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Avaliação da capacidade e comprometimento funcional em pacientes traqueotomizados de um hospital público de Curitiba

RESUMO

Objetivos:

avaliar e descrever os graus de capacidade e comprometimento funcionais em pacientes traqueotomizados de um hospital público e suas inter-relações.

Métodos:

estudo caso-controle, quantitativo, descritivo e transversal, realizado em um hospital terciário, vinculado ao Sistema Único de Saúde. A capacidade e comprometimento funcional foram avaliados por meio do Índice de Barthel e da Escala de Desempenho de Karnofsky, em pacientes traqueotomizados e não traqueotomizados em quatro unidades de internação. O grupo de estudo foi pareado com o grupo controle levando-se em conta a idade, o sexo e a doença que ocasionou a internação.

Resultados:

a amostra foi composta por 52 pacientes, 30 do sexo masculino e 22 do sexo feminino. A média de idade entre o grupo de estudo foi de 55,4 anos e no grupo controle de 55,1 anos. A análise estatística do Índice de Barthel no grupo de estudo classificou 84,62% dos pacientes como totalmente dependentes para a realização dos dez domínios do instrumento, ao contrário do grupo controle no qual somente 15,38% dos pacientes apresentaram este grau de dependência física e 53,85% mostravam total independência às mesmas atividades. O levantamento da escala Karnofsky evidenciou que 57,69% do grupo estudo apresentava escore de 40%, diferentemente do grupo controle no qual 42,31% obteve escore de 90%.

Conclusão:

houve implicação da capacidade e comprometimento funcional nos pacientes traqueotomizados, fato que demanda novo olhar da equipe multidisciplinar frente às incapacidades e demonstra que independente da traqueotomia facilitar o desmame da ventilação mecânica e consequentemente o período de internação, causa importante impacto na qualidade de vida.

Descritores:
Disfagia; Traqueostomia; Dependência; Fisioterapia

ABSTRACT

Purposes:

to evaluate and describe the degrees of capacity and functional disability in tracheostomized patients of a public hospital and their interrelations.

Methods:

quantitative, descriptive, cross-cutting, case-control study carried out at a tertiary hospital from the Unified Health System. Capacity and functional disability were assessed using the Barthel Index and the Karnofsky Performance Scale in tracheostomized and non-tracheostomized patients in four hospital wards. The study group was matched with a control group taking into account age, gender and illness that led to hospitalization.

Results:

the sample consisted of 52 patients, 30 males and 22 females. The mean age of the study group was 55.4 years and in the control group, 55.1 years. Statistical analysis of the Barthel Index in the study group scored 84.62% of patients as totally dependent to perform the ten domains of the instrument, differing from the control group with only 15.38% of patients presenting this degree of physical dependence while 53.85% showed complete independence in the same activities. Karnofsky scale assessment showed that 57.69% of the study group had a 40% score, unlike the control group with 42.31% scoring 90%.

Conclusion:

there was capacity hindrance and functional disability in the tracheostomized patients, which demands a new look on the part of the multidisciplinary team confronting disabilities, and showing that despite tracheostomy facilitates weaning off mechanical ventilation and consequently the hospitalization period, it causes important impact on quality of life.

Keywords:
Dysphagia; Tracheostomy; Dependency; Physiotherapy

Introdução

O processo de transição demográfica determinou mudanças no padrão de adoecimento da população. As doenças, antes agudas, foram substituídas por processos crônicos, de longa duração e custo para o sistema de saúde. Ao invés das doenças infectocontagiosas, tornaram-se predominantes as doenças crônico-degenerativas e suas complicações, cuja evolução é frequentemente marcada pela redução progressiva da capacidade funcional11. Duncan BB, Chor D, Aquino EML, Bensenor IM, Mill JG, Schmidt MI, et al. Doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: prioridade para enfrentamento e investigação. Rev Saúde Pública. 2012;46(Supl 1):126-34.)-(33. Minosso JSM, Amendola F, Alvarenga MRM, Oliveira MAC. Validação, no Brasil, do Índice de Barthel em idosos atendidos em ambulatórios. Acta Paul Enferm. 2010;23(2):218-23..

Pacientes criticamente enfermos constituem uma população de risco para o desenvolvimento de pneumonia aspirativa decorrente dos inúmeros fatores de risco que apresentam, como a redução do estado de consciência, ventilação mecânica, doença neurológica, redução do reflexo de tosse, intubação prolongada, traqueotomia, alimentação parenteral, cirurgias de cabeça e pescoço e doenças do refluxo gastroesofágico44. Kagaya H, Inamoto Y, Saito HE. Body Positions and Functional Training to Reduce Aspiration in Patients with Dysphagia. JMAJ. 2011;54(1):35-8..

No ambiente hospitalar a traqueotomia é um procedimento cirúrgico de rotina, no qual é inserida uma cânula provisoriamente ou por tempo indeterminado através de um orifício da traqueia, comunicando-a com o meio externo e tornando a via aérea pérvia55. Ricz HMA, Mello Filho FV. Freitas LCC. Mamede RC. Traqueotomia. Medicina (Ribeirão Preto). 2011;44(1):63-9..

Pacientes traqueotomizados podem apresentar alterações funcionais decorrentes do uso de bloqueadores neuromusculares e de medicação do tipo corticosteroide, sendo o tempo de internação e de ventilação mecânica, apontados como principais causadores destas alterações, contribuindo para a inabilidade das tarefas cotidianas como higiene pessoal e alimentação66. Curzel J, Forgiarini-Júnior lA, Rieder MM. Avaliação da independência funcional após alta da unidade de terapia intensiva. Rev bras ter intensiva. 2013;25(2):93-8..

A capacidade funcional reporta-se à autonomia da pessoa para a realização de tarefas que fazem parte do cotidiano de vida e lhe asseguram a possibilidade de viver sozinho em contexto domiciliar77. Rebellato JR, Morelli JGS. Fisioterapia Geriátrica: a prática da assistência ao idoso. São Paulo: Editora Manole, 2004.. As escalas de avaliação das atividades diárias indicam o grau de independência de um indivíduo na realização destas atividades e, indiretamente, o estado de saúde e a necessidade de auxílio88. Costa AJL. Metodologias e indicadores para avaliação da capacidade funcional: Análise Preliminar do Suplemento Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, Brasil, 2003. Ciên saúde coletiva. 2006;11(4):927- 40.),(99. Minosso JSM, Amendola F, Alvarenga MRM, Oliveira MAC. Prevalência de incapacidade funcional e dependência em idosos atendidos em um centro de saúde-escola da universidade de São Paulo. Cogitare Enferm. 2010;15(1):12-8..

Com um alto grau de comprometimento funcional o retorno ao trabalho torna-se impraticável, bem como a capacidade de autocuidado comprometida. O comprometimento funcional representa a incapacidade do indivíduo em manter suas atividades de forma independente e indica a necessidade de cuidados especiais1010. Karnofsky DA, Abelmann WH, Craver LF, Burchenal JH. The use of the nitrogen mustards in the palliative treatment of carcinoma: with particular reference to bronchogenic carcinoma. Cancer. 1948;1(4):634-56.)-(1212. Correia FR. Tradução, adaptação cultural e validação inicial no Brasil da Palliative Outcome Scale (POS) [dissertação]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto; 2012..

Diante do acima exposto, este artigo tem como objetivos: avaliar e descrever os graus de capacidade e comprometimento funcionais em pacientes traqueotomizados de um hospital público e suas inter-relações.

Métodos

Amostra

Estudo caso-controle, quantitativo, descritivo e transversal, foi realizado no período de julho de 2013 a julho de 2014, em um Hospital Universitário, de nível terciário de atendimento exclusivo pelo Sistema Único de Saúde (SUS), localizado em Curitiba - Paraná. Foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná sob o número 16640613.9.0000.0096.

A amostra foi composta de 52 pacientes, sendo 26 traqueotomizados (Grupo Estudo) e 26 não traqueotomizados (Grupo Controle).

Os critérios de inclusão para o Grupo Estudo foram: pacientes acima de 18 anos, traqueotomizados, internados nas unidades de internação da Clínica Médica, Infectologia, Neurocirugia e Neurologia e que concordaram em participar da pesquisa e, os de exclusão: pacientes com menos de 18 anos, em ventilação mecânica, com doenças raras que impossibilitassem o pareamento; com paralisia cerebral, com tetraplegia e com traqueotomia realizada em outro internamento.

Para o Grupo Controle os critérios de inclusão foram: pacientes com idade acima de 18 anos, não traqueotomizados, que estivessem internados nas unidades nas quais os pacientes do grupo de estudo foram avaliados e que concordaram em participar da pesquisa e, os de exclusão: pacientes com menos de 18 anos, entubados ou traqueotomizados e em ventilação mecânica.

Procedimento

Foi realizada busca ativa, nas unidades de internação da Clínica Médica, Infectologia, Neurocirugia e Neurologia, à procura de pacientes traqueotomizados. Após o aceite em participar da pesquisa e assinatura do TCLE, foi realizada coleta de dados, com a aplicação do Índice de Barthel33. Minosso JSM, Amendola F, Alvarenga MRM, Oliveira MAC. Validação, no Brasil, do Índice de Barthel em idosos atendidos em ambulatórios. Acta Paul Enferm. 2010;23(2):218-23. para avaliação da capacidade funcional e da Escala de Desempenho de Karnofsky1010. Karnofsky DA, Abelmann WH, Craver LF, Burchenal JH. The use of the nitrogen mustards in the palliative treatment of carcinoma: with particular reference to bronchogenic carcinoma. Cancer. 1948;1(4):634-56. para avaliação do grau de comprometimento funcional.

Para cada paciente traqueotomizado buscou-se outro, sem traqueotomia, dentro da unidade de internação onde o paciente traqueotomizado foi avaliado pareando a idade, o sexo e a doença responsável pelo internamento hospitalar.

Para avaliação do desempenho dos pacientes utilizou-se o Índice de Barthel composto por dez domínios: alimentação, banho, vestuário, higiene pessoal, eliminações intestinais, eliminações vesicais, uso do vaso sanitário, passagem cadeira-cama, deambulação e escadas.

A aplicação da Escala de Desempenho de Karnofsky permitiu a classificação dos pacientes de acordo com o grau de suas inaptidões ou deficiências funcionais. Sua aplicação permite mensurar o comprometimento funcional independentemente da patologia e indicar os pacientes elegíveis para cuidados paliativos1010. Karnofsky DA, Abelmann WH, Craver LF, Burchenal JH. The use of the nitrogen mustards in the palliative treatment of carcinoma: with particular reference to bronchogenic carcinoma. Cancer. 1948;1(4):634-56.)-(1212. Correia FR. Tradução, adaptação cultural e validação inicial no Brasil da Palliative Outcome Scale (POS) [dissertação]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto; 2012..

Análise Estatística

Para a análise estatística foram utilizados métodos estatísticos descritivos (tabelas de frequências absolutas e frequências relativas, média, desvio padrão) e métodos inferenciais (teste Qui-quadrado e correlação de Spearman, ao nível de significância de 0,05). Foram utilizados os softwares Statistica 7.0 e o Sphinx Léxica.

Resultados

O levantamento do perfil epidemiológico evidenciou que 30 pacientes eram do sexo masculino e 22 feminino, com média de idade entre o grupo de estudo de 55,4 anos (DP-15,6) e de 55,1 anos (DP-14,1) no grupo controle. A distribuição do perfil das amostras dos grupos estudo e controle constatou predomínio das idades entre 50 e 59 anos com 42,31% dos pacientes, seguido da faixa etária de 70 anos ou mais com 19,23% dos pacientes (Tabela 1).

A análise do grau de escolaridade demonstrou que o ensino fundamental incompleto, atingiu 50% em ambos os grupos (n=26). Quanto ao estado civil, houve hegemonia dos casados no grupo de estudo (n=17) e dos solteiros no grupo controle (n=21) (Tabela 1).

Tabela 1:
Distribuição do perfil das amostras dos grupos estudo e controle (n=52)

Dos 52 pacientes avaliados, 32 estavam internados na Clínica Médica, 12 na Neurologia, dois na Neurocirurgia e seis na Infectologia. As doenças que motivaram o internamento hospitalar foram: doenças crônicas não transmissíveis, doenças agudas, doenças infecciosas e doenças crônicas transmissíveis.

Na Clínica Médica avaliaram-se oito pacientes com pneumonia, seis com acidente vascular isquêmico, quatro com insuficiência renal aguda, quatro com doença pulmonar obstrutiva crônica, dois com câncer de mama, dois com cirrose hepática, dois com úlcera gástrica, dois com leucemia e dois com doença do pericárdio.

Na Infectologia foram quatro pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida e outros dois que, além dessa síndrome, também tinham tuberculose. Na Neurocirurgia foram dois pacientes com aneurisma cerebral.

Na Neurologia avaliaram-se seis pacientes com acidente vascular isquêmico, dois com polineuropatia, dois com acidente vascular hemorrágico e dois com miastenia grave. Ressalta-se que as doenças descritas como responsáveis pelo internamento foram as que ocasionaram a hospitalização. Por exemplo, na clínica médica, o paciente estava com pneumonia quando internou, bem como outro sofreu um acidente vascular isquêmico e assim sucessivamente para as demais doenças, exceção apenas para os pacientes avaliados na clínica médica com doença pulmonar obstrutiva crônica e cirrose hepática e na neurologia com miastenia grave.

A análise estatística do Índice de Barthel verificou a existência de alteração significante, quanto à capacidade funcional, do grupo de estudo em relação ao controle. Os pacientes do grupo de estudo apresentaram-se dependentes na sua alimentação, necessitavam de ajuda para a realização da higiene pessoal, demostravam incontinência vesical e intestinal, eram dependentes quando precisam realizar a transferência da cama para a cadeira, incapazes de deambular, dependentes para o uso de vaso sanitário, vestuário e banho, bem como incapazes de subir escadas (Tabela 2).

Tabela 2:
Distribuição de frequência dos resultados do Índice de Barthel para os grupos estudo e controle (n=52)

As limitações apresentadas nesse grupo, de acordo com o ponto de corte do próprio instrumento, permitiram a classificação de 22 pacientes (84,62%) com dependência total; dois (7,69%) com dependência severa; um (3,85) com moderada e, somente um paciente (3,85%), apresentou independência para a realização das atividades.

Ao contrário dos dados apresentados pelo grupo do estudo, 14 pacientes (53,85%) do grupo controle apresentaram independência para a realização de todas as atividades; seis (23,08%) mostraram dependência moderada; quatro (15,38%) apresentaram dependência total; um apresentou (3,85%) dependência severa e outro (3,85%) dependência leve (Tabela 3)

Tabela 3:
Distribuição de frequência dos resultados do Índice de Barthel segundo os escores finais e os níveis de dependência para os grupos estudo e controle (n=52)

Além das limitações na capacidade funcional apresentadas pelos pacientes traqueotomizados, verificou-se o grau de comprometimento funcional por meio da aplicação da Escala de Desempenho de Karnofsky.

Na tabela 4 observa-se que dos 26 pacientes traqueotomizados avaliados no Grupo Estudo, 15 deles (57,69%) apresentaram um escore de comprometimento de 40%, sinalizando a incapacidade e necessidade de cuidados e assistência especiais; cinco (19,23%) atingiram o escore de 30%, indicando, além da incapacidade, a necessidade de hospitalização; dois (7,69%) apresentaram 20%, assinalando a adoção de medidas ou tratamento de suporte; em outros dois (7,69%) o escore foi de 50%, requerendo considerável assistência e cuidados médicos; um (3,85%) atingiu 60% sendo capaz de realizar a maioria das suas atividades com assistência ocasional e, apenas um paciente (3,85%) atingiu o escore de 90% onde já é capaz de manter normalmente tanto suas atividades como o trabalho.

Concernente ao levantamento dos 26 pacientes não traqueotomizados do Grupo Controle, observou-se que em 11 pacientes (42,31%) o escore foi de 90%, sendo capazes de manter tanto suas atividades como o trabalho; em quatro pacientes (15,36%) o escore foi de 80%, apresentando sinais ou sintomas da doença somente com o esforço, podendo manter tanto suas atividades como o trabalho; quatro (15,36%) com escore de 50%, necessitando de assistência e cuidados médicos frequentes; três (11,54%) demonstraram grande comprometimento ao atingir o escore de 40%, com incapacidade e necessidade de cuidados e assistência especiais; dois (7,69%) pontuaram 60%, precisando de assistência ocasional, apesar de conseguir realizar a maioria de suas atividades e, dois (7,69%) com escore de 70% são incapazes de exercer trabalho ativo, mas conseguem cuidar de si (Tabela 4).

Tabela 4:
Distribuição de frequência dos resultados da Escala de Desempenho de Karnofsky para os grupos estudo e controle (n=52)

A análise estatística descritiva do número de dias desde o internamento até o momento da avaliação, por meio do Índice de Barthel e Escala de Desempenho de Karnofsky evidenciou que os pacientes do grupo estudo foram avaliados em média no 26,2 dias do internamento, sendo o mínimo de dois dias e no máximo 57 dias do internamento, com desvio padrão de 13,6 dias. O mesmo levantamento para o grupo controle demonstrou que a média de dias desde o internamento até a avaliação foi de 7,8 dias, sendo no mínimo de um dia e no máximo de 47 dias, com desvio padrão de 9,9 dias.

Dentre os pacientes traqueotomizados 14 estavam com a cânula metálica e 12 ainda com a cânula plástica.

A Inter-relação entre capacidade e comprometimento funcional foi realizada por intermédio da Correlação de Spearman, que evidenciou que quanto menor for a idade, maior será a independência funcional e os escores da escala de Karnofsky, demonstrando menor comprometimento funcional (Tabela 5).

Tabela 5:
Correlação de Spearman entre capacidade funcional, comprometimento e idade (n = 52)

Discussão

A realização desta pesquisa objetivou avaliar e descrever os graus de capacidade e comprometimento funcional e suas inter-relações em pacientes traqueotomizados. A escolha do desenho caso-controle possibilitou análise comparativa entre o grupo estudo e o controle, relacionando a incapacidade e o comprometimento funcional.

Houve prevalência de baixa escolaridade em ambos os grupos do estudo (Tabela 1). Em estudo longitudinal, sobre a prevalência de fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis em adultos, o autor, demonstrou que os fatores de risco associavam-se ao aumento da idade, ao sexo masculino e a menor escolaridade1313. Malta DC, Iser BPM, Claro RM, Moura L, Bernal RTI, Nascimento AF, et al. Prevalência de fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis em adultos: estudo transversal, Brasil, 2011. Epidemiol Serv Saúde. 2013;22(3):423-34..

Nesse sentido os dados do último Censo brasileiro1414. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Censo Demográfico 2010. Educação e deslocamento. Resultados da amostra. Rio de Janeiro: IBGE, 2012., sobre o nível de instrução da população brasileira, apontam que as pessoas com 25 anos ou mais de idade, com idade suficiente para terem concluído curso superior de graduação, 49,3% eram sem instrução ou não tinham sequer concluído o ensino fundamental, enquanto 11,3% tinham pelo menos curso superior de graduação completo, sinalizando a pouca escolaridade.

Quanto à hegemonia dos casados no grupo estudo, outra pesquisa realizada, ressaltou o predomínio de mulheres casadas e com idade entre 40 e 60 anos, como cuidadoras de pacientes com doença crônica e limitação funcional e escore de 50% na Escala de Desempenho de Karnofsky1515. Ferreira HP, Martins LC, Braga ALF, Garcia MLB. O impacto da doença crônica no cuidador. Rev Bras Clin Med. 2012;10(4):278-84.. Dado também confirmado no estudo que avaliou o perfil do cuidador oncológico e discorre que a mulher, historicamente, assumiu a função de cuidadora dos filhos, dos pais ou da família1616. Araújo LZS, Souto AKA, Oliveira MS. Cuidador principal de paciente oncológico fora de possibilidade de cura, repercussões deste encargo. Rev bras enferm. 2009;62(1):32-7..

As alterações funcionais entre os dois grupos evidenciaram os diferentes graus de incapacidade associados ao internamento hospitalar e a presença de traqueotomia.

Além da importância do controle das doenças crônicas não transmissíveis na prevenção da perda funcional do idoso, é importante ressaltar que ele apresenta uma capacidade reduzida do músculo para potência ou produção de força rápida, agravando o impacto da fraqueza muscular na sua mobilidade, que também pode estar exacerbada por outras condições clínicas como o acidente vascular cerebral, Doença de Parkinson, Doença de Alzheimer, artrites, neuropatia diabética, distrofia muscular, entre outras1717. Matsudo SM, Matsudo VKR, Barros-Neto TL. Impacto do envelhecimento nas antropométricas, neuromotoras e metabólicas da aptidão física. Variáveis. Rev Bras Ciên e Mov. 2000;8(4):21-32.),(1818. Feliciano VA, Albuquerque CG, Andrade FMD, Dantas CM, Lopez A, Ramos FF et al. A influência da mobilização precoce no tempo de internamento na Unidade de Terapia Intensiva. ASSOBRAFIR Ciência. 2012;3(2):31-42..

O avanço da idade é um fator que acarreta intensa redução na força muscular, afetando diretamente a capacidade de realizar atividades do dia a dia e interferindo na capacidade funcional do idoso, constituindo um importante indicador de saúde1010. Karnofsky DA, Abelmann WH, Craver LF, Burchenal JH. The use of the nitrogen mustards in the palliative treatment of carcinoma: with particular reference to bronchogenic carcinoma. Cancer. 1948;1(4):634-56.),(1919. Santos ID, Salmela LFT, Lelis FO, Lobo MB. Eficácia da atividade física na manutenção do desempenho funcional do idoso: revisão de literatura. Fisioter Bras. 2001;2(3):169-77..

Em relação à variável idade, 42,31% dos pacientes avaliados, em ambos os grupos, apresentavam idade entre 50 e 59 anos. Ressalta-se que o ápice da força muscular ocorre normalmente aos trinta anos, permanecendo estável até os cinquenta anos, quando entra em declínio. Entre os cinquenta e setenta anos a perda se dá em torno de 15% por década e, após os setenta anos, a redução fica em torno de 30% a cada dez anos2020. Carvalho J, Soares JMC. Envelhecimento e força muscular - breve revisão. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto. 2004;4(3):79-93..

Quanto aos achados relativos à alteração da capacidade funcional, do ponto de vista terapêutico, tão importante quanto considerar o escore total do Índice de Barthel para a classificação do grau de dependência funcional, é analisar os domínios, de maneira individualizada, para que a intervenção fisioterapêutica possa ser direcionada e constantemente reavaliada66. Curzel J, Forgiarini-Júnior lA, Rieder MM. Avaliação da independência funcional após alta da unidade de terapia intensiva. Rev bras ter intensiva. 2013;25(2):93-8.),(2121. Mahoney FI, Barthel DW. Functional evaluation: the Barthel Index. Maryland State Med J. 1965;14:61-5.),(2222. Organização Mundial da Saúde - OMS. Cuidados Paliativos. Organização Mundial da Saúde, 2002. [Acesso 2013 nov 01]. Disponível em: http://www.paho.org.
http://www.paho.org...
.

As alterações funcionais encontradas em pacientes com grande período de internação, principalmente em Unidades de Terapia Intensiva, são marcadas por longos períodos de imobilidade no leito. A mobilização precoce, realizada pelo fisioterapeuta, é fundamental para a melhora da capacidade funcional e diminuição dos riscos associado ao repouso no leito1818. Feliciano VA, Albuquerque CG, Andrade FMD, Dantas CM, Lopez A, Ramos FF et al. A influência da mobilização precoce no tempo de internamento na Unidade de Terapia Intensiva. ASSOBRAFIR Ciência. 2012;3(2):31-42.),(2323. Carvalho TG, Silva ALG, Cunha LS, Santos ML, Schafer J, Santos LJ et al. Relação entre saída precoce do leito na unidade de terapia intensiva e funcionalidade pós-alta: um estudo piloto. Rev Epidemiol Control Infect. 2013;3(3):82-6.).

Permanecer no leito por período prolongado, de 7 a 15 dias, provoca alterações musculares como a rigidez dos músculos da coluna vertebral e membros, a fraqueza muscular e a osteoporose, ocasionando a Síndrome do Imobilismo2424. Cazeiro AP, Peres PT. A terapia ocupacional na prevenção e no tratamento de complicações decorrentes da imobilização no leito. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar. 2010;18(2):149-67..

Essa síndrome é responsável por alterações no sistema osteomuscular e limitações funcionais, compromete as atividades diárias, a exemplo das transferências e mudanças de postura no leito2525. Costa FM, Correa ADB, Narala-Neto E, Vieira EMM, Nasrala MLS, Lima E et al. Avaliação da funcionalidade motora em pacientes com tempo prolongado de internação hospitalar. UNOPAR Cient Ciênc Biol Saúde. 2014;16(2):87-91..

A dependência funcional apresentada pela maioria dos pacientes traqueotomizados (n=22) sinaliza a importância do papel do fisioterapeuta no atendimento desta clientela, tanto em ambiente de UTI como nas demais unidades de internação, de maneira à reestabelecer ao máximo sua capacidade funcional, impondo menor limitação quando da alta hospitalar.

As recomendações do departamento de fisioterapia da Associação de Medicina Intensiva Brasileira revelam a ocorrência de complicações decorrentes da imobilidade em UTI, constituindo um dos fatores para o declínio funcional, aumento dos custos assistenciais, redução da qualidade de vida e sobrevida pós-alta2626. França EET, Ferrari F, Fernandes P, Cavalcanti R, Duarte, A. Martinez BP et al. Fisioterapia em pacientes críticos adultos: recomendações do Departamento de Fisioterapia da Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Rev Bras Ter Intensiva. 2012;24(1):6-22..

Apesar da velhice não ser sinônimo de doença, há maior propensão dos indivíduos idosos em apresentar doenças crônicas não transmissíveis. Quando cronificadas, essas doenças apresentam sequelas incapacitantes, associadas a grande comprometimento funcional e dependência física. O próprio curso da doença, apesar de todos os recursos disponíveis, torna o processo de morrer inevitável. A partir daí, o paciente entra em cuidados paliativos com atenção dirigida para o alívio do sofrimento e angústia da família2727. Terra NL. Cuidados paliativos e envelhecimento humano: aspectos clínicos e bioéticos. Revista da SORBI. 2013;1(1):12-4..

Nesse contexto, torna-se importante determinar o papel de cada profissional no âmbito da equipe multiprofissional. Ao fisioterapeuta cabe traçar o plano de tratamento a partir do grau de dependência e funcionalidade do paciente, oferecendo suporte para uma vida mais ativa e com menor impacto em sua qualidade de vida1111. Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de cuidados paliativos. Rio de Janeiro: Diagraphic, 2009.),(2828. Girão M, Alves S. Fisioterapia nos cuidados paliativos. Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP. 2013;5:34-41..

Concernente à presença de traqueotomia, dos 26 pacientes avaliados, 14 estavam com a cânula metálica e 12 permaneciam com a cânula plástica, fato que evidencia que o processo de decanulação não é exclusivo de ambiente de terapia intensiva.

Conclusão

Este estudo demonstra a importância de um novo olhar dos profissionais da equipe multidisciplinar frente às incapacidades identificadas nos pacientes traqueotomizados.

Houve alteração significante da capacidade e comprometimento funcional do grupo de estudo, fato que acarreta limitação na sua rotina diária e impacto negativo na qualidade de vida.

As orientações fisioterapêuticas repassadas aos familiares/cuidadores, no momento da alta hospitalar de pacientes traqueotomizados no Hospital em que se desenvolveu este estudo, envolvem desde os cuidados com o estoma, com o conjunto da traqueotomia; técnica de aspiração traqueal, a identificação da necessidade de realização de inalação com soro fisiológico a depender da viscosidade da secreção traqueal aspirada, bem como a observação de sinais de esforço respiratório; higiene do mandril; fixação do conjunto de traqueotomia e demais cuidados como o posicionamento no leito a fim de evitar contraturas musculares e mudanças de decúbito para evitar úlceras de pressão.

Os demais profissionais da equipe multidisciplinar, como as enfermeiras e nutricionistas, também realizam a orientação direta aos familiares referentes aos cuidados pertinentes a sua área de atuação, envolvendo desde técnicas de banho e higiene, como o preparo e administração de dieta via sonda nasoenteral ou gastrostomia, entre outras, demonstrando a complexidade frente aos cuidados que a partir de então serão exigidos dos cuidadores deste tipo de clientela, geralmente leigos na área de saúde. Cabe ao fonoaudiólogo o gerenciamento da disfagia, a indicação da correta via de alimentação e a reabilitação prevenindo a incidência de pneumonia aspirativa.

Dada à escassez de publicação relacionando às alterações da capacidade e comprometimento funcional em pacientes traqueotomizados, entende-se que esta pesquisa contribui para incentivar a realização de novos estudos envolvendo o tema abordado, bem como o acompanhamento da evolução destes pacientes após a alta hospitalar, tanto no tocante a capacidade e comprometimento funcional, como também em relação à presença da traqueotomia. Algumas limitações ocorreram durante a relização dessa pesquisa, a exemplo de duas greves deflagradas durante o período de coleta no referido hospital onde houve redução do número de leitos em consequência da redução do números de funcionários e a dificuldade no pareamento entre os grupos estudo e controle. Ao final da coleta de dados haviam sido avaliados 31 pacientes traqueostomizados mas, por falta de pacientes no grupo controle para o adequado pareamente, foram incluídos somente 26 pacientes de cada grupo, restando cinco pacientes do grupo estudo que não figuraram no presente trabalho.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Mar 2015
  • Aceito
    23 Jul 2015
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