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Análise acústica de vozes infantis: contribuições do diagrama de desvio fonatório

Resumo:

OBJETIVO:

analisar o poder discriminatório do diagrama de desvio fonatório na avaliação do tipo de voz predominante e da intensidade do desvio vocal em crianças.

MÉTODOS:

coletou-se a vogal /ε/ sustentada de 93 crianças. A intensidade do desvio e a qualidade vocal foram analisadas por meio da escala analógico-visual. Utilizou-se o diagrama para a análise acústica, com avaliação da distribuição dos sinais vocais de acordo com a área, quadrante, forma e densidade. Realizou-se o teste de igualdade de proporções e o teste Qui-quadrado(x2) para comparar as variáveis, e o teste de Correlação de Spearman para correlacionar as medidas acústicas e perceptivo-auditivas.

RESULTADOS:

houve correlação entre a classificação de quadrantes e a intensidade do desvio vocal para todos os parâmetros analisados. Houve diferença estatisticamente significante entre a proporção de crianças com rugosidade, soprosidade, tensão e instabilidade em relação à área, ao quadrante e à forma. Não houve diferença estatisticamente significante entre a proporção de crianças com e sem desvio da qualidade vocal em relação a todos os parâmetros analisados, ao considerar a distribuição das vozes nos quadrantes.

CONCLUSÃO:

o diagrama de desvio fonatório foi capaz de diferenciar a qualidade vocal predominante por meio da distribuição nos quadrantes, embora não tenha discriminado as vozes infantis saudáveis e alteradas.

Descritores:
Qualidade da Voz; Acústica; Disfonia; Distúrbios da Voz; Criança

Abstract:

PURPOSE:

to analyze the discriminating power of the phonatory deviation diagram (PDD) in assessing the predominant voice type and severity of voice deviance in children.

METHODS:

samples of the sustained vowel /ε/ were collected from 93 children. The severity of voice deviance and vocal quality were assessed with the aid of a visual analog scale. The PDD was used in the acoustic analysis, with an assessment of the distribution of the voice signals according to the area, quadrant, shape, and density in the diagram. The results were obtained from the statistical analysis of the variables using the test for equality of proportions, chi-squared test (Χ(2)), and Spearman's correlation. The level of statistical significance was set at ≤ 5% across analyses.

RESULTS:

a positive and statistically significant correlation was found between the classification based on the PDD quadrants and the severity of voice deviance for all the parameters analyzed except strain, which showed a negative correlation. Statistically significant differences were also noted in the proportion of children with voice roughness, breathiness, strain, and instability in relation to the area, quadrant, and shape in the PDD. There were no significant differences between the proportion of children with and without voice deviation for the evaluated parameters regarding the distribution of the voice samples in the quadrants.

CONCLUSION:

the PDD was capable of distinguishing the predominant vocal quality based on the distribution of the signals in the quadrants, although it could not discriminate between healthy and disordered children's voices.

Keywords:
Voice quality; Acoustics; Dysphonia; Voice disorders; Child

Introdução

Uma das principais dificuldades da avaliação vocal infantil é a própria definição do que seria considerado "alterado" nesta faixa etária, uma vez que a produção vocal da criança apresenta instabilidade, tensão e soprosidade como manifestações esperadas para a idade devido à imaturidade neuromuscular, à estrutura rudimentar da laringe e à configuração do trato vocal 1. Lopes LW, Lima ILB, Almeida LNA, Cavalcante DP, Almeida AAF. Severity of voice disorders in children: correlations between perceptual and acoustic data. J Voice. 2012;26:819.e7- e12. 4. Tavares ELM, Labio RB, Martins RHG. Normative study of vocal acoustic parameters from children from 4 to 12 years of age without vocal symptoms: a pilot study. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76:485-90..

Para uma avaliação vocal efetiva das crianças, deve-se considerar que a voz é multidimensional, o que exige uma avaliação que envolva as medidas perceptivas, acústicas, aerodinâmicas, laringológicas e a autoavaliação, mapeando a maioria das características vocais e correlacionando-as, possibilitando uma visão global e a verdadeira causa e impacto da disfonia 5. Carding P, Roulstone S, Northstone K, ALSPAC Study team. The prevalence of childhood dysphonia: a cross-sectional study. J Voice. 2006;20:623-30. 7. Dejonckere PH, Bradley P, Clemente P, Cornut G, Crevier-Buchman L, Friedrich G et al. A basic protocol for functional assessment of voice pathology, especially for investigating the efficacy of (phonosurgical) treatments and evaluating nem assessment techniques. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2001;258:77-82..

A análise acústica é um procedimento habitualmente utilizado na avaliação vocal para caracterizar a qualidade vocal, auxiliar no diagnóstico diferencial, para possibilitar documentação e monitoramento dos parâmetros vocais, assim como para verificar os resultados do tratamento oferecido ao paciente com distúrbio da voz8. Nayak J, Bhat PS, Acharya R, Aithal UV. Classi?cation and analysis of speech abnormalities. ITBM-RBM. 2005;26:319-27.. Ela emprega técnicas computacionais que mensuram as propriedades do sinal acústico, seja da vogal ou da fala encadeada, fornecendo informações mais objetivas sobre o sinal vocal, quando comparada à análise perceptivo-auditiva, possibilitando dados quantitativos da avaliação vocal 9. Uloza V, Verikas A, Bacauskiene M, Gelzinis A, Pribuisiene R, Kaseta M et al. Categorizing normal and pathological voices: automated and perceptual categorization. J Voice. 2010;25:700-8. 1313 . Brockmann-Bausser M, Drinnan MJ. Routine acoustic voice analysis: time to think again? Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2011;19:165-70..

Muitos estudos 1. Lopes LW, Lima ILB, Almeida LNA, Cavalcante DP, Almeida AAF. Severity of voice disorders in children: correlations between perceptual and acoustic data. J Voice. 2012;26:819.e7- e12. 9. Uloza V, Verikas A, Bacauskiene M, Gelzinis A, Pribuisiene R, Kaseta M et al. Categorizing normal and pathological voices: automated and perceptual categorization. J Voice. 2010;25:700-8. 1414 . Ma EPM, Yu EML. Multiparametric evaluation of dysphonic severity. J Voice. 2006;20:380-90. 1515 . Shrivastav R, Sapienza CM, Nandur V. Application of psychometry theory to the measurement of voice quality using rating scales. J Speech Lang Hear Res. 2005;48:323-35. têm tentado determinar a relação entre as características acústicas do sinal de voz e qualidade vocal percebida. É cada vez mais importante estabelecer o quanto existe de correlação entre essas avaliações, o quanto as medidas acústicas são capazes de discriminar vozes normais e alteradas e até mesmo o poder discriminatório entre diferentes graus de alteração vocal.

Os distúrbios da voz tendem a perturbar o sinal sonoro de diferentes maneiras, combinando diferentes tipos de perturbações e ruído. Por isso, alguns estudos 8. Nayak J, Bhat PS, Acharya R, Aithal UV. Classi?cation and analysis of speech abnormalities. ITBM-RBM. 2005;26:319-27. 1212 . Michaelis D, Fröhlich M, Strube HW. Selection and combination of acoustic features for the description of pathologic voices. J Acoustic Soc Am. 1998;103:1628-40. indicam que uma avaliação vocal deve utilizar uma combinação de várias medidas acústicas de perturbação e ruído, permitindo que cada emissão vocal individual seja quantificada por um conjunto de parâmetros.

O diagrama de desvio fonatório (DDF) 1616 . Madazio G, Leão S, Behlau M. The Phonatory Deviation Diagram: A Novel Objective Measurement of Vocal Function. Folia Phoniatr Logop. 2011;63:305-11., originalmente chamado de diagrama de rouquidão (hoarseness diagram) 1212 . Michaelis D, Fröhlich M, Strube HW. Selection and combination of acoustic features for the description of pathologic voices. J Acoustic Soc Am. 1998;103:1628-40., é um gráfico bidimensional que possibilita a avaliação do sinal vocal a partir da combinação de medidas de periodicidade (jitter, shimmer e coeficiente de correlação) e de ruído (glottal to noise excitation - GNE). Estudos 1010 . Fröhlich M, Michaelis D, Strube HW, Kruse E. Acoustic voice analysis by means of the hoarseness. J Speech Lang Hear Res. 2000;43:706-20. 1212 . Michaelis D, Fröhlich M, Strube HW. Selection and combination of acoustic features for the description of pathologic voices. J Acoustic Soc Am. 1998;103:1628-40. 1717 . Olthoff A, Mrugalla S, Laskawi R, Frölich M, Stuermer I, Kruse E et al. Assessment of irregular voices after total and laser surgical partial laryngectomy. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2003;129:994-9. sobre a utilização do DDF na avaliação vocal demonstraram que ele é eficaz para analisar a regularidade do sinal sonoro e o componente de ruído adicional, proporcionando informações sobre as características da produção vocal de indivíduos saudáveis e com desvio da qualidade vocal.

Até o momento, não existem pesquisas que utilizaram o DDF na avaliação de vozes infantis, principalmente estabelecendo relações entre a avaliação perceptivo-auditiva e a análise por meio do DDF. O estudo dessa relação pode indicar se o DDF seria um instrumento útil para avaliação de vozes infantis, principalmente considerando-se a possibilidade de ações de triagem em escolares, com maiores populações, necessitando-se de procedimentos rápidos e eficazes para identificação de indivíduos que necessitam de uma avaliação mais aprofundada, incluindo o exame laríngeo, por exemplo.

Nesse contexto, este estudo tem o objetivo de analisar o poder discriminatório do DDF na avaliação do tipo de voz predominante e da intensidade do desvio vocal em crianças.

Métodos

Trata-se de estudo quantitativo, descritivo e transversal avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital Universitário da Universidade Federal da Paraíba - UFPB sob o protocolo de nº 775/10. Tal pesquisa ocorreu no período de março a outubro de 2012.

Participaram da pesquisa 93 crianças, de ambos os sexos, com idade entre 3 e 10 anos, sendo 48 do sexo feminino e 45 do sexo masculino. Com relação à faixa etária, 26 crianças tinham entre 03-05 anos, 22 tinham entre 06-07 anos e 45 estavam entre 8-10 anos de idade. Todas estudavam em uma escola vinculada a uma instituição de ensino pública federal.

Foram excluídas crianças com transtorno neurológico, cognitivo, com alterações de vias aéreas superiores e inferiores no momento da coleta e crianças que não conseguiam cumprir a tarefa de fala solicitada.

Antes de iniciar a coleta, o local da pesquisa foi visitado, a fim de selecionar um ambiente silencioso, com ruído ambiental inferior a 50dB NPS. Nesse momento, a diretora da escola foi contatada e informada sobre os procedimentos da pesquisa e seus objetivos autorizando o desenvolvimento do estudo. Posteriormente, foram encaminhados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLEs) aos pais das crianças incluídas.

Após a devolução dos TCLEs assinados, retornou-se à escola para gravação das vozes, que ocorreu em horários previamente agendados com a supervisora da instituição. Os professores encaminhavam as crianças individualmente para o ambiente de gravação ao longo do primeiro período de aula nos turnos da manhã e tarde.

As sessões de gravação tinham duração média de cinco minutos, sendo solicitada a emissão da vogal sustentada /ε/ em tempo máximo de fonação. A coleta foi realizada usando-se notebook HP e microfone headset da marca Logitech, por meio do software PRAAT versão 5.1.44, com taxa de amostragem de 44.100Hz.

Posteriormente, as vozes foram editadas no software Sound Forge versão 10.0, na qual foram eliminados os dois segundos iniciais e um segundo final da emissão da vogal, devido à maior irregularidade nesses trechos, preservando-se o tempo mínimo de três segundos para cada emissão. Em seguida, foi realizada a normalização no controle "normalize" do Sound Forge, no modo peak level, a fim de obter uma padronização na saída de áudio entre -6 e 6dB.

Para a análise perceptivo-auditiva da voz, foi utilizada a escala analógica visual (EAV), com uma métrica de 0 a 100 mm. Quanto mais próxima do zero "0" for a marcação, menor o grau de desvio vocal; quanto mais próxima do cem "100", maior o grau de desvio vocal. Essa avaliação foi realizada por meio de consenso por três fonoaudiólogos especialistas em voz, com experiência de mais de 10 anos em avaliação vocal perceptivo-auditiva. Optou-se em avaliar a intensidade (grau geral) do desvio vocal (GG), o grau de rugosidade (GR), o grau de soprosidade (GS), o grau de tensão (GT) e o grau de instabilidade (GI).

A sessão de avaliação perceptiva ocorreu em ambiente silencioso. Inicialmente, os juízes foram orientados de que as vozes deveriam ser consideradas saudáveis quando fossem socialmente aceitáveis para crianças, produzidas de forma natural, sem esforço, ruído ou condição de instabilidade durante a emissão, levando-se sempre em consideração as características esperadas para o padrão infantil. Eles também foram instruídos de que a rugosidade corresponderia à presença de irregularidade vibratória, a soprosidade estaria relacionada ao escape de ar audível na emissão, a tensão corresponderia à percepção de esforço vocal e a instabilidade seria identificada pela presença de qualidade vocal, frequência e/ou intensidade flutuante ao longo da emissão. Além disso, os juízes foram treinados com estímulos-âncora de vozes infantis, contendo emissões saudáveis e com desvio nos diferentes graus, assim como vozes predominantemente rugosas, soprosas, tensas e instáveis.

Para avaliação, cada emissão da vogal sustentada foi apresentada por três vezes através de caixa de som, em intensidade confortável autorreferida pelos avaliadores. Em seguida, faziam a identificação da presença ou ausência de desvio vocal, do tipo de voz predominante nas vozes desviadas (rugosa, soprosa, tensa ou instável) e, por fim, o julgamento da intensidade do desvio (GG, GR, GS, GT e GI).

No final da sessão de avaliação perceptiva, 10% das amostras foram repetidas aleatoriamente, para a análise da confiabilidade da avaliação por consenso dos juízes por meio do Coeficiente Kappa de Cohen. O valor de Kappa foi de 0,80, indicando uma boa concordância entre os avaliadores.

Ao final, foi realizada uma correspondência da escala numérica (AS) para a EAV 7. Dejonckere PH, Bradley P, Clemente P, Cornut G, Crevier-Buchman L, Friedrich G et al. A basic protocol for functional assessment of voice pathology, especially for investigating the efficacy of (phonosurgical) treatments and evaluating nem assessment techniques. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2001;258:77-82. 1818 . Yamasaki R, Leão S, Madazio G, Padovani M, Azevedo R, Behlau M. Correspondência entre escala analógico visual e a escala numérica na avaliação perceptivo-auditiva de vozes. Anais do 16th Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia; 2008 Sept 24-27; Campos do Jordão, Brasil. São Paulo: Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia; 2008. P.1080-4., sendo o grau 1 (0-35,5 mm) relacionado às vozes saudáveis, grau 2 (35,6-50,5 mm) desvio leve, grau 3 (50,6-90,5 mm) desvio moderado e grau 4 (90,6-100 mm) desvio intenso. Essa mesma correspondência foi realizada para o GR, o GS, o GT e o GI, considerando-se que a emissão saudável ou variabilidade normal da qualidade vocal, contempla, entre outros aspectos, as manifestações vocais esperadas para a faixa etária do indivíduo.

A análise acústica foi realizada no software VoxMetria versão 4.5h, no módulo qualidade vocal. Para essa avaliação foi utilizado o DDF, a fim de analisar a distribuição dos sinais vocais de acordo com a área, quadrante, forma e densidade.

O DDF é utilizado para analisar, de forma combinada, parâmetros de perturbação e de ruído em um sinal vocal, baseando-se nas medidas de jitter, shimmer, coeficiente de correlação e GNE 1212 . Michaelis D, Fröhlich M, Strube HW. Selection and combination of acoustic features for the description of pathologic voices. J Acoustic Soc Am. 1998;103:1628-40..

Com relação à área, o próprio software indica se o sinal vocal está dentro ou fora da área de normalidade, conforme ilustrado na Figura 1.

Figura 1:
Ilustração da área de normalidade do diagrama de desvio fonatório, com a região mais clara representando a área de normalidade. Os pontos azuis representam um sinal vocal de densidade concentrada e os pontos verdes representam um sinal vocal com densidade ampliada

Quanto à distribuição dos pontos em relação à densidade (Figura 1), os pontos referentes à distribuição dos sinais vocais foram classificados em concentrados, quando os pontos se distribuíam em um espaço correspondente a um quadrado, ou ampliados, quando os pontos se estendiam pelo espaço correspondente a mais de um quadrado do DDF 1616 . Madazio G, Leão S, Behlau M. The Phonatory Deviation Diagram: A Novel Objective Measurement of Vocal Function. Folia Phoniatr Logop. 2011;63:305-11.. A classificação da densidade foi realizada com utilização de uma régua simples de 10 cm sobre a folha impressa de cada DDF gerado pelo software, correspondendo à imagem de cada sinal vocal analisado, sem o conhecimento prévio da intensidade do desvio vocal e do tipo de voz predominante.

Quanto à forma, os pontos referentes à distribuição dos sinais vocais foram categorizados em verticais, quando a distância entre os pontos ao longo da abscissa foi menor do que ao longo da ordenada (X<Y); horizontal, quando a distância entre os pontos ao longo da abscissa foi maior ao longo da ordenada (X>Y); e circular, quando a distância entre os pontos ao longo da ordenada e da abscissa foi aproximadamente igual (X≅Y)1616 . Madazio G, Leão S, Behlau M. The Phonatory Deviation Diagram: A Novel Objective Measurement of Vocal Function. Folia Phoniatr Logop. 2011;63:305-11.. Para tanto, foi utilizada a mesma régua de 10 cm sobre a folha impressa de cada DDF.

Por fim, o DDF foi dividido em quatro quadrantes iguais 1616 . Madazio G, Leão S, Behlau M. The Phonatory Deviation Diagram: A Novel Objective Measurement of Vocal Function. Folia Phoniatr Logop. 2011;63:305-11.: inferior-esquerdo (1), inferior-direito (2), superior-direito (3) e superior-esquerdo (4) (Figura 2).

Figura 2:
Divisão do diagrama de desvio fonatório em quadrantes

A análise estatística foi descritiva para todas as variáveis estudadas e utilizou-se o teste de igualdade de proporções e o teste Qui-quadrado (x2) para comparar a análise das variáveis relacionadas às medidas perceptivo-auditivas (intensidade do desvio vocal e tipo de voz predominante) e acústicas (área, densidade, forma e quadrante do DDF).

Além disso, realizou-se uma análise estatística inferencial de correlação, com o teste de Correlação de Spearman, para correlacionar a localização no quadrante do DDF e intensidade do desvio vocal nos parâmetros GG, GR, GS, GT e GI.

O nível de significância adotado foi o p-valor ≤ 5% para todas as análises. O software utilizado foi STATISTICA versão 6.0.

Resultados

A partir da avaliação perceptivo-auditiva, quanto à intensidade do desvio vocal (GG), observou-se que 74,1% (n=69) das crianças apresentaram alteração de grau leve e em 14% (n=13) observou-se desvio de grau moderado. Apenas 11,9% (n=11) dos sujeitos apresentaram voz saudável. Nenhuma criança apresentou desvio intenso da qualidade vocal.

A maioria das crianças apresentou desvio leve para os parâmetros de rugosidade (47,47%, n=47), instabilidade (45,45%, n=45), soprosidade (37,37%, n=37) e tensão (37,37%, n=37), com médias de 42,29 (DP=14,58), 45,87 (DP=11,14), 37,05 (DP=19,55) e 38,88 (DP=15,56), respectivamente.

Quanto ao tipo de voz predominante, a instabilidade (26,9%, 22) e a tensão (25,6%, 21) foram os parâmetros predominantes nas crianças com presença de desvio da qualidade vocal, seguida pela soprosidade (24,3%, 20) e rugosidade (23,2%, 19).

Ao comparar-se o grupo de crianças com e sem alteração vocal em relação à área, densidade, quadrante e forma no DDF, não houve diferença estatisticamente significante entre a proporção de crianças (Tabela 1).

Tabela 1:
Configurações de área, densidade, quadrante e forma do diagrama de desvio fonatório para os grupos com vozes saudáveis e alteradas

Em relação à intensidade do desvio vocal, não houve diferença entre a proporção de crianças com voz saudável e com desvio leve e moderado, considerando-se a distribuição nos quadrantes do DDF (Tabela 2).

Tabela 2:
Distribuição da intensidade do desvio vocal nos quadrantes do diagrama de desvio fonatório

Houve correlação positiva entre a classificação de quadrantes do DDF e a intensidade do desvio vocal, tanto para o GG (p=0,02), quanto para os parâmetros de GR (p<0,001), GS (p<0,001) e GI (p=0,008), e correlação negativa com o GT (p=0,05) (Tabela 3). Considerando-se que os quadrantes foram classificados na sequência inferior-esquerdo (1), inferior-direito (2), superior-direito (3) e superior-esquerdo (4), quanto maior o GG, GR, GS e GI, mais as vozes se situavam em direção ao quadrante superior-esquerdo. Por outro lado, quanto maior o GT, mais os sinais vocais se localizavam em direção ao quadrante inferior-esquerdo.

Tabela 3:
Correlação da intensidade do desvio vocal com os quadrantes do diagrama de desvio fonatório

Houve diferença entre a proporção de crianças com vozes rugosas, soprosas, tensas e instáveis em relação à área, ao quadrante e à forma no DDF (Tabela 4). Pôde-se observar que 73,7% (n=14) das vozes rugosas, 85% (n=17) das vozes soprosas e 68,2% (n=15) das vozes instáveis situaram-se fora da área de normalidade do DDF. No entanto, a maior parte das vozes tensas (71,4%, 15) encontrou-se dentro da área de normalidade do DDF.

Em relação ao quadrante, as vozes rugosas situaram-se nos quadrantes inferior-direito (52,7%, 10) e inferior-esquerdo (47,3%, 9); as vozes soprosas encontraram-se distribuídas nos quadrantes inferior-direito (35%, 7), inferior-esquerdo (30%, 6) e superior-direito (30%, 6); as vozes tensas localizaram-se predominantemente no quadrante inferior-esquerdo (76,2%, 16); e as vozes instáveis nos quadrantes inferior-direito (50%, 11) e inferior-esquerdo (45,5%, 10) (Tabela 4).

Quanto à forma, as vozes rugosas (47,3%, 9), tensas (81%, 17) e instáveis (77,3%, 17) apresentaram-se predominantemente horizontais, enquanto que as vozes soprosas encontraram-se distribuídas de modo igualitário (40%, 8) nas formas horizontal e circular (Tabela 4).

Tabela 4:
Configurações de área, densidade, quadrante e forma do diagrama de desvio fonatório para os tipos de vozes predominantes

Em relação aos quadrantes do DDF, houve diferença entre as vozes rugosas e tensas (p=0,007), soprosas e tensas (p<0,001) e tensas e instáveis (p=0,009) (Tabela 5).

Tabela 5:
Comparação entre os tipos de vozes predominantes em função do quadrante do diagrama de desvio fonatório

Discussão

A alta prevalência de disfonia na infância exige uma atenção especial na avaliação e diagnóstico de vozes infantis, com o desenvolvimento de medidas objetivas que proporcionem a compreensão da intensidade do desvio vocal e sua manifestação em diferentes períodos entre os 3 e 9 anos de idade 1. Lopes LW, Lima ILB, Almeida LNA, Cavalcante DP, Almeida AAF. Severity of voice disorders in children: correlations between perceptual and acoustic data. J Voice. 2012;26:819.e7- e12. 1919 . Niedzielska G. Acoustic analysis in the diagnosis of voice disorders in children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2001;57:189-93. 2121 . Maturo S, Hill C, Bunting G, Ballif C, Maurer R, Hartnick C. Establishment of a normative pediatric acoustic database. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2012;17:e1-e6..

Na presente pesquisa foi investigado o poder discriminatório do diagrama de desvio fonatório na avaliação do tipo de voz predominante e da intensidade do desvio vocal em crianças. Quando comparados os grupos de crianças com vozes saudáveis e alteradas, não houve diferenças estatisticamente significantes entre a proporção de crianças nessas duas condições em relação à área, densidade, quadrante e forma no DDF (Tabela 1), assim como também não ocorreram diferenças entre a proporção de crianças com vozes saudáveis (VNQV) e com alterações leves e moderadas, considerando-se a distribuição nos quadrantes do DDF (Tabela 2).

No entanto, quando foi realizado o teste de correlação de Spearman, houve correlação entre a classificação de quadrantes do DDF e a intensidade do desvio vocal, tanto para o GG, quanto para os parâmetros de rugosidade, soprosidade, tensão e instabilidade. (Tabela 3). A força de correlação de 0,26 encontrada entre o GG e os quadrantes do DDF, embora tenha significância estatística (p=0,02), implicando em uma relação entre essas variáveis, representa uma correlação fraca, necessitando, talvez, do desenvolvimento de novas pesquisas, com aumento do tamanho amostral.

Por sua vez, a correlação encontrada entre os parâmetros de rugosidade, soprosidade, tensão e instabilidade foi moderada, com valores de 0,44 (p<0,001), 0,62 (p<0,001), -0,67 (p=0,05) e 0,31 (p=0,008), respectivamente (Tabela 3). Considerando-se que a rugosidade, soprosidade e tensão são parâmetros vocais universalmente aceitos e que, mais especificamente, rugosidade e soprosidade são as características vocais mais importantes para detectar a presença de alteração vocal ou laríngea2222 . Connor NP, Cohen SB, Theis SM, Thibeault SL, Heatley DG, Bless DM. Attitudes of children with dysphonia. J Voice. 2008;22:197-209., pode-se inferir que o DDF é uma boa ferramenta de acompanhamento das vozes infantis ao longo do tratamento vocal.

Um estudo1616 . Madazio G, Leão S, Behlau M. The Phonatory Deviation Diagram: A Novel Objective Measurement of Vocal Function. Folia Phoniatr Logop. 2011;63:305-11. realizado com o DDF na avaliação de vozes de adultos demonstrou que houve diferenças significantes entre vozes saudáveis e alteradas, principalmente quanto à área e quadrante do DDF. Nesse estudo, as vozes consideradas saudáveis e de grau leve localizaram-se no quadrante inferior-esquerdo, as vozes com desvio moderado distribuíram-se nos quadrantes inferior-direito e superior esquerdo, e as vozes com desvio intenso localizaram-se no quadrante superior-esquerdo.

Contudo, na presente pesquisa, encontrou-se que as configurações do DDF não foram eficazes para discriminar os grupos de crianças com vozes saudáveis e alteradas e a localização das vozes nos quadrantes não foi sensível para diferenciar a intensidade do desvio vocal. A justificativa para isso pode estar baseada no fato de que a presença de instabilidade, tensão e soprosidade são características esperadas para as vozes infantis, mesmo aquelas consideradas saudáveis.

O poder discriminatório de uma medida é importante, principalmente, no processo de diagnóstico vocal, quando o intuito é identificar a presença/ausência de uma alteração e/ou doença. O fato de não ter ocorrido diferença nas configurações do DDF entre vozes saudáveis e alteradas e, por sua vez, ter sido encontrada correlação entre os quadrantes do DDF e o grau de rugosidade, soprosidade, tensão e instabilidade, pode talvez, indicar a sua utilidade, no caso de vozes infantis, no processo de monitoramento da voz da criança ao longo do processo de terapia vocal de maneira objetiva, uma vez que, com a diminuição dos parâmetros de rugosidade, soprosidade e instabilidade no plano perceptual, há um retorno dos pontos do sinal vocal para o quadrante inferior-esquerdo, que corresponde à área de normalidade quanto à presença de irregularidade e ruído aditivo.

Outro aspecto que deve ser analisado é que o DDF analisa sinais vocais a partir da combinação de medidas, o que pode melhorar ou piorar a sua acurácia na discriminação de vozes saudáveis e alteradas 2323 . Costa WCA. Análise dinâmica não linear de sinais de voz para detecção de patologias laríngeas [Tese]. Campina Grande: Universidade Federal de Campina Grande; 2012.. Um estudo que realizou a comparação entre os diferentes graus de desvio vocal em vozes infantis e as medidas acústicas de jitter, shimmer e GNE isoladamente, mostrou que o GNE foi a única medida eficaz para diferenciar a intensidade do desvio vocal, apresentando-se como uma medida robusta para diferenciar vozes infantis saudáveis e alteradas, podendo, assim, ser utilizada em procedimentos de triagem vocal 1. Lopes LW, Lima ILB, Almeida LNA, Cavalcante DP, Almeida AAF. Severity of voice disorders in children: correlations between perceptual and acoustic data. J Voice. 2012;26:819.e7- e12..

O jitter e o shimmer são, reconhecidamente, mais úteis no monitoramento do desvio vocal ao longo de um contínuo, ou seja, na documentação e avaliação do tratamento vocal, podendo ajudar a descrever e quantificar as características perceptivas e de vibração das pregas vocais, sendo mais utilizados na prática clínica e em pesquisa com fins descritivos 1313 . Brockmann-Bausser M, Drinnan MJ. Routine acoustic voice analysis: time to think again? Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2011;19:165-70. 2424 . Araújo AS, Grellet M, Pereira JC. Standardization of acoustic measures of the normal voice. Braz j Otorhinolaryngol. 2002;68:540-4. 2525 . Sader RCM, Hanayama EM. Considerações Teóricas Sobre a Abordagem Acústica da Voz Infantil. Rev CEFAC. 2004;6(3): 312-8..

É importante lembrar que a prega vocal infantil ainda não concluiu o processo de diferenciação das camadas intermediária e profunda da lâmina própria 2424 . Araújo AS, Grellet M, Pereira JC. Standardization of acoustic measures of the normal voice. Braz j Otorhinolaryngol. 2002;68:540-4.. Além disso, o infante encontra-se em fase de desenvolvimento do seu controle neuromuscular, sendo, portanto, esperado que as medidas de perturbação/irregularidade encontrem-se mais alteradas em crianças, principalmente na primeira infância.

Com relação ao tipo de voz predominante, existiram diferenças entre a proporção de crianças com vozes rugosas, soprosas, tensas e instáveis em relação à área, ao quadrante e à forma no DDF (Tabela 4). A maioria das vozes rugosas, soprosas e instáveis situaram-se fora da área de normalidade. No entanto, a maior parte das vozes tensas encontrou-se dentro da área de normalidade do DDF.

Um estudo 1616 . Madazio G, Leão S, Behlau M. The Phonatory Deviation Diagram: A Novel Objective Measurement of Vocal Function. Folia Phoniatr Logop. 2011;63:305-11. da aplicação do DDF na avaliação de vozes de adultos demonstrou que 84,2% (n=48) das vozes soprosas, 68,3% (n=41) das vozes rugosas e 52,2% das vozes tensas encontraram-se fora da área de normalidade do DDF.

O fato de as vozes rugosas, soprosas e instáveis situarem-se fora da área de normalidade, confirma que o DDF é sensível à presença de irregularidade e ruído na emissão vocal, pode ser útil na avaliação e acompanhamento de vozes infantis.

A rugosidade presente na voz infantil é muito frequentemente associada a alterações laríngeas que, por sua vez, podem ser o resultado de fatores alérgicos, estrutura de personalidade, ajustes vocais inadequados, entre outros 2626 . Jotz GP, Cervantes O, Settani FAP, Angelis EC. Acoustic measures for the detection of hoarseness in children. Int Arch Otorhinolaryngol. 2006;10:14-20..

Um estudo 6. Sederholm E, McAllister A, Dalkvist J, Sundberg J. Aetiologic factors associated with hoarseness in ten-year-old children. Folia Phoniatr Logop. 1995;47:262-78.realizado com crianças de 10 anos de idade mostrou a ocorrência de rugosidade e soprosidade em torno dessa idade, estando a personalidade, sexo e as horas empregadas diariamente em atividades de grupo como principais fatores associados aos parâmetros vocais desviados.

As mudanças na qualidade vocal geralmente estão associadas ao aumento de massa nas pregas vocais ou às alterações no fechamento glótico, sendo estes os principais fatores determinantes da alteração vocal. Em geral, as fendas glóticas por desvios na proporção glótica, como é o caso das laringes infantis, podem gerar sobrecarga no mecanismo fonatório na tentativa de aumentar a intensidade vocal, principalmente nas atividades em grupo e na presença de ruído competitivo no ambiente 1919 . Niedzielska G. Acoustic analysis in the diagnosis of voice disorders in children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2001;57:189-93..

A tensão presente na emissão vocal infantil é compatível com um padrão vocal hiperfuncional, que pode estar relacionado às recorrentes infecções de vias aéreas inferiores, determinantes sociais, características anatômicas e comportamentais 1. Lopes LW, Lima ILB, Almeida LNA, Cavalcante DP, Almeida AAF. Severity of voice disorders in children: correlations between perceptual and acoustic data. J Voice. 2012;26:819.e7- e12. 2222 . Connor NP, Cohen SB, Theis SM, Thibeault SL, Heatley DG, Bless DM. Attitudes of children with dysphonia. J Voice. 2008;22:197-209.. A presença de tensão com ocorrência de maior constrição glótica mediana pode, inclusive, mascarar a presença de rugosidade (aperiodicidade) e soprosidade (ruído aditivo) na emissão, o que justifica, portanto, a localização das vozes predominantemente tensas dentro da área de normalidade.

Vale ressaltar que a presença de tensão fonatória pode se constituir em um fator de risco para o desenvolvimento de desvios vocais devido à sobrecarga do aparelho fonador e ao desequilíbrio na fisiologia da fonação. A manutenção desses ajustes poderá resultar em lesões teciduais nas pregas vocais, como o aparecimento de nódulos vocais ou espessamentos das mucosas das bordas livres das pregas vocais, lesões laríngeas mais diagnosticadas na população pediátrica 3. Tavares ELM, Brasolotto A, Santana MF, Padovan CA, Martins RHG. Epidemiological study of dysphonia in 4-12 year-old children. Braz J Otorhinolaryngol. 2011;77:736-46. 2727 . Takeshita TK, Ricz LA, Isaac ML, Ricz H, Lima WA. Comportamento vocal de crianças em idade pré-escolar. Intl Arch Otorhinolaryngol. 2009;3:252-8..

Em relação ao quadrante, as vozes rugosas situaram-se predominantemente no quadrante inferior-direito, as vozes soprosas encontraram-se distribuídas proporcionalmente nos quadrantes inferior-direito, inferior-esquerdo e superior-direito, as vozes tensas localizaram-se predominantemente no quadrante inferior-esquerdo e as vozes instáveis nos quadrantes inferior-direito e inferior-esquerdo (Tabela 4).

Na avaliação de vozes de adultos ocorreu a distribuição dos sinais de voz nos quadrantes do DDF da seguinte forma: vozes rugosas no quadrante inferior direito, soprosas no quadrante superior direito e tensas no quadrante inferior esquerdo 1616 . Madazio G, Leão S, Behlau M. The Phonatory Deviation Diagram: A Novel Objective Measurement of Vocal Function. Folia Phoniatr Logop. 2011;63:305-11..

Dessa forma, embora as vozes infantis rugosas, soprosas e instáveis tenham se situado significantemente fora da área de normalidade, apenas as vozes rugosas e tensas situaram-se predominantemente em um quadrante definido, no inferior-direito e inferior-esquerdo, respectivamente. Vale ressaltar que, proporcionalmente, apenas as vozes soprosas situaram-se no quadrante superior direito.

Quanto à forma, as vozes rugosas tensas e instáveis apresentaram-se predominantemente horizontais, enquanto que as vozes soprosas encontraram-se distribuídas de modo igualitário nas formas horizontal e circular (Tabela 4). Neste ponto, deve-se retomar que o eixo vertical do DDF corresponde ao componente de ruído, e o eixo horizontal relaciona-se ao componente de irregularidade. Dessa forma, espera-se que as vozes com maior componente de aperiodicidade (rugosidade e instabilidade) tendam a apresentar formato horizontal, enquanto que as vozes soprosas apresentem maior componente de ruído aditivo. Na pesquisa com vozes de adultos, não houve relação significante entre a forma e o tipo de voz predominante 1616 . Madazio G, Leão S, Behlau M. The Phonatory Deviation Diagram: A Novel Objective Measurement of Vocal Function. Folia Phoniatr Logop. 2011;63:305-11..

No teste x2. McAllister AM, Granqvist S, Sjölander P, Sundberg J. Child voice and noise: a pilot study of noise in day cares and the effects on 10 children's voice quality according to perceptual evaluation. J Voice. 2009;23:587-93.comparando-se os tipos de vozes dois a dois, observaram-se diferenças entre as vozes rugosas e tensas, soprosas e tensas e tensas e instáveis, quanto à distribuição nos quadrantes do DDF (Tabela 5). Dessa forma, percebe-se que a voz tensa foi a única que se diferenciou das demais, o que pode ser justificado pelo mecanismo fisiológico subjacente, onde há maior pressão subglótica, maior compressão mediana entre as pregas vocais e menor componente de ruído e aperiodicidade nesse tipo de voz, comparando-se com as vozes soprosas e rugosas.

Em um estudo 2828 . Trani M, Ghidini A, Bergamini G, Presuti L. Voice therapy in pediatric functional dysphonia: a prospective study. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2007;71:379-84. realizado com o objetivo de avaliar a eficácia da terapia vocal em crianças com disfonia funcional, foi encontrado que, em termos de avaliação perceptivo-auditiva, houve maior mudança no grau geral, rugosidade e soprosidade, com menor modificação nos parâmetros de tensão e instabilidade. Tal fato pode colocar ainda mais em evidência que os parâmetros de tensão e instabilidade são mais comuns no padrão infantil de fonação e que nem sempre são marcadores da presença de alteração vocal ou tecidual na laringe.

A instabilidade pode ser reflexo da condição neuromuscular rudimentar da laringe infantil, que passa por diversas modificações até à fase adulta, comprometendo, assim, a regularidade do sinal vocal 2828 . Trani M, Ghidini A, Bergamini G, Presuti L. Voice therapy in pediatric functional dysphonia: a prospective study. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2007;71:379-84.. Já a tensão fonatória presente na emissão vocal infantil pode refletir o esforço para projetar a voz, considerando que as cavidades de ressonância ainda estão em desenvolvimento, e que, na infância o aumento da intensidade está relacionado, predominantemente, a um aumento na pressão subglótica e consequente sobrecarga do aparato laríngeo 2929 . Van Houte E, Van Lierde K, Claeys S. Pathophysiology and treatment of muscle tension dysphonia: a review of the current knowledge. J Voice. 2011;25:202-7..

Dessa forma, na avaliação de vozes infantis, o DDF parece ser um bom instrumento para monitorar a função vocal da criança ao longo do seu desenvolvimento ou na terapia vocal, principalmente pelo fato de ter sensibilidade à presença de rugosidade e soprosidade na emissão vocal infantil.

Ao considerar a natureza multidimensional da voz, são necessárias diferentes mensurações da voz para descrever a alteração vocal. No entanto, a avaliação instrumental ainda é complementar, devendo-se privilegiar uma abordagem mais abrangente na avaliação da intensidade do desvio vocal e da qualidade vocal predominante 1313 . Brockmann-Bausser M, Drinnan MJ. Routine acoustic voice analysis: time to think again? Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2011;19:165-70..

Conclusões

O diagrama de desvio fonatório foi capaz de diferenciar a qualidade vocal predominante por meio da distribuição nos quadrantes, embora não tenha demonstrado capacidade de discriminar as vozes infantis saudáveis e alteradas.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2014
  • Aceito
    22 Dez 2014
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