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Progresso terapêutico de sujeitos submetidos a terapia fonológica pelo modelo de oposições múltiplas: comparação do progresso terapêutico

Resumos

Este trabalho tem como objetivo analisar e comparar o progresso terapêutico apresentado por crianças submetidas ao Modelo de Oposições Múltiplas estimuladas na terapia com os mesmos sons-alvo. Participaram deste relato de caso duas crianças com desvio fonológico, sendo um menino (S1) e uma menina (S2), com idades de 4:2 e 4:11, respectivamente. Os dados da fala foram coletados por meio da avaliação fonológica. Para o tratamento, foi utilizado o Modelo de Oposições Múltiplas durante 25 sessões com os mesmos sons-alvo, todos pertencentes a classe das fricativas. As substituições e omissões no inventário fonológico de cada criança foram analisadas, assim como a ocorrência de processos fonológicos pré e pós-terapia. Observou-se que o sujeito que apresentava mais substituições (S1) foi o que apresentou maiores aquisições de fonemas no inventário fonológico. O S1 foi o que apresentou maior ocorrência de processos em sua fala, tanto pré quanto pós-terapia, o que dificultava a inteligibilidade de fala para o ouvinte. Os processos que envolveram a classe das líquidas foram os que apresentaram um maior percentual de ocorrência, mesmo após a terapia. O Modelo de Oposições Múltiplas possibilitou um adequado progresso no tratamento dessas crianças com desvio fonológico, proporcionando uma expansão no inventário fonológico e uma diminuição de ocorrência de processos fonológicos apesar de haver diferenças quanto a evolução apresentada por cada uma.

Fonoterapia; Transtorno da Articulação; Generalização; Distúrbios de Fala; Fala


This work aims to analyze and compare the therapeutic progress shown in children submitted to the Multiple Oppositions Approach, stimulated in therapy with the same target sounds. Two children with phonological disorder participated in this case report, being a boy (S1) and a girl (S2), aged 4:2 and 4:11, respectively. The speech data were collected through phonological evaluation. As treatment, we used the Multiple Oppositions Approach during 25 sessions with the same target sounds, all belonging to fricatives classes. The substitutions and omissions of each child's phonological inventory were analyzed, as well as the occurrence of pre and post-therapy phonological processes. It was observed that the subject with more substitutions (S1) was the one with phonemes major acquisitions in the phonological inventory. S1 showed the highest occurrence of cases in his speech, both pre and post-therapy, which made the speech intelligible to the listener. The processes involving the class of liquids showed a higher percentage of occurrences, even after therapy. The Multiple Oppositions Approach showed an adequate progress of the treatment of these children with phonological disorder, providing a phonological inventory expansion and a reduction of phonological processes occurrence, although with differences regarding the evolution presented by each one.

Speech Therapy; Articulation Disorders; Generalization; Speech Disorders; Speech


Introdução

O desenvolvimento da fala ocorre a partir da integração dos sistemas motor, sensório e auditivo11. Rabelo ATV, Alves CRL, Goulart LMF, Friche ALL, Lemos SMA, Campos FR et al. Alterações de fala em escolares na cidade de Belo Horizonte. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):344-50.. A aquisição da fonologia é uma função complexa sujeita a alterações durante todo o seu processo22. Costa VP, Backes FT, Pegoraro SP, Wiethan FM, Melo RM, Mota HB. Emprego da estratégia de reparo de plosivização: relação com a gravidade do desvio fonológico e fonemas acometidos. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(1):76-9.. A fase de maior expansão do sistema fonológico acontece entre 1 ano e 6 meses e 4 anos de idade11. Rabelo ATV, Alves CRL, Goulart LMF, Friche ALL, Lemos SMA, Campos FR et al. Alterações de fala em escolares na cidade de Belo Horizonte. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):344-50.. Crianças que tem substituições e/ou omissões de fonemas durante a produção espontânea da fala em idade em que isso não deveria mais ocorrer apresentam desvio fonológico e isso dificulta a inteligibilidade da fala para o ouvinte33. Wertzner HF, Claudino GL, Galea DES, Patah LK, Castro MM. Medidas fonológicas em crianças com transtorno fonológico. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(2):189-95..

O desvio fonológico é uma das alterações com maior incidência na população infantil11. Rabelo ATV, Alves CRL, Goulart LMF, Friche ALL, Lemos SMA, Campos FR et al. Alterações de fala em escolares na cidade de Belo Horizonte. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):344-50. , 44. Newmeyer AJ, Grether S, Grasha C, White J, Akers R, Aylward C et al. Fine motor function and oral-motor imitation skills in preschool-age children with speech-sound disorders. Clin Pediatr (Phila). 2007;46(7):604-11.

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As crianças com desvio fonológico durante a aquisição dos sons da fala apresentam várias estratégias de reparo, que são denominados também de processos fonológicos. Os processos fonológicos são empregados pelas crianças, para que estas possam lidar com a complexidade do segmento e/ou da estrutura silábica que ainda não conhecem ou ainda não dominam na produção22. Costa VP, Backes FT, Pegoraro SP, Wiethan FM, Melo RM, Mota HB. Emprego da estratégia de reparo de plosivização: relação com a gravidade do desvio fonológico e fonemas acometidos. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(1):76-9..

Essas crianças necessitam de intervenção fonológica a qual visa à reorganização do sistema de sons o mais breve possível, contribuindo para a melhora da inteligibilidade da fala1010. Gierut JA, Morrisette ML, Ziemer SM. Nonwords and generalization in children with phonological disorders. Am J Speech-Lang Path. 2010;19:167-77.

11. Nunes DA, Payão LMC, Costa RCC. Desvios fonológicos na educação infantil. Rev CEFAC. 2010 Mar-Abr; 12(2):331-6.
- 1212. Ceron MI, Keske-Soares M. Análise do progresso terapêutico de crianças com desvio fonológico após a aplicação do Modelo de Oposições Múltiplas. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(1):91-5. e da comunicação com outras crianças e/ou adultos11. Rabelo ATV, Alves CRL, Goulart LMF, Friche ALL, Lemos SMA, Campos FR et al. Alterações de fala em escolares na cidade de Belo Horizonte. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):344-50. , 1111. Nunes DA, Payão LMC, Costa RCC. Desvios fonológicos na educação infantil. Rev CEFAC. 2010 Mar-Abr; 12(2):331-6., bem como reduzir as possíveis dificuldades na aprendizagem da leitura e escrita das crianças em idade escolar1111. Nunes DA, Payão LMC, Costa RCC. Desvios fonológicos na educação infantil. Rev CEFAC. 2010 Mar-Abr; 12(2):331-6. , 1313. Mota HB, Melo Filha MGC. Habilidades em consciência fonológica de sujeitos após realização de terapia fonológica. Pró-Fono R Atual Cient. 2009;21(2):119-24..

Existem diferentes abordagens (tradicional e fonológica) de tratamento para o desvio fonológico. A abordagem tradicional faz com que a terapia demore mais tempo, uma vez que todos os sons precisam ser ensinados isoladamente em todas as posições que ocorrem na sílaba e na palavra. As abordagens fonológicas, bastante utilizadas em terapia, proporcionam maior rapidez uma vez que o uso de um ou poucos sons-alvo induz a aquisições de muitos outros sons substituídos no sistema da criança, que não foram tratados diretamente1414. Williams AL. Multiple oppositions: theoretical foundations for an alternative contrastive intervention approach. Am J Speech Lang Pathol. 2000a;9(4):282-8.

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18. Pagliarin KC, Ceron MI, Keske-Soares M . Modelo de Oposições Múltiplas Modificado: abordagem baseada em traços distintivos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):411-5.

19. Topbas S, Ünal Ö. An alternating treatment comparison of minimal and maximal opposition sound selection in Turkish phonological disorders. Clinical Linguistics & Phonetics. 2010;24(8):646-68.

20. Rvachew S, Bernhardt BM. Clinical Implications of Dynamic Systems Theory for Phonological Development. Am J Speech-Lang Path. 2010;2:34-50.

21. Gierut GA, Morrisette ML, Ziemer SM . Nonwords and generalization in children with phonological disorders. Am J Speech-Lang Path. 2010;19:167-77.

22. Gierut JA, Morissete ML. Age of word acquisition effects in treatment of children with phonological delas. Applied Psycholinguistic. 2012;33:121-44.
- 2323. Ceron M, Keske-Soares M . Mudanças fonológicas obtidas no tratamento pelo Modelo de Oposições Múltiplas. Rev CEFAC. 2013;15(2):314-23.. Algumas vezes o progresso da aquisição de segmentos resulta na regressão de outros, até que o processo de aquisição seja estabilizado com a aquisição desses sons2020. Rvachew S, Bernhardt BM. Clinical Implications of Dynamic Systems Theory for Phonological Development. Am J Speech-Lang Path. 2010;2:34-50..

O Modelo de Oposições Múltiplas foi desenvolvido para tratar crianças com desvios mais graves1414. Williams AL. Multiple oppositions: theoretical foundations for an alternative contrastive intervention approach. Am J Speech Lang Pathol. 2000a;9(4):282-8. , 2424. Williams AL . Multiple oppositions: case studies of variables in phonological intervention. Am J Speech Lang Pathol. 2000b;9(4):289-99.. Este tratamento usa vários sons simultaneamente considerando à capacidade das crianças em generalizar. A generalização, refere-se a capacidade da criança aplicar o conhecimento fonológico de terapia a alvos não trabalhados, por isso é alvo de muitas pesquisas tanto nacionais quanto internacionais1111. Nunes DA, Payão LMC, Costa RCC. Desvios fonológicos na educação infantil. Rev CEFAC. 2010 Mar-Abr; 12(2):331-6. , 1414. Williams AL. Multiple oppositions: theoretical foundations for an alternative contrastive intervention approach. Am J Speech Lang Pathol. 2000a;9(4):282-8. , 1717. Gierut JA, Dale RA. Comparability of Lexical Corpora: Word frequency in phonological generalization. Clin Ling Phon. 2007;21(6):423-33.

18. Pagliarin KC, Ceron MI, Keske-Soares M . Modelo de Oposições Múltiplas Modificado: abordagem baseada em traços distintivos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):411-5.

19. Topbas S, Ünal Ö. An alternating treatment comparison of minimal and maximal opposition sound selection in Turkish phonological disorders. Clinical Linguistics & Phonetics. 2010;24(8):646-68.

20. Rvachew S, Bernhardt BM. Clinical Implications of Dynamic Systems Theory for Phonological Development. Am J Speech-Lang Path. 2010;2:34-50.

21. Gierut GA, Morrisette ML, Ziemer SM . Nonwords and generalization in children with phonological disorders. Am J Speech-Lang Path. 2010;19:167-77.

22. Gierut JA, Morissete ML. Age of word acquisition effects in treatment of children with phonological delas. Applied Psycholinguistic. 2012;33:121-44.
- 2323. Ceron M, Keske-Soares M . Mudanças fonológicas obtidas no tratamento pelo Modelo de Oposições Múltiplas. Rev CEFAC. 2013;15(2):314-23..

A avaliação inicial é usada para o planejamento terapêutico e monitoramento da evolução terapêutica. Monitorar periodicamente o caso acrescenta informações importantes à avaliação diagnóstica, o que permite fortalecer os achados iniciais a respeito da dificuldade subjacente identificada na avaliação2525. Wertzner HF, Pagan-Neves LO. A efetividade dos testes complementares no acompanhamento da intervenção terapêutica no transtorno fonológico. Rev Soc Bras. Fonoaudiol. 2012;17(4):469-75..

Assim, o objetivo desse relato de caso foi analisar e comparar o progresso terapêutico apresentado por duas crianças submetidas ao Modelo de Oposições Múltiplas estimuladas na terapia com os mesmos sons-alvo.

Apresentação dos casos

Este relato de caso foi constituído por duas (2) crianças com desvio fonológico, sendo um menino (S1) e uma menina (S2), com idades de 4:2 e 4:11, respectivamente, no início do processo de avaliação. Os pais e/ou responsáveis receberam informações sobre a pesquisa e autorizaram a participação de seus filhos pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa sob nº 108/05 da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Após a assinatura do TCLE, as crianças foram submetidas às seguintes avaliações fonoaudiológicas pela própria pesquisadora: anamnese, avaliação fonológica da criança2626. Yavas M, Hernandorena CLM, Lamprecht RR. Avaliação Fonológica da Criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002., linguagem compreensiva e expressiva, sistema estomatognático2727. Marchesan I. Motricidade oral: visão clínica do trabalho fonoaudiológico integrado com outras especialidades. São Paulo: Pancast, 1999., exame articulatório, discriminação auditiva2828. Rodrigues EJB. Discriminação auditiva: Normas para Avaliação de crianças de 5 a 9 anos. São Paulo: Cortez, 1981. e consciência fonológica2929. Cielo CA. Habilidades em consciência fonológica em crianças de 4 a 8 anos de idades. [Tese]. Porto Alegre (RS): Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Letras, Área de Concentração Linguística Aplicada; 2001.. Também foram realizadas as seguintes avaliações complementares: inspeção do meato acústico externo, audiológica e neurológica. Essas avaliações foram realizadas para confirmar o diagnóstico de desvio fonológico e excluir outros comprometimentos que pudessem interferir na aquisição da fala.

A avaliação fonológica da criança2626. Yavas M, Hernandorena CLM, Lamprecht RR. Avaliação Fonológica da Criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002. foi realizada por meio da nomeação espontânea de desenhos temáticos ("veículos", "sala", "cozinha", "banheiro" e "zoológico"), a qual possibilitou a coleta de uma amostra linguística significante (com todos os fonemas da língua em todas as posições possíveis da palavra e em diferentes palavras). Os dados de fala foram gravados, transcritos foneticamente e conferidos por mais duas julgadoras, estudantes do último ano do curso de graduação em Fonoaudiologia. Após, foi realizada a análise contrastiva. A partir dessa análise foi possível determinar o inventário fonológico pré e pós-terapia de cada criança. Para esta análise, um fonema foi considerado adquirido, quando foi produzido corretamente em 80% ou mais das vezes; parcialmente adquirido, de 40% a 79%; e não adquirido, de 0% a 39% das possibilidades3030. Bernhardt B. Developmental implications of nonlinear phonological theory. Clin Linguist Phon. 1992;6(4):259-81..

O Percentual de Consoantes Corretas - Revisado (PCC-R) 3131. Shriberg ID, Austin D, Lewis BA, McSweeny JL, Wilson DL. The percentage of consonants correct (PCC) metric: extensions and reliability data. J Speech Lang Hear Res. 1997;40(4):708-22., foi calculado a partir da análise contrastiva, considerando como erros as substituições e omissões apresentadas pelas crianças no sistema fonológico (Tabela 1). O percentual de ocorrência de cada processo fonológico pré e pós-terapia foi também calculado.

Após as avaliações, ambos os sujeitos foram submetidos à terapia pelo Modelo de Oposições Múltiplas, cujas sessões ocorreram duas vezes por semana, com duração de 45 minutos cada. Nesta pesquisa foram analisadas as primeiras 25 sessões de cada criança. O tratamento aplicado tem como principio o contraste de vários sons simultaneamente, contrastando os substituídos ao substituto. Os sons-alvo foram escolhidos de acordo com a proposta da autora1414. Williams AL. Multiple oppositions: theoretical foundations for an alternative contrastive intervention approach. Am J Speech Lang Pathol. 2000a;9(4):282-8. e com o inventário fonológico apresentado por cada sujeito, isto é, foram contrastados os sons substituídos com o substituto.

Algumas modificações foram realizadas a fim de adequar o Modelo de Oposições Múltiplas para falantes do Português Brasileiro (PB). Essas alterações foram ocasionadas pelos fatos de no PB raramente se encontrar sons substituídos por um único em diferentes classes de sons e com estrutura silábica diferente (por exemplo, não é possível substituição de onset por encontro consonantal) e, pela dificuldade de formar conjuntos de palavras contrastivas em que todas tenham significados para serem usadas no tratamento.

Dessa forma, as modificações realizadas no tratamento destas crianças para tornar possível a aplicação do modelo foram: na falta de sons substituídos pertencentes a diferentes classes de sons utilizou-se sons-alvo pertencentes à mesma classe sons; e, preferencialmente palavras com significados.

Após análise dos inventários fonológicos, tanto de S1 como de S2, selecionou-se os mesmos sons-alvo para a terapia (/s/, /z/ e /ʒ/ e o seu substituto [ʃ]). Todos os alvos de terapia pertencem à classe das fricativas, pois pela análise esses eram os únicos sons possíveis de serem selecionados conforme a proposta do Modelo de Oposições Múltiplas. As palavras-alvo (pares mínimos) selecionadas para terapia de ambos os sujeitos foram ['kaʃa], ['kasa]. ['kaza] e ['kaʒa]. Para a palavra-alvo ['kaʒa] foi construído junto com a criança um significado/"apelido" dado a um cajado.

Na primeira sessão foi realizada a linha de base e calculado o percentual de produções corretas para os fonemas parcialmente adquiridos e não adquiridos no inventário fonológico de cada criança. Após, iniciou-se o tratamento com os sons-alvo realizando cinco sessões de terapia e, na sexta, uma sondagem, realizada da mesma maneira que a linha de base. Após, 25 sessões de terapia os resultados foram analisados. Estes procedimentos terapêuticos foram utilizados em outro estudo1818. Pagliarin KC, Ceron MI, Keske-Soares M . Modelo de Oposições Múltiplas Modificado: abordagem baseada em traços distintivos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):411-5..

Na terapia fonológica, a prática de produção foi realizada por meio de atividades lúdicas, nas quais os alvos foram inseridos. Inicialmente, os pares mínimos foram trabalhados pela imitação da produção do fonoaudiólogo. A criança deveria imitar o modelo correto, realizado pelo terapeuta. A fase de produção da fala espontânea (palavras e frases) começou quando as crianças obtiveram um percentual de produção correta dos sons-alvo de 80% ou mais.

Ao final das 25 sessões (excluindo as sessões de sondagens), os sujeitos foram reavaliados com a aplicação do instrumento de avaliação fonológica da criança2626. Yavas M, Hernandorena CLM, Lamprecht RR. Avaliação Fonológica da Criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002., a fim de correlacionar com a avaliação inicial, realizada da mesma forma. Assim, analisou-se o inventário fonológico pré e pós-terapia, o nível de aquisição dos fonemas no inventário fonológico, a ocorrência de processos fonológicos pré e pós-terapia, e os tipos de generalização (a itens não utilizados no tratamento, para outra posição na palavra, dentro de uma classe de sons e para outras classes de sons).

Resultados

Os sujeitos deste estudo diferiram quanto ao gênero, idade e gravidade do desvio fonológico (Figura 1), porém as diferenças de idade e gravidade não eram extremas, ou seja, os resultados aproximavam-se. Em relação à gravidade do desvio fonológico, S1 foi classificado como com desvio severo e S2 como com desvio Moderado-Severo.

Figura 1:
Descrição dos sujeitos quanto ao gênero, idade e gravidade do desvio fonológico

Os fonemas adquiridos e parcialmente adquiridos nos inventários fonológicos pré e pós-terapia, de ambos os sujeitos, são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1:
Fonemas adquiridos e parcialmente adquiridos no sistema fonológico dos sujeitos

Nota-se que na avaliação pré-terapia dos 19 fonemas do inventário fonológico S1 possuía oito não adquiridos, sendo eles: /g/, /s/, /z/, /ʒ/, /ʎ/, /l/, /r/ e /R/. Ainda, nove fonemas estavam parcialmente adquiridos e apenas três adquiridos (/p/, /t/ e /v/). Já na avaliação pós-terapia apenas quatro fonemas mostraram-se como não adquiridos: /s/, /z/, /ʎ/ e /r/. S2 apresentava um inventário fonológico mais completo havendo apenas cinco fonemas não adquiridos na avaliação pré-terapia: /g/, /z/, /ʒ/, /ʎ/ e /r/ e os outros fonemas estavam adquiridos. Após o tratamento apenas três fonemas permaneceram não adquiridos, o /g/, /ʎ/ e /r/.

Na Figura 2 são apresentados os percentuais de evolução nos inventários fonológicos de acordo com o nível de aquisição, ou seja, fonemas não adquiridos, fonemas parcialmente adquiridos e fonemas adquiridos.

Figura 2:
Percentuais de evolução no inventário fonológico de cada criança de acordo com o nível de aquisição

É interessante observar que, em ambos os sujeitos, mais de 50% dos fonemas não adquiridos permaneceram neste nível de aquisição. Porém, em relação aos fonemas não adquiridos que evoluíram com a terapia, para S1 a maior porcentagem passou a parcialmente adquirido, enquanto que para S2 para adquirido. Quanto aos fonemas parcialmente adquiridos que foram adquiridos, S1 apresentou uma grande evolução quando comparado ao S2.

Os processos fonológicos realizados pelos sujeitos pré e pós-terapia são apresentados na Figura 3.

Figura 3:
Ocorrência de processos fonológicos realizados por S1 e S2 pré e pós-terapia

Observa-se que os processos envolvendo a classe das líquidas foram os que persistiram, e até evoluíram, ou seja, apresentaram um maior percentual de ocorrência, mesmo após a terapia. Dentre estes, o apagamento de líquida em onset e coda teve um aumento em seu percentual de ocorrência para ambos os sujeitos, assim como o processo de semivocalização na posição de onset para S1 e na posição de coda para S2, e o processo de substituição.

Na Tabela 2 são apresentados os tipos de generalização (Tabela 2). Observa-se que ambos os sujeitos apresentaram evoluções favoráveis, ou seja, aumentaram o percentual, em todos os tipos analisados, exceto S2 em relação a generalização dentro de uma classe de sons, que demonstrou maior evolução na avaliação pré-terapia do que na pós-terapia.

Tabela 2:
Tipos de Generalização obtida com o tratamento pelo Modelo de Oposições Múltiplas

Na comparação dos percentuais de evolução obtidos quanto aos tipos de generalização (Figura 4), verifica-se que o S1 obteve maiores percentuais de evolução quanto a generalização para outra posição na palavra, dentro de uma classe de sons e para outra classe de sons. Percentuais semelhantes foram obtidos quanto a generalização a itens lexicais não utilizados no tratamento.

Figura 4:
Percentuais de evolução comparando os sujeitos quanto aos tipos de generalização obtida pós-terapia

Discussão

O Modelo de Oposições Múltiplas é uma forma de intervenção recente que começou a ser aplicado nos últimos anos em estudos com crianças que apresentam desvio fonológico no Brasil1212. Ceron MI, Keske-Soares M. Análise do progresso terapêutico de crianças com desvio fonológico após a aplicação do Modelo de Oposições Múltiplas. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(1):91-5. , 1818. Pagliarin KC, Ceron MI, Keske-Soares M . Modelo de Oposições Múltiplas Modificado: abordagem baseada em traços distintivos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):411-5. , 2323. Ceron M, Keske-Soares M . Mudanças fonológicas obtidas no tratamento pelo Modelo de Oposições Múltiplas. Rev CEFAC. 2013;15(2):314-23.. Este modelo é descrito na literatura internacional1212. Ceron MI, Keske-Soares M. Análise do progresso terapêutico de crianças com desvio fonológico após a aplicação do Modelo de Oposições Múltiplas. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(1):91-5.

13. Mota HB, Melo Filha MGC. Habilidades em consciência fonológica de sujeitos após realização de terapia fonológica. Pró-Fono R Atual Cient. 2009;21(2):119-24.

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23. Ceron M, Keske-Soares M . Mudanças fonológicas obtidas no tratamento pelo Modelo de Oposições Múltiplas. Rev CEFAC. 2013;15(2):314-23.
- 2424. Williams AL . Multiple oppositions: case studies of variables in phonological intervention. Am J Speech Lang Pathol. 2000b;9(4):289-99. como um modelo a ser aplicado em desvios fonológicos mais graves devido a uma peculiaridade na sua aplicação, isto é, vários dos sons ausentes no inventário fonológico devem estar sendo substituídos pela criança por um único som. Esta característica acontece nos inventários de crianças com desvios mais graves, como por exemplo, destes dois sujeitos. Apesar de S2 ter desvio Moderado-Severo, o percentual aproximava-se muito a um desvio Severo, motivo pelo qual se acredita ter sido possível aplicar o Modelo de Oposições Múltiplas no tratamento.

Em relação aos inventários fonológicos, o de S1 estava bastante restrito, apresentando somente três fonemas adquiridos pré-terapia. Esse sujeito adquiriu oito fonemas, os quais, em sua maioria, estavam parcialmente adquiridos. Por outro lado, S2 apresentava um inventário pré-terapia com um maior número de fonemas, apresentando consequentemente menos aquisições. Dessa forma, observa-se que o sujeito que apresentava mais substituições foi o que apresentou maiores aquisições de fonemas no inventário. A autora1414. Williams AL. Multiple oppositions: theoretical foundations for an alternative contrastive intervention approach. Am J Speech Lang Pathol. 2000a;9(4):282-8. ao aplicar o Modelo de Oposições Múltiplas encontrou uma visível reorganização fonológica em relação aos fonemas substituídos no pré-tratamento. Essa mesma autora relata melhoras não apenas em sons treinados, nas posições treinadas, mas também em sons não alvo, em posições não treinadas. Outros estudos1212. Ceron MI, Keske-Soares M. Análise do progresso terapêutico de crianças com desvio fonológico após a aplicação do Modelo de Oposições Múltiplas. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(1):91-5. , 1515. Williams AL . Assessment, target selection, and intervention: dynamic interactions within a systemic perspective. Top Lang Disord. 2005;25(3):231-42. , 1818. Pagliarin KC, Ceron MI, Keske-Soares M . Modelo de Oposições Múltiplas Modificado: abordagem baseada em traços distintivos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):411-5. , 2323. Ceron M, Keske-Soares M . Mudanças fonológicas obtidas no tratamento pelo Modelo de Oposições Múltiplas. Rev CEFAC. 2013;15(2):314-23. utilizando este modelo relataram a aquisição de sons não tratados durante a terapia nos inventários fonológicos dos sujeitos. Logo, o modelo terapêutico utilizado parece favorecer as generalizações para os sujeitos tratados.

Quanto aos níveis de aquisição percebe-se que mais de 50% dos fonemas não adquiridos permaneceram neste nível de aquisição, o que evidencia a ausência dos fonemas e de seus traços distintivos nos inventários fonéticos dos sujeitos. Dos fonemas não adquiridos antes da terapia, a maior porcentagem passou a parcialmente adquirido para S1 e, adquirido para S2. No que se refere aos fonemas parcialmente adquiridos, S1 apresentou uma grande evolução quando comparado ao S2. S1 apresentava menos fonemas produzidos corretamente que S2. S1 adquiriu um maior número de fonemas, a partir do nível não-adquirido para parcialmente adquirido e do parcialmente adquirido para adquirido. Isso mostra que S1 está em fase de aquisição das características fonológicas e articulatórias que compõem os fonemas. Por outro lado, S2 apresentou uma evolução mais rápida, pois apresentava um sistema fonológico mais próximo da normalidade, ou seja, ele já possuía em seu sistema vários traços distintivos que compõe seus fonemas adquiridos e alterados.

Em relação aos processos fonológicos, o S1 com desvio Grave foi o que apresentou maior ocorrência de processos em sua fala, tanto pré quanto pós-terapia, o que dificulta a inteligibilidade de fala para o ouvinte. Resultado semelhante foi descrito em um estudo3232. Ghisleni MRL, Keske-Soares M, Mezzomo CL. O uso das estratégias de reparo, considerando a gravidade do desvio fonológico evolutivo. Rev CEFAC. 2010;12(5):766-71. que observou que quanto maior a gravidade do desvio fonológico maior foi o número de estratégias de reparo utilizada.

É possível observar a ocorrência de vários processos fonológicos, principalmente na fala de S1. Os processos fonológicos envolvem a classe das líquidas os que apresentam um maior percentual de ocorrência, mesmo após a terapia. Um estudo3333. Patah LK, Takiuchi N. Prevalência das alterações fonológicas e uso dos processos fonológicos em escolares aos 7 anos. Rev CEFAC. 2008;10(2):158-67. referiu que entre os processos fonológicos mais utilizados entre as crianças com desvio fonológico estão a Simplificação do Encontro Consonantal (60,67%) e a Simplificação de Líquidas (47,19%). Dados de outros estudos11. Rabelo ATV, Alves CRL, Goulart LMF, Friche ALL, Lemos SMA, Campos FR et al. Alterações de fala em escolares na cidade de Belo Horizonte. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):344-50. , 3434. Ferrante C, Van Borsel J, Pereira MMB. Análise dos processos fonológicos em crianças com desenvolvimento fonológico normal. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(1):36-40. , 3535. Stoel-Gammon C. The Word Complexity Measure: Description and application to developmental phonology and disorders. Clin Linguist Phon. 2010;24(4-5):271-82. evidenciaram a dificuldade encontrada pelas crianças na produção das líquidas e nas estruturas silábicas mais complexas.

Alterações na classe das líquidas ocorrem devido ao fato de que esses sons integram as estruturas silábicas mais complexas do português brasileiro, isto é, Consoante-Vogal-Consoante (CVC) e Consoante-Consoante-Vogal (CCV). Além disso, as líquidas são sons de aquisição tardia e, portanto poderão estar envolvidos em processos fonológicos apresentados por crianças mais velhas3434. Ferrante C, Van Borsel J, Pereira MMB. Análise dos processos fonológicos em crianças com desenvolvimento fonológico normal. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(1):36-40..

A generalização obtida pelas crianças foram favoráveis para ambos os sujeitos porque apresentaram um aumento do percentual. No entanto, o S1 obteve maiores percentuais de evolução quanto à generalização para outra posição na palavra, dentro de uma classe de sons e para outra classe de sons que S2. Percentuais semelhantes foram obtidos quanto à generalização a itens lexicais não utilizados no tratamento. Um estudo2323. Ceron M, Keske-Soares M . Mudanças fonológicas obtidas no tratamento pelo Modelo de Oposições Múltiplas. Rev CEFAC. 2013;15(2):314-23. refere a ocorrência de maior generalização (outra posição na palavra) em sujeitos que apresentavam inventários fonológicos mais restritos (menos sons presentes), o mesmo observa-se neste estudo ao comparar as duas crianças. Outros estudos1414. Williams AL. Multiple oppositions: theoretical foundations for an alternative contrastive intervention approach. Am J Speech Lang Pathol. 2000a;9(4):282-8.

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Sons fricativos foram utilizados no tratamento de ambos os sujeitos, porém S2 não obteve generalização dentro de uma classe de sons (fricativas), apresentando uma diminuição do percentual de produções corretas no pós-terapia. Esse fato acontece devido à reorganização fonológica que ocorre durante o tratamento, o que não acontece de forma linear, assim observam-se períodos de regressão. Essa não linearidade no processo de aquisição também foi observada em estudo3636. Keske-Soares M, Pagliarin KC, Ghisleni MRL, Lamprecht RR . Aquisição não-linear durante o processo terapêutico. Letras de Hoje. 2008;43(3):22-6. em que os autores mostraram a descontinuidade principalmente na classe das líquidas e das fricativas coronais. O aparecimento de novos segmentos ou estruturas algumas vezes resulta em regressão de outros segmentos aprendido2020. Rvachew S, Bernhardt BM. Clinical Implications of Dynamic Systems Theory for Phonological Development. Am J Speech-Lang Path. 2010;2:34-50..

A ocorrência de generalização no tratamento é esperada pelo clínico porque pode reduzir o tempo de terapia1414. Williams AL. Multiple oppositions: theoretical foundations for an alternative contrastive intervention approach. Am J Speech Lang Pathol. 2000a;9(4):282-8. tornando-a mais rápida e eficaz, sendo um dos objetivos do tratamento.

Ambas as crianças apresentaram diversas melhoras (aquisição de fonemas no sistema fonológico, diminuição dos processos fonológicos, presença de generalização) após o tratamento fonológico, sendo que S1 apresentou mais evoluções que S2. Apesar dos sistemas fonológicos e a idade serem parecidos existem outros fatores que influenciam na terapia, entre eles a participação da família no processo terapêutico. Isso diferiu entre as crianças, uma família se fazia sempre presente, questionava a terapia, realizava as atividades em casa, enquanto a outra faltou a várias sessões e não realizava as tarefas em casa. Com certeza esse foi um fator importante para as diferentes evoluções terapêuticas encontradas. O nível de apoio familiar e envolvimento também podem desempenhar um papel importante no progresso do tratamento, na verdade, basta ter presente o pai na sala de terapia que isso já pode afetar o resultado do tratamento3737. Kamhi AG. Treatment decisions for children with speech-sound disorders. Lang, speech Hear Serv Schools. 2006;37:271-9.. A motivação, participação e interesse da família na terapia podem influenciar a evolução do quadro clínico de crianças com desvio fonológico, uma vez que a fala de crianças com desvio fonológico pode não ser entendida pelo adulto dificultando a interação entre eles1111. Nunes DA, Payão LMC, Costa RCC. Desvios fonológicos na educação infantil. Rev CEFAC. 2010 Mar-Abr; 12(2):331-6..

Conclusão

O Modelo de Oposições Múltiplas demonstrou ser eficaz no tratamento destas crianças, pois elas apresentaram várias aquisições de fonemas no inventário fonológico e diversos tipos de generalizações, diminuição da ocorrência de processos fonológicos pós-terapia.

As crianças foram tratadas com a mesma abordagem terapêutica e com os mesmos sons-alvos, porém houve evoluções diferentes entre elas, demonstrando que a participação, envolvimento e interesse da família é um aspecto a ser considerado para o progresso mais rápido em terapia.

Agradecimentos

Agradecemos à CAPES pela bolsa de estudo concedida durante a realização deste estudo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2014
  • Aceito
    22 Out 2014
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