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Assistência integral ao recém-nascido prematuro: implicações das práticas e da política pública

RESUMO

Objetivo:

compreender a forma como ocorre a assistência ao recém-nascido prematuro, conforme preconiza a política pública de saúde Método Canguru, a partir da percepção dos profissionais envolvidos na assistência.

Métodos:

trata-se de um estudo descritivo de delineamento qualitativo. Foram realizadas entrevistas com profissionais da área da saúde, sobre a assistência à saúde de bebês prematuros. Participaram da pesquisa dezoito profissionais da saúde. Destes, três eram assistentes sociais, quatro enfermeiras, dois fonoaudiólogos, dois nutricionistas, dois psicólogos, quatro técnicos de enfermagem e um médico. Todos os entrevistados eram do sexo feminino. As entrevistas foram encerradas a partir da saturação das respostas, pois não houve mais elementos significativos. A realização das entrevistas ocorreu na Secretaria Municipal de Saúde, no Consórcio Intermunicipal de Saúde e no Hospital Santa Casa, todas as instituições de um município do estado do Paraná. A técnica utilizada para análise dos dados, mediante Análise do Conteúdo, foi a Análise Temática.

Resultados:

foram elencados dois núcleos temáticos para a discussão: A fragmentação do cuidado ao prematuro e as famílias; Contradições entre as práticas profissionais e a política pública instituída. Considera-se não haver acompanhamento efetivo para os prematuros e questiona-se a continuidade nos atendimentos, para uma assistência integral. Observa-se que os profissionais desconhecem o que a política pública preconiza, e valorizam a atenção e cuidado hospitalar.

Conclusão:

os desajustes são claros em todos os serviços de saúde, e então, não há o cumprimento da política.

Descritores:
Educação em Saúde; Políticas Públicas; Comunicação Interdisciplinar; Assistência Integral à Saúde; Recém-Nascido

ABSTRACT

Purpose:

to understand how the care for preterm newborns has been done, as recommended by the public health policy Kangaroo Method, from the perception of the professionals involved in the care.

Methods:

this is a descriptive study of qualitative design. Interviews were conducted with health professionals on the health care of premature babies. The participants were eighteen health professionals. From these ones, three were social workers, four nurses, two speech therapists, two nutritionists, two psychologists, four nursing technicians and a doctor. All respondents were female. The interviews were closed from the saturation of answers as there were no more significant elements. The completion of the interviews took place in the City Health Department, Inter-municipal Consortium of Health and in the Hospital Santa Casa, all institutions of a municipality in the state of Paraná. The technique used for data analysis through content analysis was the thematic analysis.

Results:

two thematic topics for discussion were listed: The fragmentation of care of premature and families; and the contradictions between the professionals and the established public policy practices. It is considered that there is not effective monitoring for premature and it is questioned the continuity of care for comprehensive health care. It is observed that the professionals do what public policy advocates, and they value the care and hospital care.

Conclusion:

the misfits are clear in all health services, so there is not compliance with the policy.

Keywords:
Health Education; Public Polices; Interdisciplinary Communication; Comprehensive Health Care; Infant

Introdução

As práticas dos profissionais da saúde encontram-se embasadas em ações que não excedem o caráter biológico do ser humano e clínico, o que interfere numa atuação e cuidado integral ao indivíduo. Conforme o autor11. MORIN, E. A cabeça bem-feita: Repensar a reforma - reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2003. os saberes fragmentados e a hiperespecialização levam a falta de concepção da visão global. O autor sugere que a capacidade de perceber o contexto e o complexo se desfez e, como ele próprio afirma, gerando também "a ignorância e a cegueira".

Considerando a temática proposta sobre os recém-nascidos prematuros, nos países em desenvolvimento, a prematuridade é considerada um problema de saúde pública, devido ao alto índice de morbimortalidade infantil22. Torati CV. Política de Atenção ao recém-nascido prematuro: Morbidades respiratórias e neurológicas [dissertação]. Vitória (ES): Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória; 2011.. O prematuro necessita de cuidados especializados para sua sobrevivência, o que se torna um desafio à equipe, aos pais e para o próprio bebê.

Existem diversas políticas públicas voltadas ao cuidado do recém-nascido prematuro e a termo. Destaca-se a Rede Cegonha como a política recentemente instituída, que promove a assistência materno infantil, incluindo bebês prematuros e a termo, cuidando de forma integral e humanizada até dois anos de vida. No entanto, optou-se nessa pesquisa estudar somente o Método Canguru, uma política pública voltada exclusivamente para os bebês prematuros.

De acordo com a Portaria nº 693 de 5/7/2000, o Ministério da Saúde do Brasil adota como Política Pública a Norma de Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso (Método Mãe -Canguru- MMC), "recomendando-a e definindo as diretrizes para sua implantação nas unidades médico- assistenciais integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS)" (33. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 693/GM, de 5 de julho de 2000. Regulamenta Norma de orientação para implantação do projeto canguru. Diário Oficial da União. 6 jul 2000; Seção 1:15..

Com essa Portaria, o Ministério da Saúde instituiu o Método Canguru como uma política pública nacional dirigida à saúde infantil. Esse Método surgiu como uma proposta interdisciplinar para melhor atender o prematuro e sua família. O Método foi criado na Colômbia, no ano de 1979, no Instituto Materno-Infantil de Bogotá, pelos Médicos Reys Sanabria e Hector Martinez44. Cruvinel FM, Pauletti CM. Formas de atendimento humanizado ao recém- nascido pré-termo ou de baixo peso na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal: uma revisão. Cad Pós-Grad Distúrb Desenvol. 2009;9(1):102-25.. Na ocasião, havia uma escassez de recursos físicos e tecnológicos. Houve a percepção de que havia vantagens econômicas, e melhora nos aspectos psicoafetivos e físicos do bebê.

O Método é composto de três fases, em que as duas primeiras são predominantemente no ambiente hospitalar e a terceira é o acompanhamento ambulatorial33. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 693/GM, de 5 de julho de 2000. Regulamenta Norma de orientação para implantação do projeto canguru. Diário Oficial da União. 6 jul 2000; Seção 1:15.. Nessas etapas há um caráter de promoção do cuidado ao bebê e à família55. Furlan CEFB, Scochi CGS, Furtado MCDC. Percepção dos pais sobre a vivência no método mãe-canguru. Rev Latino-am Enfermagem. 2003;11(4):444-52., promovendo a participação familiar e o estímulo ao aleitamento materno33. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 693/GM, de 5 de julho de 2000. Regulamenta Norma de orientação para implantação do projeto canguru. Diário Oficial da União. 6 jul 2000; Seção 1:15.),(66. Maia FA, Azevedo VMGO, Gontijo FO. Os efeitos da posição canguru em resposta aos procedimentos dolorosos em recém-nascidos pré-termo: uma revisão da literatura. Rev Bras Ter Intensiva. 2011;23(3):370-3.. A posição adotada no Método é o decúbito ventral, em que posiciona o bebê verticalmente contra o peito do adulto33. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 693/GM, de 5 de julho de 2000. Regulamenta Norma de orientação para implantação do projeto canguru. Diário Oficial da União. 6 jul 2000; Seção 1:15.).

As políticas para a infância tornam-se possibilidade de concretizar as conquistas legais, compondo-se em um espaço de cidadania (contra a desigualdade e reconhecendo as diferenças); na cultura (ambiente de pluralidade e singularidade) e de conhecimento (reponsabilidade com a dimensão da humanidade e universalidade). É importante que políticas comprometidas com as crianças, enfrentem problemas da condição humana, como a dificuldade de trabalhar com as diferenças, discriminação, e dificuldade de reconhecer que, o que torna o sujeito singular é o fato de ser plural77. Kramer S. Infância, cultura contemporânea e educação contra a barbárie. Rev Teias. 2000;1(2):1-14..

Reconhece-se que os prematuros são crianças que necessitam de acompanhamento integral ao seu desenvolvimento, considerando um cuidado para os problemas orgânicos e "interacionais" do bebê que podem surgir88. Crestani AH, Souza APR, Beltrami L, Moraes AB. Análise da associação entre tipos de aleitamento, presença de risco ao desenvolvimento infantil, variáveis obstrétricas e socioeconômicas. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(3):205-10.. Com relação ao aleitamento materno, considerado um alimento saudável e seguro para os todos os bebês99. Medeiros AMC, Bernardi AT. Alimentação do recém-nascido pré-termo: aleitamento materno, copo e mamadeira. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(1):73-9.),(1010. Venson C, Fujinaga CI,Czluniak GR. Estimulação da sucção não nutritiva na "mama vazia" em bebês prematuros: relato de casos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(3):452-7., em estudos realizados mostrou que as taxas de amamentação exclusiva em bebês prematuros na alta hospitalar até o sexto mês de vida, estão abaixo do preconizado pela Organização Mundial da Saúde1111. Czechowski AE, Fujinaga CI. Seguimento Ambulatorial de um grupo de prematuros e a prevalência do aleitamento materno na alta hospitalar e ao sexto mês de vida: contribuições da fonoaudiologia. Rev Soc Bras Fonoaudiol . 2010;15 (4):572-7.)-(1313. Brusco TR, Delgado SE. Caracterização do desenvolvimento da alimentação de crianças nascidas pré-termo entre três e doze meses. Rev CEFAC. 2014;16(3): 917-28. e considerando ainda, que o desmame precoce levam as condutas como utilização de mamadeira1414. Silva WF, Guedes ZCF. Tempo de aleitamento materno exclusivo em recém-nascidos prematuros e a termo. Rev CEFAC. 2013;15(1):160-71. e chupetas nos bebês1414. Silva WF, Guedes ZCF. Tempo de aleitamento materno exclusivo em recém-nascidos prematuros e a termo. Rev CEFAC. 2013;15(1):160-71.),(1515. Granville-Garcia AF, Lins RDAU, Oliveira ACB, Paiva SM, Sousa RV, Martins V et al. Fatores associados ao desmame precoce em Hospital Amigo da Criança. Rev Odonto Ciênc. 2012;27(3):202-7..

Os autores acreditam que apesar de surgirem dificuldades na amamentação do bebê prematuro, é importante que as condutas da equipe e a rotina do hospital se ajustem para atender as demandas familiares1616. Pereira LB, Abrão ACFV, Ohara CVS, Ribeiro CA. Vivências maternas frente às peculiaridades da prematuridade que dificultam a amamentação. Texto Contexto Enferm. 2015;24(1):55-63. e haja o estreitamento dos laços entre a mãe, sua família e a equipe1717. Santana MCCP, Goulart BNG, Chiari BM, Melo AM, Silva EHAA. Aleitamento materno em prematuros: atuação fonoaudiológica baseada em pressupostos da educação para promoção da saúde. Rev Ciênc. Saúde Colet. 2010;15(2):411-7. para que o aleitamento materno possa ser facilitado e promovido1616. Pereira LB, Abrão ACFV, Ohara CVS, Ribeiro CA. Vivências maternas frente às peculiaridades da prematuridade que dificultam a amamentação. Texto Contexto Enferm. 2015;24(1):55-63..

Observam-se dificuldades pelos profissionais em estabelecer o momento conveniente para iniciar a amamentação dos bebês prematuros1818. Fujinaga CI, Moraes AS, Zamberlan-Amorim NEZ, Castral TC, Silva AA, Scochi CGS. Validação do Instrumento de Avaliação da Prontidão do Prematuro para Início da Alimentação Oral. Rev Latino-am Enfermagem. 2013;21:140-5. e os próprios bebês sentem dificuldades com relação à "função alimentar"1919. Moreira CMD, Cavalcante-Silva RPGV, Miyaki M, Fujinaga CI. Efeitos da estimulação da sucção não nutritiva com dedo enluvado na transição alimentar em recém-nascido prematuro de muito baixo peso. Rev CEFAC. 2014;16(4):1187-93.. Contudo, em um estudo2020. Almeida H, Venancio SI, Sanches MTC, Onuki D. Impacto do método canguru nas taxas de aleitamento materno exclusivo em recém-nascidos de baixo peso. J Pediatr. 2010;86(3):250-3. realizado mostrou que um dos benefícios do Método Canguru é justamente facilitar a amamentação exclusiva aos prematuros.

Surge então a necessidade de compreender como as práticas dos profissionais envolvidos na assistência vêm cumprindo com as normas estabelecidas para a atenção integral ao prematuro, conforme política pública, para que assim, torne-se possível suprir as necessidades que a díade, mãe-bebê necessitam.

Este estudo teve como objetivo compreender a forma como ocorre a assistência ao recém-nascido prematuro, conforme preconiza a política pública de saúde Método Canguru, a partir da percepção dos profissionais envolvidos na assistência.

Métodos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNICENTRO, sob o número 638.824/2014.

Trata-se de um estudo descritivo de delineamento qualitativo. Foram realizadas entrevistas com profissionais da área da saúde, sobre a assistência à saúde de bebês prematuros. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Participaram dessa pesquisa 18 profissionais da saúde. Destes profissionais, três eram assistentes sociais, quatro enfermeiras, dois fonoaudiólogos, dois nutricionistas, dois psicólogos, quatro técnicos de enfermagem e um médico. Todos os entrevistados eram do sexo feminino.

A fim de manter a identidade em sigilo, os participantes da pesquisa foram identificados com abreviaturas (P1, P2, P3...P18).

As entrevistas foram encerradas a partir da saturação das respostas, pois não houve mais elementos significativos, isto é, as respostas obtidas tinham caráter de repetição. Os critérios de inclusão foram: profissionais da saúde que estivessem envolvidos no cuidado com o bebê prematuro. Já os critérios de exclusão foram: Profissionais da saúde que não estivessem envolvidos no cuidado com o bebê prematuro.

Os locais das entrevistas foram na Secretaria Municipal de Saúde, no Consórcio Intermunicipal de Saúde e no Hospital Santa Casa, todas as instituições na cidade de Irati/PR.

As perguntas norteadoras foram:

- Como você entende o fluxograma das mães gestantes no serviço de saúde aqui em Irati?

- Com relação à assistência a saúde aos bebês prematuros, o que você entende que está acontecendo aqui em Irati?

As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas. Após essa etapa, os dados foram analisados a partir da análise de conteúdo, modalidade temática. Segundo2121. Minayo MC. O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde. Rio de Janeiro: Hucitec; 2004. "A expressão mais comumente usada para representar o tratamento dos dados de uma pesquisa Qualitativa é Análise do Conteúdo".

A técnica utilizada para análise dos dados, mediante Análise do Conteúdo, foi a Análise Temática, que "consiste em descobrir núcleos de sentido que compõe uma comunicação cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objeto analítico visado"2121. Minayo MC. O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde. Rio de Janeiro: Hucitec; 2004..

Para tanto, foi determinada a unidade de registro, que seria a palavra-chave ou frase; a unidade de contexto, que é a delimitação do contexto de compreensão da unidade de registro; os recortes; a forma de categorização; a modalidade de decodificação e os conceitos teóricos mais gerais que orientaram a análise2121. Minayo MC. O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde. Rio de Janeiro: Hucitec; 2004..

Diante disso, os discursos foram analisados em grupos temáticos. Nas transcrições dos discursos, foram utilizados alguns símbolos, como reticências (...), para indicar que houve suspensão da frase, devido interrupção do pensamento e hesitações dos participantes, e utilizado reticências entre colchetes [...] para indicar que alguns trechos das falas foram suprimidos naquela transcrição.

Resultados e Discussão

Com relação às entrevistas, para os profissionais de saúde, foram elencados dois núcleos temáticos para a discussão: A fragmentação do cuidado ao prematuro e as famílias; Contradições entre as práticas profissionais e a política pública instituída.

A fragmentação do cuidado ao prematuro e as famílias

Emergiu nas falas dos profissionais a questão do acompanhamento dos bebês prematuros, após a alta hospitalar. Isso é importante na medida em que se configura como uma fase do Método Canguru, sendo a 3ª fase, correspondente à fase ambulatorial.

P2, P4, P6, P7 e P12, ponderaram sobre o tema da seguinte maneira:

"Ele vai ser acompanhado, sempre nas unidades básicas, porque o acompanhamento e as outras vacinas também vai ser nas unidades básicas. Então ele não perde o contato com o atendimento né. Então ele sempre vai ter que...a equipe faz busca ativa dessa criança, por meio dos agentes comunitários de saúde né." P2

"[...] mais a gente está fazendo mais aqui (Secretaria Municipal de Saúde) mesmo porque lá (Consórcio Intermunicipal de Saúde) vem outros municípios, então aqui (na cidade) a gente fica mais aqui (Secretaria Municipal de Saúde), mais a doutora também atende lá no consórcio [...]. P4

"[...] Quando chega aqui (Consórcio Intermunicipal de Saúde) é feito esse acompanhamento, só a única questão que foge do alcance aqui do consórcio é a questão que não é o consórcio responsável por essa marcação para vir de lá (Secretaria Municipal de Saúde) para cá (Consórcio Intermunicipal de Saúde) né." P7

"[...] a Doutora prefere que fique com a Doutora ("Ambulatório" do Hospital Santa Casa), porque as condutas são diferentes né, da pediatra lá da secretaria com a doutora [...] então...só que assim...a gente que nem eu te falei, peso, vacina, é...essas coisas elas fazem na secretaria, essa puericultura, agora, digamos assim se o bebê está com resfriado, se o bebê não está mamando bem, se está perdendo peso, a doutora prefere ela atender aqui ("Ambulatório" do Hospital Santa Casa), porque ela já tem esse acompanhamento né, aí as mães já tem..a...a consulta marcada, então elas vem nesse dia, né, aí elas já tiram todas as dúvidas do que está acontecendo." P12

De acordo com as respostas, os profissionais mencionam a Unidade Básica de Saúde (UBS), a Secretaria Municipal de Saúde da cidade, o Consórcio Intermunicipal de Saúde e os Agentes Comunitários de Saúde, como responsáveis por acompanharem os bebês prematuros, após alta hospitalar.

P12 menciona a seguinte questão: "se o bebê está com resfriado, se o bebê não está mamando bem, se está perdendo peso, a doutora prefere ela atender aqui ("Ambulatório" do Hospital Santa Casa)". É importante destacar essa fala, no sentido de salientar que o atendimento para as crianças só ocorre quando há doença ("se o bebê está com resfriado, se está perdendo peso"), ou seja, o atendimento gira em torno da doença, o que evidencia um atendimento e cuidado fragmentado ao bebê e a família.

Apesar de alguns profissionais sugerir para onde os bebês estariam sendo acompanhados, houve outros profissionais que não tinham certeza, ou não sabiam para onde essas crianças eram direcionadas, conforme segue alguns relatos:

"Acontece esse atendimento sabe, só que eu não sei te dizer exatamente quem é responsável por isso né, mas eu acredito que está sendo feito, porque eles (Pediatria da Secretaria de Saúde) têm uma preocupação ali quando o bebê vem prematuro para a gente." P1

"A continuidade dos atendimentos em todas as áreas do SUS aqui é muito difícil acontecer a continuidade do trabalho [...] E prematuro também não...não...muito menos daí né, para dar continuidade [...]." P9

Tomando com base os discursos, os principais pontos colocados foram o não conhecimento de quem ou o local para onde as crianças fossem acompanhadas e a complicada realização pelo SUS dos acompanhamentos.

Novamente esbarra-se com contradições entre os profissionais, pois enquanto uns mencionaram para onde as crianças fossem acompanhadas, outros não sabiam dar essa informação.

Considerando a política pública preconizada para os prematuros, nota-se claramente que a 3ª fase do Método Canguru não ocorre, pois conforme recomenda a política, algumas ações devem ser desenvolvidas nessa fase, como exame físico completo na criança (grau de desenvolvimento, ganho de peso, comprimento e perímetro cefálico); avaliar o equilíbrio psicoafetivo entre a criança e a família; corrigir situações de risco (ganho de peso inadequado, sinais de refluxo, infecções e apnéias); orientar e acompanhar tratamentos especializados (exames oftalmológicos, avaliação audiológica e fisioterapia motora) e orientar na observação do esquema adequado de imunizações33. Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 693/GM, de 5 de julho de 2000. Regulamenta Norma de orientação para implantação do projeto canguru. Diário Oficial da União. 6 jul 2000; Seção 1:15.. E, além disso, uma equipe multiprofissional deve estar envolvida nesse acompanhamento2222. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: Método Canguru/ Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. - 2. ed. - Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2011..

Embora, haja na cidade um serviço multiprofissional, o Consórcio Intermunicipal de Saúde, os atendimentos não ocorrem efetivamente para acompanhar as famílias e o bebê e cumprir com o preconizado na política. E, portanto, observam-se os descompassos para onde essas crianças são direcionadas, sugerindo que essas crianças ficam "perdidas" e com "sorte" são atendidas, e recebem o mínimo de acompanhamento, o básico, sendo pesagem e vacinação, já que, como dito, não há um atendimento integral para os bebês.

Em um estudo realizado2323. Pan BB. Os sentidos da humanização nos relatos dos trabalhadores de uma Equipe da Estratégia Saúde da Família [Trabalho de Conclusão de curso]. Irati (PR): Universidade Estadual do Centro-Oeste. Curso de Fonoaudiologia. Departamento de Fonoaudiologia; 2014., constatou que o número insuficiente de Unidade Básicas de Saúde e Equipes de Estratégia Saúde da Família, inviabiliza a abrangência de cuidado e acompanhamento dos usuários no sistema. E ainda no mesmo estudo, com relação aos Agentes Comunitários de Saúde, estes não relataram em seus discursos "a importância da formação de vínculos com as famílias, de conhecimento e mapeamento dos territórios, da identificação dos determinantes sociais do processo saúde-doença em suas microáreas,etc".

Refletindo sobre o frágil acompanhamento dos profissionais de saúde com as famílias, os autores2424. Rockenbach CL, Santos TGD. A Terceira etapa do Método Canguru no discurso das famílias [Trabalho de Conclusão de Curso]. Santa Catarina (SC): Universidade Federal de Santa Catarina. Curso de Enfermagem; 2009. corroboram com a questão, conforme os achados em seu estudo, que a interação do profissional com a família é básica, ou seja, com consultas rápidas, curtas e focadas no peso da criança. Questões como a experiência cotidiana dos pais com a posição canguru e o bebê não eram mencionadas.

Outro problema mencionado pelo profissional P6 sobre os acompanhamentos dos bebês foi com relação à marcação dos bebês para os lugares determinados para esse procedimento, conforme relato:

"Então assim, os municípios...eles...o problema dos municípios está na marcação, tudo é a marcação." P6

Esse problema pode se configurar como um obstáculo grande para ocorrer o acompanhamento, pois se refere a um falho funcionamento no sistema de saúde e na gestão, que não está abrangendo os bebês e direcionando-os para continuidade dos atendimentos.

Segundo2525. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: gestão participativa: co-gestão / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Política Nacional de Humanização. - 2. ed. rev. - Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2009. 20 p.: il. - (Série B. Textos Básicos de Saúde)., os serviços de saúde tiveram uma organização do trabalho voltada no saber das profissões e classes "(as coordenações do corpo clínico ou médico, da enfermagem, dos assistentes sociais, etc.)", e em consequência disso, não partilhavam de objetivos comuns.

Considerando a Política Nacional de Humanização (PNH)2626. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2004., esta é articulada com o estabelecimento da integralidade, princípio este que orienta o SUS, e então, envolve todos os níveis de atenção, e condiciona "a ideia de articulação entre os processos de trabalho e a gestão dos serviços e recursos de saúde"2323. Pan BB. Os sentidos da humanização nos relatos dos trabalhadores de uma Equipe da Estratégia Saúde da Família [Trabalho de Conclusão de curso]. Irati (PR): Universidade Estadual do Centro-Oeste. Curso de Fonoaudiologia. Departamento de Fonoaudiologia; 2014.. Por isso da importância da comunicação não só entre os profissionais, mais também entre os serviços.

Para que ocorra um melhor funcionamento do serviço, torna-se necessário repensar o modo de gestão, pois uma gestão participativa é caminho para construir mudanças nas práticas em saúde, em que o atendimento se torna eficiente e efetivo, mas também, motiva os profissionais da equipe. "A co-gestão é um modo de administrar que inclui o pensar e o fazer coletivo, sendo, portanto, uma diretriz ético-política que visa democratizar as relações no campo da saúde" e com isso minimizar o mau funcionamento do serviço2525. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: gestão participativa: co-gestão / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Política Nacional de Humanização. - 2. ed. rev. - Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2009. 20 p.: il. - (Série B. Textos Básicos de Saúde)..

O problema do direcionamento dos bebês de gestantes de alto risco, após a alta hospitalar, para o serviço multiprofissional (Consórcio Intermunicipal de Saúde) foi mencionado por P4 e P9.

"Na verdade assim, se fosse direcionada para um local só, né...saiu da UTI e fosse para lá (Consórcio Intermunicipal de Saúde), ou viesse para cá (Secretaria Municipal de Saúde), que as vezes acaba se perdendo algumas coisas no caminho né, você achando que está indo lá (Consórcio Intermunicipal de Saúde), e não está indo lá (Consórcio Intermunicipal de Saúde), e está vindo aqui (Secretaria Municipal de Saúde), né, fica aquela coisa assim, né, então você vai pegando, assim. Mais aqui (na cidade) assim, não é número muito grande de prematuro. Tem bastante, mais não é assim aquela coisa que vai fugir do teu alcance." P4

"tem pouquíssimas gestantes (na cidade) de alto risco também, o que mais aparece é os maiores [...]. Mas os bebês mesmo, muito difícil, porque já vem da alto risco né...das gestante de alto risco não são encaminhadas, daí consequentemente não tem muitos bebês né (se referindo ao bebês prematuros da cidade)." P9

Destacam-se nas falas as seguintes questões mencionadas: a não abrangência das gestantes nos serviços; o próprio sistema de saúde da cidade, não encaminhar as mães de alto risco para o serviço especializado, e, não haver número significativo de prematuros na cidade.

Esses apontamentos remetem a dizer de um serviço de saúde com problemas sérios de comunicação e abrangência, apesar de P2, contradizer com a sua percepção.

"A gente consegue, porque é centralizado (Secretaria Municipal de Saúde- Pré-natal) né, diferente se em outro....se fosse descentralizado. Se cada unidade atendesse a sua gestante a gente não teria o controle. Mas como é centralizado a gente tem esse controle porque a gente vê elas todo mês, depois cada 15 dias e toda a semana, então você vai avaliando a cada consulta. Né, aqui a gente tem também médicos todos são obstetras, então eles tem capacidade para atender essas gestantes de alto risco também, não é um clínico geral que está atendendo elas." P2

Tendo em vista o argumento de P2, observa-se que isso não é real, já que tem-se outros relatos que não condizem com o profissional.

O fato também que o encaminhamento das gestantes de alto risco para o Consórcio Intermunicipal de Saúde, que é um serviço especializado e multiprofissional, não ocorre, apesar de P2 relatar que na Secretaria Municipal de Saúde, esses atendimentos possam ser garantidos para as gestantes, surge indagações com relação à suficiência disso, já que tem na cidade um serviço especializado, qual seria o motivo de não usá-lo. Conforme P9, as gestantes do local não comparecem a esses atendimentos, o que se considera outra falha na assistência, subentendo que a comunicação entre os setores de saúde não ocorre da maneira como deve acontecer. Em decorrência disso, as mães e bebês não estão sendo assistidos e assegurados do cumprimento da assistência.

Como mencionado por P4, o profissional sugere que na cidade não há uma quantidade de prematuros que não permita o alcance do sistema. Isso se contradiz de acordo com o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), que aponta sobre índices significativos de nascimentos prematuros na cidade. No ano de 2011, apresentou 8,72% de índice de prematuridade, sendo maior em comparação com o estado do Paraná no geral, com índice de 7,23% e a capital Curitiba, com índice de 7,34% de prematuridade2727. Brasil. Ministério da Saúde. Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos - SINASC. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.. Esse é um dado preocupante, na medida em que profissionais e o sistema não conseguem oferecer serviços e atendimentos necessários para essa população. E, além disso, por meio dessa profissional, percebe-se uma prática totalmente desconectada da realidade, pois os índices comprovam a alta incidência de nascimentos prematuros e o discurso da profissional envolvida no sistema, não condiz com o fato.

P9 menciona sobre certa rivalidade nos serviços, que origina essa falta de encaminhamento das gestantes para o Consórcio Intermunicipal de Saúde.

"[...] Eu não sei assim....eles estão aqui, por questão...por questão política mesmo, ah é uma "richa" assim sabe...e que elas não querem mandar para cá (Consórcio Intermunicipal de Saúde), porque não sei o que o consórcio...sabe...então a gente só houve falar [...]." P9

Com relação a essas "richas", entendidas como uma rivalidade nos serviços, de acordo com os autores2828. Pereira ESSL, Silva ACCD. Impactos das mudanças no processo de trabalho dos profissionais de saúde: O que diz a literatura. Rev Enferm. Contemporânea. 2013;2(1):1-14., é uma condição que advém da falta de diálogo, a questão da soberania entre os profissionais da equipe, e a desconsideração das opiniões e conhecimentos dos demais profissionais, reflete uma interrupção nas relações dos mesmos e, como consequência, na eficiência dos atendimentos aos usuários.

Outra questão sobre os encaminhamentos das gestantes de alto risco para o Consórcio Intermunicipal de Saúde, para acompanhamento dos bebês e das mães de alto risco, é a questão da mesma pediatra atender nos dois setores de saúde, a Secretaria Municipal de Saúde e no Consórcio Intermunicipal de Saúde. P4 relata:

"Na verdade, ele (bebê) vem aqui (Secretaria Municipal de Saúde), vai passar com a doutora, se a doutora achar que deve ir lá (Consórcio Intermunicipal de Saúde), ela manda para lá (Consórcio Intermunicipal de Saúde), mas a médica é a mesma, né, a doutora Mônica atende lá (Consórcio Intermunicipal de Saúde) e aqui (Secretaria Municipal de Saúde), tem crianças as vezes que ela manda...acompanha lá (Consórcio Intermunicipal de Saúde), e tem outras crianças ela acompanha aqui (Secretaria Municipal de Saúde)." P4

O fato de a mesma médica atender nos dois serviços de saúde, pelos quais as gestantes são atendidas, gera maior comodidade tanto das gestantes como pela própria pediatra em atender em único local. Porém, essa ação pode não corresponder para um bom funcionamento do sistema, na medida em que os outros setores não sabem o motivo disso estar acontecendo e não estão envolvidos nessa decisão.

Apesar de fatores desfavoráveis no cuidado a família e aos bebês, é interessante notar a percepção de alguns profissionais frente à assistência aos prematuros, que descrevem estar ocorrendo de uma maneira adequada, ou ainda, que está satisfatória. Observa-se vários discursos dos profissionais entrevistados, destacando os seguintes relatos:

"Eu acredito que está sendo assistido esses bebês, que a gente vê a preocupação, muito da pediatria em relação a esses bebês quando eles vem para nós (Secretaria Municipal de Saúde)." P1

"Setores tem bastante, são vários os setores, você veja, tem a pediatria de alto risco lá, tem aqui(Secretaria Municipal de Saúde), tem o ambulatório, então o suporte está bom [...]." P4

"[...] Então os bebês da Neo, eu sei que...que eles tem uma assistência muito boa, assim sabe, depois que saem daqui (UTI Neonatal) [...]." P12

Os destaques para essas falas são: O bebê estar sendo bem assistido; haver uma assistência integral e ter um bom suporte de assistência a essa população.

No relato de P12, o profissional menciona uma boa assistência para os bebês prematuros, pois o hospital fornece serviço como UTI Neonatal e o "Ambulatório" para acompanhamento. Parece óbvio essa percepção positiva com relação à assistência, por mencionar um serviço que oferece esses procedimentos, porém, cabe ressaltar sobre o conhecimento do profissional a respeito dos demais serviços que deveriam prestar assistência aos bebês, e ainda, a centralização de um cuidado somente hospitalar como sendo suficiente para atender os bebês. O "ambulatório" do Hospital Santa Casa, foi organizado recentemente, por iniciativa de uma médica pediatra do local. O atendimento oferecido é somente médico, não havendo outros profissionais para atender as mães e os bebês, conforme preconiza a política.

Embora surgissem posicionamentos positivos com relação à atenção a saúde do prematuro, houve relatos sobre uma assistência falha em alguns aspectos, conforme segue as falas:

"O que eu acho assim...precisa melhorar uma atenção básica, com mais Estratégia de saúde da família, né, porque hoje a ESF estão responsáveis por uma área de abrangência maior que a capacidade delas, então isso precisa melhorar muito. É...que você não consegue numa equipe responsável por um bairro inteiro, uma população [...] Uma maior atenção...maior investimento a atenção básica...é...média e alta complexidade, seria o mínimo né..então...se você tendo uma atenção básica bem estruturada você não precisa investir tanto em alta complexidade né, até porque o custo seria menor né." P2

"Na verdade assim né...a questão acho que principal é essa questão do acompanhamento pós né...até o acompanhamento acho que antes do bebê nascer é feita né...bem né...as mães vão lá (Hospital Santa Casa)..vem aqui (Consórcio Intermunicipal de Saúde) as de alto risco, mesmo assim tem a questão de algumas mães a gente sabe que tem alto risco mais os médicos não encaminham para cá né...porque esse encaminhamento é feito pelos médicos do pré-natal. [...] acredito que talvez essa assistência pode quebrar ai por né...não ser realizada integralmente por uma questão de...dessa parte burocrática." P7

"[...] Mas assim como assistência integral do jeito que você fala assim, eu acho que é muito pouca né [...] Na verdade esse negócio de trabalho multiprofissional, interdisciplinar é muito novo né, a gente está pelejando para conseguir aqui no consórcio né, porque antes não tinha nada né, e você sabe, é o modelo médico né, que a gente nossa...." P9

"[...] então ele está bem falho esse programa ainda aqui (Hospital Santa Casa) né, a gente tenta fazer o máximo que pode mais né..é..questão burocrática, é questão de atendimento assim...é o lugar para atender não tem né, então, eu acredito que...quando eles estão aqui (Hospital Santa Casa) dentro a gente consegue acompanhar, agora quando eles saem daqui já não tem mais como fazer essa última fase que a gente diz, que daí [...] ai vai de alta, ai que eu falei que acontece isso que a gente marca (no "Ambulatório" do Hospital Santa Casa), mais não vai até 2 anos de idade, vai..eu acredito assim, que até 6, 7 meses talvez, ou menos até, sabe, eu acho que esse programa tem muito o que ser feito ainda, porque eu acho que é...aqui é o único hospital que faz né....tem UTI aqui...a gente está tentando fazer [...] mais eu acho que tem muito ainda essa questão do acompanhamento depois né, que quando está aqui (Hospital Santa Casa) a gente consegue, pior quando vai de alta né." P12

"Eu acho agora, na verdade não só os prematuros, mais no geral muito falho, que a gente está sem uma demanda de pediatra na cidade. Porque a gente não tem suporte, igual...não falando só nos prematuros, mais no geral, o neném sai, ai a gente não tem assim um pediatra né que fique disponível né, principalmente na..nas...na rede pública, né, para conseguir uma consulta na secretaria é demorado, e diz que não tem pediatra, e daí tem que ser só um clínico geral né, então eu acho falha essa assistência depois do...né...na rede pública na secretaria de saúde." P16

"É, na verdade é bem complicado né de responder isso né, porque tem casos assim sabe que foi falha mesmo né, que deveria ter sido..assim...um atendimento melhor, ter dado mais atenção para certos fatos, para né...que acabam tendo complicações que poderiam ser evitadas, que acabam vindo para cá (Hospital Santa Casa) né, nesse sentido. E..mais tem muitos casos assim que melhorou bastante assim né, mais ainda há falhas né. Falhas no sentido de não ser..de que...de qual parte, mais talvez do pré-natal sabe, talvez uma atenção melhor do médico de...de...ter visto algum...alguma coisa assim...complicado falar (risos). Nesse sentido assim, né..sei lá..não sei...(risos)." P18

A percepção com relação à assistência aos bebês tem pontos negativos para esses profissionais. Argumentos como investimentos na atenção básica, a fim de barrar problemas futuros, bem como falhas nos serviços e questões burocráticas fazem parte de seus discursos.

Esses achados podem ser corroborados com a literatura2929. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. Redes de produção de saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. - Brasília: Ministério da Saúde, 2009. 44 p.: il. color. - (Série B. Textos Básicos de Saúde)., que pondera que os modelos de gestão centralizada a comunicação segue moldes verticalizados, ou seja, "manda quem pode e obedece quem tem juízo", e, além disso, segue burocratizada e diminuída à "voz de mando" e aos "ruídos de corredores", o que determina o trabalho fragmentado e alienado. As decisões são realizadas por poucos, e afastam outros trabalhadores de planejar e avaliar suas ações. Em decorrência disso, "as equipes não se conhecem entre si, os serviços não se comunicam e os profissionais não conhecem a realidade do território em que trabalham nem o resultado de suas ações".

Com relação à questão burocrática mencionada, considera-se ser um impedimento para que o serviço funcione em ritmo adequado, porém, os autores3030. Villa VDSC, Rossi LA. O significado cultural do cuidado humanizado em unidade de terapia intensiva: "Muito falado e pouco vivido". Rev Latino-am Enfermagem. 2002;10(2):37-44. salientam que o problema não pode ser somente burocrático, nem de estrutura e técnicos, mais sim, uma "questão que envolve atitudes, comportamentos, valores e ética moral e profissional".

Além dessa visão negativa sobre a assistência, houve profissionais que culparam as mães pela assistência não estar ocorrendo de forma adequada, conforme os discursos:

"Olha, na verdade assim, eu acho assim que o atendimento tem. Às vezes tem um pouco de, por parte de resistência das mães, né, tipo assim, a eu não vou levar porque está tudo bem, essa coisa assim...porque tanto o consórcio...o consórcio hoje, o consórcio intermunicipal ele tem nutricionista, ele tem fisioterapeuta, ele tem psicólogo, ele tem assim, várias é...especialidades que pode acompanhar essa criança, né, então assim, trabalho, e mão-de-obra tem bastante [...] então assim, sabe...as vezes é aquilo que te falei, as vezes alguma mãe tem alguma resistência, acha que a criança está bem...ai não precisam não ela está bem, ela acha assim...nem vou, não é preciso, mais assim, já melhorou bastante né, tanto é que você veja o quanto que já diminuiu né, o índice de mortalidade." P4

"[...] e tem algumas mães assim que não levam muito né...a sério né a situação [...] As mães são um pouco negligentes assim, elas não tem noção do que que é ser mãe alto risco, digamos, daí elas acham difícil elas virem, como te falei, tem alguns municípios que são distantes, dia elas tem que vir, ficar o dia todo, sabe, volta só a tarde, para casa, então tem algumas mães assim que elas, elas não vem na consulta sabe, faltam consulta, é elas mesmo pedem para o doutor, ah doutor me dá alta..não sei o que...que é muito difícil, porque tem filho pequeno que tem que deixar em casa sabe, então são situações sociais assim, diversas, que acabam juntando. Então às vezes a mãe ela sacrifica, de repente ela tem filhos em casa." P5

"[...] ela (mãe) ainda não se vê a importância dos outros profissionais, é muito atendimento clínico, médico, médico, médico." P7

A resistência, negligência, abandono e falta de percepção da importância de uma equipe multidisciplinar para cuidar dos bebês, foram características colocadas às mães para que a assistência não estivesse acontecendo de forma correta. Esse fato induz a pensar na questão de ser mais cômodo julgar as mães pelo não comprometimento na assistência, do que olhar para o viés profissional. Pensa-se que o problema se instala nas duas direções. Acredita-se que uma falha acarreta em outra. O sistema está desorganizado, com fortes crises e desajustes. Nesse momento é mais fácil culpar o outro, do que averiguar o próprio serviço e a gestão.

Com relação à mãe não considerar importante o atendimento de outros profissionais, e considerar o atendimento médico como suficiente, é em decorrência da não existência de um lugar centralizado que atenda as mães e bebês de forma multidisciplinar. O que se observa na assistência com os bebês é somente o atendimento médico. O único serviço de saúde com equipe multidisciplinar na cidade há problemas no encaminhamento das mães para o local, devido à burocracia ou pela falta de comunicação entre os setores. Como consequência, elas necessitam procurar outro serviço, e este provavelmente, terá consultas médicas.

Cabe ressaltar, que podem existir outros motivos para que a mães não estejam levando os bebês para as consultas, conforme um estudo realizado3131. Siqueira MBDC, Dias MAB. A percepção materna sobre a vivência e aprendizado de cuidado de um bebê prematuro. Rev Epidemiol. Serv. Saúde. 2011;20(1):27-36., as mães relataram dificuldades em conduzir os filhos para as consultas ambulatoriais, devido residirem em locais distantes, gastos com transportes e saírem cedo de suas casas.

Há ainda outra questão encontrada, sendo um fator negativo para uma assistência completa, sobre o modelo médico, apontado pelos entrevistados:

"[...] na verdade a área da saúde, além do médico, devia ter mais profissionais né assim atuantes, que possam não só pegar na hora do toma que o filho é teu né, mais...ali estar orientando tudo [...] porque elas estão acostumadas a receber um...pesar, medir, consultar e pronto, né, que é a assistência básica que a gente tem, que é utilizado até hoje né...aqui (Consórcio Intermunicipal de Saúde) é um diferencial né, então, elas estão acostumadas a isso, pesou, mediu, consultou e vai embora, então..é...é... encontra muita barreira...encontra muita barreira sabe, é resistência com elas." P8

"[...] então a gente está procurando tirar esse foco da pediatria e também do modelo médico, não que não seja importante, a gente sabe que é né...mas para focar também nisso né [...]." P9

O modelo biomédico, ainda é um dos obstáculos no caminho por uma assistência integral.

É um modelo que apresenta uma visão mecânica sobre o corpo do sujeito, em que é concebido com uma máquina, combinada com partes que se interrelacionam. Portanto, quando há a doença, esta é entendida como um descompasso em alguma parte do corpo, e então, o conhecimento necessário é fragmentado, representado pelas disciplinas3232. Araújo D, Miranda MCGD, Brasil SL. Formação de profissionais de saúde na perspectiva da integralidade. Rev Baian. Saúde Pública. 2007;31(1):20-31..

A prática da procura pelo atendimento médico quando está doente, impera em nossa cultura. Isso decorre do "modelo biomédico impregnado" na concepção dos usuários, ou seja, estes "centralizam suas necessidades no médico". Esse modo de atenção, sempre existiu nos serviços de saúde, ou seja, "o que se teve a oferecer durante longo período da história da saúde no Brasil, ainda que de forma racional e escassa, foram os serviços médicos e, sobre eles, recaiu maior valorização"2323. Pan BB. Os sentidos da humanização nos relatos dos trabalhadores de uma Equipe da Estratégia Saúde da Família [Trabalho de Conclusão de curso]. Irati (PR): Universidade Estadual do Centro-Oeste. Curso de Fonoaudiologia. Departamento de Fonoaudiologia; 2014.. Diante disso, de acordo com os dados desta pesquisa, a assistência centra-se nesse profissional e ainda, com o conceito de que seja uma assistência suficiente.

Contudo, o sujeito não é um "amontoado de partes", é um ser que tem história e faz parte da sociedade. Deste modo, as práticas devem ser voltadas para o individuo e para a comunidade, respeitando a dignidade do ser humano3333. Silva FVD, Menezes MDGAD. Formação profissional e humanização dos serviços de saúde. Rev Formação. 2002;2(5):59-74..

Para a atenção à saúde, não somente o cuidado médico necessita incluir novos processos de trabalho e atuação profissional, demandando dos profissionais de saúde a "concepção de saúde ampliada", para assim, transformar as práticas3434. Marques CMS. As necessidades do Sistema Único de Saúde e a formação profissional baseada no modelo de competências. Rev Formação. 2002;2(5):15-27..

Outra grande dificuldade no sistema é monitorar as gestantes e bebês para dar continuidade ao acompanhamento da díade e não se perderem pelo sistema. P5 e P10 relatam:

"[...] a gente estar encontrando um meio de ter um controle sobre isso sabe, porque eu acho que está meio assim, sabe...ah recebe alta, não teve problema, então acaba ficando sabe [...] como estar monitorando assim, essas crianças, porque assim, a não incomodou então deixa lá sabe, não teve algum problema de saúde, então está bom sabe...e...e... isso não é bom né, porque as vezes tipo a mãe não trouxe, isso não quer dizer que a criança não está tendo problema né.[...] por essas questões assim que a mãe, ela não tem muito...muita consciência, ela acha que não é necessário e daí não...acaba não tendo profissionais suficientes para estar fazendo esse monitoramento, né, e daí quando...quando acontece a urgência, daí corre para....para o hospital, e daí na maioria das vezes né, não dá mais tempo." P5

Visando esse monitoramento no sistema, houve ainda conforme discurso de P5, situações, de mães que não passam pelo sistema do pré-natal:

"Não...não vem todos, não...eu observei assim que também acontece aqueles casos que chega e já, tem um consulta e já vai...já...já tem o parto né, então...então....é difícil daí a gente vai lá depois que o bebê nasce, faz uma visita, vê se está tudo bem tal, mais não tem aquele acompanhamento assim sabe, daí é...dai fica a cargo do município né continuar isso, ai já não sei te dizer de que forma eles estão fazendo." P5

Essa falta de monitoramento com relação às gestantes e o cuidado com os bebês é um reflexo da não existência de um funcionamento adequado na gestão e posteriormente na assistência. Trata-se da corresponsabilização nos/pelos serviços de saúde, em que parece não haver envolvimento dos profissionais e gestores no cuidado com os indivíduos, ou seja, ninguém é responsável por ninguém, e as práticas se fundam em "atender por atender" não se comprometendo efetivamente com os indivíduos e os setores. Os desajustes são claros em todos os âmbitos, e então, não há o cumprimento da política.

Contradições entre as práticas profissionais e a política pública

Outro ponto emergido pelas entrevistas foi o conhecimento dos profissionais sobre a política pública para os prematuros, conforme segue os discursos:

"Que é aquela próximo da mãe, que é aquela....questão da...da....próximo ao peito da mãe...aquela...aquela....aquela....como se fosse um colete que a mãe tem a criança perto dela...eu...eu imagino que seja isso." P1

"Eu ouvi falar por questões de reportagem de TV, senso comum ...senso comum...mas teoricamente pensando é um método de vínculo né, que é o essencial para o bebê. Que...ele....prioriza o contato mãe-bebê, basicamente isso, né...e...que vem de encontro com a questão de estar amamentando, contato, olho no olho, pele com pele. A gente sabe o básico né." P3

"Ah, assim...é pouca coisa né, que eu ouvi falar assim sabe de...de...eu acho...é um programa né que foi lançado né..do governo também né, eu acho, pelo o que eu entendi né, que está sendo implantado ainda né, eu não sei se já existe aqui (na cidade), eu nunca ouvi falar, eu ouvi assim por né...por internet, por coisas que a gente vê assim, mais aqui (na cidade), eu acho que não tem implantado ainda, então é uma coisa que ainda está..eu acho que ainda...ainda está nascendo né...então não sei assim te dizer com certeza exatamente como que é esse programa sabe, porque aqui (na cidade) ainda não tem." P5

"[...] Eu acho assim, uma ideia...eu sou mãe de Neo (Se referindo ao filho que nasceu prematuro), então que é...o fortalecimento do vínculo pele a pele, eu acho que é fundamental e essencial para a evolução do tratamento. É...eu acho que tudo que fazem que beneficia o vínculo mãe-filho, eu acho que está valendo. Nessa portaria, se eu não me engano é 793 que diz que né..é...fala muito sobre humanização tal, eles colocam é... o projeto mãe canguru [...] eu só acho assim que a participação da família, antes dessa portaria, era aquele setor fechado só entrava a equipe, e o neném ficava lá dentro, e a mãe desesperada, eu sei porque eu falo de experiência própria, e nós não tínhamos essa abertura, essa liberdade de saber o que é, o que deixou de ser, uma linguagem mais simples né." P11

"[...] eu entendo assim que ele traz um vínculo maior entre a mãe e o bebê, porque você...se ele está ali, é...na incubadora, tudo bem que ele sente o cheiro da mãe, mais é...colocando ele no colo da mãe, ele vai ter aquele vínculo maior com ela né, ele vai poder sentir...é...tipo o cheirinho...o calor dela, então a gente faz com os bebês, e os de alto risco, a gente fica com a equipe inteira perto né [...]. Para o bebê a gente vê que a evolução dele é bem maior quando ele está ali, porque ele sente né, aquele aconchego da mãe, eu acho assim que o método mãe canguru é muito bom [...]." P12

"[...] a importância é... da humanização, a importância do vínculo mãe e filho, né, é uma coisa bem importante." P13

"[...] então é um método que favorece o vínculo da mãe-bebê [...] Então para favorecer vínculo né, isso já é comprovado que diminui bastante né, a...favorece a reabilitação do bebê, o contato com a mãe né...é...é como se ela fosse uma incubadora natural, é todo o calor dela vai para o bebê. E esse vínculo também favorece a reabilitação do bebê né, então como se estivesse essas três fases, envolve, o pré-natal, envolve o atendimento especializado ao bebê, e a 3ª fase seria o ambulatório né...do método." P14

"[...] eu vejo assim que o método mãe canguru ele propicia mais ainda o bebê, a recuperação do bebê, alguns casos que a gente já está acompanhando na Neo, né aqui que as mães estão mais tempo o neném no colo, tudo...o vínculo fortalecido, a recuperação desse neném, a aceitação de dieta, esse envolvimento, tanto motor como neuro, o método agiliza bastante [...] então, eu acho que o método mãe canguru ele beneficia muito o neném né, e até para acalmar a mãe, vendo que está ali o tempo inteiro, como que está sendo, como que está o filho, podendo estar tirando dúvidas com todos os profissionais que entram ali." P16

"[...] a gente faz no leito mesmo do lado...cada mãe do lado do seu bebê, do lado das incubadoras, do lado dos berços [...] acaba envolvendo toda a equipe assim né, porque é uma coisa assim que a gente tem que ficar em cima para ver se o neném não vai desestabilizar aquela coisa, mas é bem legal assim. [...] Mais apesar de toda a dificuldade, existe uma burocracia muito grande para implantar o método certo né até que eu não conheço outros lugares assim como que funciona sabe, é..só pela internet assim que a gente vê né, os vídeos e tal [...]." P18

Nos discursos dos profissionais prevaleceu a questão do vínculo materno com o bebê e os benefícios que o Método Canguru pode trazer para a díade. Nos relatos notam-se falas superficiais, e marcadas pelo viés hospitalar da política. Conforme política pública, o Método ocorre em três fases, as duas primeiras no hospital e o acompanhamento ambulatorial como sendo a 3ª fase. Os profissionais não mencionam essa última fase nos discursos, exceto P14, o que torna visível o pouco conhecimento sobre a política.

Diante dos relatos concisos sobre a política, observa-se que os profissionais desconhecem o que ela preconiza, e valorizam a atenção e cuidado hospitalar. E então, isso pode favorecer para que ela não seja cumprida na íntegra. No método, as duas primeiras fases são hospitalares, porém, a fase ambulatorial foi instituída para que o cuidado se tornasse integral, pois, existem questões que ultrapassam o viés hospitalar para cuidar da família e do prematuro. Há de ressaltar também que em decorrência disso, ocorrem contradições nas práticas profissionais e o que está instituído na política, pois se eles nem ao menos conhecem a política, não há como aplicá-la e fazê-la realidade nos serviços de saúde.

Considerando o mencionado, sobre o viés hospitalar, trata-se de um cuidado fragmentado aos usuários, que significa perceber o indivíduo com um corpo com problemas orgânicos, e também, "sem subjetividade, sem intenções, sem vontades, sem desejos". Diante disso, esses aspectos não são considerados para cuidar integralmente da família e do bebê e cumprir com a política, "consagrando a construção de modos de cuidar centrado em procedimentos"3535. Merhy EE. Engravidando palavras: o caso da integralidade. 2005. [Acesso em 31 jan 2015]. Disponível em: http://www.uff.br/saudecoletiva/professores/merhy/capitulos-06.pdf
http://www.uff.br/saudecoletiva/professo...
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Embora os profissionais desconheçam a política, muitos apontaram sobre os benefícios que ela proporciona. Os autores3636. Santana JCB, Assis APDO, Silva CCD, Quites HFDO. Método mãe canguru e suas implicações na assistência: percepção da equipe de enfermagem. Rev Enferm. 2013;16(1):38-48., também mencionam em seu estudo sobre a importância do Método como uma forma terapêutica, que melhora a saúde do bebê e a interação com os pais e familiares, proporcionando inúmeros benefícios para os membros da família e para o bebê que necessita de cuidados especiais.

Diante dos fatos discutidos, leva-se em conta que a formação dos profissionais de saúde, influencia para que as políticas públicas aconteçam e uma nova forma de cuidado se concretize.

No decorrer dos anos, algumas estratégias foram elaboradas para que houvesse reestruturação e a humanização no sistema de saúde ocorresse, das quais se destaca a "Estratégia Saúde da Família, a Política Nacional de Humanização, o Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PHPN), dentre outras". O objetivo dessas estratégias era proporcionar mudança no modelo de saúde, incluindo, conforme princípios e diretrizes do SUS, a integralidade no cuidado à saúde. Apesar dessas medidas, a formação do profissional está afastada da forma de um cuidado integral. O que se percebe é uma formação insuficiente para as transformações instituídas na prática, e ainda, uma grande necessidade de uma "educação permanente", para modificar a atuação profissional, e assim fortalecer o cuidado à saúde no SUS3737. Batista KB, Gonçalves OS. Formação dos profissionais de saúde para o SUS: significado e cuidado. Rev Saúde Soc. 2011;20(4):884-99..

Para os profissionais da saúde, a forma pelo qual o trabalho acontece no cotidiano, falta estímulo para fazer uma reflexão crítica da realidade, a fim de produzir novas perspectivas para as questões cotidianas, pois a grade curricular nos cursos são preparadas de uma maneira que pouco auxiliam na resolução dessas questões. O que resulta também, uma desconsideração do aprendizado decorrente da sua própria vivência no serviço3232. Araújo D, Miranda MCGD, Brasil SL. Formação de profissionais de saúde na perspectiva da integralidade. Rev Baian. Saúde Pública. 2007;31(1):20-31..

A formação dos profissionais é apenas um dos itens que impede a realização da política pública para os prematuros. Uma formação profissional voltada para o SUS e ainda direcionada para a integralidade na assistência precisa ter uma mudança na concepção de mundo, que reflete a maneira de entender os pacientes, o seu sofrimento e a sua realidade. Assim, dessa forma abrangente, orientar-se para a solução de problemas que atingem os indivíduos3232. Araújo D, Miranda MCGD, Brasil SL. Formação de profissionais de saúde na perspectiva da integralidade. Rev Baian. Saúde Pública. 2007;31(1):20-31..

Há ainda que considerar a especialização dos profissionais de saúde, que gera um melhor preparo e aptidão para cuidar do paciente visando à cura. Porém, como consequência, a singularidade e subjetividade do paciente têm sido deixadas sem atenção, como crenças, cultura, sentimentos, devido a algo no corpo que esteja manifestando doença, e o atendimento com qualidade e humanizado perdem espaço3838. Bolela F, Jericó MDC. Unidades de terapia intensiva: Considerações da literatura acerca das dificuldades e estratégias para sua humanização. Esc. Anna Nery Enferm. 2006;10(2):301-8..

Os autores3939. Alves LVV, Cardoso LS, Dimkoski EA. Percepção do programa saúde da família a partir de estagiários do projeto VER-SUS -vivências e estágios na realidade do sistema único de saúde. Rev Fam. Saúde Desenv. 2005;7(3):266-71. argumentam sobre a necessidade de discentes da área da saúde conhecer e o modelo de saúde do Brasil, o SUS, a fim de entender o funcionamento do sistema, provocar reflexões, colaborar para as ações multiprofissionais e interdisciplinares.

A política pública para os prematuros foi criada para justamente quebrar esse cuidado fragmentando e disciplinar, e assim, abrir espaço para a humanização nesse processo. Infelizmente, a formação dos profissionais de saúde não acompanhou essa mudança de paradigma no cuidado, e consequentemente observam-se práticas insuficientes para cuidar do bebê e da família. A concepção de ser humano e de cuidado, a burocracia, a formação, a gestão, enfim, vários componentes estão desajustados e em decorrência disso, não há cumprimento da política, e os indivíduos sofrem com um sistema de saúde que não supre a sua demanda.

Uma política não será exercida somente pela vontade e iniciativa dos "órgãos governamentais e/ou institucionais", mas sim, necessita do interesse de todos, ou seja, daqueles que estão ligados aos usuários e os profissionais, que expõe pelo seu trabalho e ações, as peculiaridades do serviço de saúde que está sendo viabilizado para a população4040. Backes DS, Koerich MS, Erdmann AL. Humanizando o cuidado pela valorização do ser humano: Re-significação de valores e princípios pelos profissionais de saúde. Rev Latino-am Enfermagem. 2007;15(1):34-41..

Conclusão

A política pública para o prematuro foi instituída para transformar a forma do cuidado, e assim abrir espaço para a humanização nessa tarefa. Os serviços de saúde estão estruturados pela forma fragmentada de cuidado, e isso perpetua atualmente. Em decorrência disso, as famílias e os bebês recebem uma assistência centrada em procedimentos técnicos e somente quando há doença, não sendo assistidos integralmente, pois muitas vezes as suas reais necessidades não recebem atenção. Salientam-se os grandes descompassos encontrados entre o conhecimento e a prática. Os discursos controversos dos profissionais e entre os diferentes serviços foram marcantes. O sistema está desorganizado e vive hoje um grande desajuste em todos os âmbitos, o que ocasionou as divergências encontradas. A formação disciplinar é um grande obstáculo para promover a interdisciplinaridade, e assim, corroborar com o que a política do Método Canguru preconiza sobre um cuidado integral a família e ao bebê.

Sendo o Método Canguru uma política pública nacional voltada à saúde do prematuro, considera-se como um acontecimento que incita a todos se movimentarem, que provoca mudanças nas atitudes e nas reflexões de todos os envolvidos, pois não compreende apenas uma política pública ou uma lei, mas alude também à própria consciência de cada pessoa em seu comprometimento pessoal e profissional.

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  • Fonte de auxílio: Fundação Araucária- Projeto PPSUS chamada 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2015
  • Aceito
    14 Out 2015
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