GC2 foram: as crianças deveriam residir com pelo menos algum membro de sua família de origem e, também, estarem matriculadas em instituições de educação infantil. As crianças dos três grupos cursavam o Infantil I ou Infantil II.

A amostra relativamente pequena deve-se ao limite de idade das crianças, sendo que nas instituições em que foram realizadas a pesquisa, grande parte das crianças apresentavam idade superior ao que o teste que avalia até a idade de cinco anos e 11 meses.

Procedimentos

Para a caracterização dos sujeitos foi elaborado um questionário especificamente para este estudo. O questionário constava de dados da criança referentes à: idade; gênero; escolaridade e; tempo de permanência na escola. Os dados das crianças institucionalizadas foram fornecidos pelo coordenador ou assistente social de cada uma das instituições.

Foi realizada uma triagem fonoaudiológica com todas as crianças para garantir que não apresentavam queixa ou alteração de linguagem. Aplicou-se também um questionário com todos os pais dos escolares para identificar crianças com possíveis queixas de alterações auditivas. Tal questionário constava de perguntas referentes ao desenvolvimento global com ênfase no desenvolvimento da linguagem e de audição da criança. No que diz respeito às crianças de escola pública e privada, o questionário foi aplicado com os pais/responsáveis, e nas instituições com um monitor, que tem contato diário com a criança. As crianças que demonstraram alterações no desenvolvimento foram encaminhadas para avaliação fonoaudiológica.

Para avaliar o vocabulário foi empregado o teste de linguagem do ABFW - Vocabulário1515. Befi-Lopes DM. Vocabulário (Parte B). In: Andrade CRF, Befi-Lopes DM, Fernandes FDM, Wertzner HF. ABFW: teste de linguagem infantil nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. 2. Ed. Rev. ampl. E atual. Barueri: Pró-Fono; 2004. P. 33-49.. O objetivo da prova de vocabulário é verificar a competência lexical da criança, os mecanismos utilizados pelas crianças, no que se refere à quantidade de vocábulos e quais recursos de significação esta criança utiliza para tentar nomear a palavra - alvo. A prova consta da análise dos campos conceituais vestuário, animais, alimentos, meios de transporte, móveis e utensílios, profissões, locais, formas e cores, brinquedos e instrumentos musicais.

Na aplicação da prova de vocabulário a ordem de apresentação das figuras foi sequenciada de acordo com os campos conceituais. Ao apresentar a figura, foi questionado "o que é isso?" Para todos os objetos, "que cor é esta?" Para todas as cores, "que forma é esta?" Para as formas, "que lugar é este?" Para os locais e "quem é ele/ela?" Para as profissões. Quando a criança não nomeou a figura em dez segundos, foi apresentada a próxima e repetida a pergunta. Foram reapresentadas as figuras que não foram nomeadas antes de iniciar com o próximo campo conceitual, obedecendo a ordem numérica. As respostas dadas pelas crianças foram transcritas no protocolo específico. O tempo de aplicação foi de aproximadamente 25 minutos por criança. Tal procedimento foi aplicado nas escolas em que estudavam as crianças do GC1 e GC2. Já a coleta de dados do GE, foi realizada na própria instituição em que estavam abrigadas.

As gravações das respostas fornecidas pelos sujeitos participantes foram registradas no protocolo específico da prova de verificação do vocabulário. Seguindo os critérios de análise propostos pela autora da prova1515. Befi-Lopes DM. Vocabulário (Parte B). In: Andrade CRF, Befi-Lopes DM, Fernandes FDM, Wertzner HF. ABFW: teste de linguagem infantil nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. 2. Ed. Rev. ampl. E atual. Barueri: Pró-Fono; 2004. P. 33-49., as respostas foram classificadas como designação de vocábulo usual (DVU), não-designação (ND) e processo de substituição (VER).

Foi realizada também análise estatística dos dados para comparar o desempenho obtido na prova de vocabulário entre as crianças participantes deste estudo e, posteriormente, correlacionar as diferentes variáveis. Foi aplicado o teste de Kruskal-Wallis, com o intuito de verificar possíveis diferenças entre o desempenho de vocabulário dos três grupos de crianças (GE - Instituição; GC1 - Escola Pública; GC2 - Escola Privada), com nível de significância de 5% (p>0,05).

Resultados

O desempenho dos grupos foi comparado concomitantemente, a partir das categorias DVU (Designação por vocábulo usual), ND (Não-designação) e VER (Processo de Substituição). Os dados foram analisados estatisticamente e foram realizadas comparações do GE em relação ao GC1 e GC2.

Primeiramente são apresentados dados acerca da categoria Designação por Vocábulo Usual nos três grupos estudados (Tabela 1).

Tabela 1:
Desempenho de vocabulário das crianças institucionalizadas (Grupo Experimental) e das não institucionalizadas (Grupo Controle 1 e Grupo Controle 2) em Designação por Vocábulo Usual

A Tabela 2 demonstra os resultados referentes à categoria Não-Designação nos três grupos estudados.

Tabela 2:
Desempenho de vocabulário das crianças institucionalizadas (Grupo Experimental) e das não institucionalizadas (Grupo Controle 1 e Grupo Controle2) em Não designação

Na Tabela 3 podem ser observados os dados acerca da categoria Processo de Substituição nos três grupos estudados.

Tabela 3:
Desempenho de vocabulário das crianças institucionalizadas (Grupo Experimental) e das não institucionalizadas (Grupo Controle1 e Grupo Controle 2) em Processo de substituição

Conforme demonstrado na Tabela 1, a categoria DVU apresentou valores estatisticamente significantes em todos os campos avaliados, entre os três grupos participantes. A categoria VER (tabela 3) também apresentou valores de p>0,05 para a maioria dos campos, exceto em transportes, o qual não foi estatisticamente significante. Já no que se refere a ND (Tabela 2), todos os campos apresentaram valores não significantes, exceto o campo transportes.

Cabe mencionar que em relação à DVU, observou-se que nos campos conceituais "vestuário", "animais", "alimentos", "móveis e utensílios", "profissões", "formas e cores" e "brinquedos e instrumentos musicais", o GC2 apresentou melhor desempenho em relação ao GC1, visto que este apenas apresentou melhor desempenho em relação a GC2 no campo "meios de transporte". Porém, não houve diferenças no desempenho de ambos os grupos controle.

Quanto às ND, constatou-se que nos campos "vestuário", "animais", "meios de transporte" e "locais", o GC1 apresentou valores menores em relação ao GC2, sendo que nos restantes dos campos, os valores de ND em relação a GC2 foi maior.

Ao analisar os VER, foi possível notar que GC1 também apresentou desempenho inferior em relação ao GC2 nos campos conceituais "vestuário", "animais", "alimentos", "móveis e utensílios", "locais", "formas e cores" e "brinquedos e instrumentos musicais". Visto que no campo "profissões", o GC1 apresentou melhor desempenho, porém não significante e, no campo "meios de transporte", apresentou porcentagem igual ao GC2.

No geral, os campos conceituais que os três grupos apresentaram melhor desempenho foram "animais", "formas e cores" e "brinquedos e instrumentos musicais". E os campos que apresentaram maior dificuldade foram "profissões" e "locais".

Em suma, as crianças institucionalizadas apresentaram menor número de designações por vocábulos usuais e maior número de processos de substituição em relação aos dois grupos controle em todos os campos conceituais pesquisados, como é possível observar nas tabelas. Em relação às não-designações, o GE apenas apresentou porcentagem inferior aos demais grupos pesquisados no campo conceitual "vestuário", sendo que no restante dos campos, o GE apresentou maior porcentagem de não-designações em relação à GC1 e GC2.

De modo geral, as crianças institucionalizadas apresentaram desempenho inferior ao das crianças dos dois grupos controle na maioria dos campos conceituais pesquisados, e os dois grupos controle não apresentaram diferenças entre si.

Discussão

Os resultados deste estudo possibilitaram a avaliação do desempenho de vocabulário de crianças pré-escolares em situação de institucionalização em abrigos e de crianças que residem com a família.

Foi encontrada diferença entre o grupo institucionalizado e os grupos que moram com as famílias, sendo que o grupo institucionalizado apresentou médias mais baixas. Este resultado confirma a hipótese inicial de que a família e o ambiente social desempenham importante papel no desenvolvimento de habilidades lexicais e semânticas de crianças em idade pré-escolar.

Não houve diferença entre as crianças não institucionalizadas, o que pode ser explicado devido ao fato da escola pública participante dessa pesquisa possuir boa qualidade de ensino e ser considerada como referência na região. Um estudo que visava comparar o desempenho escolar entre um grupo que morava com a família e um grupo de crianças institucionalizadas, concluiu que este último apresentou médias mais baixas. Tal resultado confirma que a família desempenha um papel importante no desempenho escolar das crianças77. Cardona JF, Manes F, Escobar J, López J, Ibáñez A. Potential consequences of abandonment in preschool-age: neuropsychological findings in institutionalized children. Behav Neurol. 2012;25(4):291-301. , 1616. Dell'aglio DD, Hutz CS. Depressão e desempenho escolar em crianças e adolescentes institucionalizados. Psicol. Refl. Crít. 2004;17(3):341-50..

As crianças dos três grupos pesquisados apresentaram grande número de VER, porém é valido ressaltar que tais processos substitutivos foram em alguns momentos sinônimos da palavra-alvo. Como, por exemplo, "carro de polícia" para "viatura", "cabeleireiro" para "barbeiro", "campo de futebol" para "estádio", "blusa" para "casaco", "vaso" para "privada", "polícia" para "guarda", "cowboy" para "fazendeiro".

Observou-se que grande parte das crianças dos três grupos apresentou dificuldade nos campos "profissões" e "locais". O fato das crianças apresentarem maior dificuldade no campo conceitual "profissões" pode estar relacionado aos referentes das palavras para objetos, que são estáveis e concretos. Ao contrário, os referentes das palavras de ações são transitórios1717. Befi-Lopes DM . Prova de verificação do vocabulário: aspectos da efetividade como instrumento diagnóstico [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2002.. É necessário ter um domínio maior de conhecimento, para ter bom desempenho nos campos conceituais, profissões e locais, pois são necessárias capacidades de representação e abstração para a aquisição desses conceitos1818. Athayde ML, Mota HB, Mezzomo CL. Vocabulário expressivo de crianças com desenvolvimento fonológico normal e desviante. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2010;22(2):145-50..

Estudos que tiveram como objetivo verificar vocabulário expressivo de crianças com desvio fonológico, constataram também que o campo que mais se mostrou complexo para as crianças foi o campo "locais" 1919. Scheuer CI, Stivanin L, Mangilli LD. Nomeação de figuras e a memória em crianças: efeitos fonológicos e semânticos. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2004;16(1):49-56. , 2020. Mota HB, Kaminski TI, Nepomuceno MRF, Athayde ML . Alterações no vocabulário expressivo de crianças com desvio fonológico. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2009;14(1):41-7.. Na faixa etária aqui avaliada, tais campos conceituais tendem a ser menos representativos e familiares. Conforme outro estudo2121. Gandara JP, Befi-Lopes DM . Tendências da aquisição lexical em crianças em desenvolvimento normal e crianças com Alterações Específicas no Desenvolvimento da Linguagem. Rev. soc. Bras. Fonoaudiol. 2010;15(2):297-304., fatores como familiaridade e frequência das figuras que deverão ser nomeadas fazem com que a criança acesse o léxico, favorecendo a nomeação e acerto dos objetos apresentados.

Na comparação entre o desempenho de vocabulário nos três grupos pesquisados notou-se que na categoria DVU as crianças não institucionalizadas, sejam elas de escolas particular ou pública apresentaram melhor desempenho em todos os campos conceituais em comparação às crianças institucionalizadas, exceto no campo "profissões", que não houve diferenças.

Em relação a ND, foi possível observar nos três grupos estudados, que elas se fizeram mais presentes nos campos conceituais "alimentos", "móveis e utensílios" e "locais", sendo que o GE apresentou maior quantidade de ND. Outro estudo1919. Scheuer CI, Stivanin L, Mangilli LD. Nomeação de figuras e a memória em crianças: efeitos fonológicos e semânticos. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2004;16(1):49-56. apresentou que quanto às ND nenhum campo mostrou-se complexo para as crianças dos grupos pesquisados, visto que a maioria apresentou resultados desejáveis em todos os campos. Os resultados dessa pesquisa sugeriram que as crianças dos grupos estudados preferem substituir a palavra-alvo do que não designarem1919. Scheuer CI, Stivanin L, Mangilli LD. Nomeação de figuras e a memória em crianças: efeitos fonológicos e semânticos. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2004;16(1):49-56..

Na presente pesquisa, em VER, apenas foi significante os tipos de processos utilizados pelo GC1 e GC2 em relação ao GE. Os grupos GC1 e GC2 realizaram processos de substituição mais coerentes comparando-se com o GE, ou seja, processos que se encontram dentro do mesmo campo semântico.

Pesquisadores relataram que o desenvolvimento da linguagem e do vocabulário é extremamente complexo, são influenciados pelo ambiente no qual a criança está inserida, pelas relações sociais estabelecidas e pelas características particulares de cada indivíduo2222. Sheridan M, Dury S, McLaughlin K, Almas A. Early institutionalization: neurobiological consequences and genetic modifiers. Neuropsychol Rev.2010; 20(4):414-29.. Os resultados deste estudo sugerem que o ambiente social das crianças institucionalizadas não favoreceu o desenvolvimento normal da aquisição da linguagem e, consequentemente da aquisição lexical.

Apesar das crianças institucionalizadas estarem inseridas em escola pública, notou-se diferença em relação ao desempenho lexical dos grupos controle. Assim, os dados encontrados na presente pesquisa indicam que as crianças institucionalizadas não tiveram em seus ambientes familiares e depois em ambiente institucional interações e relações sociais que parecem ter oferecido menores oportunidades para o desenvolvimento da linguagem. Outros autores2323. O'Connor TG, Rutter M, Beckett C, Keaveney L, Kreppner JM. English and Romanian Adoptees Study Team The effects of global severe privation on cognitive competence: Extension and longitudinal follow-up. Child Dev. 2000;71:376-90. , 2424. Bazon MR, Biasoli-Alves ZMM. A transformação de monitores em educadores: uma questão de desenvolvimento. Psicol. Refl. Crít. 2000;13(1):199-204. descreveram que crianças que permanecem sob a responsabilidade de uma instituição de abrigo e recebem cuidados físicos relativamente adequados, mas emocionalmente indiferentes, podem apresentar atrasos no desenvolvimento cognitivo e emocional. Estes dados corroboram os achados deste estudo em que é possível notar pior desempenho das crianças institucionalizadas em prova de vocabulário em relação às crianças provenientes de escola pública e privada, que vivem com suas famílias.

É valido ressaltar que poucos são os estudos brasileiros sobre a avaliação de linguagem de crianças institucionalizadas, sendo que a maioria aborda a criança institucionalizada relacionada a possíveis transtornos psicossociais futuros. Destaca-se ainda que, essas questões são muito complexas e que seriam necessários novos estudos para compreender os efeitos da institucionalização no processo de desenvolvimento infantil.

Conclusão

Neste estudo foi possível concluir que o vocabulário de pré-escolares que vivem em instituições apresenta-se abaixo do esperado para a idade e inferior ao desempenho de pré-escolares de escolas pública e privada que residem com suas famílias. Portanto, as crianças de instituição parecem estar em ambiente social menos favorável ao desenvolvimento de linguagem no que se refere aos aspectos semânticos-lexicais, do que as crianças dos grupos-controle, que moram com suas famílias.

Foi possível observar também, que nos três grupos pesquisados, o campo conceitual em que as crianças apresentaram menor número de designações por vocábulo usual foram os campos "profissões" e "locais". Os campos que apresentaram melhor desempenho foram os campos "animais", "formas e cores" e "brinquedos e instrumentos musicais".

Os resultados encontrados indicam a necessidade de investigações sobre os diferentes tipos de variáveis ambientais que interferem no desenvolvimento da linguagem de crianças institucionalizadas e os fatores de risco associados a alterações da linguagem e aprendizagem de tal população.

Ratifica-se a partir dos dados e discussões aqui expostos a relevância da atuação da fonoaudiológica e áreas afins em contextos de institucionalização de crianças, na busca por melhores condições de assistência a essa população. A Fonoaudiologia pode contribuir a partir de ações preventivas, em avaliação e intervenção, por meio de consultorias, programas de orientação e produção de materiais para educadores e cuidadores dessas instituições, bem como avaliação da linguagem das crianças, terapia de linguagem e encaminhamento para outros profissionais para os casos em que se fizerem necessários tais procedimentos.

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  • Fonte de auxílio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2014
  • Aceito
    10 Dez 2014
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