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Aspectos da comunicação na síndrome de Werdning-Hoffman: estudo de caso clínico

Resumo:

A Síndrome de Werdnig-Hoffman é uma doença neuromuscular hereditária, caracterizada pela atrofia e fraqueza muscular progressiva, que inviabiliza o desenvolvimento de habilidades motoras. O desenvolvimento mental encontra-se preservado, vivacidade e inteligência destacam-se, em contraste à precária atividade motora. O sujeito acometido por essa síndrome tem limitações físicas para a efetiva interação com o outro, o que pode acarretar problemas de comunicação. Este estudo tem como objetivo analisar as possibilidades comunicativas de uma criança com Síndrome de Werdnig-Hoffman no decorrer do processo terapêutico fonoaudiológico. É um estudo de caso de uma criança com quatro anos de idade, gênero feminino, filha única (de casal jovem), atendida em terapia fonoaudiológica em centro de reabilitação de deficiências múltiplas no período de agosto de 2013 a abril de 2014. Na avaliação fonoaudiológica observou-se que a paciente comunica-se por expressões faciais e raras vocalizações. No decorrer do processo terapêutico, a interação foi sustentada dialogicamente por meio de perguntas da fonoaudióloga respondidas afirmativa ou negativamente pela paciente. Para "sim", elevava a sobrancelha concomitante à maior abertura dos olhos e um discreto sorriso. Para "não", contraia a sobrancelha e realizava leve movimento de negação com a cabeça. Embora predominantemente silente e corporalmente inerte, a paciente expressa sua subjetividade por meio de condutas comunicativas que, mesmo precárias, indicam atividade simbólica na inserção e interpretação da realidade.

Descritores:
Comunicação; Estudos de Caso; Fonoaudiologia

Abstract:

Werdnig-Hoffman Syndrome (WHS) is a hereditary neuromuscular disorder characterized by progressive muscle weakness and atrophy, which prevents motor skills development. Mental development is preserved, vivacity and intelligence stand out in contrast to poor motor activity. The subject affected by this syndrome, has physical limitations for effective interaction, which can cause communication problems. The purpose of this study is to analyze the communicative possibilities of a child with Werdnig-Hoffman Syndrome during the speech and language therapeutic process. It is a case study of four years old female child, female, attended speech and language therapy service in a multiple disabilities rehabilitation center, from August 2013 to April 2014. The clinical assessment showed that the patient communicated by facial expressions and rare vocalizations. During the therapeutic process, the interaction was dialogically sustained through responses to yes/no questions: raising the eyebrow concomitant to eyes wider open for a "yes" and eyebrow contraction for "no", with light denial head movement. Though predominantly silent and motionless, the patient expressed her subjectivity by means of a communicative conduct that although incipient indicated symbolic activity related to integration and interpretation of reality.

Keywords:
Communication; Case Studies; Speech, Language and Hearing Sciences

Introdução

A Síndrome de Werdnig-Hoffman (SWH) é uma doença neuromuscular hereditária, severa, com início precoce e rápido (antes dos seis meses de idade), caracterizada pela atrofia e fraqueza muscular progressiva e que inviabiliza o desenvolvimento de habilidades motoras, precisamente, por grave comprometimento motor e respiratório, associado à hipotomia simétrica importante, com acometimentos dos músculos do quadril, cintura escapular, pescoço, membros superiores e inferiores. As extremidades do corpo se tornam flácidas, encontrando-se as inferiores em rotação externa e as superiores em abdução. Outra característica é o choro fraco e a tosse pouco efetiva11 Moreira FA, Moreira LA, Oliveira TO, et al. Paciente com síndrome de Werdnig-Hoffman. Arquivos médicos do ABC. 2004;29(1):62. 33 Wang CH, Finkel RS, Bertini et al. Consensus statement for standard of care in spinal muscular atrophy. Journal of Child Neurology. 2007;22(8):1027..

Nesse quadro clínico, o desenvolvimento mental encontra-se preservado e a vivacidade e inteligência destacam-se, em contraste à precária atividade motora destes pacientes. A expectativa de vida é pequena, geralmente em torno de dois ou três anos de idade, em função da paralisia progressiva dos músculos respiratórios 44 Benady SG. Spinal muscular atrophy in childhood: review of 50 cases. Dev Med Child Neurol 1978;20(6):746-57. 66 Patten J. Neuropatia periférica e doenças do neurônio motor inferior. In: Patten J. Diagnóstico diferencial em neurologia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revinter; 2000. p.323-46..

Em relação ao tratamento da SWH são imprescindíveis medidas que permitam a abordagem multiprofissional, com atuação marcante da Fisioterapia, da Enfermagem, da Fonoaudiologia e da Terapia Ocupacional, além do acompanhamento médico constante, favorecendo assim, redução de hospitalizações e melhora na qualidade de vida do sujeito11 Moreira FA, Moreira LA, Oliveira TO, et al. Paciente com síndrome de Werdnig-Hoffman. Arquivos médicos do ABC. 2004;29(1):62.. Os pacientes dependem de artefatos tecnológicos e/ou farmacêuticos indispensáveis à sobrevivência, a saber: ventilação mecânica, instrumentos que auxiliem na nutrição, respiração e administração de medicação. Devido ao caráter crônico da doença e à dependência da ventilação mecânica, os pacientes podem receber os cuidados necessários por parte da equipe de saúde em domicílio77 Lima EC, Ribeiro NRR. A familia cuidando o filho dependente de ventilação mecânica no domicilio. Cienc Cuid Saude. 2009;8(Supl.):110-6. 88 Drucker LP. Rede de suporte tecnológico domiciliar à criança dependente de tecnologia egressa de um hospital de saúde pública. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(5):1285-94..

Em função dessas características e das limitações físicas, desde os primeiros meses de vida, o sujeito acometido por SWH tem dificuldades na interação com o outro o que pode acarretar problemas de comunicação e, portanto, demanda intervenção fonoaudiológica precoce. Embora na Fonoaudiologia, as publicações nessa área sejam mais restritas e muitas vezes sem acesso aos temas, há trabalhos na Medicina, Fisioterapia, Terapia Ocupacional e Educação que abordam aspectos interacionais e/ou de comunicação dessas crianças99 Araújo RTF, Teixeira NA, Meira BM, Giardinetto ARSB. Comunicação alternativa e/ou suplementar na intervenção terapêutica ocupacional de paciente com síndrome de Werdnig Hoffmann. In: VIII Encontro da Associação brasileira de Pesquisadores em Educação Especial Londrina de 05 a 07 novembro de 2013 - issn 2175-960x..

A comunicação suplementar e/ou alternativa (CSA) nesses casos, também é uma possibilidade auxiliar no processo de comunicação, contudo, algumas dessas crianças, mesmo na ausência de oralidade, não se adaptam a esses procedimentos auxiliares da comunicação, e recorrem preferencialmente às expressões faciais e emissão de sons rudimentares para expressar-se.

A propósito da conduta silente, vale citar Orlandi, que parte do pressuposto de que o silêncio é fundante (e não necessariamente silenciador) porque a partir dele pode emergir a palavra. Assim, mesmo que o sujeito não utilize a linguagem oral para se expressar, o seu silêncio poderá ser dotado de significados e "visto como um meio de comunicação, não como um modo de incomunicabilidade" 1010 Orlandi EP. As formas do silêncio - no movimento dos sentidos. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1982. 1111 Padrão CB. Considerações sobre o silêncio na clinica psicanalítica: dos primórdios aos dias atuais. Cadernos de Psicanálise - CPRJ. 2009;31(22):91-103..

A partir dessas considerações, o objetivo deste estudo é analisar as possibilidades comunicativas de uma criança com Síndrome de Werdnig-Hoffman no decorrer do processo terapêutico fonoaudiológico.

Apresentação do Caso

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, sob o número 1.076.665/2014.

Histórico

Trata-se de estudo de caso de uma criança que apresenta SWH, atendida em terapia fonoaudiológica em centro de reabilitação de deficiências múltiplas, em São Paulo, no período de agosto de 2013 a abril de 2014.

Paciente com quatro anos de idade, gênero feminino, filha única de casal jovem, cuja gestação foi desejada e planejada. Nasceu de parto normal, com 3,780 kg e 49 cm, foi amamentada em seio materno e teve alta hospitalar junto com sua mãe após 03 dias do nascimento.

Aos quatro meses de idade a mãe queixou-se à pediatra de que a filha não sustentava a coluna cervical, o que não foi considerado como sinal clínico relevante. Com sete meses de idade a criança manifestou sintomas de gripe forte, com dificuldades em se alimentar e respirar. Foi hospitalizada, mas o quadro respiratório não evoluiu, sendo necessário intubação e sedação. Nesse período o diagnóstico da SWH foi confirmado pelo neurologista. Durante o período de hospitalização (três meses) foi necessário realizar traqueostomia e gastrostomia. Desde então, manifestaram-se comprometimentos muscular e motor. Na alta hospitalar movimentava apenas a mão direita, os dedos dos pés e respirava por meio de ventilação mecânica, sendo necessário suporte de home care, composto por auxiliar de enfermagem (24 horas), três atendimentos fisioterapêuticos e um fonoaudiológico por dia, e visita semanal de médicos e enfermeiros para seguimento.

Aos dois anos de idade começou a frequentar grupo de intervenção precoce em centro de atendimento para deficiência múltipla. Permaneceu no grupo durante o ano de 2012 e, em 2013, na mesma instituição, passou a frequentar escola especializada. Em agosto de 2013, aos 3 anos e 5 meses de idade, iniciou terapia fonoaudiológica individual. Ao procurar esse atendimento, a mãe referiu que, apesar da filha se comunicar e ser compreendida pelas pessoas próximas ao seu cotidiano, seu desejo era que ela desenvolvesse oralidade e simultaneamente utilizasse a CSA.

Processo terapêutico fonoaudiológico

A paciente foi atendida em sessões semanais, uma vez por semana, com duração de 30 minutos. Para esse estudo compilou-se 09 (nove) meses de terapia fonoaudiológica, sendo de agosto de 2013 a abril de 2014. Utilizava cadeira de rodas adaptada (inclinada, com suporte para manter coluna cervical e cabeça eretas), respirador acoplado à traqueostomia e monitorada por oxímetro para verificação permanente de batimentos cardíacos e saturação de O2. Utilizava mesa encaixada na cadeira de rodas para facilitar a execução das atividades.

A avaliação da motricidade orofacial foi realizada por observação clínica e compreendeu observação e análise morfológica extra e intra oral, avaliação de mobilidade, tonicidade e sensibilidade orofacial e das funções orais de mastigação, deglutição, respiração e fala. Observou-se hipotonia, mobilidade e sensibilidade reduzidas (bochechas, lábios, língua e mento), pequena abertura de boca, reduzida movimentação de língua, fasciculação de língua, estase salivar e sialorréia abundante. Mastigação e deglutição ausentes. Por vezes, manifestava desejo de experimentar algum alimento (em consistência pastosa) que era colocado em sua boca. Com o alimento intra oral realizava pequena movimentação de língua e produção de saliva maior que o habitual. Sendo assim, aguardavam-se alguns segundos para que experimentasse o paladar e retirava-se com gaze.

Quanto à avaliação da linguagem, realizada por observação clínica em contexto dialógico e lúdico, verificou-se que a paciente comunicava-se por expressões faciais e raras vocalizações nasalizadas. Era atenta ao ambiente, sempre observando o que acontecia à sua volta. Destacou-se sua adequada compreensão verbal, reagindo de maneira coerente e contextualizada. Estabelecia contato visual com a terapeuta, aceitando contatos físicos e os retribuindo com discreto sorriso.

No decorrer do processo terapêutico, a interação foi sustentada dialogicamente por meio de perguntas da fonoaudióloga respondidas afirmativa ou negativamente pela paciente. Para "sim", elevava a sobrancelha concomitante à maior abertura dos olhos e um discreto sorriso. Para "não", contraia a sobrancelha e realizava leve movimento de negação com a cabeça. Muitas vezes, as vocalizações não eram entendidas pela terapeuta, mas a mãe e/ou a auxiliar de enfermagem, que acompanhavam as sessões, esclareciam o conteúdo assertivamente.

Inicialmente, nas primeiras 06 (seis) semanas de terapia fonoaudiológica, foram realizadas tentativas de utilização da CSA, com computador e Software Board Maker, para confecção da prancha. A paciente realizava a escolha das figuras utilizando os recursos de "sim" e "não" descritos e, com o direcionamento do olhar, localizava-as na prancha com facilidade.

Apesar do incentivo da terapeuta, dos familiares e da cuidadora, a paciente recusou-se a utilizar este dispositivo, insistindo nas expressões faciais e nas escassas vocalizações como formas de comunicação, por meio das quais mantinha diálogos rudimentares, até ser compreendida. Exemplificando: quando queria expressar algo e suas vocalizações não eram compreendidas pela terapeuta, rapidamente dirigia o olhar à cuidadora ou à mãe, que interpretavam o seu significado na grande maioria das vezes.

Resultados

Ficou evidente, após dois meses de terapia fonoaudiológica, que o recurso da CSA não era efetivo, naquele momento, do ponto de vista da comunicação funcional. Gradativamente, a terapeuta também se tornou interlocutora, atribuindo possíveis sentidos às vocalizações da paciente (sempre em voz baixa, com articulação imprecisa e nasalizada) associadas aos demais recursos expressivos, a saber: expressões faciais, leves movimentos de cabeça e pausas de silêncio interpretável, a despeito do corpo praticamente inerte.

Nesse contexto, vale ressaltar um momento em que a criança chegou à sessão com expressão facial brava/ irritada, acompanhada da nova auxiliar de enfermagem que estava em fase de adaptação e, portanto, não a compreendia na maioria das vezes. Tal fato pareceu justificar sua irritabilidade.

Na sessão seguinte, a mesma profissional relatou que a menina tinha lhe ensinado a manipular o Ipad, de maneira a exibir seus softwares preferidos: por meio do olhar (expressando "sim" ou "não") direcionava os gestos da cuidadora. Tal efetividade comunicativa operava em várias situações, como é possível exemplificar nos contextos dialógicos a seguir, em que paciente e terapeuta estão sentadas face a face.

Situação 1:

Terapeuta: o seu aniversário foi na semana passada?

Paciente: (levanta a sobrancelha concomitante a maior abertura dos olhos e um discreto sorriso)

Terapeuta: Ah, que legal! E teve festinha na sua casa?

Paciente: Responde "sim" (levanta as sobrancelhas concomitante a maior abertura dos olhos e um discreto sorriso)

Terapeuta: aqui na escola também teve festa?

Paciente: Responde "sim"

Terapeuta: Ah, entendi! Na escola não teve festa...

Situação 2:

Paciente: (olha fixamente para o quadro de recados fixado na parede da sala).

Terapeuta: - O que você tá olhando, as letras?

Paciente: Responde "sim".

Terapeuta: - Tem a sua letra nesse nome?

Paciente: Responde "sim".

Terapeuta: - E qual é a letra do seu nome, essa? (apontando para uma letra aleatória)

Paciente: Responde "não" (contração da sobrancelha e leve movimento de negação com a cabeça)

Terapeuta: - Não? É essa? (apontando para a letra inicial correta do seu nome)

Paciente: Responde "sim".

Terapeuta: - Ah, legal. Vamos escrever o seu nome, recortar e colar lá no quadro também?

Paciente: Responde "sim".

Situação 3:

Terapeuta: Agora eu vou escolher um joguinho aqui para fazermos juntas.

(terapeuta pega o tablet e clica na tecla que mostra a janela de tarefas com diversos ícones de aplicativos e a foto de um bebê como fundo)

Paciente: (começa piscar os olhos e levantar a sobrancelha)

Terapeuta: Você quer me mostrar algum joguinho que você gosta?

Paciente: Responde "não".

Terapeuta: Então o que você quer? Quando o tablet acendeu você começou a piscar...

Paciente: Responde "sim".

Terapeuta: é a foto do bebê?

Paciente: Responde "sim".

Terapeuta: ah, é a foto! Gostou do bebê? Quer saber de quem é a foto?

Paciente: Responde "sim".e vocaliza [ã u]

Terapeuta: Você quer saber quem é esse bebê, né?

Paciente: Responde "sim".

Terapeuta: É a minha sobrinha!

Paciente: (sorri)

Os fragmentos de sessões de terapia fonoaudiológica citados demonstram a efetividade da comunicação na díade terapeuta/paciente, o que também acontece nos contextos familiar e educacional da criança.

Sabe-se que o comprometimento motor e de fala são severos, mas estes não impedem a comunicação, a moldura simbólica pela qual essa criança se faz sujeito. Ela é, de fato e de direito, um "eu" para o outro, ainda que seu círculo relacional e social sejam pequenos, estritos quase inteiramente ao ambiente familiar e da instituição onde recebe cuidados multiprofissionais de saúde e de educação.

Discussão

Os resultados apresentados corroboram que nos casos de pacientes acometidos por patologias orgânicas severas associadas à ausência de oralidade, como na SHW, é necessário que o fonoaudiólogo assuma que a linguagem, enquanto atividade intersemiótica, vai além do domínio da fala. Disso decorre que a interação entre sujeitos não é determinada, exclusivamente, por um código comum compartilhado1212 Cunha MC. Fonoaudiologia e psicanálise: a fronteira como território. 2 edição. São Paulo: Plexus, 2001..

Como defende Dolto1313 Dolto F. Tudo é linguagem. 1ª edição. São Paulo. Martins Fontes, 1999, o agir é linguagemEm outras palavras: linguagem é desejo de encontrar o outro, e assim estabelecer comunicação e ser acolhido por ele. Assim, o corpo é linguagem quando produz sentido, matendo e alimentando esse desejo1414 Souza LAP. Linguagem e Corpo. In: Limongi SC, Befi-Lopes D, Ferreira LP. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 2004. p.762-71.. Nessa direção, a criança estudada nessa pesquisa, na condição de sujeito desejante e apesar das privações orgânicas, se constitui e é reconhecida como tal pelos seus interlocutores.

A singularidade biopsíquica dessa criança informa sobre sua experiência na linguagem, e de como esta imprime marcas nas próprias formas de comunicação e na sua constituição subjetiva1515 Cunha MC. Linguagem e Psiquismo: Considerações Fonoaudiológicas Estritas. In: Limongi SC, Befi-Lopes D, Ferreira LP. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 2004. p.414-22.. As funções exercidas pelos pais e as maneiras pelas quais semiotizam as experiências da criança delineiam seu psiquismo1616 Priszkulnik L. A criança e a Psicanálise: o "lugar" dos pais no atendimento infantil. Psicologia USP. 1995;6(2):95-102.. No presente estudo, foi notável o acolhimento parental em relação à filha, às diferenças que apresenta e às privações com as quais se defronta; o que aparece como fundamental é sua capacidade de circular e de sustentar suas relações comunicativas.

Nessa perspectiva, ressalta-se que o processo de constituição de si inclui a realização de expectativas parentais, e pode ser dificultado quando o bebê real não corresponde aos ideais parentais devido a transtornos orgânicos. A propósito, o nascimento de um bebê com déficit orgânico congênito ou precocemente adquirido, pode deslocar o olhar dos pais do sujeito/filho para a doença ou deficiência, o que tem forte potencial para comprometer a constituição subjetiva da criança. No caso estudado, isso parece não ter ocorrido1717 Brunhara F, Petean EBL. Mães e filhos especiais: reações, sentimentos e explicações à deficiência da criança. Paidéia. 1999;9(16):31-40..

Conclusão

No caso apresentado houve acolhimento familiar e terapêutico capaz de permitir que a criança, apesar da gravidade de seu quadro clínico, circulasse na linguagem, afirmando-se como sujeito.

Embora predominantemente silente e corporalmente inerte, a paciente expressa sua subjetividade por meio de condutas comunicativas que, mesmo precárias, indicam atividade simbólica na inserção e interpretação da realidade.

Referências

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    Souza LAP. Linguagem e Corpo. In: Limongi SC, Befi-Lopes D, Ferreira LP. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 2004. p.762-71.
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    Cunha MC. Linguagem e Psiquismo: Considerações Fonoaudiológicas Estritas. In: Limongi SC, Befi-Lopes D, Ferreira LP. Tratado de Fonoaudiologia. São Paulo: Roca, 2004. p.414-22.
  • 16
    Priszkulnik L. A criança e a Psicanálise: o "lugar" dos pais no atendimento infantil. Psicologia USP. 1995;6(2):95-102.
  • 17
    Brunhara F, Petean EBL. Mães e filhos especiais: reações, sentimentos e explicações à deficiência da criança. Paidéia. 1999;9(16):31-40.
  • Fonte de auxílio: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
  • ERRATA:

    Neste artigo, publicado no periódico Revista Cefac, volume 17(5):1716-1721, página 1716,
    onde se lê:
    Autora: Claudia Cunha
    leia-se:
    Autora: Maria Claudia Cunha

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2015

Histórico

  • Recebido
    24 Mar 2015
  • Aceito
    15 Jun 2015
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