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Potenciais evocados auditivos de tronco encefálico em fumantes

RESUMO

Objetivo:

comparar os resultados dos exames de potenciais evocados auditivos de tronco encefálico em indivíduos não tabagistas e tabagistas.

Métodos:

foram estudados 40 indivíduos, sendo 20 não tabagistas e 20 tabagistas, com idades entre 20 e 59 anos. Todos os participantes incluídos na pesquisa deveriam apresentar respostas de limiares tonais dentro dos padrões da normalidade e timpanometria tipo A com presença de reflexos acústicos contralaterais e ipsilaterais. Em ambos os grupos foram realizados os potenciais evocados auditivos de tronco encefálico (PEATE), por meio de cliques. Os parâmetros que foram utilizados na comparação dos dois grupos foram as latências absolutas das ondas I, III e V; as interlatências das ondas I-III, I-V e III-V em ambas as orelhas; a diferença da latência interpico I-V entre as duas orelhas e a diferença interaural da latência absoluta da onda V entre as duas orelhas.

Resultados:

os resultados encontrados mostraram que o grupo de tabagistas apresentou latência I da Orelha Direita (p=0,036), latência V da Orelha Direita (p=0,007), latência V da Orelha Esquerda (p=0,014), interlatência III-V da Orelha Direita (p=0,015) e Orelha Esquerda (p=0,016) significantemente maior que o grupo de não tabagistas. Não houve diferença significante na latência da onda V entre as duas orelhas.

Conclusão:

os resultados da pesquisa levaram à conclusão de que o tabaco é um fator de risco para o sistema nervoso auditivo central, que pode interferir nas latências e interlatências das ondas do PEATE no grupo de tabagistas quando comparado com o grupo de não tabagistas.

Descritores:
Tabagismo; Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico; Audição

ABSTRACT

Purpose:

to perform a comparative study of brainstem evoked auditory potentials between smokers and non-smokers.

Methods:

the group studied was composed of 40 individuals, being 20 non-smokers and 20 smokers within the range of 20 to 59 years of age. All participants had to present responses to tonal thresholds within normal range and tympanometry type A, with the presence of ipsilateral and contralateral acoustic reflexes. Both groups underwent brain stem auditory evoked potential (BAEP). The parameters used to compare the two groups were the absolute latencies of waves I, III and V, the inter-latency waves I-III, IV and III-V in both ears, the difference between the IV inter-peak latency between the two ears and the inter-aural difference of wave V absolute latency between the two ears.

Results:

in our results, it was ascertained that the group of smokers showed latency I in the RE (p= 0.036), latency V in the RE (p= 0.007), latency V in the LE (p=0.014), inter-latency III-V in the RE (p=0.015) and LE (p= 0.016) significantly higher than the non-smokers. There was no significant difference in wave V latency between the two ears.

Conclusion:

the results of the study led to the conclusion that tobacco is a risk factor for the central auditory nervous system, interfering with latencies and with BAEP inter-wave latencies in the group of smokers when compared to the group of non-smokers.

Keywords:
Smoking; Evoked Potentials, Auditory, Brain Stem; Hearing

Introdução

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS,2003) (11. Ministério da Saúde (Brasil), Instituto Nacional de Câncer. Programa Nacional de controle do tabagismo e outros fatores de risco de câncer: modelo lógico e avaliação. Brasília: Ministério da Saúde, 2003.),(22. Ministério da Saúde (Brasil), Instituto Nacional de Câncer. Relatório da OMS sobre a epidemia global de tabagismo. Brasília: Ministério da Saúde, 2008., o cigarro, de maneira geral, afeta a saúde do indivíduo e é responsável pelo câncer de pulmão, de laringe, do colo uterino (mulheres fumantes), do pâncreas, da bexiga, do esôfago, do estômago, dos rins, doenças cardiovasculares, doenças respiratórias, entre outros. São doenças altamente fatais, e a quantidade de cigarros fumados por dia é proporcional ao risco de contraí-las.

Para a audição, o cigarro também pode ser prejudicial pelo efeito do mecanismo antioxidante ou pela supressão vascular do sistema auditivo, pois poderá provocar perdas auditivas de natureza condutiva, mista, sensorioneurais e/ou centrais. O exame dos potenciais evocados auditivos de tronco encefálico (PEATE) permite verificar a atividade eletrofisiológica do sistema auditivo em nível do tronco encefálico, mapear as sinapses das vias auditivas desde o nervo coclear, núcleos cocleares, complexo olivar superior (ponte) até o colículo inferior (mesencéfalo)33. Angrisani RMG, Matas CG, Furtado JRB. Análise dos potenciais evocados auditivos em fumantes. Acta ORL. 2008;26(3):146-50..

A análise mais comumente realizada e utilizada para o PEATE são os valores de latência das ondas I, III e V e de seus interpicos I-III, III-V e I-V, visto que estas três ondas apresentam maior amplitude e estabilidade. A latência absoluta da onda V, a diferença interaural da latência da onda V e os interpicos I-III, I-V, e III-V são bons parâmetros para fins diagnósticos 44. Lima MAMT. Potencial evocado auditivo: eletrococleografia e audiometria de tronco encefálico. In: Frota S. Fundamentos em fonoaudiologia: audiologia. 2.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003. p.157-72.. Uma das qualidades do PEATE é a sua capacidade de avaliar a integridade neurofisiológica das vias auditivas do tronco cerebral. Pode-se comparar a velocidade de progresso do estímulo (latências) em ambas as orelhas 55. Musiek FE, Borestein SP, Hall III JW, Schwaber MK. Audiometria de tronco encefálico (ABR): neurodiagnóstico e aplicações intra-operatórias. In: Katz J (org). Tratado de Audiologia Clínica. 4.ed. São Paulo: Manole; 1999. p.349-71..

A ligação entre fumo e a perda auditiva tem sido sugerida há mais de cem anos66. Domino EF. Effects of tobacco smoking on electroencephalographic auditory evoked and event related potentials. Brain and Cognition. 2003;53:66-74., e pesquisas recentes realizadas por pesquisadores belgas oferecem provas convincentes sobre o assunto. Os investigadores escrevem: "Fumar aumentou significantemente a perda da audição de alta frequência, e o efeito foi dose dependente". Segundo Erik Fransen, da Universidade da Antuérpia (Bélgica), um dos investigadores da ligação diz que "ouvir começa a ficar pior depois de ter fumado regularmente por mais de um ano. Uma vez que o dano está feito, ele não se repara" 77. Fransen E, Topsakal V, Hendrickx JJ, Van Laer L, Huyghe JR, Van Eyken E et al. Occupational noise, smoking, and a high body mass index are risk factors for age-related hearing impairment and moderate alcohol consumption is protective: a European population-based multicenter study. J Assoc Res Otolaryngol. 2008;9(3):264-76.),(88. Jess D. Lifestyle Choises can affect hearing. Disponível em www.advanceweb.com 2008. Acesso em; 24mai 2010.
http://www.advanceweb.com...
.

Em revisões de artigos nacionais e internacionais, pode-se encontrar em alguns estudos a indicação de que fumar pode ser um fator de risco para perdas auditivas. Entretanto, outros não encontraram correlação entre perda auditiva e fumo 66. Domino EF. Effects of tobacco smoking on electroencephalographic auditory evoked and event related potentials. Brain and Cognition. 2003;53:66-74.),(77. Fransen E, Topsakal V, Hendrickx JJ, Van Laer L, Huyghe JR, Van Eyken E et al. Occupational noise, smoking, and a high body mass index are risk factors for age-related hearing impairment and moderate alcohol consumption is protective: a European population-based multicenter study. J Assoc Res Otolaryngol. 2008;9(3):264-76..

Pesquisa realizada demonstrou que pessoas que fumavam mais de um maço de cigarros por dia têm limiares piores de 250 a 1000 Hz do que os que fumam pouco ou não fumam 99. Paschoal CP, Azevedo MF. O cigarro como fator de risco para alterações auditivas. Braz J Otorhinolaryngol 2009;75(6):893-902.. O cigarro pode influenciar significantemente nos batimentos dos cílios das células ciliadas da mucosa da orelha média, reduzindo a frequência dos seus batimentos e levando à persistência das infecções da orelha média 1010. Rodrigues J, Malatesta R. Células ciliadas da mucosa da orelha média. Acta Médica Misericordia. 1998;1(1):26-8..

Estudo sobre os efeitos do tabagismo nos potenciais evocados auditivos de tronco encefálico (PEATE) em doze fumantes observou que a latência e amplitude do pico das ondas I, III e V foram avaliadas e analisadas, não havendo efeito significante dos picos I e III. Foi observado um efeito significante para o pico V com tabaco, resultando em latências maiores 1111. Knott VJ. Acute effects of tobacco on human brain stem evoked potentials. Addictive Behaviors Journal.1987;12(4):375-9..

Diante do exposto, motivou-se a realizar essa pesquisa, cujo objetivo é estudar comparativamente os Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico em indivíduos não tabagistas e tabagistas, observando as latências absolutas das ondas I, III e V; as latências interpico das ondas I-III, III-V, I-V em ambas as orelhas; a diferença da latência interpico I-V entre as duas orelhas e a diferença interaural da latência da onda V entre as duas orelhas.

Métodos

Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Veiga de Almeida (UVA), sob o número 302/11. Estudo transversal, tipo observacional e descritivo exploratório.

A revisão de literatura foi realizada por meio da Biblioteca Regional de Medicina (BIREME) e as bases de dados utilizadas foram LILACS E SCIELO. Também foram pesquisados artigos e publicações científicas.

O estudo foi realizado no Ambulatório de Audiologia do Hospital Universitário, setor de Audiologia.

A divulgação do estudo foi feita por meio do Programa de Estudo e Tratamento do Tabagismo - PROJETA, que é um projeto vinculado ao INCA. Tal projeto acontece no Hospital, que recruta voluntários para pesquisas.

Foram avaliados quarenta indivíduos alocados em dois grupos distintos: G1 e G2. O grupo 1 (G1) foi composto por vinte indivíduos não tabagistas e o grupo 2 (G2), por vinte indivíduos tabagistas.

Como critério de inclusão no Grupo 1, foram selecionados indivíduos não tabagistas, ou seja, que nunca fumaram; e no Grupo 2, indivíduos tabagistas. Foram considerados tabagistas indivíduos que fumaram e/ou atualmente fumam pelo menos um cigarro ao dia e têm como antecedente o uso de mais de cem cigarros ou cinco maços de cigarros em toda a sua vida11. Ministério da Saúde (Brasil), Instituto Nacional de Câncer. Programa Nacional de controle do tabagismo e outros fatores de risco de câncer: modelo lógico e avaliação. Brasília: Ministério da Saúde, 2003.. Para ambos os grupos, selecionou-se indivíduos com idade mínima de 20 anos e máxima de 59 anos, de ambos os gêneros.

Para selecionar a amostra, foram realizadas, inicialmente, anamnese, otoscopia, audiometria tonal limiar e imitanciometria.

A anamnese foi composta de perguntas a fim de colher informações sobre antecedentes pessoais, tais como histórico audiológico, saúde em geral e exposição a ruído ocupacional. Foram excluídos indivíduos com presença de otalgia, otites, histórico de cirurgias otológicas, distúrbios neurológicos e exposição a ruído ocupacional/trauma acústico.

A otoscopia foi executada por otorrinolaringologista, com o objetivo de detectar alguma alteração que pudesse interferir na realização das demais etapas da pesquisa. Quando constatada a presença de cerúmen, foi realizado o encaminhamento para sua remoção e o participante, orientado a retornar para a realização da pesquisa. Nos casos em que a avaliação otorrinolaringológica detectou outras anormalidades otológicas, o participante foi excluído da pesquisa.

Em cabine acústica, os pacientes foram previamente orientados sobre a dinâmica do exame. Foram verificados limiares auditivos por tom puro, nas frequências de 0,25 kHz, 0,5 kHz, 1 kHz, 2 kHz, 3 kHz, 4 kHz, 6 kHz e 8 kHz para a via aérea (VA), e 0,5 kHz, 1 kHz, 2 kHz, 3 kHz e 4 kHz para via óssea (VO). Foram excluídos da pesquisa indivíduos com limiares audiométricos alterados, ou seja, aqueles que obtiveram limiares piores que 25 dBNA1212. Frota S. Avaliação básica da audição. In: Frota S. Fundamentos em fonoaudiologia: audiologia. 2.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003. p. 41-56..

Os indivíduos foram submetidos à timpanometria e pesquisa dos reflexos acústicos nas frequências de 0,5 kHz, 1 kHz, 2 kHz e 4 kHz. Foram excluídos indivíduos que apresentaram curva tipo B ou C e ausência de reflexo acústico contralateral em duas frequências ou mais, dentre as frequências de 0,5 kHz, 1 kHz, 2 kHz e 4 kHz.

Todos os participantes selecionados para a pesquisa, tanto do grupo 1 como do grupo 2, deveriam apresentar respostas de limiares tonais dentro dos padrões da normalidade e timpanometria tipo A, com presença de reflexos acústicos contralaterais e ipsilaterais.

O registro do PEATE foi obtido com o paciente deitado, acordado, em ambiente silencioso, com uso de fones de inserção (Eartone), eletrodos de superfície colocados no vértex e região mastoidea bilateral, fixos com pasta eletrolítica. O estímulo sonoro utilizado, emitido na intensidade de 85 dBNPS, consistiu em cliques com 100 µs de duração, polaridade alternada, à taxa de 27,7 Hz e promediação de 1024 estímulos, e o sinal coletado foi filtrado entre 100 e 5000 Hz. O estímulo elétrico gerado no computador foi transformado em estímulo acústico e transmitido através do sistema auditivo para gerar o potencial evocado auditivo1313. Hall III, JW. Anatomy and physiology. In: Hall III, JW. Handbook of auditory evoked responses. Boston: Allyn & Bacon; 1992. p. 41-69..

Foram realizados dois registros, para cada orelha, a fim de verificar-se a reprodutibilidade dos traçados e confirmar a presença ou ausência das ondas. Para esta pesquisa, entre os dois registros foi escolhido aquele de morfologia mais clara.

Na avaliação eletrofisiológica, foram analisados os valores de latência das ondas I, III e V, bem como os intervalos interpicos IIII, IV e IIIV, para ambas as orelhas.

Foram estudadas a latência interpico I-III, que representa a atividade entre nervo auditivo e tronco encefálico baixo, a latência interpico III-V, que reflete a atividade do tronco encefálico alto, e a latência interpico I-V, que é a mais importante, por representar toda a atividade, desde o nervo auditivo até núcleos e tratos do tronco encefálico (1313. Hall III, JW. Anatomy and physiology. In: Hall III, JW. Handbook of auditory evoked responses. Boston: Allyn & Bacon; 1992. p. 41-69.) .

Também foi estudada a comparação da latência interpico I-V entre as duas orelhas, sendo que a diferença interaural não deveria exceder 0,3 ms nos indivíduos normais. Na ausência da onda I, a diferença interaural foi calculada entre as latências absolutas das ondas V e também não deveria ultrapassar 0,3 ms nos indivíduos normais.

Para o estudo das latências absolutas e interlatências adotou-se o critério de normalidade sugerido por Hall (1992)1313. Hall III, JW. Anatomy and physiology. In: Hall III, JW. Handbook of auditory evoked responses. Boston: Allyn & Bacon; 1992. p. 41-69., conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1:
Padrão de normalidade dos valores de latências e interlatências do PEATE (Hall, 1992)

A análise estatística foi composta pelos seguintes métodos: para verificar se existe diferença significante entre os grupos tabagista e não tabagistas nas medidas de latência e interlatência (em 85 dBNA), foi aplicado o Teste de Mann-Whitney; e na proporção de alteração dessas medidas foi aplicado o Teste Exato de Fisher; e para verificar se existe variação significante nas medidas de latência e interlatência da orelha direita para a esquerda foi utilizado o Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon.

As variáveis clínicas foram analisadas pelo Teste Exato de Fisher (sexo) e pelo Teste de Mann-Whitney.

Foram aplicados testes não paramétricos, pois as medidas de latência e interlatência não apresentaram distribuição gaussiana, devido à rejeição da hipótese de normalidade segundo o teste de Kolmogorov-Smirnov. O critério de determinação de significância adotado foi o nível de 5%. A análise estatística foi processada pelo software SAS 6.11 (SAS Institute Inc., Cary, NC).

Resultados

Observou-se, por meio do nível descritivo do teste de Mann-Whitney que o grupo de tabagistas apresentou latência I da OD (p = 0,036), latência V da OD (p = 0,007) e latência V da OE (p = 0,014) significantemente maiores que as do grupo de não tabagistas (conforme Tabela 1).

Tabela 1:
Valores de Latências das ondas I, III e V e das interlatências de I-III, I-V e III-V, orelhas direita e esquerda, para o grupo de Tabagistas e para o grupo de não Tabagistas a 85dBNA

Observou-se por meio do nível descritivo do teste de Mann-Whitney que o grupo de tabagistas apresentou interlatências III-V da OD (p = 0,015) e interlatências III-V da OE (p = 0,016) significantemente maiores que as o grupo não tabagista (conforme a Tabela 1). Não existe diferença significante, ao nível de 5%, nas interlatências entre os dois grupos.

Com o objetivo de verificar se existe diferença significante na alteração da medida de latência entre os grupos não tabagistas (G1) e tabagistas (G2), a Tabela 2 fornece a frequência (n) e o percentual (%) de alteração da medida de latência da orelha direita e esquerda. A Tabela 2 fornece também o correspondente nível descritivo (p-valor) do Teste Exato de Fisher.

Tabela 2:
Valores de latências alterados, no grupo de Tabagistas, comparados com os valores não alterados, no grupo de não Tabagistas, para as ondas I, III, V e para as interlatências I-III,I-V, III-V

Observou-se que não existe diferença significante, ao nível de 5% na proporção de alteração das medidas de latências entre os grupos. A Tabela 2 também fornece a análise da diferença interaural (IA) entre os grupos.

Tabela 3:
Valores de latências das ondas I, III, V e das interlatêncais de I-III, I-V, III-V, segundo orelha direita e esquerda, de toda a amostra e por grupos - tabagistas e não tabagistas, a 85 dB NA

Verificando se existe diferença significante nas medidas de latência e interlatência (em 85dBNA) da orelha direita para a esquerda, a Tabela 3 fornece a média, desvio padrão (DP) e mediana das latências (em 85 dBNA) segundo a orelha (direita e esquerda) e o correspondente nível descritivo (p-valor) do Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon para a amostra total e por grupo (tabagistas e não tabagistas). Observou-se que não existe diferença significante, ao nível de 5%, na proporção de alteração das medidas de latências e interlatências entre os grupos.

Conclusão: não existe diferença significante, ao nível de 5%, na latência da onda V entre as duas orelhas.

Discussão

O PEATE se destaca por ser um método efetivo na medida do perfil eletrofisiológico do tronco encefálico, considerando-se as vias auditivas ascendentes que ocupam o segmento desta estrutura do sistema nervoso central. O tronco encefálico comanda diversas funções do organismo humano das mais simples, como os reflexos primitivos, até reflexos integrados, como os responsáveis pelo ritmo cardíaco, respiração e controle da pressão arterial 1313. Hall III, JW. Anatomy and physiology. In: Hall III, JW. Handbook of auditory evoked responses. Boston: Allyn & Bacon; 1992. p. 41-69.)-(1717. Sousa LCA, Rodrigues LS, Pizza MRT, Ferreira DR, Ruiz DB. Achado ocasional de doenças neurológicas durante a pesquisa da surdez infantil através do BERA. Rev Bras Otorrinolaringol. 2007;73(3):424-8..

A deterioração da função do sistema nervoso, na maioria das vezes, se processa de maneira rostrocaudal, ou seja, inicia-se pelo córtex, passando pelas regiões subcorticais até atingir o tronco encefálico 1515. Sousa LCA, Piza MRT, Ferez M, Rodrigues LS, Ruiz DB, Schmidt VB. O BERA como instrumento de avaliação funcional do tronco cerebral em cirurgias com hipotermia profunda e parada circulatória total. Rev Bras Otorrinolaringol. 2003;69(5):664-70..

A avaliação da integridade neurofisiológica do tronco encefálico pelo PEATE dá-se pela sincronia do elemento neural, que pode ser observada pela sobreposição das ondas, morfologia adequada, latência das ondas e intervalos interpicos em indivíduos normais, comparação ipsilateral de algumas ondas e comparação interaural de outras ondas registradas 1313. Hall III, JW. Anatomy and physiology. In: Hall III, JW. Handbook of auditory evoked responses. Boston: Allyn & Bacon; 1992. p. 41-69.),(1414. Marseillan RF, Oliveira JAA, Vecchio FD. Audiometria de respostas elétricas do tronco cerebral humano. Rev Bras Otorrinolaringol. 1997;43:229-38..

Ao estudar as latências I, III e V (Tabela 1), encontrou-se valores de medidas da latência I na orelha direita (OD) e orelha esquerda (OE) melhores para o grupo de não tabagistas (G1). Porém, só foi encontrada diferença estatisticamente significante na orelha direita (OD).

Na latência III não foi observada alteração significante entre os dois grupos. Porém, encontrou-se alteração significantemente maior na latência V da OD (p = 0,007) e OE (p = 0,014) para o grupo de tabagistas (G2) comparado com o grupo de não tabagistas (G1). Tais resultados são compatíveis com um estudo sobre as consequências do tabagismo nas latências do PEATE onde foi encontrado um efeito significante para a onda V, com valores de latência maiores. Esse estudo não descreveu os achados das ondas I e III 1111. Knott VJ. Acute effects of tobacco on human brain stem evoked potentials. Addictive Behaviors Journal.1987;12(4):375-9..

Também houve concordância com os resultados obtidos por outro estudo 1818. Harkrider AW, Champlin CA, McFadden D. Acute effect of nicotine on non-Smokers: OAEs and ABRs. Hear Res. 2001;(160):73-88.) que afirmou que a nicotina interfere na transmissão neural da informação auditiva, pois a amplitude e a latência das ondas do PEATE encontram-se alteradas em indivíduos tabagistas1919. Weis W. How Smoking affects hearing. Medical Times. 1970;98(11):84-8.. Tais dados também foram observados em pesquisa 2020. Knott VJ, Harr A, Mhoney C. Smoking history and aging-associated cognitive decline: an event-related potential study. Neuropsychobiology. 1999;40:95-106.) na qual a latência da onda III apresentou valores maiores no grupo de tabagistas quando comparado com o grupo de não tabagistas, sendo esta diferença significante. Não foi encontrada semelhança em estudo que apresentasse valores estatisticamente significantes somente na orelha direita (OD); talvez, tal fato possa ser justificado pelo tamanho pequeno da amostra.

Conforme a Tabela 1, na análise das interlatências I-III e I-V verificou-se que não houve diferença significante, ao nível de 5%, entre os dois grupos. Observou-se que o grupo de tabagistas (G2) apresentou interlatências III-V da OD (p = 0,015) e interlatências III-V da OE (p = 0,016) significantemente maiores que as do grupo de não tabagistas (G1). Esse aumento nas interlatências III-V encontradas no grupo de tabagistas (G2) pode representar uma anormalidade da transmissão neural, possivelmente localizadas entre os núcleos cocleares (onda III) e lemnisco lateral (onda V) 1515. Sousa LCA, Piza MRT, Ferez M, Rodrigues LS, Ruiz DB, Schmidt VB. O BERA como instrumento de avaliação funcional do tronco cerebral em cirurgias com hipotermia profunda e parada circulatória total. Rev Bras Otorrinolaringol. 2003;69(5):664-70.. Em função do tamanho da amostra, não foi possível realizar estudo entre tempo de fumo, mínimo de cigarros por dia e interlatência III-V, porém sugerem-se estudos com população maior, com vistas à identificação da influência da quantidade de tabaco na transmissão neural da informação auditiva, refletida nas latências e interlatências do PEATE.

Para fazer a análise de critério de normalidade na Tabela 2 adotou-se os valores sugeridos por Hall (1992) 1313. Hall III, JW. Anatomy and physiology. In: Hall III, JW. Handbook of auditory evoked responses. Boston: Allyn & Bacon; 1992. p. 41-69.. Nos estudos das latências segundo os grupos, de acordo com essa proposta de normalidade encontrou-se indivíduos com latências alteradas somente no grupo de tabagistas (G2), onde as latências da onda V ficaram alteradas em dois indivíduos, sendo que um indivíduo foi em ambas as orelhas (OD e OE) e o outro na orelha esquerda (OE). Não foi encontrado na literatura consultada outros estudos utilizando os valores individuais de latência, interlatência e interpico e esses critérios de normalidade, o que impossibilita comparar os achados com outras pesquisas.

Ainda baseado nos critérios de normalidade de Hall (1992) (1313. Hall III, JW. Anatomy and physiology. In: Hall III, JW. Handbook of auditory evoked responses. Boston: Allyn & Bacon; 1992. p. 41-69., foi apresentada na Tabela 2, uma análise por indivíduos das interlatências I-V. Notou-se que no grupo de tabagistas (G2) houve mais alterações. Encontrou-se três indivíduos com valores alterados, sendo um indivíduo em ambas as orelhas (OD e OE), um indivíduo (OD) e um indivíduo (OE). Porém, a análise estatística só apontou diferença nas interlatências III-V.

Na análise por indivíduo notou-se mais alterações em três indivíduos, talvez por apresentarem maior sensibilidade à exposição de forma regular ao tabaco, podendo sinalizar futuras complicações.

Para o grupo de não tabagistas (G1) encontrou-se 100% da amostra sem alterações nos itens estudados (latência, interlatência e interpico).

Assim, no total do grupo de tabagistas (G2), foram encontrados três indivíduos (15%), com alterações em um ou mais dos itens estudados (latência, interlatência e interpico).

Na análise da diferença interaural foi observado que não houve diferença significante, ao nível de 5% na latência da onda V entre as duas orelhas.

Diante da importância do estudo da diferença interaural da latência da onda V para fins diagnósticos1313. Hall III, JW. Anatomy and physiology. In: Hall III, JW. Handbook of auditory evoked responses. Boston: Allyn & Bacon; 1992. p. 41-69., optou-se por realizar também esse estudo segundo os grupos, porém não foi encontrado alterações.

Conclusão

Existem diferenças significantes nas latências absolutas da onda I, transmissão do impulso elétrico até o Nervo Auditivo, na orelha direita, e da onda V, impulso elétrico até o lemninsco lateral, em ambas as orelhas, para os grupos de tabagistas quando comparados com o grupo de não tabagistas.

Existe um aumento nas interlatências III-V, que pode indicar comprometimento de tronco encefálico alto, em ambas as orelhas, para o grupo de tabagistas.

Não existe diferença interaural da onda V entre as orelhas, em ambos os grupos.

O tabaco, a nicotina que interfere na transmissão neural da informação auditiva, é fator de risco para o sistema nervoso auditivo central, que pode influenciar nas latências e interlatências das ondas do exame de Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico no grupo de tabagistas, quando comparado ao grupo de não tabagistas, ao considerarmos que este exame tem a capacidade de avaliar a integridade neurofisiológica das vias auditivas do tronco encefálico.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016

Histórico

  • Recebido
    14 Set 2015
  • Aceito
    07 Dez 2015
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