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Comportamento, competência social e qualidade de vida na Doença de Huntington

RESUMO:

Objetivo:

investigar o comportamento, a competência social e a qualidade de vida de indivíduos com a Doença de Huntington (DH), segundo opinião de seus cuidadores.

Métodos:

constituíram a casuística 30 participantes, com faixa etária de 33 a 79 anos, subdivididos em dois grupos: 15 do grupo amostral (GA) diagnosticados previamente com Doença de Huntington e 15 participantes do grupo controle (GC), pareados quanto à faixa etária, gênero e classificação socioeconômica. Para avaliação destes sujeitos foram aplicados, em seus cuidadores, o Inventário Comportamental Adult Behavior Checklist e o Questionário de Qualidade de Vida WHOQOL-100.

Resultados:

na avaliação do comportamento e da competência social, os sujeitos do GA apresentaram diferença estatisticamente significante em relação ao GC, segundo opinião dos seus cuidadores, com escores elevados para fatores internalizantes (ansiedade, depressão, isolamento, queixas somáticas), totais de problemas e outros, como problemas do pensamento, atenção e hiperatividade. No questionário de qualidade de vida, para sujeitos com a DH também se evidenciou diferença estatisticamente significante em relação ao grupo controle, em todos os domínios (físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, ambiente e aspectos religiosos) e na maioria dos subitens avaliados. O GA apresentou média baixa de qualidade de vida, enquanto o GC apresentou média alta.

Conclusão:

sujeitos com DH possuem um perfil comportamental, de competência social e qualidade de vida diferenciado e com mais alterações, em relação ao GC, segundo os cuidadores . A Doença de Huntington parece ser responsável pelo conjunto de alterações comportamentais, de competência social e de qualidade de vida, relatado pelos cuidadores.

DESCRITORES:
Doença de Huntington; Comportamento; Comportamento Social; Qualidade de Vida

ABSTRACT:

Purpose:

investigating the behavior, the social competence and the quality of life of individuals who carry Huntington Disease.

Methods:

the sample was constituted for 30 participants, from 33 to 79 years old, divided in two groups: 15 participants in the experimental group, who were previously diagnosed with Huntington Disease and 15 participants in the comparative group, equally paired according to age and education. To assess this individuals were applied, on their caregivers, the Behavioral Inventory, constituted by the Adult Behavior Checklist and the Quality of Life Questionnaire WHOQOL - 100 were used to asses these individuals.

Results:

the individuals in the experimental group have presented statistically significant differences when compared to the control group, according to their caregivers' opinion, with high scores for internalizing factors (anxiety, depression, isolation, somatic complaints), total problems and other problems like: thinking, attention and hyperactivity problems, from the behavioral inventory. In the Quality of Life Questionnaire the experimental group has also presented statistically significant differences when compared to the control group, in all domains (physical, psychological, level of independence, social relationships, environment and religious aspects) and in most of the assessed aspects they presenting a low average of quality of life, while the control group has presented a high average.

Conclusion:

individuals with HD present behavioral, social competence and quality of life profile differentiated and with alterations, according to their caregivers, when it was related to the comparative group. Huntington's disease is limiting, progressive and also appears to be responsible for the set of behavioral change, social competence and quality of life reported by their caregivers.

KEYWORDS:
Huntington Disease; Behavior; Social Behavior; Quality of Life

Introdução

A Doença de Huntington (DH), descrita por George Huntington, em 187211. OMIM (Online Mendelian Inheritance in Man). Johns Hopkins University; Inc.; 1966-2008. Disponível em: http://www.omim.org/entry/143100.
http://www.omim.org/entry/143100...
)-(33. INSTITUTO NACIONAL FRANCÊS DE SAÚDE E INVESTIGAÇÃO MÉDICA. (Coord.). Orphanet: o portal para as doenças raras e os medicamentos orfãos. 2014. Disponível em: http://www.orpha.net/consor/cgi-bin/index.php?lng=PT.
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, é uma condição neurodegenerativa, com herança autossômica dominante, causada por uma expansão da repetição CAG no gene huntingtina, localizado no braço curto do cromossomo 4 na região 16.3. O diagnóstico da doença é realizado pela presença de sintomas progressivos motores e cognitivos, histórico familial positivo e é confirmado pelo exame genético11. OMIM (Online Mendelian Inheritance in Man). Johns Hopkins University; Inc.; 1966-2008. Disponível em: http://www.omim.org/entry/143100.
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)-(33. INSTITUTO NACIONAL FRANCÊS DE SAÚDE E INVESTIGAÇÃO MÉDICA. (Coord.). Orphanet: o portal para as doenças raras e os medicamentos orfãos. 2014. Disponível em: http://www.orpha.net/consor/cgi-bin/index.php?lng=PT.
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. No entanto, Henley e colaboradores (2009) apontaram que alterações no volume cerebral e nas conexões neurais podem estar presentes antes do aparecimento dos sintomas44. Henley SM, Wild EJ, Hobbs NZ, Frost C, Macmanus DG, Barker RA et al. Whole-brain atrophy as a measure of progression in premanifest and early Huntington's disease. Mov. disord. 2009;24:932-6..

A prevalência desta condição está estimada em 1 por 10.000 ou 20.000 indivíduos, porém com variações em diferentes regiões e grupos étnicos33. INSTITUTO NACIONAL FRANCÊS DE SAÚDE E INVESTIGAÇÃO MÉDICA. (Coord.). Orphanet: o portal para as doenças raras e os medicamentos orfãos. 2014. Disponível em: http://www.orpha.net/consor/cgi-bin/index.php?lng=PT.
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.

O fenótipo da DH caracteriza-se por comprometimentos nas habilidades motoras (e.g., movimentos coréicos, alterações na marcha, rigidez, entre outros), habilidades cognitivas (e.g., déficits na memória visual, auditiva, verbal e atenção), alterações comportamentais, psíquicas e de linguagem11. OMIM (Online Mendelian Inheritance in Man). Johns Hopkins University; Inc.; 1966-2008. Disponível em: http://www.omim.org/entry/143100.
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)-(33. INSTITUTO NACIONAL FRANCÊS DE SAÚDE E INVESTIGAÇÃO MÉDICA. (Coord.). Orphanet: o portal para as doenças raras e os medicamentos orfãos. 2014. Disponível em: http://www.orpha.net/consor/cgi-bin/index.php?lng=PT.
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),(55. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual of mental disorders: DSM-V. American Psychiatric Publishing, 2013.. O declínio da linguagem oral, em nível receptivo e expressivo, pode ser desencadeado por dois fatores: degeneração neurológica e alteração motora66. Azambuja MJ. Contribuição ao estudo da linguagem em indivíduos com doença de Huntington [dissertação]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2006.),(77. Azambuja MJ, Radanovic M, Haddad MS, Adda CC, Barbosa ER, Mansur LL. Language impairment in Huntington's disease. Arq. neuropsiquiatr. 2012;70(6):410-5..

Questões referentes às alterações comportamentais descritas na DH parecem estar relacionadas tanto ao declínio cognitivo progressivo quanto às alterações psíquicas, das quais a depressão, ansiedade, irritabilidade e apatia são as mais frequentes nestes sujeitos, quando comparados com sujeitos saudáveis88. Cummings JL. Behavioral and psychiatric symptoms associated with Huntington's disease. Adv. neurolo. 1995;65:179-86.)-(1010. Thompson JC, Snowden JS, Craufurd D, Neary D. Behavior in Huntington's Disease: Dissociating Cognition-Based and Mood-Based Changes. J. neuropsychiatry clin. neurosci. 2002;14:37-43.. Em relação à qualidade de vida, há relatos de suicídio justificado pela depressão e dependência física causada pelo impacto dos sintomas nas atividades cotidianas1111. Di Maio L, Squitieri F, Napolitano G, Campanella G, Trofatter JA, Conneally PM. Suicide risk in Huntington's disease. J. medical. genet. 1993;30:293-5.),(1212. Helder DI, Kaptein AA, Van Kempen GM, Van Houwelingen JC, Roos RA. Impact of Huntington's disease on quality of life. Mov. disord. 2001;16(2):325-30.. Logo, a DH traz prejuízos à saúde mental dos pacientes, podendo ser observado sofrimento e estresse emocional entre os familiares, durante todo o curso da doença1313. Williams JK, Skirton H, Paulsen JS, Tripp-Reimer T, Jarmon L, Mcgonigal KM, et al. The emotional experiences of family carers in Huntington disease. J. adv. nurs. Epub 2009;65(4):789-98.),(1414. Banaszkiewicz K, Sitek EJ, Rudzinska M, Soltan W, Slawek J, Szczudlik A. Huntington's disease from the patient, caregiver and physician's perspectives: three sides of the same coin? J. neural. transm. 2012;119(11):1361-5..

Embora a literatura apresente estudos sobre os aspectos comportamentais relacionados à DH, ainda são escassos os trabalhos sobre o perfil comportamental, de competência social e qualidade de vida destes sujeitos 88. Cummings JL. Behavioral and psychiatric symptoms associated with Huntington's disease. Adv. neurolo. 1995;65:179-86.),(1010. Thompson JC, Snowden JS, Craufurd D, Neary D. Behavior in Huntington's Disease: Dissociating Cognition-Based and Mood-Based Changes. J. neuropsychiatry clin. neurosci. 2002;14:37-43.),(1212. Helder DI, Kaptein AA, Van Kempen GM, Van Houwelingen JC, Roos RA. Impact of Huntington's disease on quality of life. Mov. disord. 2001;16(2):325-30.),(1515. Kingma EM, Van Duijn E, Timman R, Mast RC, Roos RA. Behavioural problems in Huntington's disease using the Problem Behaviours Assessment. Gen. hosp. psychiatr. 2008;30(2):155-61.)-(1717. Carlozzi NE, Tulsky DS. Identification of health-related quality of life (HRQOL) issues relevant to individuals with Huntington disease. J. health psychol. 2013;18(2):212-25..

Para tanto, o presente estudo teve como objetivo investigar o comportamento, a competência social e a qualidade de vida de indivíduos com a Doença de Huntington, segundo opinião de seus cuidadores.

Métodos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNESP - Marilia, sob o protocolo nº 0710/2013, e os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Participaram 30 sujeitos de ambos os gêneros, com idade cronológica entre 33 e 79 anos. Os participantes foram divididos em dois subgrupos: grupo amostral (GA), constituído por 15 sujeitos com diagnóstico da Doença de Huntington; e grupo controle (GC), constituído por 15 i sujeitos sem diagnóstico ou sintomas da doença e histórico familial negativo para a DH.

Como critério de inclusão do GA, consideraram-se: diagnóstico da Doença de Huntington e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Já como critério de exclusão, foram considerados: diagnóstico não confirmado da DH, a comorbidade desta com outras afecções e sujeitos que não aceitaram participar do estudo.

Avaliação do comportamento e da competência social

Para investigar o comportamento e a competência social (e.g., comportamento agressivo, ansiedade/depressão, problemas sociais, entre outros), foi aplicado o Inventário Comportamental constituído pelo Adult Behavior Checklist (ABCL)1818. Achenbach TM, Rescorla LA. Manual for the ASEBA School-Age Forms & Profiles. Burlington, VT: University of Vermont, Research Center for Children, Youth & Families, 2001. nos cuidadores (i.e., membros da família ou não) dos sujeitos com a DH.

Esse inventário é constituído por 126 itens que listam uma série de comportamentos desejáveis ou destrutivos em que o entrevistado deve marcar a frequência com que estes comportamentos ocorrem. Atribui-se a cada item/problema "zero" quando não é verdadeira ou não ocorre; "1", se é às vezes verdadeira ou não ocorre com frequência; e "2", se é muito verdadeira ou ocorre frequentemente1818. Achenbach TM, Rescorla LA. Manual for the ASEBA School-Age Forms & Profiles. Burlington, VT: University of Vermont, Research Center for Children, Youth & Families, 2001..

Os itens apresentados no ABCL compõem 14 escalas individuais que correspondem a diferentes problemas de comportamento do sujeito: (1) Internalizante - ansiedade, depressão, ansiedade/depressão, isolamento, queixas somáticas, problemas somáticos, esquiva; (2) Externalizante - comportamento agressivo, quebra de regras, intrusivo; (3) Outros- comportamento antissocial, problemas de pensamento, atenção e hiperatividade.

Avaliação da qualidade de vida

O Questionário de Qualidade de Vida WHOQOL-1001919. WHOQOL Group. WHOQOL User Manual. Programme on mental health, 1998. Disponível em: http://www.who.int/.../who_qol_user_manual_98.pdf.
http://www.who.int/.../who_qol_user_manu...
lista uma série de questões referentes à visão do familiar ou do cuidador sobre a qualidade de vida e saúde do indivíduo, e para cada uma delas o respondente marca a frequência com que esses problemas ocorrem. Para isso, o WHOQOL-1001919. WHOQOL Group. WHOQOL User Manual. Programme on mental health, 1998. Disponível em: http://www.who.int/.../who_qol_user_manual_98.pdf.
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avalia 6 domínios, constituídos por 24 subitens, sendo: (1) Domínio 1 - físico, constituído pelos subitens "Dor e desconforto", "Energia e fadiga" e "Sono e repouso"; (2) Domínio 2 - psicológico, constituído pelos subitens "Sentimentos positivos", "Pensar, aprender, memória e concentração", "Autoestima", "Imagem corporal e aparência" e "Sentimentos negativos"; (3) Domínio 3 - nível de independência, constituído pelos subitens "Mobilidade", "Atividades da vida cotidiana", "Dependência de medicação ou de tratamentos" e "Capacidade de trabalho"; (4) Domínio 4 - relações sociais "Relações pessoais", "Suporte (apoio) social" e "Atividade sexual"; (5) Domínio 5 - ambiente, constituído pelos subitens "Segurança física e proteção", "Ambiente no lar", "Recursos financeiros", "Cuidados de saúde e sociais: disponibilidade e qualidade", "Oportunidade de adquirir novas informações e habilidades", "Participação em, e oportunidades de recreação/ lazer", "Ambiente físico: poluição/ ruído/ trânsito/ clima" e "Transporte"; e (6) Domínio 6 - aspectos espirituais/ religião/ crenças pessoais, constituído pelos subitens "Espiritualidade/ religião/ crenças pessoais".

A Figura 1 apresenta as etapas de seleção da amostra, segundo critérios de inclusão e exclusão, assim como os procedimentos de avaliação utilizados no presente estudo.

Figura 1:
Etapas de seleção da amostra e métodos de avaliação utilizados.

Análise dos dados

A análise de dados coletados pelo Inventário de Comportamento foi realizada por meio do Software Assessment Data Manager (ADM), que é o programa desenvolvido para análise deste procedimento2020. Achenbach TM, Rescorla LA, Maruish ME. The Achenbach System of Empirically Based Assessment (ASEBA) for ages 1.5 to 18 years. In: Maruish ME, editor. The Use of Psychological Testing for Treatment Planning and Outcomes Assessment. New Jersey: Taylor & Francis; 2004. P.179-213..

Além desta análise, os dados coletados pelos instrumentos foram submetidos à análise estatística descritiva e comparativa por meio do softwareStatistical Package for Social Sciences (SPSS), em sua versão 21.0.

Resultados

inventário comportamental do Adult Behavior checklist(ABCL)

Os resultados obtidos pelo Inventário comportamental ABCL foram analisados de acordo com o escore obtido em cada uma das oito Escalas Isoladas e, posteriormente, agrupadas em Escalas Internalizantes, Externalizantes e Total de Problemas.

As atitudes que compõem tais escalas são apresentadas na Tabela 1 de forma isolada, onde se apresenta, também, a comparação entre GA e GC em todas as escalas do ABCL.

Tabela 1:
Comparação dos resultados nas escalas comportamentais do ABCL nos grupos amostral e comparativo, segundo opinião de seus cuidadores.

Após análise dos comportamentos isolados, foi realizada a análise do conjunto de comportamentos para formar as escalas agrupadas. Na Figura 2 se demonstra o perfil de desempenho dos sujeitos do GA e GC em relação à Escala Internalizante. Na Figura 3 se observa o mesmo perfil em relação à Escala Externalizante e na Figura 4, em relação à Escala de Total de Problemas.

Figura 2:
Comparação dos resultados do ABCL, entre o grupo amostral e o grupo comparativo, segundo os fatores internalizantes.

Figura 3:
Comparação dos resultados do ABCL, entre o grupo amostral e o grupo comparativo, segundo os fatores externalizantes.

Figura 4:
Comparação dos resultados do ABCL, entre o grupo amostral e o grupo comparativo, segundo o total de problemas.

A Figura 5 apresenta a variação da média de pontuação considerando a idade como variável determinante. Observa-se que o intervalo de variação da pontuação do GC (47 à 63 pontos) apresenta gap menor quando comparada à do GA (56 à 93 pontos). Logo, o avanço da idade parece não ser determinante para questões relacionadas ao comportamento.

Figura 5:
Comparação entre a média de pontuação geral do grupo amostral e grupo comparativo para a variável idade no inventário comportamental ABCL.

Questionário WHOQOL

Nas respostas dos cuidadores ao questionário WHOQOL-100 pôde-se constatar que houve diferença na média de pontuação entre os grupos GA e GC em todos os domínios (Figura 6).

Figura 6:
Distribuição da média de pontuação do grupo amostral e grupo comparativo, segundo os domínios do questionário de qualidade de vida WHOQOL.

A Tabela 2 apresenta os dados da comparação entre GA e GC para todos os subitens de classificação que compõem o questionário de qualidade de vida, onde se verifica que apenas três subitens não apresentaram diferença estatisticamente significante na comparação entre os grupos.

Tabela 2:
Comparação dos subitens do questionário de qualidade de vida WHOQOL entre indivíduos com e sem doença de Huntington, segundo opinião de seus cuidadores.

Foi traçada a média de pontuação para a qualidade de vida em função da idade, e como resultado se observa que a variação da pontuação para o GA foi maior que para o GC. Neste aspecto o aumento da idade não foi determinante para o aumento da pontuação (Figura 7).

Figura 7:
Comparação entre a média de pontuação geral do grupo amostral e grupo comparativo para a variável idade no questionário WHOQOL.

Discussão

Com os dados obtidos por meio do Inventário Comportamental, pôde-se verificar que o GA quando comparado ao GC apresentou diferença estatisticamente relevante nos fatores internalizantes (Tabela 1; Figura 2) e no total de problemas (Tabela 1; Figura 4), sugerindo que o perfil comportamental com alterações envolve não só o indivíduo, mas também o meio em que ele está inserido, demonstrando, consequentemente, prejuízos em sua relação social1111. Di Maio L, Squitieri F, Napolitano G, Campanella G, Trofatter JA, Conneally PM. Suicide risk in Huntington's disease. J. medical. genet. 1993;30:293-5.)-(1414. Banaszkiewicz K, Sitek EJ, Rudzinska M, Soltan W, Slawek J, Szczudlik A. Huntington's disease from the patient, caregiver and physician's perspectives: three sides of the same coin? J. neural. transm. 2012;119(11):1361-5..

Dentre as características comportamentais investigadas, há grande ocorrência de isolamento social, esquiva, queixas somáticas, problemas somáticos e sentimentos depressivos, sendo que este último é um achado que pode ser observado também em outros estudos e apontado como responsável pelo alto índice de suicídios em indivíduos com a DH1515. Kingma EM, Van Duijn E, Timman R, Mast RC, Roos RA. Behavioural problems in Huntington's disease using the Problem Behaviours Assessment. Gen. hosp. psychiatr. 2008;30(2):155-61.),(2121. Rosenblatt A. Neuropsychiatry of Huntington's disease. Dialogues clin. neurosci. 2007;9(2):191-7.. A ansiedade também foi uma das alterações frequentemente mencionadas pelos cuidadores, sendo apontada pela literatura como principal causa de problemas na relação interpessoal de indivíduos com a DH e seus cuidadores99. Duijin E, Kingma EM, Mast RC. Psychopathology in Verified Huntington's Disease Gene Carriers. J. neuropsychiatry clin. neurosci. 2007;19:441-8.),(1515. Kingma EM, Van Duijn E, Timman R, Mast RC, Roos RA. Behavioural problems in Huntington's disease using the Problem Behaviours Assessment. Gen. hosp. psychiatr. 2008;30(2):155-61.),(2222. Paulsen JS, Ready RE, Hamilton JM, Mega M, Cummings J. Neuropsychiatric aspects of Huntington's disease. J. neurol., neurosurg. psychiatry. 2001;71:310-4.),(2323. Paulsen JS, Nehl C, Hoth KF, Kanz JE, Benjamin M, Conybeare R et al. Depression and stages of Huntington's disease. J. neuropsychiatry clin. neurosci. 2005;17(4):496-502..

Alterações comportamentais, como a agressividade (atitudes de oscilações de humor, irritabilidade e ataques verbais ou físicos a outras pessoas) foi mencionada por 50% dos cuidadores do presente estudo. Esses dados podem ser justificados, segundo a literatura, como um sintoma neuropsiquiátrico, sem relação com déficits cognitivos ou motores, e pode ter como preditor a ansiedade 1616. Craufurd D, Thompson JC, Snowden JS. Behavioral changes in Huntington Disease. Neuropsychiatry neuropsychol. behav. neurol. 2001;14(4):219-26.),(2323. Paulsen JS, Nehl C, Hoth KF, Kanz JE, Benjamin M, Conybeare R et al. Depression and stages of Huntington's disease. J. neuropsychiatry clin. neurosci. 2005;17(4):496-502.)-(2525. Nimmagadda SR, Agrawal N, Worrall-Davies A, Markova I, Rickards H. Determinants of irritability in Huntington's disease. Acta neuropsychiatr. 2011;23(6):309-14..

Em relação aos dados encontrados no questionário WHOQOL, destaca-se que não há pontos de corte para os escores, portanto, quanto maior a pontuação melhor a qualidade de vida dos sujeitos. De acordo com os resultados, constata-se que os sujeitos com DH, quando comparados aos saudáveis, apresentaram escores inferiores em todos os domínios e em âmbito global. Estes dados vão de encontro aos achados de estudos anteriores que identificaram, neste aspecto, influências negativas da doença desde o início de suas manifestações, segundo familiares/cuidadores1414. Banaszkiewicz K, Sitek EJ, Rudzinska M, Soltan W, Slawek J, Szczudlik A. Huntington's disease from the patient, caregiver and physician's perspectives: three sides of the same coin? J. neural. transm. 2012;119(11):1361-5.),(1717. Carlozzi NE, Tulsky DS. Identification of health-related quality of life (HRQOL) issues relevant to individuals with Huntington disease. J. health psychol. 2013;18(2):212-25.),(2626. Aubeeluck AV, Buchanan H, Stupple EJ. All the burden on all the carers': exploring quality of life with family caregivers of Huntington's disease patients. Qual. life res. 2012;21(8):1425-35..

Considerando os diferentes domínios da avaliação da qualidade de vida, destaca-se que o GA apresentou gap significante quando comparado ao GC, mostrando que o nível de dependência pode ser apontado como um dos fatores que impactam negativamente a qualidade de vida. Os achados deste estudo confirmam os achados da literatura, que registram a presença de alterações físicas e a incapacidade funcional do sujeito com a DH como fatores de dependência, segundo a progressão da doença, atingindo, também, sua qualidade de vida. Assim, são também responsáveis pela sobrecarga de trabalho físico e mental do familiar/cuidador 1414. Banaszkiewicz K, Sitek EJ, Rudzinska M, Soltan W, Slawek J, Szczudlik A. Huntington's disease from the patient, caregiver and physician's perspectives: three sides of the same coin? J. neural. transm. 2012;119(11):1361-5.),(2626. Aubeeluck AV, Buchanan H, Stupple EJ. All the burden on all the carers': exploring quality of life with family caregivers of Huntington's disease patients. Qual. life res. 2012;21(8):1425-35..

Diante dos dados expostos, pode-se sugerir que a DH acarreta significativas alterações comportamentais, na competência social e na qualidade de vida dos sujeitos independentemente da idade (Figuras 5 e 7), segundo informações dos cuidadores. Ressalta-se que os dados encontrados corroboram os descritos em estudo com sujeitos sintomáticos e em situação de risco de desenvolvimento da doença, quando se observou que a saúde emocional e a participação social são fatores importantes na qualidade de vida, citados antes mesmo da saúde física1717. Carlozzi NE, Tulsky DS. Identification of health-related quality of life (HRQOL) issues relevant to individuals with Huntington disease. J. health psychol. 2013;18(2):212-25..

Conclusão

Sujeitos com DH possuem um perfil comportamental, de competência social e de qualidade de vida diferenciado e com mais alterações, segundo seus cuidadores, em comparação com o grupo controle. A Doença de Huntington é limitante, progressiva e parece ser responsável pelo conjunto de alterações comportamentais, sociais e de qualidade de vida, segundo relato dos seus cuidadores. Estudos complementares e transversais poderiam responder a importantes questões sobre o impacto desta doença, em relação ao avanço dos sintomas, no perfil comportamental, na competência social e na qualidade de vida, segundo ponto de vista do próprio sujeito com a DH.

Agradecimento

À "Associação Brasil Huntington" pelo apoio na realização da presente pesquisa e a todos os participantes.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2014
  • Aceito
    13 Fev 2015
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