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Influência da hipermobilidade articular generalizada sobre a articulação teoromandibular, mastigação e deglutição: estudo transversal

Resumos

OBJETIVO:

avaliar a articulação temporomandibular, as funções de mastigação e deglutição em mulheres assintomáticas com e sem hipermobilidade articular generalizada e a associação entre estas variáveis.

MÉTODOS:

foram avaliadas 43 voluntárias no Serviço de Atendimento Fonoaudiológico da Universidade Federal de Santa Maria. Ahipermobilidadefoi avaliada pelo Escore de Beighton e, a partir dos escores obtidos, as voluntárias foram distribuídas em dois grupos: com (n=17) e sem hipermobilidade (n=26). A articulação temporomandibular foi examinada pelo instrumento Critérios de Diagnóstico para Pesquisa de Desordens Temporomandibularese as funções de mastigação e deglutição foram avaliadas por meio do exame miofuncional orofacial.

RESULTADOS:

a avaliação clínica da articulação temporomandibular demonstrou predomínio de ruídos articulares durante movimentos mandibulares (52,9%) e de desvio na abertura da boca (76,5%) nas voluntárias do grupo com hipermobilidade, sem diferença significante entre os grupos. No exame da função mastigatória, apesar da maioria das voluntárias apresentar padrão de mastigação bilateral alternado, a frequência desse foisignificantemente menor no grupo com hipermobilidade (p=0,05). Foi verificada uma associação significante(p=0,02) entre o padrão de mastigação e de abertura da boca, apenas no grupo sem hipermobilidade, e não houve diferença na deglutição entre os grupos.

CONCLUSÃO:

as mulheres assintomáticas apresentaram indícios de que a hipermobilidade predispõe à ocorrência de desvio na abertura da boca e ruídos articulares. Não houve diferença na função de deglutição, porém verificou-se uma frequência menor de mastigação bilateral alternada no grupo com hipermobilidade em relação ao sem hipermobilidade.

Instabilidade Articular; Articulação Temporomandibular; Mastigação; Deglutição


PURPOSE:

to evaluate temporomandibular joint, mastication and deglutition in asymptomatic women with and without generalized joint hypermobility and the association between these variables.

METHODS:

forty-three volunteers were evaluated at the Speech-Language-Hearing Service of Federal University of Santa Maria. Hypermobility was evaluated according to the Beighton score and, based on the obtained scores, the volunteers were distributed into two groups: with (n=17) and without hypermobility (n=26). The temporomandibular joint was examined by Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders instrument, and mastication and deglutition functions were assessed through a myofunctional orofacial assessment.

RESULTS:

the clinical evaluation of the temporomandibular joint showed predominance of joint sounds during jaw movement (52.9%) and mouth opening deviation (76.5%) in the hypermobility group, without statistical significant difference. In the examination of the masticatory function, although most of the volunteers showed a bilateral chewing pattern, the frequency of this pattern was significantly lower in the hypermobility group (p=0.05). A significant association (p=0.02) between chewing and mouth opening pattern was found only in the group without hypermobility, and there was no difference between groups regarding the deglutition function.

CONCLUSION:

asymptomatic women showed evidence that hypermobility predisposes the occurrence of mouth opening deviation and joint sounds. There was no difference in the deglutition function, but lower frequency of alternating bilateral chewing was found in the group with hypermobility compared to the group without hypermobility.

Joint Instability; Temporomandibular Joint; Mastication; Deglutition


Introdução

A hipermobilidade articular generalizada (HAG) é uma condição clínica hereditária, não patológica, e representa uma variação extrema da mobilidade articular normal na maioria das articulações, incluindo a articulação temporomandibular (ATM)11. Egri D, Yoshinari NH. Hipermobilidade articular generalizada. RevBrasReumatol. 1999;39(4):231-6.

2. Marino LHC, Lamari N, Marino Júnior NW. Hipermobilidade articular nos joelhos da criança. ArqCiênc Saúde. 2004;11(2):2-4.

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- 44. Moraes DA, Baptista CA, Crippa JA, Louzada-Junior P. Tradução e validação do The fivepartquestionnaire for identifyinghypermobility para a língua portuguesa do Brasil. RevBrasReumatol. 2011;51(1):53-69..

Devido às alterações no colágeno que compõem os tecidos conjuntivos do organismo, a frouxidão ligamentar fornece uma baixa regulação aferente aos receptores de estiramento do músculo, reduzindo a propriocepção. Com isso, deduz-se que os movimentos das articulações estão prejudicados em sujeitos com HAG, uma vez que a coordenação motora depende, fundamentalmente, do feedback proprioceptivo 11. Egri D, Yoshinari NH. Hipermobilidade articular generalizada. RevBrasReumatol. 1999;39(4):231-6. , 33. Cavenaghi S, Folchine ERA, Marino LHC, Lamari NM. Prevalência de hipermobilidade articular e sintomas álgicos em trabalhadores industriais. ArqCiênc Saúde. 2006;13(2):64-8.

4. Moraes DA, Baptista CA, Crippa JA, Louzada-Junior P. Tradução e validação do The fivepartquestionnaire for identifyinghypermobility para a língua portuguesa do Brasil. RevBrasReumatol. 2011;51(1):53-69.

5. Grahame R. The hypermobility syndrome. Ann Rheum Dis. 1990;49:199-200.
- 66. Ferrell WR, Tennant N, Sturrock RD, Ashton L, Creed G, Brydson G et al. Amelioration of Symptoms by Enhancement of Proprioception in Patients With Joint Hypermobility Syndrome. Arthritis &Rheumatism. 2004;50(10):3323-8..

Apesar de haver várias pesquisas que relacionem a HAG e a ATM, há escassez de estudos que investiguem as funções estomatognáticas em indivíduos hipermóveis. Acredita-se que o envolvimento da ATM entre as articulações hipermóveis pode repercutir nas funções desempenhadas por esta, devido às alterações decorrentes na propriocepção e coordenação motora.

Dentre as funções estomatognáticas, a mastigação tem grande importância, sendo conceituada como uma atividade sensorial-motora complexa que envolve a manipulação e trituração do alimento, por meio de um padrão de movimentos rítmicos77. Marchesan IQ. Fundamentos em Fonoaudiologia: Aspectos clínicos da motricidade oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

8. Escudeiro Santos C, Freitas O, Spadaro ACC, Mestriner-Junior W. Development of a colorimetric system for evaluation of the masticatory efficiency. Braz Dent J. 2006;17(2):95-9.

9. van der Bilt A, Engelen L, Pereira LJ, van der Glass HW, Abbink JH. Oral physiology and mastication. Physiology & Behavior. 2006;89:22-7.

10. Gomes SGF, Custodio W, Moura Jufer JS, Del Bel Cury AA, Rodrigues Garcia RCM. Correlation of mastication and masticatory movements and effect of chewing side preference. Braz Dent J. 2010;21(4):351-5.

11. Nascimento GKBO, Cunha DA, Lima LM, Moraes KJR, Pernambuco LA, Régis RMFL et al. Eletromiografia de superfície do músculo masseter durante a mastigação: uma revisão sistemática. Rev CEFAC. 2012;14(4):725-31.
- 1212. Ohkubo C, Morokuma M, Yoneyama Y, Matsuda R, Lee JS. Interactions between occlusion and human brain function activities. Journal of Oral Rehabilitation. 2013;40:119-29..

Aspectos como força, tempo e tipo de mastigação podem ser influenciados pela modificação na propriocepção 1313. van der Bilt A . Assessment of mastication with implications for oral rehabilitation: a review. Journalof Oral Rehabilitation. 2011;38:754-80., e alterações na coordenação neuromuscular podem levar a distúrbios das funções de mastigação e deglutição 77. Marchesan IQ. Fundamentos em Fonoaudiologia: Aspectos clínicos da motricidade oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. , 1414. Maciel CTV, Barbosa MH, Toldo CA, Faza FCB, Chiappetta ALML. Disfunções Orofaciais nos Pacientes em Tratamento Ortodôntico. Rev CEFAC. 2006;8(4)456-66..

A deglutição é uma ação neuromuscular complexa que compreende um conjunto de mecanismos motores coordena dos com finalidade de conduzir o conteúdo intraoral para o estômago 77. Marchesan IQ. Fundamentos em Fonoaudiologia: Aspectos clínicos da motricidade oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. , 1515. Mezzomo CL, Machado PG, Pacheco AB, Gonçalves BFT, Hoffmann CF. As implicações da classe II de Angle e da desproporção esquelética tipo classe II no aspecto miofuncional. Rev CEFAC. 2011;13(4)728-34.. Para que a deglutição se processe de maneira normal, faz-se necessário o equilíbrio entre os músculos periorais, mastigatórios e língua. Qualquer ruptura desse equilíbrio poderá originar alterações na deglutição 1616. Fernandes LFT, Kochenborger R, Woitchunas FE, Woitchunas DR. A influência da deglutição atípica no padrão craniofacial e na morfologia mandibular. RFO. 2010;15(1):52-7..

O conhecimento da influência da HAG sobre a ATM pode colaborar com a prática clínica, considerando que a instabilidade articular pode dificultar a manutenção de resultados terapêuticos miofuncionais. Diante do exposto, o objetivo desta pesquisa foi avaliar a ATM e as funções de mastigação e deglutição em mulheres assintomáticas com e sem HAG.

Métodos

A presente pesquisa constitui-se de um estudo observacional, transversal e controlado, de abordagem quantitativa. O estudo fez parte do projeto Sistema crânio-cérvico-mandibular: enfoque diagnóstico e terapêutico multifatorial, com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) sob protocolo número 23081.019091/2008-65, conforme a resolução 196/1996.

A pesquisa foi desenvolvida no Laboratório de Motricidade Orofacial do Serviço de Atendimento Fonoaudiológico (SAF-UFSM) (Santa Maria, RS).

Os critérios de inclusão foram: pertencer ao sexo feminino, ter idade entre 18 e 35 anos, e ter assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.Foram excluídas as que apresentaram: perdas dentárias (mais de dois dentes - exceto terceiro molar); uso de prótese dentária; sinais de comprometimento neuropsicomotor; malformações, tumores, cirurgias ou traumas na região de cabeça e pescoço; tratamento fonoaudiológico e tratamento fisioterapêutico na área de motricidade orofacial prévios ou atuais; sintomatologia dolorosa na ATM e respiradoras oraise as que não concluíram as avaliações.

Os procedimentos de coleta de dados ocorreram conforme o fluxograma apresentado na Figura 1.

Figura 1:
Fluxograma de coleta de dados

As voluntárias que se incluíram nos critérios foram avaliadas por uma fisioterapeuta e por uma fonoaudióloga, ambas com experiência em motricidade orofacial. A fisioterapeuta avaliou a presença de HAG e a ATM, e a fonoaudióloga realizou o protocolo de avaliação miofuncional orofacial.

A HAG foi avaliada por meio dos critérios de Carter e Wilkinson, modificados por Beighton1717. Beighton P, Solomon L, Soskolne CL. Articular mobility in a African population. Ann Rheum Dis. 1973;(32):413-8., que compreendem cinco testes, conforme a Figura 2 (Escore de Beighton) 1818. Pasinato F, Souza JA, Corrêa ECR, Silva AMT. Temporomandibular disorder and generalized joint hypermobility: application of diagnostic criteria. Braz. j. otorhinolaryngol, 2011;77(4):418-25..

A escala varia de zero a nove pontos, sendo verificada a HAG nos indivíduos que apresentam escore igual ou maior que quatro pontos. A partir dos escores obtidos neste teste, as voluntárias foram distribuídas em dois grupos: com HAG (GH) e sem HAG (GSH).

A ATM das voluntárias foi avaliada por uma fisioterapeuta treinada, pelo Eixo I do instrumento Critérios de Diagnóstico para Pesquisa de Desordens Temporomandibulares (RDC/TMD) 1919. Dworkin SF, Leresche L. Research diagnostic criteria for temporomandibulardisoders: Review, criteria, examinations and specifications, critique. Journal of Craniomandibular Disorders. 1992;6:301-55. a fim de verificar as amplitudes de movimento mandibulares e sinais que poderiam estar relacionados à HAG, tais como presença de ruídos articulares e desvios na abertura mandibular.

O sistema estomatognático foi avaliado por uma fonoaudióloga, por meio do protocolo MBGR 2020. Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC, Marchesan IQ . Avaliação Miofuncional Orofacial - Protocolo MBGR. Rev CEFAC. 2009;11(2):237-55., o qual envolve o exame miofuncional orofacial. As funções de mastigação e deglutição foram registradas em vídeo.

Para a avaliação da mastigação, o alimento oferecido foi o pão francês. As voluntárias foram orientadas a mastigar e deglutir de modo habitual, e o teste foi repetido três vezes. Em seguida, foi realizada a deglutição de líquido, utilizando-se 200 ml de água, oferecidos em um copo descartável transparente.

As filmagens foram analisadas por três fonoaudiólogas e considerados os seguintes aspectos quanto à mastigação: incisão, trituração, padrão mastigatório, fechamento labial e contrações musculares atípicas. Quanto à deglutição: fechamento labial, postura dos lábios, contenção do alimento, contrações musculares atípicas e coordenação. As fonoaudiólogas foram cegadas quanto à presença de HAG e o grau de concordância entre as análises foi obtido pelo Coeficiente Kappa.

Os valores do coeficiente Kappa foram interpretados como: concordância pobre (K<0), ligeira concordância (K=0-0,20), concordância fraca (K=0,21-0,40), concordância moderada (K=0,41-0,60), concordância substancial (K=0,60-0,80) e concordância excelente (K>0,80) 2121. Viera AJ, Garret JM. Understanding Interobserver Agreement: The Kappa Statistic. Research Series. 2005;37(5):360-3. , 2222. Pacheco AB . Avaliação antroposcópica e cefalométrica do perfil e da tendência facial e sua relação com as funções estomatognáticas [Dissertação]. Santa Maria (RS): Universidade Federal de Santa Maria; 2013..

As demais análises foram realizadas utilizando o Software Statistica versão 9.0 para Windows. Estatísticas descritivas foram determinadas para todas as variáveis, e os testes Qui-quadrado ou o Exato de Fisher foram utilizados para verificar a associação entre: padrão de mastigação, presença de contrações atípicas na mastigação e na deglutição; presença de ruídos e padrão de abertura da boca, admitindo-se nível de significância de 5%.

Resultados

Quarenta e três voluntárias enquadraram-se nos critérios de inclusão e completaram as avaliações. Vinte e seis fizeram parte do grupo sem HAG (GSH) (60,5%), com média de idade e desvio padrão de 23,3±4,9 anos; e 17 fizeram parte do grupo com HAG (GH) (39,5%), com idade média e desvio padrão de 23,5±4,4 anos.

Conforme a avaliação do instrumento RDC/TMD, as medidas de amplitudes de movimento mandibulares estiveram dentro da normalidade 2323. Pehling J, Schiffman E, Look J, Shaefer J, Lenton P, Fricton J. Interexaminer Reliability and Clinical Validity of the Temporomandibular Index: A New Outcome Measure for Temporomandibular Disorders. J OrofacPain. 2002;16(4):296-304. e sem diferença entre os grupos (Tabela 1).

Tabela 1:
Média e desvio padrão das amplitudes mandibulares nos grupos com e sem hipermobilidade articular generalizada

A presença de ruídos articulares durante os movimentos mandibulares predominou no GH (52,9%), comparado com o GSH (38,5%), porém essa diferença não foi significante (p=0,56).

A Tabela 2 mostra o padrão de abertura da boca avaliado nas voluntárias, as quais apresentaram elevada ocorrência de desvio não corrigido, principalmente no GH, embora sem diferença significante.

Tabela 2:
Frequência do padrão de abertura da boca nos grupos com e sem hipermobilidade articular generalizada

Ao analisar a mastigação e a deglutição, observou-se que todas as voluntárias apresentaram os aspectos incisão, trituração, fechamento labial, postura dos lábios, contenção do alimento e coordenação sem alterações. O padrão mastigatório bilateral predominou em ambos os grupos, porém observou-se uma frequência desse padrão significantemente menor no GH (p=0,05) (Tabela 3). A presença de contrações musculares atípicas foi observada tanto na mastigação quanto na deglutição, sem diferença significante entre os grupos (Figura 3).

Tabela 3:
Frequência de padrão de mastigação observada nos grupos com e sem hipermobilidade articular generalizada

Figura 3:
Frequência de contrações atípicas na mastigação e deglutição nos grupos com e semhipermobilidade articular generalizada.

O coeficiente Kappa foi utilizado para descrever a intensidade da concordância entre as fonoaudiólogas que avaliaram a mastigação e a deglutição. Tal coeficiente apresentou ligeira concordância (K=0,17) para a variável contrações atípicas na mastigação, e concordância fraca para as variáveis padrão de mastigação (K=0,34) e contrações atípicas na deglutição (K=0,22).

Foram analisadas associações entre padrão de mastigação, presença de contrações atípicas na mastigação e na deglutição, presença de ruídos e padrão de abertura da boca. Dentre essas, observou-se apenas uma associação significante entre o padrão de mastigação e de abertura da boca no GSH (Tabela 4).

Tabela 4:
Associação entre o padrão de mastigação e o padrão de abertura da boca: comparação entre os grupos com e sem hipermobilidade articular generalizada

Discussão

A avaliação da ATM, pelo instrumento RDC/TMD, verificou que a HAG não influenciou as amplitudes de movimentos mandibulares. Porém foi observada a presença de ruídos articulares com maior percentual no GH (52,9%). Resultados semelhantes foram encontrados em um estudo 2424. Hirsch C, John MT, Stang A. Association between generalized joint hypermobility and signs and diagnoses of temporomandibular disorders. Eur J Oral Sci. 2008;116:525-30. que utilizou os mesmos instrumentos para avaliação da HAG e para o exame da ATM, ou seja, os critérios de Beighton e o RDC/TMD, respectivamente.

Tal estudo2424. Hirsch C, John MT, Stang A. Association between generalized joint hypermobility and signs and diagnoses of temporomandibular disorders. Eur J Oral Sci. 2008;116:525-30. investigou 893 sujeitos de 20 a 60 anos, sendo 8,4% com HAG, e encontrou risco aumentado de estalidos nos indivíduos hipermóveis (70%), embora sem dor na ATM, seja dor miofascial ou artralgia. Porém, outras pesquisas 1818. Pasinato F, Souza JA, Corrêa ECR, Silva AMT. Temporomandibular disorder and generalized joint hypermobility: application of diagnostic criteria. Braz. j. otorhinolaryngol, 2011;77(4):418-25. , 2525. Sáez-Yuguero MR, Linares-Tovar E, Calvo-Guirado JL, Bermejo-Fenoll A, Rodríguez-Lozano F. Joint hypermobility and disk displacement confirmed by magnetic resonance imaging: A study of women with temporomandibular disorders. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral RadiolEndod. 2009;107(6):54-7., que também utilizaram os critérios de Beighton, não encontraram associação entre HAG e DTM.

Além da presença de ruídos, o desvio na abertura da boca não diferiu significantemente entre os grupos, porém as voluntárias do GH apresentaram uma porcentagem maior de desvio não corrigido. Esse sinal pode indicar um deslocamento de disco 2626. Teixeira MJ, Siqueira JTT. Dores Orofaciais: diagnóstico e tratamento. São Paulo: Artes Médicas, 2012., assim como pode ser decorrente de alterações anatômicas, como hipoplasiascondilares, inflamação articular, falta de guias oclusais2727. Chiodelli L, Weber P, Pasinato F, Souza JA, Corrêa ECR . Manifestações clínicas de desordem temporomandibular e inclinação lateral da cabeça. Ter Man. 2012;10(50):383-8. , 2828. Figueiredo VMG, Cavalcanti AL, Farias ABL, Nascimento SR. Prevalência de sinais, sintomas e fatores associados em portadores de disfunção temporomandibular. Acta. Sci. Health. Sci. 2009;31(2):159-63., e desequilíbrio dos músculos mastigatórios.

Tal desequilíbrio pode ocorrer nos indivíduos com HAG devido à instabilidade articular associada a um déficit proprioceptivo. A redução da propriocepção em indivíduos com HAG deve ser considerada, uma vez que esta parece influenciar o padrão de atividade elétrica muscular, a força, os movimentos, o tempo e o padrão de mastigação 1313. van der Bilt A . Assessment of mastication with implications for oral rehabilitation: a review. Journalof Oral Rehabilitation. 2011;38:754-80. , 2929. Pasinato F, Souza JA, Corrêa ECR, Silva AMT . Temporomandibular disorder and generalized joint hypermobility: electromyographic analysis of the masticatory muscles. Braz J Oral Sci. 2011;10(2):146-51. , 3030. Gomes SGF, Custodio W, Faot F, Del BelCury AA, Garcia RCMR. Chewing side, bite force symmetry, and occlusal contact area of subjects with different facial vertical patterns. Braz Oral Res. 2011;25(5):446-52..

Quanto as funções estomatognáticas, sabe-se que a mastigação bilateral alternada é essencial para a prevenção de distúrbios miofuncionais, problemas periodontais e DTM 77. Marchesan IQ. Fundamentos em Fonoaudiologia: Aspectos clínicos da motricidade oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. , 1010. Gomes SGF, Custodio W, Moura Jufer JS, Del Bel Cury AA, Rodrigues Garcia RCM. Correlation of mastication and masticatory movements and effect of chewing side preference. Braz Dent J. 2010;21(4):351-5. , 3131. Slavicek G, Schimmer C. Analysis of human mastigation behavior: a new approach using planar calculations of fragmented chewing sequences. J. Stomat. Occ. Med. 2010;3(1):61-7., e no presente estudo, apesar de a maioria das voluntárias de ambos os grupos apresentar este padrão, um percentual mais alto e significante de voluntárias do GHapresentou alterações na mastigação. Por outro lado, no GSH, além dopredomínio da mastigação bilateral alternada, houve o predomínio de abertura da boca sem desvio, com associação significante entre estas variáveis.

Estes resultados corroboram com pesquisas anteriores 66. Ferrell WR, Tennant N, Sturrock RD, Ashton L, Creed G, Brydson G et al. Amelioration of Symptoms by Enhancement of Proprioception in Patients With Joint Hypermobility Syndrome. Arthritis &Rheumatism. 2004;50(10):3323-8. , 3232. Simpson MR. Benign Joint Hypermobility Syndrome: Evaluation, Diagnosis, and Management. J Am Osteopath Assoc. 2006;106(9):531-6., em que os indivíduos hipermóveis apresentaram comprometimento do feedback proprioceptivo. Apesar destas pesquisas não terem investigado a ATM, sugere-se que as mulheres do presente estudo sem HAG apresentaram melhor estabilidade e coordenação neuromuscular.

Não houve diferença entre os grupos quanto à presença de contrações atípicas na mastigação e na deglutição. Um estudo recente 3333. Weber P, Corrêa ECR, Bolzan GP, Ferreira FDS, Soares JC, Silva AMT . Mastigação e deglutição em mulheres jovens com desordem temporomandibular. CoDAS. 2013;25(4):375-80. observou que o esforço dos lábios e a participação exagerada da musculatura perioral ocorreram mais frequentemente em um grupo com DTM, justificando este achado pela presença de sintomatologia dolorosa. Este estudo não corrobora com a presente pesquisa, pois um critério de exclusão do estudo foi a presença de dor na ATM.

A sintomatologia dolorosa poderia ser um fator de confusão nos resultados, uma vez que a dor facial pode comprometer a ação dos músculos mastigatórios e, consequentemente, as funções estomatognáticas3333. Weber P, Corrêa ECR, Bolzan GP, Ferreira FDS, Soares JC, Silva AMT . Mastigação e deglutição em mulheres jovens com desordem temporomandibular. CoDAS. 2013;25(4):375-80..

Neste estudo os aspectos referentes à deglutição aparentaram normalidade, exceto a presença de contrações atípicas durante esta função, que ocorreu em ambos os grupos, sem diferença entre eles. Não foram encontrados estudos que investigaram a deglutição em indivíduos com HAG, porém, sugere-se que as contrações atípicas tenham ocorrido devido a um desequilíbrio entre os músculos periorais, mastigatórios e língua 1616. Fernandes LFT, Kochenborger R, Woitchunas FE, Woitchunas DR. A influência da deglutição atípica no padrão craniofacial e na morfologia mandibular. RFO. 2010;15(1):52-7., e não apresentou associação com a HAG.

As funções estomatognáticas foram avaliadas por três fonoaudiólogas e a concordância entre elas foi de ligeira a fraca (K=0,17, 0,34 e 0,22). Este aspecto corrobora com um estudo recente 2222. Pacheco AB . Avaliação antroposcópica e cefalométrica do perfil e da tendência facial e sua relação com as funções estomatognáticas [Dissertação]. Santa Maria (RS): Universidade Federal de Santa Maria; 2013.,que utilizou o mesmo protocolo, e observou concordância fraca para a deglutição (K=0,50) e boa para as variáveis mastigatórias (K= 0,94). Por ser um teste subjetivo, a análise dos resultados obtidos no exame miofuncional orofacial dependem da experiência e percepção de cada avaliadora, sendo indispensáveiso treinamento e a calibração de juízes.

Além da baixa concordância entre as avaliações fonoaudiológicas, a presente pesquisa não se propôs a avaliar a oclusão dentária e não abordou aspectos como tonicidade da musculatura mastigatória e assimetria facial, sugerindo que esse tema seja investigado em estudos futuros. Esses aspectos podem ser considerados como limitações do presente estudo, assim como o tamanho amostral.

A influência da HAG sobre a ATM e sobre a função de mastigação justifica a importância do seu diagnóstico e da atenção multiprofissional a essa condição. A fisioterapia pode atuar, tanto na prevenção como no tratamento de DTM, promovendo uma melhor estabilidade articular em indivíduos hipermóveis. Ainda, especula-se que a fisioterapia, por meio do reforço da musculatura mastigatória, contribui para a manutenção dos resultados terapêuticos miofuncionais orais. Sugere-se a realização de estudos para embasar a necessidade desse tratamento.

Conclusão

As mulheres assintomáticas avaliadas no presente estudo apresentaram indícios de que a hipermobilidade predispõe à ocorrência de desvio na abertura da boca e ruídos articulares. Não houve diferença na função de deglutição, porém verificou-se uma frequência menor de mastigação bilateral alternada no grupo com hipermobilidade em relação ao sem hipermobilidade.

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  • Fonte de auxílio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2014
  • Aceito
    22 Set 2014
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