Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação da qualidade de vida em pacientes com disfagia neurogênica

RESUMO:

Objetivo:

avaliar a qualidade de vida de pacientes com Acidente Vascular Encefálico e disfagia neurogênica.

Métodos:

estudo quantitativo, do tipo transversal, descritivo, realizado no Setor de Neurologia de um Hospital de Ensino, em Curitiba- Paraná. A amostra foi constituída de 35 indivíduos com Acidente Vascular Encefálico e queixa

de disfagia. Os dados foram coletados por meio de questionário para avaliação da qualidade de vida em disfagia.

Resultados:

nas variáveis sociodemográficas houve predomínio de homens, idosos, brancos, casados e primeiro grau incompleto. A avaliação de qualidade de vida demonstrou que os domínios que apresentaram alterações foram os que investigam como a alteração da deglutição tem afetado o aspecto social dos participantes. A correlação de Mann-Whitney evidenciou significância estatística (p < 5) quando relacionou a deglutição como um fardo com o tempo de se alimentar (p 0,002), frequência dos sintomas (p <0,001), saúde mental (p <0,001) e fadiga (p <0,001).

Conclusão:

o levantamento estatístico comprovou o impacto causado pela disfagia neurogênica na qualidade de vida dos pacientes acometidos por Acidente Vascular Encefálico, representado pelas alterações encontradas nos resultados de avalição da qualidade de vida. Na correlação de Mann-Whitney, ao se realizar os cruzamentos entre os domínios do instrumento, os dados evidenciaram significância estatística quanto ao tempo de alimentação, medo de se alimentar, saúde mental, social e fadiga, que causam prejuízo na qualidade de vida dos pacientes com disfagia neurogênica.

DESCRITORES:
Qualidade de Vida; Transtornos da Deglutição; Acidente Vascular Cerebral

ABSTRACT:

Purpose:

to assess quality of life in patients with cerebrovascular accident and neurogenic dysphagia.

Methods:

a quantitative, descriptive, cross-sectional study carried out by the Division of Neurology of a Teaching Hospital in Curitiba- Paraná State, Brazil. The sample consisted of 35 individuals with cerebrovascular accident and dysphagia. Data were collected through a questionnaire to assess quality of life in dysphagia.

Results:

as for the socio-demographic variables, predominantly males, elderly, white, married and incomplete primary education. The evaluation of quality of life showed that the domains that presented changes were the ones investigating how swallowing changes have affected participants' social aspect. Mann-Whitney correlation evidenced statistical significance (p <5) when related swallowing as a burden to feeding time (p 0.002), frequency of symptoms (p <0.001), mental health (p<0.001) and fatigue (p <0.001).

Conclusion:

the statistical survey confirmed the impact of neurogenic dysphagia on quality of life of patients suffering from cerebrovascular accident, represented by the changes found in the instrument used for rating the quality of life. In Mann-Whitney correlation, when performing intersections between the domains of the instrument, data showed statistical significance on feeding time, fear of eating, mental, social health and fatigue, which adversely affect the quality of life of patients with neurogenic dysphagia.

KEYWORDS:
Quality of Life; Swallowing Disorders; Cerebrovascular Accident

Introdução

A qualidade de vida é definida como "a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto de cultura e sistema de valores nos quais ele vive e com relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações"11. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal. Divisão de Saúde Mental. Grupo WHOQOL. Versão em português dos instrumentos de avaliação de qualidade de vida (WHOQOL) 1998 [texto na Internet]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. [Acesso em 2014 out 28] Disponível em: http://www.ufrgs.br/psiq/whoqol1.html.
http://www.ufrgs.br/psiq/whoqol1.html...
.

A definição de disfagia é vista como uma condição que resulta da interrupção no prazer de se alimentar ou em manter uma hidratação e nutrição adequada, que também implica na mudança de hábitos e consequente declínio da qualidade de vida22. Kang SH, Kim, DK, Seo KM, Seo JH. Usefulness of videofluoroscopic swallow study with mixed consistency food for patients with stroke or other brain injuries. J. Korean Med. Sci. 2011;26(3):425-30..

A restrição de deglutição vivenciada por indivíduos com disfagia é devido a diversas alterações nas estruturas responsáveis pelo processo de alimentação seja por alterações neurológicas ou cirúrgicas. A disfagia pode trazer limitações funcionais e complicações importantes, como aspiração traqueal do alimento nas vias aéreas inferiores, pneumonia e desnutrição, interferindo na qualidade de vida em vários aspectos: emocionais físicos e sociais33. Cabre M, Serra-Prat M, Palomera E, Almirall J, Pallares R, Clavé P. Prevalence and prognostic implications of dysphagia in elderly patients with pneumonia. Age Ageing. 2010;39:39-45.),(44. Santoro PP, Furia CLB, Forte AP, Lemos EM, Garcia RI, Tavares RA et al. Otolaryngology and speech therapy evaluation in the assessment of oropharyngeal dysphagia: a combined protocol proposal. Braz J Orothinolaryngol. 2011;77(2): 201-13..

A disfagia quando sobrevém em consequência de um Acidente Vascular Encefálico, considera-se que existe uma morbidade relacionada com o tipo de lesão e a idade do paciente. Os sintomas ou sinais mais frequentes nos casos de disfagia são a tosse, pigarro, regurgitação nasal, emagrecimento, resíduos na cavidade oral e voz molhada55. Itaquy RB, Favero SR, Ribeiro MC, Barea LM, Almeida ST, Mancopes R. Disfagia e acidente vascular cerebral: relação entre o grau de severidade e o nível de comprometimento neurológico. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2011; 23(4):385-9..

Revisão Integrativa realizada com o objetivo de identificar o perfil das publicações sobre disfagia em pacientes após um acidente vascular cerebral, concluiu que o impacto da disfagia após AVC acarreta não somente problemas biológicos, mas também psicológicos e sociais. Conviver com disfagia em longo prazo impõe alterações tanto na linguagem corporal como na alteração do estilo de vida, onde a impossibilidade de alimentação segura leva a sofrimentos e impacto negativo na recuperação do paciente66. Paixão CT, Silva LD, Camerini FG. Perfil da disfagia após um acidente vascular cerebral: uma revisão integrativa. Rev Rene. Fortaleza. 2010; 11(1): 181-90..

A avaliação da qualidade de vida especificamente pautada à deglutição, permite esclarecer a percepção do paciente sobre a disfagia antes, durante e após seu tratamento. É fundamental para conhecer o verdadeiro impacto das alterações vivenciadas no momento da alimentação e, desta forma, direcionar o manejo dos pacientes e o empenho da equipe multidisciplinar para os aspectos que contribuem para uma melhor reabilitação das disfagias77. Bandeira AKC. Qualidade de vida relacionada à voz e à deglutição após tratamento para câncer de língua. [Dissertação]. São Paulo (SP): Fundação Antônio Prudente; 2004.),(88. Ebihara S, Kohzuki M, Sumi Y, Ebihara T. Sensory stimulation to improve swallowing reflex and prevent aspiration pneumonia in elderly dysphagic people. J. Pharmacol. Sci. 2011;115:99-104..

Para a avaliação da qualidade de vida dos pacientes com disfagia, foi criado um instrumento específico, o qual aborda questões sobre a qualidade de vida relacionada à deglutição, o Quality of Life in Swallowing Disorders - SWAL-QOL(99. Hudak C, Gallo B. Cuidados intensivos de enfermagem: uma abordagem holística. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1997.).Esta ferramenta mostra-se sensível para diferenciar a deglutição de indivíduos normais de pacientes disfágicos por diferentes etiologias e para distinguir o grau das alterações da deglutição. Este estudo teve como objetivo avaliar a qualidade de vida de pacientes com AVE e disfagia neurogênica.

Métodos

Estudo quantitativo, do tipo transversal, descritivo, realizado no período de 08 de janeiro de 2013 a 28 de junho de 2013 no Setor de Neurologia do Hospital de Clínicas, da Universidade Federal do Paraná, na cidade de Curitiba. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do referido hospital, sob parecer nº 08169412.9.0000.0096.

Os participantes da pesquisa apresentaram mediana de idade de 65 anos.

Hipótese

A hipótese deste estudo foi que: o tempo da alimentação, a frequência dos sintomas, a comunicação, o medo de se alimentar, a saúde mental, social e a fadiga impactam na qualidade de vida dos pacientes com AVE e disfagia neurogênica.

Amostra

A amostra desta pesquisa foi constituída de 35 indivíduos com Acidente Vascular Encefálico (AVE), confirmados por meio de diagnóstico médico e queixa de disfagia ao exame clínico.

Os pacientes que fizeram parte do estudo encontravam-se no ambulatório de Neurologia do hospital para a realização do exame funcional da alimentação, a nasofibrolaringoscopia pelo médico otorrinolaringologista e fonoaudióloga, necessário para a confirmação da disfagia.

Para determinar os critérios de inclusão foram levados em conta que a idade mínima de 18 anos, condição para assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE, sem a presença de responsável; e as características desse ambulatório, onde os pacientes já possuíam diagnóstico de AVE e queixa prévia de disfagia ao exame clínico, bem como ser responsivos para poder responder ao instrumento, mesmo que necessitasse de ajuda para o preenchimento do mesmo como previsto em um dos itens do instrumento Qualidade de Vida em Disfagia99. Hudak C, Gallo B. Cuidados intensivos de enfermagem: uma abordagem holística. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1997..

Sendo assim os critérios de inclusão foram: pacientes de ambos os sexos; idade acima de 18 anos; acometidos por doença neurológica, com queixa de disfagia e responsivos para responder o instrumento.

Em relação à determinação dos critérios de exclusão foram excluídos os pacientes submetidos à cirurgia de cabeça e pescoço ou que possuíssem diagnóstico prévio de anomalias estruturais de orofaringolaringe (traqueomalácia, laringomalácia, estenose de traqueia ou laringe, dentre outros) para que não ocorresse viés na pesquisa; nível de consciência na Escala adaptada de coma de Glasgow menor que 1088. Ebihara S, Kohzuki M, Sumi Y, Ebihara T. Sensory stimulation to improve swallowing reflex and prevent aspiration pneumonia in elderly dysphagic people. J. Pharmacol. Sci. 2011;115:99-104.),(1010. Settervall CHC, Sousa RMC de. Escala de coma de Glasgow e qualidade de vida pós-trauma cranioencefálico. Acta Paul. Enferm. 2012;25(3):364-70. e pacientes instáveis clinicamente (oscilação dos parâmetros de saturação de oxigênio, frequência respiratória, batimento cardíaco, temperatura corporal e pressão arterial) pela necessidade de estarem responsivos para responder ao instrumento e não expor os pacientes a risco, pois, a aplicação de cada questionário de Qualidade de Vida em Disfagia99. Hudak C, Gallo B. Cuidados intensivos de enfermagem: uma abordagem holística. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1997.),(1111. Portas JG. Validação para a língua português-brasileira dos questionários qualidade de vida em disfagia (SWAL-QOL) e satisfação do paciente e qualidade do cuidado no tratamento da disfagia (AWAL-CARE). [Dissertação]. São Paulo (SP): Fundação Antônio Prudente; 2009. despendia em torno de 20 minutos.

Para responder o questionário a maioria dos participantes (n=31) precisou de ajuda de terceiros. Em 29 casos para a leitura e/ou registro das respostas, quatro foram auxiliados por outra pessoa familiar e/ou cuidador, para responder o questionário junto com o paciente, dois cuidadores responderam o questionário pelos participantes, domínio previsto no instrumento99. Hudak C, Gallo B. Cuidados intensivos de enfermagem: uma abordagem holística. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1997.),(1111. Portas JG. Validação para a língua português-brasileira dos questionários qualidade de vida em disfagia (SWAL-QOL) e satisfação do paciente e qualidade do cuidado no tratamento da disfagia (AWAL-CARE). [Dissertação]. São Paulo (SP): Fundação Antônio Prudente; 2009..

Procedimentos

Para a coleta de dados realizada de novembro de 2012 até julho de 2013, utilizou-se o questionário para avaliação da qualidade de vida em disfagia -SWAL QOL, validado por PORTAS (2009)1111. Portas JG. Validação para a língua português-brasileira dos questionários qualidade de vida em disfagia (SWAL-QOL) e satisfação do paciente e qualidade do cuidado no tratamento da disfagia (AWAL-CARE). [Dissertação]. São Paulo (SP): Fundação Antônio Prudente; 2009.. Ele é constituído por 44 questões que avaliam onze domínios (Tabela 1). A pontuação varia de 0 a 100, quanto mais baixa a pontuação, pior a qualidade de vida relacionada à deglutição. Os valores de cada resposta dentro de cada domínio são somados e o resultado é dividido pelo número de questões do domínio analisado. A resultante é o valor da pontuação em cada domínio99. Hudak C, Gallo B. Cuidados intensivos de enfermagem: uma abordagem holística. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1997..

Os dados concernentes à presença da sonda nasogástrica, consistência, textura dos alimentos e líquidos ingeridos são perguntas que fazem parte do instrumento de avaliação da Qualidade de Vida em Disfagia99. Hudak C, Gallo B. Cuidados intensivos de enfermagem: uma abordagem holística. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1997.),(1111. Portas JG. Validação para a língua português-brasileira dos questionários qualidade de vida em disfagia (SWAL-QOL) e satisfação do paciente e qualidade do cuidado no tratamento da disfagia (AWAL-CARE). [Dissertação]. São Paulo (SP): Fundação Antônio Prudente; 2009..

Análise estatística

Os resultados de variáveis quantitativas foram expressos por médias, medianas e desvio padrão. Variáveis qualitativas foram descritas por frequências e percentuais. A associação entre duas variáveis qualitativas foi analisada usando-se o teste exato de Fisher. Sendo o valor de pconsiderado significante quando apresentou valor menor que 0,005 (5%). Os dados foram analisados com a utilização do programa computacional Statistica v.8.0. Os testes utilizados foram de Mann-Whitney ao nível de significância de 0,05.

Resultados

O levantamento evidenciou que a média de idade dos pacientes era de 63,1 anos com desvio padrão de 13,7 anos, sendo 22 (62,9%) do sexo masculino e 13 (37,1%) do sexo feminino. A raça predominante foi branca (n=28), seguida da negra (n=5), amarela e ignorada com apenas um indivíduo.

Quanto ao grau de escolaridade 22 sujeitos (62,9%) possuíam 1º grau incompleto; oito (22,9%) 1º grau completo; dois (5,7%) segundo grau completo, dois (5,7%) eram analfabetos e um (2,9%) 2º grau incompleto. Em relação ao estado civil 27 (77,1%) eram casados, três (8,6%) solteiros, três (8,6%) viúvos, um (2,9%) divorciado e um (2,9%) separado.

A investigação quanto ao diagnóstico mostrou predominância de Acidente Vascular Encefálico Isquêmico em 21 pacientes (71,14%), quatro foram Acidente Vascular Cerebelar (13,8%) e outros quatro Acidentes Vascular Encefálico Hemorrágico (13,8%).

A utilização da sonda para alimentação estava presente em nove pacientes. Em 19 sujeitos a dieta era normal, englobando alimentos difíceis de mastigar como carne, cenoura, pão, salada e pipoca, sete recebiam alimentos mais macios como legumes cozidos e sopas; quatro alimentavam-se exclusivamente pela sonda, três recebiam a dieta via sonda e algumas vezes comiam pudim, sorvete, purê de maçã e outras comidas prazerosas e, dois recebiam os alimentos liquidificados ou processados.

Concernente à consistência dos líquidos 24, recebiam líquidos como leite, chá, suco e café, sendo que sete não ingeriam nenhum líquido via oral; três ingeriam líquidos mais espessos como suco de tomate ou iogurte e havia um único paciente onde o líquido apresentava-se moderadamente espesso como vitamina grossa.

Apesar de todos os entrevistados terem sido acometidos por lesão encefálica, ao serem questionados em relação à sua saúde, 15 a consideraram boa, 14 ruim, quatro satisfatória e para dois, como muito boa.

A Tabela 1 mostra a avaliação da qualidade de vida em deglutição, abrangendo 11 domínios.

Tabela 1:
Avaliação da qualidade de vida em disfagia (SWAL-QOL)

Na Tabela 2, são apresentados os coeficientes de correlação de Mann-Whitney estimados e os valores de p dos testes estatísticos.

Os dados referentes ao impacto da deglutição relacionado ao tempo de alimentação, a frequência dos sintomas, a comunicação, o medo de se alimentar, a saúde mental, o social e a fadiga apresentaram significância estatística, evidenciando o impacto da disfagia na qualidade de vida dos participantes da pesquisa (Tabela 2).

Tabela 2:
Avaliação da associação entre os domínios do SWAL-QOL

Discussão

Nas variáveis sociodemográficas e clínicas o predomínio foi de homens, idosos, brancos, primeiro grau incompleto e casado. Dados similares com os achados de pesquisa que avaliou as incapacidades e diferenças de gênero de 92 pacientes com AVE. Os autores levantaram o predomínio no sexo masculino (52%), casado e com escolaridade predominante de analfabetos (39,1%) e com até três anos de estudo (20%)1212. Falcão IV, Carvalho EMF de, Barreto KML, Lessa FJD, Leite VMM. Acidente vascular precoce: implicações para adultos em idade produtiva atendidos pelo Sistema Único de Saúde. Rev. Bras. Saúde Matern. Infant. 2004;4(1):95-102..

O diagnóstico mostrou predominância de Acidente Vascular Encefálico Isquêmico em 21 pacientes (71,14%), quatro Acidente Vascular Cerebelar (13,8%) e outros quatro Acidente Vascular Encefálico Hemorrágico (13,8%). Dados que se assemelham aos encontrados em pesquisa que rastreou 4.154 idosos participantes do Programa da Saúde da Família no município de Vassouras, identificando 122 casos de AVE com predomínio de 60% em indivíduos brancos, casados (46%), sendo 62,2% dos casos eram do tipo isquêmico, 9,8% hemorrágico e 28% do tipo não especificado1313. Pereira ABCN da G, Alvarenga Junior HP, Silva R, Barbosa MTS. Prevalência de Acidente Vascular Cerebral em Idosos no Município de Vassouras, Rio de Janeiro, Brasil, através do Rastreamento de Dados do Programa Saúde da Família. Cad. Saúde Pública. 2009;25(9):1929-36..

Diante dos resultados do presente estudo e dos achados na literatura aqui citados, pode-se inferir que a disfagia neurogênica é mais presente nas pessoas do sexo masculino, idosas e que foram acometidas previamente de Acidente Vascular Encefálico.

Os resultados encontrados na Tabela 1evidenciam os efeitos do Acidente Vascular Encefálico no desenvolvimento da disfagia neurogênica principalmente nos domínios: 2 (investiga no dia a dia as queixas que pessoas com disfagia podem referir), no 4 (avalia como a alteração na deglutição tem afetado sua vida) e 8 (averigua como a alteração da deglutição tem afetado o aspecto social. Autores apontam a alta prevalência das disfagias associadas às doenças neurológicas em 5% a 75,5% dos pacientes com AVE durante a internação1414. Moraes MAS, Coelho WJP, Castro G, Nemr K. Incidência de disfagia em unidade de terapia intensiva de adultos. Rev CEFAC. 2006;8(2):171-7.)-(1616. Mann G, Hankey GJ, Cameron D. Swallowing disorders following acute stroke: prevalence and diagnostic accuracy. Cerebrovasc Dis. 2000;10(5):380-6..

A literatura aponta que existem várias medidas clínicas e cuidados gerais que podem prevenir complicações e influir no prognóstico dos pacientes com AVE. Diante disso, todo paciente com AVE precisa ser avaliado pelo médico quanto à possibilidade de disfagia (nas primeiras 24h de admissão) para evitar aspiração. A realização da videoendoscopia da deglutição em pacientes com disfagia orofaríngea neurogênica, constitui uma tecnologia que permite uma avaliação morfofuncional da fase faríngea da deglutição, onde se observa a inter-relação existente entre as fases da deglutição1717. Bours GJJW, Speyer R, Lemmens J, Limburg M, Wit R. Bedside screening tests vs. videofluoroscopy or fiberoptic endoscopic evaluation of swallowing to detect dysphagia in patients with neurological disorders: systematic review. J. Adv. Nurs. 2009;65(3):477-93.),(1818. Abe H, Tsubahara A. Observation of arytenoid movement during laryngeal elevation using videoendoscopic evaluation of swallowing. Dysphagia. 2011;26(2):150-4..

Por outro lado, pesquisa realizada com 104 idosos saudáveis, sem histórico de doenças degenerativas ou neurológicas que poderiam influenciar na deglutição, por meio do instrumento (SWAL-QOL) concluiu que idosos saudáveis não apresentam alterações significantes quanto à qualidade de vida em deglutição mesmo com o avanço da idade, o que evidencia o impacto causado pelo AVE na qualidade de vida relacionado à disfagia1919. Cassol K, Galli JFM, Zamberlan NE, Dassie-Leite AP. Qualidade de Vida em Deglutição em Idosos Saudáveis. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(3):223-32..

Durante a avaliação verificou-se a presença de sonda nasogástrica em nove pacientes. A presença da disfagia constitui uma das principais causas do uso de via alternativa de alimentação. Esses dados são comprovados no artigo que avaliou 229 pacientes com uso de via alternativa da deglutição observou a associação entre pneumonia aspirativa e disfagia em 35,08% e 10,04% dos casos (p=0,0098)2020. Nogueira SCJ, Carvalho APC, Melo CB, Morais EPG, Chiari BM, Gonçalves MIR. Perfil de pacientes em uso de via alternativa de alimentação internados em um hospital geral. Rev CEFAC. [online] 2012 [Acesso em 2014 abr 30]; 15(1): 94-104. doi: 10.1590/S1516-18462012005000079.
https://doi.org/10.1590/S1516-1846201200...
. Autores afirmam que caso haja dificuldade para deglutição, o serviço de fonoaudiologia precisa ser acionado e a utilização de uma sonda nasoenteral necessita ser considerada2121. Hospital Israelita Sírio Libanês. Centro de reabilitação, 2011. Disponível em: http://hospitalsiriolibanes.org.br/hospital/especialidade/centroreabilitaçao/documents/rebnov11.pdf. Acesso em: 20 mar. 2014.
http://hospitalsiriolibanes.org.br/hospi...
. Entende-se que a determinação correta da via alternativa de alimentação, é fundamental para evitar problemas como a aspiração de alimentos, transtorno que acarreta prejuízo direto na qualidade de vida do paciente.

Na correlação de Mann-Whitney, (tabela 2) que mede a intensidade da relação entre variáveis ordinais, os valores com significância estatística levando-se em conta os valores de p, verificou-se que as principais alterações encontradas foram relacionadas à deglutição como um fardo quando associada ao tempo de alimentação, a frequência dos sintomas, a comunicação, o medo de se alimentar, a saúde mental, o social e a fadiga. Esses resultados demonstram a importância da avaliação precoce da qualidade de vida dos pacientes acometidos de AVE, para tentar minimizar os agravos advindos da disfagia neurogênica, na saúde física e mental das pessoas.

A literatura clarifica que as alterações dinâmicas na deglutição determinam respostas psicossociais como ansiedade, medo, insegurança e redução da autoestima, esta decorrente da modificação social relacionada às atividades de comer e beber2222. Cook IJ. Oropharyngeal dysphagia. Gastroenterol Clin North Am. 2009;38(3):411-31.. Os pacientes com disfagia e consequente alteração na deglutição e qualidade de vida, segundo autores, ainda constituem um desafio, pois dependem do gerenciamento adequado dos cuidados e de uma atuação interdisciplinar2323. Teramoto S. Novel preventive and therapeutic atrategy for pos-stroke pneumonia. Expert Rev. Neurother. 2009;9(8):1187-92.),(2424. Albini RMN, Soares VMN, Wolf AEE, Gonçalves GCO. Conhecimento da Enfermagem sobre cuidados a pacientes disfágicos internados em unidade de terapia intensiva. Rev CEFAC. 2013;41(1):18-23..

Um dos critérios de inclusão na pesquisa foi o participante estar responsivo, para responder o questionário de avaliação da qualidade de vida em disfagia, mesmo que necessitasse de ajuda, como prevê um dos domínios do instrumento. No entanto, pode-se inferir que a necessidade de ajuda dos participantes do estudo para responder as questões relativas à qualidade de vida, pode ser considerada como uma limitação do estudo, pois, 88,57% da amostra necessitou de auxílio, o que pode alterar as respostas.

A avaliação da qualidade de vida das pessoas com disfagia neurogênica mostra-se relevante para o planejamento de ações que diminuam o impacto causado pela doença e promovam o bem-estar geral das pessoas. Também, deve-se atentar para a possível influência do tamanho da amostra. Dessa forma, sugere-se a realização de outros estudos com um número ampliado de participantes, para confirmar ou discordar dos resultados encontrados no presente estudo.

Conclusão

Após a análise estatística percebe-se o impacto causado pela disfagia neurogênica na qualidade de vida, representada pelas alterações encontradas no instrumento Swal-Qol que avalia qualidade de vida em disfagia no desejo de se alimentar, frequência dos sintomas e saúde mental. Dados esses, que também são evidenciados na correlação de Mann-Whitney que ao realizar os cruzamentos entre os domínios do instrumento demonstrou alterações significantes quanto ao tempo de alimentação, medo de se alimentar, saúde mental, social e fadiga e que confirmam a hipótese formulada neste estudo.

Referências

  • 1
    Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal. Divisão de Saúde Mental. Grupo WHOQOL. Versão em português dos instrumentos de avaliação de qualidade de vida (WHOQOL) 1998 [texto na Internet]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. [Acesso em 2014 out 28] Disponível em: http://www.ufrgs.br/psiq/whoqol1.html.
    » http://www.ufrgs.br/psiq/whoqol1.html
  • 2
    Kang SH, Kim, DK, Seo KM, Seo JH. Usefulness of videofluoroscopic swallow study with mixed consistency food for patients with stroke or other brain injuries. J. Korean Med. Sci. 2011;26(3):425-30.
  • 3
    Cabre M, Serra-Prat M, Palomera E, Almirall J, Pallares R, Clavé P. Prevalence and prognostic implications of dysphagia in elderly patients with pneumonia. Age Ageing. 2010;39:39-45.
  • 4
    Santoro PP, Furia CLB, Forte AP, Lemos EM, Garcia RI, Tavares RA et al. Otolaryngology and speech therapy evaluation in the assessment of oropharyngeal dysphagia: a combined protocol proposal. Braz J Orothinolaryngol. 2011;77(2): 201-13.
  • 5
    Itaquy RB, Favero SR, Ribeiro MC, Barea LM, Almeida ST, Mancopes R. Disfagia e acidente vascular cerebral: relação entre o grau de severidade e o nível de comprometimento neurológico. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2011; 23(4):385-9.
  • 6
    Paixão CT, Silva LD, Camerini FG. Perfil da disfagia após um acidente vascular cerebral: uma revisão integrativa. Rev Rene. Fortaleza. 2010; 11(1): 181-90.
  • 7
    Bandeira AKC. Qualidade de vida relacionada à voz e à deglutição após tratamento para câncer de língua. [Dissertação]. São Paulo (SP): Fundação Antônio Prudente; 2004.
  • 8
    Ebihara S, Kohzuki M, Sumi Y, Ebihara T. Sensory stimulation to improve swallowing reflex and prevent aspiration pneumonia in elderly dysphagic people. J. Pharmacol. Sci. 2011;115:99-104.
  • 9
    Hudak C, Gallo B. Cuidados intensivos de enfermagem: uma abordagem holística. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1997.
  • 10
    Settervall CHC, Sousa RMC de. Escala de coma de Glasgow e qualidade de vida pós-trauma cranioencefálico. Acta Paul. Enferm. 2012;25(3):364-70.
  • 11
    Portas JG. Validação para a língua português-brasileira dos questionários qualidade de vida em disfagia (SWAL-QOL) e satisfação do paciente e qualidade do cuidado no tratamento da disfagia (AWAL-CARE). [Dissertação]. São Paulo (SP): Fundação Antônio Prudente; 2009.
  • 12
    Falcão IV, Carvalho EMF de, Barreto KML, Lessa FJD, Leite VMM. Acidente vascular precoce: implicações para adultos em idade produtiva atendidos pelo Sistema Único de Saúde. Rev. Bras. Saúde Matern. Infant. 2004;4(1):95-102.
  • 13
    Pereira ABCN da G, Alvarenga Junior HP, Silva R, Barbosa MTS. Prevalência de Acidente Vascular Cerebral em Idosos no Município de Vassouras, Rio de Janeiro, Brasil, através do Rastreamento de Dados do Programa Saúde da Família. Cad. Saúde Pública. 2009;25(9):1929-36.
  • 14
    Moraes MAS, Coelho WJP, Castro G, Nemr K. Incidência de disfagia em unidade de terapia intensiva de adultos. Rev CEFAC. 2006;8(2):171-7.
  • 15
    Schelp AO, Cola PC, Gatto AR, Silva RG, Carvalho LR. Incidência de disfagia orofaríngea após acidente vascular encefálico em hospital público de referência. Arq. Neuropsiquiatr. 2004;62(2-B):503-6.
  • 16
    Mann G, Hankey GJ, Cameron D. Swallowing disorders following acute stroke: prevalence and diagnostic accuracy. Cerebrovasc Dis. 2000;10(5):380-6.
  • 17
    Bours GJJW, Speyer R, Lemmens J, Limburg M, Wit R. Bedside screening tests vs. videofluoroscopy or fiberoptic endoscopic evaluation of swallowing to detect dysphagia in patients with neurological disorders: systematic review. J. Adv. Nurs. 2009;65(3):477-93.
  • 18
    Abe H, Tsubahara A. Observation of arytenoid movement during laryngeal elevation using videoendoscopic evaluation of swallowing. Dysphagia. 2011;26(2):150-4.
  • 19
    Cassol K, Galli JFM, Zamberlan NE, Dassie-Leite AP. Qualidade de Vida em Deglutição em Idosos Saudáveis. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(3):223-32.
  • 20
    Nogueira SCJ, Carvalho APC, Melo CB, Morais EPG, Chiari BM, Gonçalves MIR. Perfil de pacientes em uso de via alternativa de alimentação internados em um hospital geral. Rev CEFAC. [online] 2012 [Acesso em 2014 abr 30]; 15(1): 94-104. doi: 10.1590/S1516-18462012005000079.
    » https://doi.org/10.1590/S1516-18462012005000079
  • 21
    Hospital Israelita Sírio Libanês. Centro de reabilitação, 2011. Disponível em: http://hospitalsiriolibanes.org.br/hospital/especialidade/centroreabilitaçao/documents/rebnov11.pdf. Acesso em: 20 mar. 2014.
    » http://hospitalsiriolibanes.org.br/hospital/especialidade/centroreabilitaçao/documents/rebnov11.pdf
  • 22
    Cook IJ. Oropharyngeal dysphagia. Gastroenterol Clin North Am. 2009;38(3):411-31.
  • 23
    Teramoto S. Novel preventive and therapeutic atrategy for pos-stroke pneumonia. Expert Rev. Neurother. 2009;9(8):1187-92.
  • 24
    Albini RMN, Soares VMN, Wolf AEE, Gonçalves GCO. Conhecimento da Enfermagem sobre cuidados a pacientes disfágicos internados em unidade de terapia intensiva. Rev CEFAC. 2013;41(1):18-23.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2014
  • Aceito
    29 Jun 2015
ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistacefac@cefac.br