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Deformidades dentofaciais: características miofuncionais orofaciais

Resumo:

OBJETIVO:

analisar e descrever as funções estomatognáticas de acordo com os diferentes tipos de deformidades dentofaciais e confrontar as características dessas funções em sujeitos com deformidade dentofacial e sujeitos sem alterações do esqueleto facial.

MÉTODOS:

trata-se de um estudo descritivo, analítico e de caráter transversal, envolvendo uma amostra de 50 indivíduos portadores de deformidades dentofaciais frente ao grupo controle constituído por 46 indivíduos saudáveis. A coleta de dados aconteceu entre os meses de julho a setembro de 2013, foi realizada a avaliação miofuncional orofacial, mediante a aplicação do protocolo Marchesan, Berrentin-Felix, Genaro, Rehder. O protocolo estatístico fundamentou-se na análise descritiva dos dados.

RESULTADOS:

todos os sujeitos portadores de deformidades dentofaciais avaliados apresentaram alterações na execução das funções estomatognáticas sendo que tais alterações variaram de acordo com o tipo de deformidades dentofaciais apresentada.

CONCLUSÃO:

os diferentes tipos de deformidades dentofaciais estão relacionados às alterações detectadas no desempenho das funções estomatognáticas.

Descritores:
Anormalidades Craniofaciais; Músculo Masseter; Músculo Temporal; Oclusão Dentária

Abstract:

PURPOSE:

to analyze and describe the performance of the stomatognathic functions according to the different types of DFD.

METHODS:

this descriptive, analytical and transversal study comprised 50 patients with DFD. The control group consisted of 46 healthy individuals. Data collection occurred between the months of July and September 2013, and the orofacial myofunctional analysis was performed by the application of the MBGR (Marchesan, Berrentin-Felix, Genaro, Rehder) protocol. The statistical protocol was based on descriptive data analysis.

RESULTS:

all DFDs studied had some change in the implementation of the stomatognathic functions and these changes varied according to the type of DFD.

CONCLUSION:

different types of DFD are related to changes detected in the performance of the stomatognathic functions.

Keywords:
Craniofacial Abnormalities; Masseter Muscle; Temporal Muscle; Dental Occlusion

Introdução

O crescimento mandibular humano é caracterizado por uma grande variação que determina as dimensões verticais e sagitais do complexo craniofacial. Análises cefalométricas têm mostrado que a variação no crescimento craniofacial está relacionada à direção de crescimento do côndilo mandibular1. Bjork A. Variations in the growth pattern of the human mandible: longitudinal radiographic study by the implant method. J Dent Res. 1963;(42):400-11..

A deformidade dentofacial (DDF) pode ser definida como a condição em que o esqueleto facial foge à normalidade, a maloclusão existe e a aparência facial é afetada. Tais deformidades podem ser mínimas como uma leve projeção do mento, ou extrema, como um excesso maxilar vertical severo ou uma microssomia hemifacial2. Fish LC, Epker BN, Sullivan CR. Orthognathic surgery: the correction of dentofacial deformities. J. Oral Maxillofac Surg. 1993;(51):28-41.. Tal condição pode ser evidente no nascimento ou se manifestar durante o crescimento e desenvolvimento criando problemas funcionais, degenerativos, estéticos e problemas psicossociais. A época para intervenção cirúrgica pode ser crítica e deve ocorrer durante ou após o crescimento completo3. American Association of Oral And Maxillofacial Surgeons. Parameters of care: clinical practice guidelines for oral and maxillofacial surgery (AAOMS ParCare2012). J Oral Maxillofac Surg. 2012;70(11):107-36. 4. Benevides SD. Fonoterapia no pré e pós operatório de cirurgia ortognática. In: Associação Brasileira de Odontologia. Pró-odonto cirurgia. Ciclo 6, vol 4. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2013. P. 117-44..

O acometimento pode estar em uma ou duas bases ósseas, nos planos vertical, horizontal e transversal, tanto de maneira isolada como combinada, acarretando diferentes tipos de deformidades5. Sproncen V. Long-face craniofacial morphology: cause or effect of weak masticatory musculature? Seminars Orthond. 2010;16(2):99-117..

Os problemas graves de maloclusão dentária e esquelética requerem um tratamento combinado de ortodontia e cirurgia ortognática. Tal tratamento visa alcançar a harmonia facial, dentária e funcional6. Sinko K, Jagsch B, Benes G, Millesi F, Fischmeister R. Facial aesthetics and the assignment of personality traits before and after orthognathic surgery. Int. J. Oral Maxillofac Surg. 2012;41:469-76..

A íntima relação entre os tecidos duros e moles, assim como a necessidade da realização das funções estomatognáticas para a sobrevivência, levam a ocorrência de adaptações funcionais no sentido de possibilitar a realização destas funções, independente das alterações existentes7. Mezzono CL, Machado, PG, Pacheco AB, Gonçalves BFT, Hoffmann CF. As implicações da classe II de Angle e da desproporção esquelética tipo classe II no aspecto miofuncional. Rev CEFAC. 2011;13(4):728-34..

Para quantificar a função do sistema mastigatório, um grande número de parâmetros está sendo estudado, incluindo eficiência mastigatória, máxima força de mordida, atividade eletromiográfica dos músculos mastigatórios e máxima amplitude de movimentos mandibulares8. Van Den Braber W, et al. Masticatory function in retrognathic patients before and after mandibular advancement surgery. J. Oral Maxillofac Surg. 2004;62(5):549-54..

Conhecer como as funções estomatognáticas ocorrem na sua normalidade e como o desempenho é modificado de acordo com o posicionamento das bases ósseas e dentárias, é imprescindível para o fonoaudiólogo consiga planejar o tratamento miofuncional, no pré e pós cirúrgico da ortognática, de acordo com as possibilidades e limitações terapêuticas que o tipo de DDF fornece. Sendo assim o objetivo deste trabalho foi analisar e descrever as funções estomatognáticas de acordo com os diferentes tipos de deformidades dentofaciais e confrontar as características dessas funções em sujeitos com DDF e sujeitos sem alterações do esqueleto facial.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa descritiva, analítica de caráter transversal, a qual foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Odontologia da Universidade Federal da Bahia sob Parecer Nº 301.251. Os pacientes foram informados acerca da presente pesquisa, sobre os objetivos da mesma e a permissão, voluntária, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Participaram deste trabalho indivíduos de ambos os sexos, portadores de DDF, com idade entre 16 e 55 anos e com indicação para realização da cirurgia ortognática após avaliação com equipe de ortodontia e cirurgia buco maxilo facial, oriundos do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Residência desta especialidade mantida pela Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia, pelo Serviço de Fonoaudiologia do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgar Santos e pela equipe de Ortodontia do Centro de Estudos Odontológicos (CENO), entre os meses de julho e setembro de 2013. Para o controle foram selecionados indivíduos sem alterações oclusais esqueléticas ou dentárias.

Foram excluídos desta pesquisa os indivíduos que apresentaram falhas dentárias ou uso de próteses e ou implantes dentários. Foi assegurado a todos os participantes o direito de desistência em qualquer etapa pré-estabelecida da pesquisa, apesar de terem assinado o TCLE. Tais critérios também se aplicaram ao grupo controle.

Todos os voluntários tiveram suas funções estomatognáticas de respiração, deglutição, fala e mastigação avaliadas. Para tanto, foi utilizado como ferramenta para investigação o protocolo MBGR9. Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC, Marchesan IQ. Avaliação miofuncional orofacial: Protocolo MBGR. Rev CEFAC. 2009;11(2):237-55. e os seguintes materiais: pão francês, água, copo descartável, luvas de procedimento e espelho nasal milimetrado de Altmann e abaixador de língua descartável. Todas as avaliações foram realizadas seguindo as orientações fornecidas pelo protocolo MBGR9. Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC, Marchesan IQ. Avaliação miofuncional orofacial: Protocolo MBGR. Rev CEFAC. 2009;11(2):237-55., que é específico e bastante detalhado para área de Motricidade Orofacial.

As características da função mastigatória foram avaliadas por meio da mastigação do pão francês pelo individuo em exame, sendo devidamente orientado a proceder da maneira habitual com o fazia no cotidiano. A realização desta função foi filmada com uma câmera digital SONY DSC - W 620 e os resultados obtidos foram avaliados, contando-se o número de ciclos mastigatórios e analisados os movimentos mandibulares verticais e ou laterais. Considerou-se como mastigação bilateral quando os ciclos aconteceram de 50 a 60% em um único lado e como alternada quando houve presença de movimentos laterais e verticais da mandíbula. Foi considerada como mastigação bilateral simultânea quando houve predomínio, apenas, dos movimentos verticais mandibulares1010 . Felício CM, Ferreira CLP. Protocol of orofacial myofunctional evaluation with scores. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2008;73(3):367-75., enquanto que a mastigação unilateral foi detectada quando foi constatada a constância na realização de mais de 60% dos ciclos mastigatórios somente de um lado1111 . Amaral DB. Mastigação unilateral x oclusão normal: um estudo sobre sua ocorrência em crianças de 4 a 5 anos. Rev CEFAC. 2000;2(2):23-30.. Para a análise funcional foram avaliadas: eficiência da trituração, fechamento labial, velocidade mastigatória, contrações musculares atípicas, dor e ou ruído em ATM.

Três provas foram aplicadas com o objetivo de avaliar a deglutição, ou seja: deglutição de sólido, deglutição de líquido habitual e deglutição de líquido dirigida. A primeira prova - deglutição de sólidos - foi analisada por meio da filmagem da mastigação; a segunda - deglutição de líquido habitual - o participante foi orientado a ingerir 200 mL de água da maneira como o faz, usualmente; a terceira prova - deglutição dirigida - o indivíduo foi orientado a colocar e manter um gole de água na boca e somente deglutir após a solicitação do avaliador. Foram avaliadas a presença de interposição de língua, hiperfunção da musculatura perioral e presença de resíduos após deglutir.

A avaliação da fala foi realizada utilizando-se cinco (5) provas. Na primeira prova o indivíduo foi orientado a contar de zero a vinte (0 - 20), dizer os dias da semana, seguido pelos meses do ano; na segunda prova foi utilizada uma prancha com figuras foneticamente balanceadas e o voluntário foi orientado a nomear tais figuras; a terceira prova visou a avaliar a coordenação motora da fala. Nesta, o indivíduo foi orientado a articular as sílabas /pa/ /ta/ /ka/, primeiro separadamente e depois em sequência; a quarta prova avaliou a fala espontânea, onde o participante foi orientado a articular seu nome completo, idade e sobre seu trabalho/profissão ou narrar uma viagem ou passeio realizado; a quinta prova, apenas, foi realizada com os pacientes que apresentaram algum tipo de alteração fonética. Neste caso, o indivíduo foi orientado a repetir o fonema alterado acrescentando a vogal e, por exemplo, e se o fonema alterado foi o /s/, ele foi solicitado a repetir. Foram avaliadas: presença de saliva, movimento labial, presença de imprecisão articulatória, velocidade de fala e coordenação pneumofonoarticulatória.

O modo respiratório foi avaliado utilizando o espelho milimetrado de Altmann que é uma placa metálica espelhada nas duas faces e milimetrado na face superior, por meio do qual se observou a via para passagem do ar (oral, nasal e oronasal). Foi considerada respiração oral quando a via era somente pela cavidade oral; nasal quando a respiração era realizada somente pelo nariz e oronasal quando a via era mista - nariz e cavidade oral.

Por tratar-se de um plano amostral que visa toda a população-alvo e que foi executado por meio de um procedimento de escolha dos pacientes que não possibilitou o emprego de mecanismos aleatórios na sua seleção (sorteio), uma vez que eles foram incluídos à medida que se apresentaram ao ambulatório consecutivamente, de modo a impedir a utilização dos pressupostos da teoria da estimação estatística, os quais permitem a obtenção de uma medida adequada do erro-padrão e consequentemente a realização de inferência estatística, nenhuma estatística inferencial (teste estatístico de hipótese ou intervalo de confiança) foi utilizada, por serem completamente inadequadas ao contexto da teoria estatística inferencial e teorias de probabilidade que as sustentam, as quais não serão atendidas no presente estudo1212 . Cowger CD. Statistical significance tests: scientific ritualism or scientific method? Soc. serv. rev. 1984;58(3):358-72. 1616 . Vacha-Haase T. Statistical significance should not be considered one of life's guarantees: effect sizes are needed. Educ. psychol. measur. 2001;61(2):219-24.. Portanto a análise estatística foi realizada por meio das estatísticas descritivas. Para as variáveis mensuradas em escala qualitativa (DDF, características funcionais) foram obtidas as medidas de proporção respectivas.

As análises foram realizadas no pacote estatístico R versão1717 . R Development Core Team. R: A language and environment for statistical computing. Vienna, Austria: R Foundation for Statistical Computing, 2012. Disponível em: <http://www.R-project.org>.
http://www.R-project.org...
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Resultados

Participaram do Grupo com Deformidade Dentofacial (GDDF) 50 indivíduos, sendo 26 mulheres e 24 homens, com média de idade de 26,7 anos. O Grupo Controle (GC) foi composto por 46 indivíduos, sendo 25 homens e 21 mulheres, com média de idade de 25,3 anos.

No GDDF estiveram presentes indivíduos com diferentes tipos de deformidade, sendo 11 portadores de classe II esquelética, 21 portadores de classe III esquelética, 7 com biprotrusão esquelética, 6 com mordida aberta anterior esquelética e 5 com mordida cruzada posterior esquelética (Tabela 1).

Tabela 1:
Caracterização do grupo deformidade dentofacial

Características miofuncionais orofaciais

Os dados serão descritos de acordo com o tipo de DDF, devido ao fato de cada uma delas apresentar um comportamento miofuncional específico.

Grupo controle

O padrão mastigatório bilateral alternado esteve presente em 80,4% dos indivíduos deste grupo, seguido pelo bilateral simultâneo (8,7%), unilateral direito (6,5%) e esquerdo (4,3%). A incisão do alimento foi realizada com os dentes anteriores por 87% dos avaliados, com trituração eficiente e velocidade mastigatória adequada em 91,3% dos casos. 100% dos indivíduos deste grupo apresentaram fechamento labial sistemático durante a mastigação sem contrações musculares atípicas. A dor ou ruído em ATM foi ausente em 93,5% dos avaliados (Tabela 2).

Tabela 2:
Distribuição em ocorrência das características mastigatórias do grupo controle

A fonoarticulação ocorreu com a saliva sendo deglutida, movimento labial e velocidade de fala adequados em 93,5% do GC. A coordenação pneumofonoarticulatória mostrou-se adequada em 97,8% dos casos avaliados. Observou-se articulação da fala de forma precisa e sem distorções fonéticas, em 100% dos indivíduos deste grupo.

A função de deglutição aconteceu sem interposição de língua ou presença de resíduos após o alimento ser deglutido. Apenas 4,3% dos indivíduos sem DDF apresentou hiperfunção da musculatura perioral durante a deglutição.

O modo respiratório observado em 93,5% dos participantes do GC foi o nasal, seguido pelo oronasal (6,5%). Neste grupo não houve respiradores orais.

Grupo com deformidade dentofacial

1. Classe II esquelética

O padrão mastigatório unilateral esquerdo esteve presente em 54,5% dos indivíduos portadores da DDF classe II esquelética, seguido pelo unilateral direito (36,4%), e pelo bilateral simultâneo (9,1%). A incisão do alimento aconteceu com os dentes anteriores em 63,2% dos casos e a trituração foi ineficiente em 72,7%. O fechamento labial esteve presente em todos os pacientes, porém em 63,2% dos avaliados ocorreu de maneira assistemática, já as contrações musculares atípicas não foram tão frequentes, sendo observadas apenas em 36,4%. A velocidade mastigatória foi aumentada 72,7% dos portadores deste tipo de deformidade. A presença de dor ou ruído em ATM durante a realização da função mastigatória foi apenas 9,1% e 18,2% dos participantes deste grupo, respectivamente.

Durante a avaliação da fonoarticulação observou-se acúmulo de saliva na comissura labial em 54,5% dos indivíduos avaliados e o movimento labial apresentou-se de maneira adequada na maior parcela dos participantes. A articulação da fala ocorreu de forma imprecisa assistemática em 45,5% dos casos. A velocidade de fala mostrou-se adequada em 90,9% dos indivíduos. Já a coordenação pneumofonoarticulatória esteve alterada 63,6% dos portadores de DDF classe II esquelética. A maioria destes indivíduos apresentou algum tipo de distorção fonética (Tabela 3).

Tabela 3:
Distribuição da ocorrência das características fonoarticulatórias nos portadores de deformidade dentofacial classe II esquelética

A função de deglutição ocorreu com interposição de língua em 45,5%, hiperfunção da musculatura perioral em 81,8% e presença de resíduos após a deglutição em 27,3% dos casos.

O padrão respiratório mais frequente dentre os indivíduos portadores deste tipo de DDF foi o oral, observado em 81,8% dos indivíduos.

2. Classe III esquelética

Nos indivíduos portadores de classe III esquelética, o padrão mastigatório bilateral simultâneo foi observado em 90,5% dos indivíduos, contra o unilateral direito e esquerdo observado em 4,8% dos casos; com incisão realizada nos dentes anteriores por 54,5% dos participantes, sendo que o restante dos indivíduos não realizou incisão do alimento (47,6%). A trituração do alimento esteve ineficiente em 71,4% dos indivíduos. O fechamento labial ocorreu, porém de maneira assistemática, em 71,4% dos casos. As contrações musculares atípicas se fizeram presentes em 52,4% dos avaliados. Os resultados para a velocidade mastigatória nos portadores deste tipo de DDF foram equilibrados entre a velocidade adequada (38,1%), velocidade aumentada (23,8%) e diminuída (38,1%). A dor e o ruído em ATM foram referidos por 23,8% e 33,3% dos indivíduos, respectivamente (Tabela 4).

Tabela 4:
Distribuição em ocorrência das características mastigatórias dos portadores de deformidade dentofacial classe III esquelética

O acúmulo de saliva em comissura labial durante a fonoarticulação dos portadores deste tipo de DDF foi observado em 33,3% indivíduos, sendo que 66,7% destes apresentou deglutição de saliva durante produção da fala, não permitindo que esta se acumulasse na cavidade oral. O movimento labial, a velocidade de fala e a coordenação pneumofonoarticulatória mostraram-se adequados em 66,7%, 85,7% e 76,2%, respectivamente, dos casos avaliados. A imprecisão articulatória foi ausente em 71,4% dos participantes. 90,5% dos indivíduos apresentou algum tipo de distorção fonética.

A interposição de língua durante a deglutição ocorreu em 81% dos casos e a hiperfunção da musculatura perioral em 72,2%. A presença de resíduos após a deglutição foi observada em 19% dos indivíduos avaliados.

O modo respiratório oronasal esteve presente em 47,4% dos participantes, seguido pelo oral (28,6%) e pelo nasal (23,8%).

3. Biprotrusão esquelética

Na DDF biprotrusão esquelética o padrão mastigatório unilateral esquerdo ocorreu em 71,4% dos casos, seguido pelo unilateral direito (14,3%) e pelo bilateral simultâneo (14,3%). A incisão do alimento ocorreu, em 100% dos participantes deste grupo, com os dentes anteriores, sendo que a trituração deste alimento foi ineficiente com velocidade mastigatória aumentada em 57,1% dos indivíduos avaliados. Dos portadores de DDF do tipo biprotrusão esquelética 71,4% apresentou fechamento labial assistemático, ausência de contrações musculares atípicas. A presença de ruído em ATM não foi relatada durante a realização da função mastigatória por qualquer dos participantes, no entanto 14,3% desta população relatou dor em ATM ao mastigar.

Quanto à avaliação da fonoarticulação, 42,9% dos indivíduos avaliados permaneceram com a saliva acumulada na comissura labial. O movimento dos lábios durante a produção da fala se apresentou adequado em 85,7% dos casos avaliados. Não foi observada imprecisão articulatória e a velocidade de fala esteve adequada em 85,7% dos participantes estudados, a coordenação pneumofonoarticulatória também se mostrou adequada em 71,4% dos casos. A distorção fonética foi observada em 85,7% dos indivíduos.

A interposição de língua durante a deglutição esteve presente em 42,9% dos indivíduos estudados, enquanto que a hiperfunção da musculatura perioral foi observada 71,4% dos casos (Tabela 5).

Entre os portadores de biprotrusão esquelética o modo respiratório oronasal esteve presente em 42,9% dos indivíduos, seguido pelo nasal (28,6%) e oral (28,6%) (Tabela 5).

Tabela 5:
Distribuição em ocorrência das características da deglutição e respiração dos portadores de deformidade dentofacial biprotrusão esquelética

4. Mordida aberta anterior esquelética

A mordida aberta anterior trouxe o padrão mastigatório unilateral direito presente em 50%, seguido por bilateral simultâneo (33,3%) e unilateral esquerdo (14,3%). Nenhum destes indivíduos realizou incisão anterior, sendo que 50% realizou o corte do alimento com os dentes laterais enquanto que a outra metade não realizou incisão. Todos os pacientes portadores desta DDF apresentaram trituração ineficiente e 66,7% realizou a função mastigatória sem fechamento labial, enquanto que 33,3% realizou a função mastigatória com fechamento labial assistemático. A velocidade mastigatória esteve aumentada em 83,3% dos indivíduos. As contrações musculares atípicas foram observadas em 50% dos casos avaliados. Os ruídos em ATM foram relatados por apenas por 33,3% dos participantes. Nenhum dos portadores de DDF mordida aberta anterior relatou dor em ATM durante a mastigação.

A saliva durante a fala destes indivíduos foi observada acumulada na comissura labial, no lábio inferior e deglutida com a mesma proporção em 33,3% dos casos. A fonoarticulação apresentou movimento exagerado dos lábios em 66,7% dos participantes. A velocidade de fala foi adequada em 66,7%, no entanto, a coordenação pneumofonoarticulatória foi observada com alteração na mesma proporção dos pacientes avaliados (66,7%). A imprecisão articulatória esteve ausente na maioria dos casos. Todos os portadores de mordida aberta anterior apresentaram algum tipo de distorção fonética (Tabela 6).

Tabela 6:
Distribuição em ocorrência das características fonoarticulatórias dos portadores de deformidade dentofacial mordida aberta anterior esquelética

A deglutição com interposição de língua mostrou-se presente em todos os participantes na mordida aberta anterior esquelética. A hiperfunção da musculatura perioral não ocorreu com essa frequência grande, mas esteve presente em 50% dos casos avaliados. O modo respiratório oral foi observado em 100% dos indivíduos portadores de mordida aberta anterior (Tabela 7).

Tabela 7:
Distribuição em ocorrência das características da deglutição e respiração dos portadores de deformidade dentofacial mordida aberta anterior esquelética

5. Mordida cruzada posterior bilateral esquelética

Nos portadores de DDF mordida cruzada posterior bilateral esquelética encontrou-se o padrão mastigatório unilateral esquerdo em 80% dos indivíduos, seguido pelo unilateral direito (20%). A incisão do alimento foi realizada pelos dentes anteriores por 100% dos casos avaliados. Durante a função mastigatória a velocidade esteve adequada, com fechamento labial sistemático, e sem contrações musculares atípicas em 60% dos participantes, porém com trituração ineficiente em 80% dos indivíduos avaliados. O ruído em ATM não foi relatado por qualquer um dos participantes, já a sintomatologia dolorosa foi referida por 40% dos portadores de DDF mordida cruzada posterior bilateral (Tabela 8).

Tabela 8:
Distribuição em ocorrência das características mastigatórias dos portadores de deformidade dentofacial mordida cruzada posterior bilateral esquelética

Durante a avaliação da fonoarticulação foi possível notar 80% dos indivíduos deglutia a saliva não permitindo que houvesse acúmulo na cavidade oral, sendo que foi observado acúmulo na comissura labial em 20% dos participantes. O movimento labial esteve adequado em 80% dos casos avaliados. A velocidade de fala e coordenação pneumofonoarticulatória se apresentaram adequadas em todos os indivíduos. Apenas 20% de portadores de mordida cruzada posterior bilateral apresentou algum tipo de distorção fonética e pôde-se notar fala imprecisa, ainda que de maneira assistemática em 40% dos indivíduos.

A única alteração da deglutição apresentada pelos portadores de mordida cruzada posterior bilateral esquelética foi presença de resíduos após o ato de deglutir, sendo observada em 60% destes indivíduos.

O modo respiratório nasal foi apresentado por 60% dos participantes, seguido do oronasal (40%). Nenhum dos participantes portadores de mordida cruzada esquelética bilateral apresentou respiração oral.

Discussão

Majoritariamente, os participantes do Grupo Controle não apresentaram significantes alterações miofuncionais limitando-se, apenas, a situações pontuais e transitórias. O padrão mastigatório mais observado neste Grupo foi o bilateral alternado que é o padrão ideal de mastigação, uma vez que permite que a carga seja distribuída de maneira uniforme, alternando trabalho e repouso muscular e articular1818 . Ferrario VF, Sforza C, Colombo A, Ciusa VA. A electromyographic investigation of masticatory muscles symmetry in normo-occlusion subjects. J Oral Rehabil. 2000;27(1):33-40. 1919 . Felicio CM, Melchior MO, Silva MAMR, Celeghini RMS. Desempenho mastigatório em adultos relacionado com desordem temporomandibular e com a oclusão. Pró-Fono R Atual Cient. 2007;19(2):151-8..

Já os indivíduos portadores de DDF possuem características miofuncionais que variam de acordo com o tipo de deformidade apresentada. A musculatura se adapta para que as funções estomatognáticas possam ser realizadas. Tais adaptações ocorrem de acordo com o padrão das bases ósseas do esqueleto maxilofacial.

Com relação aos portadores de DDF classe II esquelética, o presente estudo encontrou alterações mastigatórias tais como: mastigação unilateral, velocidade mastigatória aumentada e trituração ineficiente. A literatura mostra que2020 . Coutinho TA, Abath MB, Campos GJL, Antunes AA, Carvalho RWF. Adaptações do sistema estomatognático em indivíduos com desproporções maxilo-mandibulares: revisão da literatura. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2001;14(2):275-9. indivíduos a mastigação ocorre com ciclos rápidos e reduzidos o que influencia diretamente na trituração dos alimentos e na velocidade da mastigação. A dificuldade de intercuspidação máxima associada ao movimento mandibular usado na mastigação pode direcionar adaptações funcionais como a mastigação unilateral, visando a facilitar o processo mastigatório2121 . Bianchini EMG. Avaliação fonoaudiológica da motricidade orofacial: distúrbios miofuncionais orofaciais ou situações adaptativas. Rev Dent Press Ortodon Ortoped Facial. 2001;6(3):73-82. 2222 . Pereira JBA, Bianchini EMG. Caracterização das funções estomatognáticas e disfunções temporomandibulares pré e pós cirurgia ortognática e reabilitação fonoaudiológica da deformidade dentofacial classe II esquelética. Rev CEFAC. 2011;13(6):1086- 94..

O fechamento labial durante a mastigação ocorreu, na maioria dos casos avaliados, de maneira assistemática. Não foram encontradas informações que avaliassem tal quesito durante a mastigação, porém, foram identificados estudos que mostram a alteração no vedamento labial durante o repouso. Estes achados revelam a ocorrência de lábios entreabertos no repouso e fechamento com dificuldade, tendo participação da musculatura mentual .

A distorção fonética foi a alteração fonoarticulatória que teve maior ocorrência na DDF classe II esquelética, o que está de acordo com a literatura científica2020 . Coutinho TA, Abath MB, Campos GJL, Antunes AA, Carvalho RWF. Adaptações do sistema estomatognático em indivíduos com desproporções maxilo-mandibulares: revisão da literatura. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2001;14(2):275-9. 2323 . Taucci RA, Bianchini EMG. Verificação da interferência das disfunções temporomandibulares na articulação da fala: queixas e caracterização dos movimentos mandibulares. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(4):274-80.. A imprecisão articulatória também se fez presente mesmo que assistemática, o que pode ser explicado pelo acúmulo de saliva na comissura labial, pois o indivíduo na tentativa de conter a saliva na cavidade oral termina prejudicando a articulação da fala como um todo. A coordenação pneumofonoarticulatória alterada, presente em mais da metade dos indivíduos pode, também, ter contribuído para a imprecisão articulatória assistemática, porém esta não influenciou na velocidade de fala.

A hiperfunção da musculatura perioral durante a função de deglutição foi encontrada na maior parte dos casos avaliados. Estudos mostram que a hiperfunção da musculatura perioral é característica marcante da deglutição dos portadores de classe II esquelética2020 . Coutinho TA, Abath MB, Campos GJL, Antunes AA, Carvalho RWF. Adaptações do sistema estomatognático em indivíduos com desproporções maxilo-mandibulares: revisão da literatura. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2001;14(2):275-9. 2424 . Kasai RCB, Portela MQ. Intervenção fonoaudiológica em pacientes submetidos ao tratamento ortodôntico cirúrgico. Rev Dent Press Ortodon Ortoped Maxilar. 2001;6(2):79-84..

Com relação ao modo respiratório presente nos portadores de deformidade dentofacial classe II esquelética encontrou-se maior ocorrência de respiração oral, o que condiz com os registros da literatura2020 . Coutinho TA, Abath MB, Campos GJL, Antunes AA, Carvalho RWF. Adaptações do sistema estomatognático em indivíduos com desproporções maxilo-mandibulares: revisão da literatura. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2001;14(2):275-9. 2424 . Kasai RCB, Portela MQ. Intervenção fonoaudiológica em pacientes submetidos ao tratamento ortodôntico cirúrgico. Rev Dent Press Ortodon Ortoped Maxilar. 2001;6(2):79-84..

Nos portadores de DDF classe III esquelética as alterações mastigatórias encontradas com maior frequência foram: padrão mastigatório bilateral simultâneo, trituração ineficiente dos alimentos, fechamento labial assistemático e contrações musculares atípicas. A literatura pesquisada mostrou que a mastigação nestes indivíduos ocorre com presença de movimentos mandibulares verticais, sem a lateralização da mandíbula, e trituração ineficiente pela diminuição do tônus da musculatura elevadora de mandíbula, do bucinador e dos lábios2020 . Coutinho TA, Abath MB, Campos GJL, Antunes AA, Carvalho RWF. Adaptações do sistema estomatognático em indivíduos com desproporções maxilo-mandibulares: revisão da literatura. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2001;14(2):275-9. 2525 . Aléssio CV, Mezzomo CL, Körbes D. Intervenção fonoaudiológica nos casos de pacientes classe III com indicação à cirurgia ortognática. Arq Odontol. 2007;43(3):102-10..

A fonoarticulação trouxe como alteração principal a distorção fonética assemelhando-se, portanto, aos dados registrados na literatura que trata deste tema. A distorção fonética ocorre, especialmente, pela hiperfunção do lábio superior, sendo assim, os pontos articulatórios de alguns fonemas, como por exemplo, os fricativos e bilabiais, são produzidos utilizando a inversão do movimento labial2020 . Coutinho TA, Abath MB, Campos GJL, Antunes AA, Carvalho RWF. Adaptações do sistema estomatognático em indivíduos com desproporções maxilo-mandibulares: revisão da literatura. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2001;14(2):275-9. 2525 . Aléssio CV, Mezzomo CL, Körbes D. Intervenção fonoaudiológica nos casos de pacientes classe III com indicação à cirurgia ortognática. Arq Odontol. 2007;43(3):102-10.. Para compensar as alterações estruturais e funcionais, os portadores deste tipo de DDF apresentam alterações nos pontos articulatórios dos fonemas, porém esta condição não interferiu na precisão da articulação da fala dos pacientes em questão, visto que apenas poucos participantes apresentaram imprecisão articulatória, sendo que a maioria revelou este fenômeno de maneira assistemática, conforme está registrado na literatura pesquisada2525 . Aléssio CV, Mezzomo CL, Körbes D. Intervenção fonoaudiológica nos casos de pacientes classe III com indicação à cirurgia ortognática. Arq Odontol. 2007;43(3):102-10. 2626 . Santos IF, Pereira SAA. A prevalência de alterações de fala em indivíduos portadores de classe III. Fono atual. 2001;15(4):16-21..

A função de deglutição trouxe como aspectos principais a interposição de língua e a hiperfunção da musculatura perioral, conforme registram os achados de outros trabalhos2020 . Coutinho TA, Abath MB, Campos GJL, Antunes AA, Carvalho RWF. Adaptações do sistema estomatognático em indivíduos com desproporções maxilo-mandibulares: revisão da literatura. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2001;14(2):275-9. 2525 . Aléssio CV, Mezzomo CL, Körbes D. Intervenção fonoaudiológica nos casos de pacientes classe III com indicação à cirurgia ortognática. Arq Odontol. 2007;43(3):102-10.. A presença de resíduos após a deglutição foi encontrada em pequena parcela dos pacientes avaliados. Este tipo de deglutição é consequência da redução do tônus, e consequente função, do músculo bucinador que durante a mastigação é o responsável por devolver os alimentos que caem no vestíbulo para as faces oclusais dos dentes2727 . Mory MR, Tessitore A, Pfeilsticker L, Junior EBC, Pascoal JR. Mastigação, deglutição e suas adaptações na paralisia facial periférica. Rev CEFAC. 2013;15(2):402-10.. Quando isto não acontece, após a deglutição observam-se resíduos de alimentos estacionados na cavidade bucal, especialmente na região de vestíbulo. A literatura registra que a mastigação dos portadores de classe III esquelética acontece com pouca ou nenhuma ação do músculo bucinador2020 . Coutinho TA, Abath MB, Campos GJL, Antunes AA, Carvalho RWF. Adaptações do sistema estomatognático em indivíduos com desproporções maxilo-mandibulares: revisão da literatura. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2001;14(2):275-9..

Quanto à respiração, os resultados encontrados indicam maior ocorrência de modo respiratório oronasal e oral entre os indivíduos portadores de DDF classe III esquelética, o que está de acordo com os registros da literatura científica2020 . Coutinho TA, Abath MB, Campos GJL, Antunes AA, Carvalho RWF. Adaptações do sistema estomatognático em indivíduos com desproporções maxilo-mandibulares: revisão da literatura. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2001;14(2):275-9. 2525 . Aléssio CV, Mezzomo CL, Körbes D. Intervenção fonoaudiológica nos casos de pacientes classe III com indicação à cirurgia ortognática. Arq Odontol. 2007;43(3):102-10. 2828 . Pereira AC, Jorge TM, Junior PDR, Berretin-Felix G. Características das funções orais de indivíduos com má oclusão classe III e diferentes tipos faciais. R Dental Press Ortodon Ortop Facial. 2005;10(6):111-9..

Nos portadores de DDF biprotrusão esquelética o padrão mastigatório mais observado foi o unilateral, porém não foram encontradas avaliações clínicas que pudessem ser confrontadas. A trituração dos alimentos mostrou-se ineficiente e o fechamento labial assistemático. Este fenômeno pode ter ocorrido devido ao selamento labial tornar-se dificultado em decorrência do aumento da dimensão vertical. A distorção fonética na fonoarticulação ocorreu na maioria dos indivíduos com este tipo de DDF, o que pode ser explicado devido ao avanço da maxila e da mandíbula, o que permite a anteriorização da língua e a alteração de tônus labial4. Benevides SD. Fonoterapia no pré e pós operatório de cirurgia ortognática. In: Associação Brasileira de Odontologia. Pró-odonto cirurgia. Ciclo 6, vol 4. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2013. P. 117-44.. A interposição de língua também foi encontrada na deglutição bem como a hiperfunção da musculatura perioral, o que pode, ter contribuído para o aparecimento das alterações fonéticas da fala.

O modo respiratório mais frequente para os indivíduos portadores de biprotrusão esquelética foi o oronasal. Não foram encontrados dados na literatura que confirmem este achado, porém o mesmo pode ser explicado pela dificuldade em ser mantido o selamento labial, já que há um avanço das duas bases ósseas, maxila e mandíbula, condição que torna possível respirar através das duas vias, a oral e a nasal.

A DDF mordida aberta anterior trouxe como padrão mastigatório mais frequente o padrão unilateral com velocidade mastigatória aumentada. Estes dados se assemelham ao resultado de estudo recente2929 . Piancino MG, Isola G, Merlo A, Dalessandri D, Debernardi C, Bracco P. Chewing pattern and muscular activation in open bite patients. J Electromyogr Kinesiol. 2012;22(2):273-9., no qual os autores afirmam que os indivíduos portadores de mordida aberta anterior apresentam mastigação com ciclos mais curtos, o que aumenta a velocidade do processo mastigatório e reduz a eficiência da função. A maioria dos participantes do estudo ora discutido não apresentou fechamento labial durante a mastigação, e aqueles que apresentaram, o fizeram de maneira assistemática. Isto pode ocorrer devido à diminuição do tônus e da força do músculo orbicular da boca. Este elemento explica, ainda, o fato de metade dos indivíduos ter apresentado contrações musculares atípicas durante esta função, uma vez que não é somente o orbicular da boca que está com tônus reduzido como, também, o bucinador e os músculos elevadores da mandíbula4. Benevides SD. Fonoterapia no pré e pós operatório de cirurgia ortognática. In: Associação Brasileira de Odontologia. Pró-odonto cirurgia. Ciclo 6, vol 4. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2013. P. 117-44.. Sendo assim, é necessário que o indivíduo utilize outros grupos musculares ou então que a contração destes músculos seja mais excedida com o objetivo de ter maior controle do alimento durante a função mastigatória.

Todos os indivíduos com mordida aberta apresentaram algum tipo de distorção fonética, além disso, foi observado movimento labial exagerado durante a fala. A literatura coloca que a língua pode interpor na produção de alguns fonemas como, por exemplo, os sibilantes4. Benevides SD. Fonoterapia no pré e pós operatório de cirurgia ortognática. In: Associação Brasileira de Odontologia. Pró-odonto cirurgia. Ciclo 6, vol 4. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2013. P. 117-44.. Além disso, com a redução do tônus do lábio o indivíduo pode, na tentativa de articular melhor os sons da fala, aumentar a movimentação labial, porém tais alterações não interferem na precisão articulatória dos indivíduos. Contudo, a coordenação pneumofonoarticulatória esteve alterada em grande parte dos indivíduos, o que pode ser explicado pela respiração exclusivamente via oral.

A deglutição foi realizada por todos os portadores de DDF mordida aberta anterior esquelética com interposição da língua. A literatura aponta que esta é a alteração mais frequente neste tipo de DDF, enquanto que a hiperfunção da musculatura perioral, pode ser explicada pela redução do tônus da musculatura labial7. Mezzono CL, Machado, PG, Pacheco AB, Gonçalves BFT, Hoffmann CF. As implicações da classe II de Angle e da desproporção esquelética tipo classe II no aspecto miofuncional. Rev CEFAC. 2011;13(4):728-34..

O modo respiratório oral foi encontrado em todos dos indivíduos portadores de mordida aberta anterior. A literatura registra que a mordida aberta é uma das principais características dos indivíduos respiradores bucais3030 . Andrade FV, Andrade DV, Araújo AS, Ribeiro ACC. Alterações estruturais de órgãos fonoarticulatórios, más oclusões dentárias em respiradores orais de 6 a 10 anos. Rev CEFAC. 2005;7:318-25. 3131 . Rodrigues HOSN, Faria RS, Paula FSG, Motta AR. Ocorrência de respiração oral e alterações miofuncionais orofaciais em sujeitos em tratamento ortodôntico. Rev CEFAC. 2005;7(3):356-62..

A DDF mordida cruzada posterior bilateral teve como padrão mastigatório o unilateral e com trituração ineficiente dos alimentos pela maioria dos indivíduos. A relação entre a mastigação unilateral e a presença da mordida cruzada posterior pode ser explicada devido à diminuição do espaço vertical e a impossibilidade em realizar o movimento de balanceio levando o indivíduo a mastigar do lado cruzado3232 . Marchesan IQ. The speech pathology treatment with alterations of the stomatognathic system. Int J Orofacial Myology. 2000;26:5-12.. Neste estudo a mordida cruzada posterior avaliada foi a bilateral, no entanto o único padrão mastigatório encontrado foi o unilateral, e a maioria dos indivíduos o realizou do lado esquerdo. Levando em consideração o raciocínio exposto acima, mesmo a mordida cruzada sendo dos dois lados, pode haver um lado com menor dimensão vertical e este seria o lado mastigatório.

Ainda com relação à mastigação dos portadores de mordida cruzada posterior bilateral, foi observado que a velocidade mastigatória foi adequada e o fechamento labial durante esta função foi sistemático em mais da metade dos casos avaliados. O sintoma "dor" foi relatado por aproximadamente metade dos indivíduos. Entretanto, não foram encontrados resultados que pudessem justificar tais achados, apesar da literatura científica relacionar a ocorrência de mordida cruzada posterior esquelética à DTM3333 . Egermark I, Magnusson T, Carlsson GE. A 20-year follow-up of signs and symptoms of temporomandibular disorders and malocclusions in subjects with and without orthodontic treatment in childhood. Angle Orthod. 2003;73(2):109-15. 3434 . Mcnamara JRJA, Seligman DA, Okeson JP. Occlusion, orthodontic treatment and temporomandibular disorders: a review. J Orofac Pain. 1995;9:73-90.. Seria um equívoco, considerar, apenas, o relato da sintomatologia dolorosa durante a função mastigatória como dado consistente para assegurar o diagnóstico desta disfunção.

A fonoarticulação na presença de mordida cruzada posterior bilateral não apresentou alterações significantes, se mostrando normal em quase todos os aspectos avaliados. Porém foi possível verificar que a imprecisão articulatória esteve presente de forma assistemática em quase metade dos casos avaliados. Este achado tem como justificativa a redução do espaço horizontal interno que pode deixar a articulação relativamente imprecisa.

Já a função de deglutição foi realizada de maneira ineficiente por mais da metade destes indivíduos, sendo observados resíduos após a deglutição. Tal dado vai de encontro aos resultados apresentados na literatura3535 . Pastana SG, Costa SM, Chiappetta ALML. Análise da mastigação em indivíduos que apresentam mordida cruzada unilateral na faixa-etária de 07 a 12 anos. Rev CEFAC. 2005;9(3):351-7., com base nos quais registram ter observado que 87,5% dos indivíduos avaliados não apresentam resíduos após deglutir. Estes autores afirmam que o músculo bucinador se encontra com força maior do lado mastigatório, contudo, o estudo citado foi realizado com indivíduos com mordida cruzada posterior unilateral, enquanto que na presente pesquisa foi avaliada a DDF bilateral.

Conclusão

Os diferentes tipos de esqueleto facial interferem de maneira particular no desempenho das funções estomatognáticas, estando estas alterações relacionadas à posição da base óssea e dentária, bem como à inserção da musculatura orofacial e mastigatória nestas bases. As funções de mastigação, fonoarticulação, deglutição e respiração, sofrem alterações de acordo com a variação no posicionamento das bases ósseas e dentárias. Sendo assim, é necessário que seja realizada uma avaliação detalhada dos aspectos funcionais para que o tratamento possa ser planejado da maneira mais individual possível.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    22 Jul 2014
  • Aceito
    13 Nov 2014
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