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Efeito do tratamento do desvio fonológico pelo modelo de estratos por estimulabilidade e complexidade dos segmentos com software de intervenção para fala (SIFALA)

RESUMO

O tema desse artigo aborda o efeito que o Modelo de Estrato por Estimulabilidade e Complexidade e o uso do Software de Intervenção para Fala resulta no tratamento do desvio fonológico. Realizou-se estudo de caso de quatro sujeitos com idade entre 4:10 a 6:7, de ambos os gêneros, com desvio fonológico. Todos os sujeitos foram submetidos a avaliação da fonologia, estimulabilidade, sistema estomatognático e triagem auditiva. O Modelo terapêutico baseou-se em uma abordagem eclética, na qual diferentes modelos, procedimentos e estratégias foram unidos, adaptados e criados. Cada sujeito foi tratado por um dos quatro estratos propostos no Modelo. O uso do Software de Intervenção para Fala teve como finalidade despertar a motivação da criança a partir de um código interativo, animado e lúdico. Analisaram-se os dados da avaliação fonológica e o número de consoantes produzidas corretamente, pré e após período de terapia. Utilizou-se o teste Qui-Quadrado, ao nível de significância de 5% (p<0,05). Verificou-se mudança no sistema de sons para todos os sujeitos tratados, na qual segmentos foram estabelecidos no inventário fonético e adquiridos no sistema fonológico. Os sujeitos tratados por estratos direcionados para maior complexidade do Modelo Implicacional de Complexidade de Traços apresentaram melhor avanço terapêutico. Entretanto, devido ao número reduzido de sujeitos não é possível fazer afirmações quanto ao estrato de maior eficácia. Conclui-se que o Modelo e o uso do Software de Intervenção para Fala resultam efeito positivo, contribuindo com o planejamento e o tratamento do desvio fonológico. Contudo, há necessidade de realização de outros estudos com ampliação casuística para confirmação dos achados.

Descritores:
Patologia da Fala e Linguagem; Reabilitação dos Transtornos da Fala e da Linguagem; Software; Instrução por Computador; Fala; Criança

ABSTRACT

This paper focuses on the effect of the Strata Model based on Stimulability and Segment Complexity combined with the use of Speech Intervention Software on phonological disorders treatment. A case study was conducted with four subjects aged between 4:10 and 6:7, both males and females, with phonological disorders. All subjects were assessed for phonological system, stimulability, stomatognathic system and hearing screening. The therapeutic model was based on a mixed approach, wherein different models, procedures and strategies were combined, adapted and created. Each subject was treated with one of the four strata proposed in the model. The use of Speech Intervention Software was aimed at motivating the children by means of an interactive, lively and playful code. An analysis was made of data on subjects' phonological system and number of correctly produced consonants, both before and after therapy. The Chi-square test was used with a level of significance at 5% (p< 0.05). There were changes in the sound system for all treated subjects: segments were established in their phonetic inventory and acquired in their phonological system. The subjects treated by the strata that were focused on greater complexity of the Implicational Model of Feature Complexity showed more therapeutic improvement. However, because there was a reduced number of subjects, greater effectiveness cannot be attributed to any of the strata at this point. In conclusion, the Model and the use of Speech Intervention Software had a positive effect, contributing to the planning and treatment of phonological speech disorders. However, further studies should be conducted with larger samples to confirm the findings.

Keywords:
Speech-Language Pathology; Rehabilitation of Speech and Language Disorders; Software; Computer-Assisted Instruction; Speech; Child

Introdução

O desvio fonológico é caracterizado por substituições, transposições, inserções e/ou apagamentos de sons em crianças durante o processo de aquisição da linguagem, sem causas orgânicas detectáveis. De acordo com a literatura, crianças com desvio fonológico apresentam, em sua maioria, um atraso na aquisição do sistema de sons de sua língua, apresentando padrões de fala semelhantes aos das crianças normais, porém em idades mais avançadas 11. Mota HB. Terapia fonoaudiológica para os desvios fonológicos. Rio de Janeiro: Revinter. 2001..

Considerando que o desvio fonológico pode trazer prejuízo para a comunicação da criança e para o processo de alfabetização, a terapia para o desvio fonológico precisa ser eficiente e rápida. Na busca de suprir essa necessidade, a forma como o segmento-alvo e as palavras-alvo é apresentada e treinada com a criança é fundamental para o êxito terapêutico.

Teorias de aquisição da linguagem referem que a criança aprende a partir da interação com o outro e também por meio de interação com o objeto. Dessa forma, quanto mais significativa for à interação e/ou mais atrativo e estimulante for o objeto, mais enriquecedora pode ser a aprendizagem. Neste contexto, o uso do computador pode ser um objeto capaz de favorecer o processo de ensino-aprendizagem, pois tem mostrado com um potencial atrativo infantil, além disso, sua utilização auxilia e aprimora o desenvolvimento de múltiplas experiências e possibilidades, promovendo vantagem sócio-cognitiva11. Mota HB. Terapia fonoaudiológica para os desvios fonológicos. Rio de Janeiro: Revinter. 2001..

Diante disso, os diferentes softwares pedagógicos e específicos de fala mostram-se como uma proposta, além de atrativa, de aprendizagem. Vários softwares foram desenvolvidos com fins fonoterapêuticos. Destacam-se para o tratamento do desvio fonológico, em falantes do Português Brasileiro, o software FonoSpeak e mais recentemente, o Software de Intervenção para Fala (SIFALA)22. Brancalioni AR. Modelo de estratos por estimulabilidade e complexidade dos segmentos: desenvolvimento e aplicação em software [Doutorado]. Santa Maria (RS): Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria; 2015.. O último permite selecionar segmentos-alvo segundo Modelo de Estratos, fundamentado no nível de produção do segmento e na complexidade de traços distintivos, a partir da análise do sistema de sons da criança e das generalizações previstas. Além disso, visa o tratamento do desvio fonológico, mediante seleção de palavras-estímulos em ambientes mais favoráveis e atividades lúdicas com recurso do computador para a correta produção do segmento-alvo nas palavras-estímulo, promovendo a generalização de segmentos22. Brancalioni AR. Modelo de estratos por estimulabilidade e complexidade dos segmentos: desenvolvimento e aplicação em software [Doutorado]. Santa Maria (RS): Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria; 2015..

A estimulabilidade, medida que identifica se os sons ausentes do inventário fonético da criança podem ser produzidos por meio de imitação33. Powell TW. The use of nonspeech oral motor treatments for developmental speech sound production disorders: interventions and interactions. Lang Speech, Hear Serv Sch. 2008;39(3):374-9., tem sido um dos critérios utilizados para selecionar sons-alvo para a terapia, para explicar os padrões de generalização e predizer o prognóstico do tratamento44. Powell TW, Miccio AW. Stimulability: a useful clinical tool. J Commun Disord. 1996;29:237-53.)-(88. Mota HB, Keske-Soares M, Busanello AR, Balardin JB. Modificações no sistema fonológico provocadas por fonemas-alvo estimuláveis e não-estimuláveis. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2006;11(3):181-7..

De acordo com a literatura, a generalização, ampliação e uso correto de segmentos-alvo estimulados em terapia para outros contextos ou ambientes não treinados, é o principal objetivo a ser alcançado na terapia e o critério utilizado para mensurar o progresso terapêutico99. Donicht G, Plagliarin KC, Mota HB, Keske-Soares M. O tratamento com os róticos e a generalização obtida em dois modelos de terapia fonológica. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23:71-6.),(1010. Pereira LL, Brancalioni AR, Keske-Soares M. Terapia fonológica com uso de computador: relato de caso. Rev CEFAC. 2013;15(3):681-8.. Além da generalização, o efeito da terapia também pode ser avaliado pela aquisição de segmentos no inventário fonético e sistema fonológico, visto que o principal objetivo da intervenção fonológi­ca é induzir ou facilitar a reorganização e/ou as mudanças no sistema de sons da criança1111. Crosbie S, Holm A, Dodd B. Intervention for children with severe speech disorder: a comparison of two approaches. Int J Lang Commun Disord. 2005;40(2):467-91.. Diante disso, o objetivo desse estudo foi verificar o efeito que o Modelo de Estrato por Estimulabilidade e Complexidade22. Brancalioni AR. Modelo de estratos por estimulabilidade e complexidade dos segmentos: desenvolvimento e aplicação em software [Doutorado]. Santa Maria (RS): Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria; 2015. e o uso do Software de Intervenção para Fala (SIFALA)22. Brancalioni AR. Modelo de estratos por estimulabilidade e complexidade dos segmentos: desenvolvimento e aplicação em software [Doutorado]. Santa Maria (RS): Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria; 2015. resulta no tratamento do desvio fonológico.

Apresentação de Casos Clínicos

Este estudo de caso, de caráter exploratório e comparativo, com abordagem quali-quantitativa, foi realizado a partir dos dados de fala de quatro sujeitos (S1, S2, S3 e S4) com idade entre quatro anos e dez meses a 6 anos e sete meses, com diagnóstico de desvio fonológico1212. Bagetti T, Mota HB, Keske-Soares M. Modelo de oposições máximas modificado: uma proposta de tratamento para o desvio fonológico. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2005;10:36-41.. Os dados foram coletados em projeto de pesquisa devidamente aprovado por Comitê em Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, em seus aspectos éticos e metodológicos de acordo com as Diretrizes estabelecidas na Resolução 196/96 e complementares do Conselho Nacional de Saúde, estando registrado no Conselho Nacional de Ética e Pesquisa (CONEP) sob número 612.815. As escolas, selecionadas por critério de conveniência para participar do estudo, autorizaram a realização da coleta na própria instituição, mediante assinatura do termo de Autorização Institucional do Local de Pesquisa.

Além disso, previamente à participação das crianças no estudo, seus pais e/ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE, autorizando a participação da criança no estudo. Ainda, todas as crianças aceitaram, livremente, participar da pesquisa, para tal, o seu consentimento foi obtido através do Termo de Assentimento às Crianças cuja finalidade foi informar objetivos, métodos, riscos e benefícios do estudo para as crianças e, convidá-las a participar, estando livres para escolher participar. Devido à idade das crianças, o consentimento foi fornecido oralmente e assinado pelo responsável.

O estudo foi desenvolvido em duas escolas de educação infantil da rede pública de ensino e, em uma escola de ensino fundamental, também na rede pública. Essas escolas situam-se em dois municípios da região nordeste do estado do Rio Grande do Sul, com população inferior a 10 mil habitantes e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM - 2013) de 0,70 e 0,72 tendo a economia baseada na agropecuária e sustentação na atividade rural.

A amostra recrutada foi composta por 45 sujeitos de ambos os sexos com idade entre quatro a oito anos. Todos os sujeitos foram submetidas à triagem fonoaudiológica que incluiu avaliação da fala e da linguagem, a fim de identificar crianças com desvio fonológico. A avaliação da fala foi realizada a partir da nomeação espontânea por meio das figuras temáticas, utilizadas em outros estudos88. Mota HB, Keske-Soares M, Busanello AR, Balardin JB. Modificações no sistema fonológico provocadas por fonemas-alvo estimuláveis e não-estimuláveis. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2006;11(3):181-7.)-(1010. Pereira LL, Brancalioni AR, Keske-Soares M. Terapia fonológica com uso de computador: relato de caso. Rev CEFAC. 2013;15(3):681-8.),(1313. Keske-Soares M. Terapia fonoaudiológica fundamentada na hierarquia implicacional dos traços distintivos aplicada em crianças com desvios fonológicos [Doutorado]. Porto Alegre (RS): Letras Linguística Aplicada da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2001.)-(1717. Marini C, Brancalioni AR, Gubiani MB, Freitas GP, Keske-Soares M, Cechella, C. O Fonema /r/ e as alterações do sistema estomatognático, idade, gênero e gravidade no desvio fonológico. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(4): 422-9..

Já a avaliação da linguagem compreensiva e expressiva, foi realizada por meio de interação e conversa informal, na qual foram observados os componentes lexicais, sintáticos, morfológicos e pragmáticos, principalmente a organização lógica do pensamento, a velocidade, ritmo e fluência da fala, a adequação de respostas e a execução de ordens simples e complexas.

A partir da triagem fonoaudiológica 14 sujeitos foram identificados com desvio fonológico. Esses sujeitos tiveram sua fala reavaliada pelo Instrumento de Avaliação Fonológica (INFONO)1818. Ceron MI. Instrumento de avaliação fonológica (INFONO): desenvolvimento e estudos psicométricos. [Doutorado]. Santa Maria (RS): Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria; 2015.. Esse instrumento, composto por um software de fácil aplicação, permite a coleta de um corpus de fala, foneticamente balanceado, sua transcrição fonética, bem como a análise e resultados do inventário fonético e sistema fonológico. Após foi classificada a gravidade do desvio fonológico por meio do Percentual de Consoantes Corretas Revisado (PCC-R)1919. Shriberg LD, Austin D, Lewis BA, McSweeny JL, Wilson DL. The percentage of consonants corrects (PCC) metric: extensions and reability data. J Speech Lang Hear Res. 1997;40:708-22..

Em seguida, foi avaliada a estimulabilidade dos segmentos que se apresentaram ausentes no inventário fonético, com recurso do computador, conforme proposto em outro estudo22. Brancalioni AR. Modelo de estratos por estimulabilidade e complexidade dos segmentos: desenvolvimento e aplicação em software [Doutorado]. Santa Maria (RS): Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria; 2015.. Além disso, os sujeitos foram submetidos à triagem auditiva, pela técnica de varredura a 20dB e a avaliação do sistema estomatognático na qual foram observados aspectos relacionados à forma, tonicidade, mobilidade, posicionamento e função dos órgãos fonoarticulatórios.

Como critério de inclusão os sujeitos deveriam apresentar, além do desvio fonológico, um sistema de sons que permitisse a seleção por um dos estratos de tratamento, proposto pelo Modelo de Estrato por Estimulabilidade e Complexidade dos Segmentos22. Brancalioni AR. Modelo de estratos por estimulabilidade e complexidade dos segmentos: desenvolvimento e aplicação em software [Doutorado]. Santa Maria (RS): Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria; 2015.. Além disso, demonstrar compreensão adequada a sua idade mental, capacidade intelectual apropriada para o desenvolvimento da linguagem, e ser membro de uma família de falantes monolíngues do Português Brasileiro. Ainda, não apresentar anormalidade anatômica ou fisiológica do mecanismo de produção da fala e/ou sinais de disfunção neurológica e respostas consistentes no nível de 20 dB para as frequências testadas, na triagem auditiva.

Os critérios de exclusão do estudo foram sinais indicativos de transtorno de Atenção e Hiperatividade (TDAH) ou de síndromes, comprometimento orgânico dos órgãos fonoarticulatórios (como por exemplo, fissura labiopalatina, frênulo lingual curto), além de comportamentos sugestivos de déficit intelectual ou de retardo de linguagem. Ainda, sistemas de sons com todos os segmentos presentes no inventário fonético e poucos segmentos alterados no sistema fonológico (menos de quatro segmentos: dois não adquiridos e dois parcialmente adquiridos2020. Bernhardt B. The application of nonlinear phonological theory to intervention with one phonologically disorders child. Clin Linguist Phon. 1992;6:123-45. no sistema fonológico).

Considerando todos os critérios de inclusão e exclusão, quatro sujeitos S1, S2, S3 e S4 compuseram a amostra desse estudo. A Figura 1 apresenta a caracteri­zação dos sujeitos, quanto sexo, idade, gravidade1919. Shriberg LD, Austin D, Lewis BA, McSweeny JL, Wilson DL. The percentage of consonants corrects (PCC) metric: extensions and reability data. J Speech Lang Hear Res. 1997;40:708-22. e sistema fonológico geral. Quanto à condição dos segmentos considerou-se, conforme estudo2020. Bernhardt B. The application of nonlinear phonological theory to intervention with one phonologically disorders child. Clin Linguist Phon. 1992;6:123-45. segmento adquirido produção correta de pelo menos 80%, segmento parcialmente adquirido produções corretas entre 40 e 79% e fonema não adquirido produção correta inferir a 40%.

Figura 1:
Caracterização dos sujeitos S1, S2, S3 e S4

Observa-se que a dificuldade de S1 centra-se, principalmente, no estabelecimento dos traços [cor, +cont] (-ant) que levam a especificação das fricativas palatais /(/ e /(/. Além disso, apresenta dificuldade na aquisição do onset complexo, com /l/, estrutura silábica mais complexa. S1 apresenta processo de anteriorização de fricativas palatais, semivocalização e substituição de líquida e redução de encontro consonantal.

De acordo com a literatura as características apresentadas por S1 expressam um atraso na aquisição fonológica verificado pela presença de processos supridos na aquisição fonológica típica entre quatro e cinco anos de idade, ou seja, quadro final de aquisição da líquida /r/, omissão de /s/ e /r/ em coda, redução de encontro consonantal e anteriorização de fricativas palatais. Segundo a classificação das desordens fonológicas, a apresentada por S1 é caracterizada como atrasada1313. Keske-Soares M. Terapia fonoaudiológica fundamentada na hierarquia implicacional dos traços distintivos aplicada em crianças com desvios fonológicos [Doutorado]. Porto Alegre (RS): Letras Linguística Aplicada da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2001..

A principal dificuldade apresentada por S2 esta no estabelecimento dos traços [dors, ±voz] que levam a especificação dos segmentos plosivos /k/ e /g/ e na co-ocorrência dos traços [+aprox, +cont, dors] para especificação de /R/. Esse sujeito apresenta os processos fonológicos de anteriorização de plosivas dorsais, semivocalização de líquida lateral e redução de encontro consonantal. De acordo com a literatura1313. Keske-Soares M. Terapia fonoaudiológica fundamentada na hierarquia implicacional dos traços distintivos aplicada em crianças com desvios fonológicos [Doutorado]. Porto Alegre (RS): Letras Linguística Aplicada da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2001., é possível classificar o sistema fonológico de S2, pré terapia, com características iniciais uma vez que os processos fonológicos de aquisição inicial, envolvendo segmentos menos complexos, ainda não foram suprimidos.

Conforme observado na Figura 1, S3 e S4 apresentam segmentos alterados em todas as classes de sons, exceto nas nasais. Os sistemas fonológicos desses sujeitos diferenciam de S1 e S2 por apresentar, além de um maior número de segmentos alterados, o processo de preferência sistemática por um som. No sistema fonológico de S3 os segmentos fricativos /f, s, (/ e /v, z, (/ são substituídos respectivamente por [t] e [d]. Já no sistema fonológico de S4, os segmentos /k, s, (/ e /g, z e (/ são substituídos respectivamente por [t] e [d]. Além dessas substituições, ocorrem apagamento, semivocalização ou substituição de líquidas, redução de encontro consonantal e, ainda, para S3 dessonorização.

A presença do processo de preferência sistemática por um som permite classificar esses sistemas fonológicos desviantes com características incomuns1313. Keske-Soares M. Terapia fonoaudiológica fundamentada na hierarquia implicacional dos traços distintivos aplicada em crianças com desvios fonológicos [Doutorado]. Porto Alegre (RS): Letras Linguística Aplicada da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2001.) uma vez que esses sistemas estão bastante defasados em relação ao desenvolvimento fonológico normal, na qual se verificam inventário fonético e fonológico restritos, comprometimento de níveis iniciais de aquisição, havendo restrições de contrastes de traços, severa ininteligibilidade da fala e presença de diversos homônimos.

Na Figura 1, também está descrito o estrato selecionado para o tratamento e os respectivos segmentos-alvo, bem como o número de sessões de terapia. A seleção do estrato foi estabelecida pela proximidade entre a quantidade de segmentos alterados e por sorteio aleatório. Assim S1 e S2, que apresentaram um menor número de segmentos alterados, foram incluídos para os estratos de Baixa Produção do Segmento, enquanto que S3 e S4, que apresentaram um maior número de segmentos alterados foram incluídos para os estratos de Alta Produção do Segmento. Em seguida, para definir a seleção quanto à complexidade foi realizado um sorteio aleatório, permitindo a aplicação dos quatro estratos.

A terapia a partir do Modelo de Estratos por Estimulabilidade e Complexidade22. Brancalioni AR. Modelo de estratos por estimulabilidade e complexidade dos segmentos: desenvolvimento e aplicação em software [Doutorado]. Santa Maria (RS): Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria; 2015. tomou por base uma abordagem eclética, na qual diferentes modelos, procedimentos e estratégias foram unidos, adaptados e criados. O uso do SIFALA22. Brancalioni AR. Modelo de estratos por estimulabilidade e complexidade dos segmentos: desenvolvimento e aplicação em software [Doutorado]. Santa Maria (RS): Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria; 2015. teve como finalidade despertar a motivação da criança a partir de um código interativo, animado e lúdico. O terapeuta utilizou esse recurso como um instrumento facilitador para a intervenção, na qual todas as atividades terapêuticas foram conduzidas pelo fonoaudiólogo que atuou como um moderador no processo de estimulação e de aprendizagem.

A intervenção terapêutica para S1, S2, S3 e S4 foi estruturada da seguinte forma:

Antes de iniciar a intervenção terapêutica foi realizada a linha de base e, sempre após cinco sessões de terapia a sondagem, com o objetivo de avaliar a evolução terapêutica. A linha de base e as sondagens foram realizadas utilizando cinco ou seis palavras para cada segmento que se encontravam parcialmente adquirido ou não adquirido, nas diferentes posições silábicas, verificadas no sistema fonológico da avaliação pré-terapia1212. Bagetti T, Mota HB, Keske-Soares M. Modelo de oposições máximas modificado: uma proposta de tratamento para o desvio fonológico. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2005;10:36-41.. Tanto a Linha de Base quanto as sondagens foram realizadas com a utilização do SIFALA22. Brancalioni AR. Modelo de estratos por estimulabilidade e complexidade dos segmentos: desenvolvimento e aplicação em software [Doutorado]. Santa Maria (RS): Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria; 2015. que permitiu coletar, gravar e gerar os percentuais de acertos para cada segmento nas diferentes posições.

A seleção dos segmentos-alvo seguiu a ordem de tratamento determinada pelo estrato selecionado. Todos os segmentos do estrato foram estimulados, exceto quando o sujeito apresentava idade cronológica inferior à idade de aquisição do segmento ou quando verificada produção correta de 100% do segmento na sondagem.

Todos os sujeitos foram submetidas ao Período 1 (P1) de estimulação, que compreendeu a estimulação de todos os segmentos-alvo do estrato selecionado (na ordem listada). Logo, o número de sessões de terapia variou entre os sujeitos.

A intervenção terapêutica iniciou com o primeiro segmento-alvo determinado pelo estrato selecionado. Quando a criança alcançou 50% ou mais de produção correta2121. Tyler AA, Figurski GR. Phonetic inventory changes after treating distinctions along an implicational hierarchy. Clin Linguist Phon. 1994;8(2):91-107.) ou, após estimulação consecutiva de três sessões de terapia com o mesmo segmento-alvo, o próximo segmento do estrato foi selecionado como alvo.

Quanto à estrutura das sessões de terapia, cada sessão foi realizada individualmente, com duração de 30 minutos e com frequência de três vezes na semana. Em todas as sessões apenas um segmento-alvo foi estimulado a partir das estratégias e da seguinte forma:

Bombardeio auditivo - realizado no início e no final de cada sessão de terapia, conforme apresentação do SIFALA22. Brancalioni AR. Modelo de estratos por estimulabilidade e complexidade dos segmentos: desenvolvimento e aplicação em software [Doutorado]. Santa Maria (RS): Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria; 2015., com o objetivo de estimular e facilitar o desenvolvimento de novas imagens auditivas.

Treino de imitação do segmento-alvo - imitação do segmento-alvo isoladamente (som) e em nível silábico, conforme previsto no SIFALA22. Brancalioni AR. Modelo de estratos por estimulabilidade e complexidade dos segmentos: desenvolvimento e aplicação em software [Doutorado]. Santa Maria (RS): Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria; 2015., com a finalidade de verificar a estimulabilidade (produção correta) do segmento-alvo.

Práticas para colocação do segmento-alvo - nos casos em que o sujeito não foi capaz de imitar a produção correta do segmento-alvo isoladamente ou em sílaba, um conjunto de estratégias para produção do segmento-alvo foi realizado. A execução dessa atividade teve como finalidade conscientizar as características de ponto e modo articulatório do segmento-alvo, bem como, facilitar a sua produção. O tempo de execução da atividade foi no máximo de cinco minutos e um, espelho pequeno, disponível sobre a mesa, próximo à criança, foi utilizado quando necessário para ampliar a consciência visual e o auto-controle do gesto motor. Além do espelho, se utilizou espátula, estetoscópio, chocolate em pó, doce de leite e canudinho. A estimulação visual e a produção proprioceptiva possibilitam que a criança imite o som para organizar os padrões da informação fonológica.

Discriminação auditiva - sujeito é solicitado a analisar pares de sílabas e a identificar sílabas iguais e sílabas diferentes, conforme atividade lúdica disponibilizada no SIFALA22. Brancalioni AR. Modelo de estratos por estimulabilidade e complexidade dos segmentos: desenvolvimento e aplicação em software [Doutorado]. Santa Maria (RS): Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria; 2015., realizada em vídeo e áudio e em apenas em áudio, com a finalidade de auxiliar na compreensão de diferenças auditivas e de produção, quanto ao segmento-alvo e seu substituto ou quanto à presença e ausência do segmento-alvo.

Estimulação do segmento-alvo a nível de palavra e/ou de sentença - oito palavras-estímulo cuidadosamente selecionadas, conforme critérios estabelecido em outro estudo22. Brancalioni AR. Modelo de estratos por estimulabilidade e complexidade dos segmentos: desenvolvimento e aplicação em software [Doutorado]. Santa Maria (RS): Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria; 2015. foram treinadas em dez atividades de brincadeira-treino, disponível no SIFALA22. Brancalioni AR. Modelo de estratos por estimulabilidade e complexidade dos segmentos: desenvolvimento e aplicação em software [Doutorado]. Santa Maria (RS): Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria; 2015., para estimular a produção correta das palavras-estímulo por repetição e por nomeação espontânea. O principal objetivo das atividades de brincadeira-treino foi promover a produção correta das palavras-estímulo, várias vezes, a fim de facilitar o desenvolvimento de novas imagens auditivas e cinestésicas, bem como facilitar a produção correta e a autocorreção11. Mota HB. Terapia fonoaudiológica para os desvios fonológicos. Rio de Janeiro: Revinter. 2001..

Outra contribuição importante ao tratamento, também preconizado na literatura e em outros modelos de terapia é a orientação aos pais e a realização de atividades em casa1212. Bagetti T, Mota HB, Keske-Soares M. Modelo de oposições máximas modificado: uma proposta de tratamento para o desvio fonológico. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2005;10:36-41.),(1313. Keske-Soares M. Terapia fonoaudiológica fundamentada na hierarquia implicacional dos traços distintivos aplicada em crianças com desvios fonológicos [Doutorado]. Porto Alegre (RS): Letras Linguística Aplicada da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2001.),(2121. Tyler AA, Figurski GR. Phonetic inventory changes after treating distinctions along an implicational hierarchy. Clin Linguist Phon. 1994;8(2):91-107.),(2222. Keske-Soares M, Brancalioni AR. PTF para Uso da Tecnologia Computadorizada no desvio Fonológico. In: Pró-Fono. (Org.) Planos Terapêuticos Fonoaudiológicos (PTFs). Barueri: PRÓ-FONO; 2012. p. 39-53.. Entretanto, a fim de evitar variáveis no tratamento, decorrentes da participação/contribuição da família no processo terapêutico, não foram fornecidas orientações ou atividades aos pais.

Também foi realizada a análise de confiabilidade da avaliação fonológica pré-terapia e após o P1, de S1, S2, e S4, por três fonoaudiólogos, experientes em fala com desvios, que foram orientados a realizar a transcrição fonética ampla, utilizando o Alfabeto Fonético Internacional (IPA - International Phonetic Alphabet) a partir das gravações em áudio. Essas gravações foram editadas, retirando informações dos sujeitos e das avaliações, sendo identificadas por pseudônimo. As palavras emitidas pelos sujeitos foram transcritas em protocolo específico, identificada pelo mesmo pseudônimo correspondente da gravação em áudio.

Posteriormente, foi calculado o percentual de confiabilidade entre a transcrição fonética realizada pelo pesquisador e a realizada pelos fonoaudiólogos, para isso, foram comparados todos os segmentos consonantais ocorridos na amostra, mesmo procedimento realizado em outro estudo2323. Williams AL, Elbert M. A prospective longitudinal study of phonological development in late talkers. Lang Speech Hear Serv Sch. 2003;34:138-53.. A média do percentual de confiabilidade foi de 93,5%, variando entre 87 a 98% (desvio padrão 3,5%).

Os dados do inventário fonético e do sistema fonológico foram analisados pré terapia e após o Período 1 de terapia para S1, S2, S3 e S4. Por fim, foi comparado o número de consoantes produzidas corretamente entre a avaliação fonológica pré terapia e após o período 1 de terapia. Os dados foram executados no Programa Statistica, Versão 9.1, utilizou-se o teste Qui-Quadrado, ao nível de significância de 5% (p<0,05).

Resultados

Na Figura 2 estão representados os resultados referente ao inventário fonético, sistema fonológico e avaliação da estimulabilidade pré e após o Período 1 (P1) de terapia para S1, S2, S3 e S4. Verificar-se que todos os segmentos ausentes, no inventário fonético, para S1, S2, S3 e S4, tornaram-se presentes após o P1 de terapia. Além disso, observa-se que todos os sujeitos adquiriram segmentos após o P1 de terapia.

Figura 2:
Sistema fonológico geral, inventário fonético e estimulabilidade pré terapia e após período 1 de terapia para S1, S2, S3 e S4

A Figura 3 ilustra o número de segmentos produzidos pré e após o P1 de terapia para S1, S2, S3 e S4. Verifica-se que todos os sujeitos produziram um maior número de segmentos corretos após P1 de terapia, sendo esta diferença estatisticamente significativa.

Figura 3:
Número de segmentos produzidos pré e após o Período 1 (P1) de terapia para S1, S2, S3 e S4

Discussão

Todos os segmentos ausentes, para S1, S2, S3 e S4, tornaram-se presentes após o P1 de terapia. Esse achado revela que os sujeitos apresentaram evolução quanto à capacidade de articular os segmentos alterados. Diante disso, sugere-se que o enfoque na estimulabilidade, incluído pela abordagem eclética, sobre o treino da imitação do segmento-alvo e das estratégias para colocação do segmento contribuiu de forma ativa para obtenção de tais resultados.

Um estudo que comparou a evolução do sistema fonológico de crianças com desvio fonológico submetidos à terapia fonológica, acrescida ou não de estimulação das habilidades práxicas orofa­ciais, verificou que apenas o grupo tratado com habilidades práxicas de língua acrescida à terapia fonológica adquiriu todos os segmentos ausentes no inventário fonético2424. Gubiani MB, Keske-Soares M. Evolução fonológica de crianças com desvio fonológico submetidas a diferentes abordagens terapêuticas. Rev CEFAC. 2014;16(2):663-71.. Outros estudos também relataram a aquisição de sons no inventário fonético, após a terapia a partir de diferentes modelos de intervenção fonológica1414. Ceron MI, Keske-Soares M. Análise do progresso terapêutico de crianças com desvio fonológico após aplicação do Modelo de Oposições Múltiplas. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24:91-5.)-(1616. Keske-Soares M, Brancalioni AR, Marini C, Pagliarin KC, Ceron MI. Eficácia da terapia para desvios fonológicos com diferentes modelos terapêuticos. Pró-Fono R Atual Cient. 2008;20(3):153-8.),(2525. Williams AL. Assessment, target selection, and intervention: dynamic interactions within a systemic perspective. Top Lang Disord. 2005;25(3):231-42..

Quanto ao sistema fonológico, observa-se que todos os sujeitos adquiriram segmentos após o P1 de terapia. Esse achado revela que a terapia alcançou o objetivo de promover a aquisição de segmentos, tornando a fala da criança mais inteligível. De forma geral, observa-se que as maiores aquisições no sistema fonológico de S1, S2, S3 e S4 ocorreram para os segmentos alterados que estavam presentes no inventário fonético ou que se mostravam estimuláveis na avaliação da prova de estimulabilidade. Esse achado concorda com a literatura que refere que sistemas fonológicos cujos segmentos alterados são estimuláveis apresentam melhores prognósticos44. Powell TW, Miccio AW. Stimulability: a useful clinical tool. J Commun Disord. 1996;29:237-53.)-(88. Mota HB, Keske-Soares M, Busanello AR, Balardin JB. Modificações no sistema fonológico provocadas por fonemas-alvo estimuláveis e não-estimuláveis. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2006;11(3):181-7..

S3, de grau severo, tratado pelo estrato Baixa Produção do Segmento direcionada para Maior Complexidade do MICT, apresentou o maior número de segmentos adquiridos no sistema fonológico. De acordo com a literatura o tratamento de sistemas fonológicos mais severos, que apresentam maior número de sons alterados, resulta em maiores segmentos adquiridos1616. Keske-Soares M, Brancalioni AR, Marini C, Pagliarin KC, Ceron MI. Eficácia da terapia para desvios fonológicos com diferentes modelos terapêuticos. Pró-Fono R Atual Cient. 2008;20(3):153-8..

S3 e S4 apresentaram em comum após o P1 de terapia, o segmento /r/ não adquirido no sistema fonológico em nenhuma das posições de coda, onset simples e complexo. Esse achado corrobora estudo que refere que segmento-alvo não estimulável é mais difícil de ser ensinado e aprendido88. Mota HB, Keske-Soares M, Busanello AR, Balardin JB. Modificações no sistema fonológico provocadas por fonemas-alvo estimuláveis e não-estimuláveis. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2006;11(3):181-7.. Além disso, evidencia a complexidade do segmento /r/ e a maior dificuldade em adquiri-lo devido, provavelmente, a necessidade de movimentos mais precisos e finos da língua1717. Marini C, Brancalioni AR, Gubiani MB, Freitas GP, Keske-Soares M, Cechella, C. O Fonema /r/ e as alterações do sistema estomatognático, idade, gênero e gravidade no desvio fonológico. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(4): 422-9. e ao fato desse segmento ocupar posições mais complexas na sílaba, sendo as últimas aquisições fonológicas evidenciadas por crianças com desenvolvimento fonológico normal2626. Oliveira CC, Mezzomo CL, Freitas GCM, Lamprecht RR. Cronologia da aquisição de segmentos e das estruturas silábicas. In.: Lamprecht R. R. (Org.) A aquisição fonológica do português: perfil de desenvolvimento e subsídios para terapia. Porto Alegre: Artmed; 2004. p. 193-212..

Por fim, embora tenham ocorrido importantes evoluções no tratamento de S3 e S4, após 28 e 32 sessões de terapia, respectivamente, os dados da reavaliação apontam a necessidade da continuidade da terapia. O tratamento de sistemas fonológicos mais severos, por apresentar maior ininteligibilidade de fala, menor conhecimento fonológico e necessitarem adquirir um maior número de segmentos, necessitam de um maior número de sessões terapêuticas para alcançar alta fonoaudiológica2727. Backes F, Pegoraro SP, Costa VP, Wiethan FM, Melo RM, Mota HB. A influência da gravidade do desvio fonológico na determinação da alta fonoaudiológica. Distúrb Comun. 2013;25:65-72..

Visto que o principal objetivo da intervenção fonológi­ca é induzir ou facilitar a reorganização e/ou as mudanças no inventário fonológico de sujeitos que apresentam desvio fono­lógico1111. Crosbie S, Holm A, Dodd B. Intervention for children with severe speech disorder: a comparison of two approaches. Int J Lang Commun Disord. 2005;40(2):467-91.) é esperado verificar na fala da criança maior produção correta dos segmentos com a terapia, esse objetivo foi alcançado na intervenção de S1, S2, S3 e S4. Isso evidencia que a intervenção terapêutica promoveu a produção correta de segmentos tornando a fala dos sujeitos mais inteligíveis.

Além disso, esses achados revelam que a terapia, a partir do estrato e das palavras-estímulo selecionadas, com as atividades realizadas no SIFALA22. Brancalioni AR. Modelo de estratos por estimulabilidade e complexidade dos segmentos: desenvolvimento e aplicação em software [Doutorado]. Santa Maria (RS): Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria; 2015., foi eficaz para o tratamento de S1, S2, S3 e S4. Corroborando dados da literatura que referem que o emprego de softwares na terapia de fala tem apontado resultados positivos1010. Pereira LL, Brancalioni AR, Keske-Soares M. Terapia fonológica com uso de computador: relato de caso. Rev CEFAC. 2013;15(3):681-8.),(2828. Wren Y, Roulstone S. A comparison between computer and tabletop delivery of phonology therapy. Int. J. Speech Lang. Pathol. 2008;10(5):346-63.),(2929. Wren Y, Roultone S, Williams AL. Computer-based interventions. In.: Williams AL, Mcleod S, Mccauley RJ. Interventions for speech sound disorders in children. Baltimore: Paul. H Brookes Publishing; 2010. p.275-294..

Os resultados da terapia com a aplicação do software apontam que o uso do computador é capaz de oferecer uma terapia eficiente levando a aquisições de sons. De acordo com pesquisadores, os softwares auxiliam porque durante as atividades com o computador, a criança se envolve em um programa interativo de realização de exercícios baseados na produção e/ou na percepção dos sons-alvo2929. Wren Y, Roultone S, Williams AL. Computer-based interventions. In.: Williams AL, Mcleod S, Mccauley RJ. Interventions for speech sound disorders in children. Baltimore: Paul. H Brookes Publishing; 2010. p.275-294.),(3030. Masterson JJ, Rvachew S. Use of technology in phonological intervention. Semin Speech Lang. 1999;20(3):233-49..

Segundo a literatura1010. Pereira LL, Brancalioni AR, Keske-Soares M. Terapia fonológica com uso de computador: relato de caso. Rev CEFAC. 2013;15(3):681-8.),(3030. Masterson JJ, Rvachew S. Use of technology in phonological intervention. Semin Speech Lang. 1999;20(3):233-49. o uso do computador, como instrumento de intervenção é capaz de favorecer maiores evoluções no sistema fono­lógico que a terapia padrão, uma vez que os softwares específicos são uma forma de inovar a terapia fonoaudiológica com a finalidade de torná-la mais adequada aos atuais inte­resses infantis1010. Pereira LL, Brancalioni AR, Keske-Soares M. Terapia fonológica com uso de computador: relato de caso. Rev CEFAC. 2013;15(3):681-8.),(2929. Wren Y, Roultone S, Williams AL. Computer-based interventions. In.: Williams AL, Mcleod S, Mccauley RJ. Interventions for speech sound disorders in children. Baltimore: Paul. H Brookes Publishing; 2010. p.275-294..

Ainda, pode-se inferir que os resultados positivos foram alcançados, pois as atividades de treino e de brincadeira-treino desenvolvidas e praticadas no SIFALA22. Brancalioni AR. Modelo de estratos por estimulabilidade e complexidade dos segmentos: desenvolvimento e aplicação em software [Doutorado]. Santa Maria (RS): Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria; 2015. permitiram explorar e alcançar os objetivos do tratamento que incluíram ensinar a articulação correta dos sons da fala e facilitar a organização dos conceitos, a representação lexical e o armazenamento das informações a respeito do sistema de sons e fones da fala.

Conclusão

O Modelo de Estrato por Estimulabilidade e Complexidade dos Segmentos e o uso do Software de Intervenção para Fala (SIFALA) proporcionou mudanças no sistema de sons dos sujeitos tratados, na qual segmentos foram estabelecidos no inventário fonético e adquiridos no sistema fonológico. Conclui-se que o Modelo e o uso do SIFALA resultam efeito positivo, contribuindo com o planejamento e o tratamento do desvio fonológico. Contudo, há necessidade de realização de outros estudos com ampliação casuística para confirmação dos achados.

Todos os sujeitos, tratados pelos diferentes estratos, apresentaram evoluções no sistema fonológico. Entretanto, os sujeitos tratados por estratos direcionados para maior complexidade do MICT apresentaram melhor avanço terapêutico, porém devido ao número reduzido de sujeitos e os sistemas fonológicos iniciais serem distintos, não é possível fazer afirmações quanto ao estrato de maior eficácia.

Por fim, o SIFALA foi utilizado como um instrumento facilitador na terapia, tendo as atividades de brincadeiras-treino embasadas em procedimentos, técnicas ou estratégias calcadas na literatura e prática clínica. Dessa forma, o SIFALA cumpriu a recomendação descrita na literatura que um softwre pode ser utilizado como uma forma de direcionar a terapia, desde que mantenha uma base teórica e que evidencias clínicas também sejam consideradas.

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  • Fontes de auxílio à pesquisa: FAPERGS/PRONEX

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2016

Histórico

  • Recebido
    29 Out 2015
  • Aceito
    03 Dez 2015
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