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Expressividade vocal e corporal para falar bem no telejornalismo: resultados de treinamento

RESUMO

Objetivo:

descrever as mudanças dos recursos vocais e gestuais de uma simulação de passagem de reportagem para a televisão após treinamento fonoaudiológico para estudantes de Jornalismo.

Métodos:

estudo longitudinal, no qual participaram 23 estudantes de um curso de Comunicação Social, de ambos os gêneros, com média de idade de 22 anos. Um treinamento teórico-prático de expressividade vocal e gestual para apresentações em telejornalismo foi ministrado para os estudantes. Os voluntários foram divididos aleatoriamente em dois grupos - grupo treinamento e grupo controle. Para avaliação do efeito do treinamento dois procedimentos foram utilizados: autoavaliação geral da expressividade e uma avaliação fonoaudiológica dos aspectos vocais, corporais e de expressividade geral.

Resultados:

dos 12 participantes do grupo treinamento, nove (75%) apresentaram mudanças positivas, principalmente na expressão geral e nos parâmetros curva melódica, ênfase e pausa (75%). Os parâmetros que menos se modificaram foram loudness (5,33%) e ressonância (25%). No grupo controle, 70% dos participantes tiveram a expressão geral e os parâmetros específicos considerados como similares. Após o treinamento os participantes do grupo treinamento autoavaliaram a expressão geral de forma positiva (média das notas de 8,2) e apontaram que o treinamento contribuiu para a formação profissional (média das notas de 9,8).

Conclusão:

o treinamento "Expressividade vocal e corporal para falar bem no telejornalismo" promove mudanças na expressividade em estudantes de Jornalismo. A melhora é expressiva para a expressão geral, ênfase, curva melódica e pausa. As mudanças indicadas na autoavaliação da expressividade geral foram maiores do que as indicadas na avaliação fonoaudiológica após o treinamento.

Descritores:
Voz; Jornalismo; Fonoaudiologia; Fonação; Comunicação

ABSTRACT

Purpose:

to describe the changes of vocal and gestural features a story crossing simulation for television after speech training journalism students.

Methods:

longitudinal study, which was attended by 23 students of the Social Communication course, of both genders, with a mean age of 22 years. A theoretical and practical training of vocal and gestural expressiveness for presentations in television journalism was given to the students. The volunteers were randomly divided into two groups - training and control groups. To evaluate the effect of training two procedures were used: general self-assessment of expressiveness and of the speech therapist assessment of the vocal aspects, body and overall expressiveness.

Results:

of the 12 participants in the training group, nine (75%) showed positive changes, especially in the general expression and in the parameters melodic curve, emphasis and pauses (75%). The parameters that were less modified were loudness (5.33%) and resonance (25%). In the control group, 70% of participants had the general expression and the specific parameters considered as similar pre and post training. After the training the participants of the training group self-rated general expression as positive (average grade 8.2) and pointed out that the training contributed to the professional training (average grade 9.8).

Conclusion:

the training "vocal expressiveness and body to speak well in telejournalism" causes changes in the expression of Journalism students. The improvement is significant to the overall expression, emphasis, melodic curve and pauses. The self-assessment showed greater change in the overall expressiveness after training in relation to the speech therapist assessment.

Keywords:
Voice; Journalism; Speech therapy, Language and Hearing Sciences; Phonation; Communication

Introdução

A atuação fonoaudiológica para repórteres de telejornalismo engloba a saúde vocal e a expressividade. Nos últimos anos, esta atuação vem se transformando e o aprimoramento comunicativo ganha mais espaço. A expressividade abrange recursos verbais e não-verbais que devem estar em sintonia e apresentar-se de forma coerente com o assunto a ser noticiado11. Santos AAL, Pereira EC, Marcolino J, Dassiê-Leite AP. Autopercepção e qualidade vocal de estudantes de jornalismo. Rev CEFAC. 2014;16(2):566-72.),(22. Penteado RZ, Gastaldello LM, Silva EC. Mudanças no telejornalismo esportivo e os efeitos na expressividade: estudo dos recursos vocais e não verbais dos apresentadores no programa Globo Esporte. Rev Dist Comun. 2014;26(3):482-92..

Uma locução de qualidade em telejornal, com boa expressividade oral e gestual, está atrelada a um bom texto, o que consequentemente produz uma comunicação livre de ruídos e com valorização da informação33. Kyrillos LCR, Cotes C, Feijó D. Voz e corpo na TV: a fonoaudiologia a serviço da comunicação. Ed. Globo. São Paulo, 2003.. Contudo, alguns repórteres de televisão e principalmente estudantes de jornalismo não possuem preparo vocal ou expressividade comunicativa para narrar bem o seu próprio texto44. Chun RYS, Servilha EAM, Santos LMA, Sanches MH. Promoção da saúde: o conhecimento do aluno de jornalismo sobre sua voz. Rev Dist Comun. 2007;19(1):73-80..

Neste cenário, a atuação fonoaudiológica tem sido cada vez mais necessária. Ela promove o aprimoramento da qualidade vocal e dos recursos corporais para transmitir informações com credibilidade,55. Azevedo JBM, Ferreira LP, Kyrillos L. Julgamento de telespectadores a partir de uma proposta de intervenção fonoaudiológica com telejornalistas. Rev CEFAC. 2009;11(2):281-9.),(66. Kyrillos LCR. Fonoaudiologia e Telejornalismo: Relatos de experiências na Rede Globo de Jornalismo. Ed. Revinter, Rio de Janeiro, 2003. o que evita distorções da mensagem e interferência comunicativa negativa na reportagem77. Silva EC, Penteado RZ. Caracterização das inovações do telejornalismo e a expressividade dos apresentadores. Audiol Commun Res. 2014;19(1):61-8..

Uma das formas de proporcionar ou melhorar o desempenho comunicativo de profissionais da voz é o treinamento em grupo88. Almeida AAF, Telles MQ. A autopercepção como facilitadora de terapia vocal em grupo. Distúrb Comun. 2009;21(3):373-83.. A intervenção fonoaudiológica em grupo facilita o processo de aperfeiçoamento, promove o acolhimento, o vínculo e o compartilhamento de vivências entre os participantes, auxilia na construção conjunta de conhecimento, além de propiciar novos significados inerentes ao processo de aprimoramento, incentivando a tomada de posição no que tange aos hábitos e comportamentos desfavoráveis 99. Ribeiro VV, Panhoca I, Dassie-Leite AP, Bagarollo MF. Grupo terapêutico em Fonoaudiologia: revisão de literatura. Rev CEFAC. 2012;14(3):544-52.),(1010. Van Noppen BL, Pato MT, Marsland R, Rasmussen SA. A time-limited behavioral group for treatment of obsessive-compulsive disorder. J Psychother. Pract Res. 1998;7(4):272-80..

Um treinamento fonoaudiológico realizado com dois grupos de telejornalistas, durante dez meses, produziu mudanças positivas no desempenho comunicativo dos participantes, sendo que estes passaram a envolver mais o telespectador e transmitir a notícia com mais naturalidade1111. Santos TD, Pedrosa V, Mara Behlau M. Comparação dos atendimentos fonoaudiológicos virtual e presencial em profissionais do telejornalismo. Rev CEFAC. 2015;17(2):385-95.. Outro estudo, após treinamento fonoaudiológico de expressividade para telejornalistas, apresentou resultados significantes de melhora comunicativa, segundo a autopercepção dos telespectadores55. Azevedo JBM, Ferreira LP, Kyrillos L. Julgamento de telespectadores a partir de uma proposta de intervenção fonoaudiológica com telejornalistas. Rev CEFAC. 2009;11(2):281-9.. Ainda, um programa de intervenção fonoaudiológica para um grupo de telejornalistas evidenciou mudanças positivas na expressividade oral de seus integrantes gerando maior credibilidade e clareza durante a transmissão da notícia1212. Trindade LLM, Ferreira LP. Julgamento do efeito de um programa de intervenção fonoaudiológica na expressividade oral de repórteres. [dissertação]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2008..

Embora existam estudos que trataram dos resultados do treinamento fonoaudiológico para telejornalismo, estes ainda são poucos e difíceis de serem generalizados e/ou sistematizados. Deste modo, faz-se relevante o desenvolvimento de estudos que descrevam mais detalhadamente tais treinamentos, com medidas de desfechos que incluam avaliações de autopercepção, além da avaliação fonoaudiológica. Acredita-se que pesquisas desta natureza favoreçam o conhecimento científico e a prática clínica.

Para tanto, o presente estudo teve por objetivo descrever as mudanças dos recursos vocais e gestuais em uma simulação de passagem de reportagem para a televisão, após treinamento fonoaudiológico para estudantes de Jornalismo de uma curso de Comunicação Social.

Métodos

Este trabalho foi analisado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais e aprovado sob protocolo ETC 763.424. Todos os convidados concordaram em participar da pesquisa assinando o "Termo de Consentimento Livre e Esclarecido".

Trata-se de um estudo longitudinal, com amostra de conveniência, composta por 23 estudantes, do Curso de Comunicação Social com habilitação para Jornalismo. Os participantes eram estudantes do 1o ao 7o períodos do curso e se inscreveram voluntariamente para participar do treinamento "Expressividade vocal e corporal para falar bem no telejornalismo".

O objetivo geral do treinamento foi aprimorar o desempenho comunicativo no telejornalismo. Ele foi composto por seis módulos: (1) Entrosamento de grupo; (2) Produção vocal e saúde da voz; (3) Voz e corpo no telejornalismo; (4) Técnicas vocais para o telejornalismo; (5) Técnicas corporais para a expressividade no telejornalismo; (6) Oficina de texto e locução.

O treinamento foi composto por dois encontros de quatro horas cada, ministrado por uma especialista em voz, com experiência em telejornalismo e oferecido gratuitamente para os participantes (Anexo I).

A metodologia do treinamento foi teórico-prática e incluiu uma parte expositiva e várias dinâmicas de grupo com atividades práticas. A estruturação metodológica objetivou conciliar orientação teórica e prática, e criar uma interação dialógica entre o grupo e a prática das abordagens propostas.

Os critérios de inclusão foram: ser estudante do curso de Comunicação Social (Jornalismo), com idade acima de 18 anos, sem experiência em telejornalismo. Foram excluídos os alunos com disfonia e/ou gagueira e os que não cumpriram pelo menos 70% da carga horária do treinamento.

Após a inscrição voluntária, os participantes foram randomizados em dois grupos: Grupo treinamento (GT) e um Grupo controle (GC). O GT foi composto por 12 participantes, sendo oito mulheres e quatro homens. O GC foi composto por 11 estudantes, oito homens e três mulheres. A média de idade dos grupos foi 22 anos.

Para a coleta dos dados, os estudantes de ambos os grupos foram gravados em vídeo, simulando uma passagem de reportagem para a televisão. Com o GT as gravações foram realizadas antes e após o treinamento fonoaudiológico, e com os participantes do GC as gravações ocorreram no intervalo de duas semanas, antes deste grupo ser submetido a qualquer intervenção fonoaudiológica.

Todas as gravações foram realizadas por um mesmo indivíduo, aleatório à pesquisa, que utilizou uma câmera da marca Sony, modelo HDR PJ230. Os participantes ficaram na posição de pé e simularam a leitura de uma passagem de reportagem (momento em que o repórter aparece no vídeo, no local da notícia), cujo texto, de conteúdo sério, foi retirado de um site de telejornal aberto da internet. O tempo estimado de gravação foi de 03 minutos. Cada participante treinou a leitura do texto previamente, por quatro vezes, nos dois momentos.

Após a primeira filmagem, o GT iniciou o treinamento que aconteceu em dois encontros, de quatro horas/cada, durante duas semanas consecutivas. O GC não se submeteu a nenhum outro treinamento para expressividade neste período. Após duas semanas o GC regravou a passagem e só então iniciou o treinamento fonoaudiológico.

Para avaliação do efeito do treinamento, dois procedimentos foram utilizados: avaliação fonoaudiológica dos recursos verbais e gestuais, e uma autoavaliação geral da expressividade. A avaliação dos recursos vocais foi realizada por meio da análise perceptivo-auditiva e os seguintes parâmetros foram estudados: expressão geral, curva melódica, ênfases, pausas, pitch, loudness, velocidade de fala, ressonância e articulação. Os recursos gestuais foram analisados por meio de avaliação visual das filmagens, e os parâmetros considerados foram: postura corporal, gestos, movimentos de cabeça e expressão facial.

A autoavaliação da expressividade constou de duas perguntas: (1ª) Qual a impressão geral da sua expressividade comunicativa, após este treinamento? (2ª) Quanto este tipo de treinamento contribui para sua formação profissional? Os participantes deveriam graduar a resposta da autoavaliação em uma escala analógico-visual de 0 a 10, no qual zero significava impressão muito negativa e dez muito positiva.

Os desfechos das avaliações foram analisados por três avaliadoras, com experiência em fonoaudiologia para telejornalismo, independentes de qualquer procedimento da pesquisa, de forma cega e por tarefa de comparação. Os momentos pré e pós gravação foram aleatorizados e apresentados em pares. Os resultados do GC foram aleatorizados também, entretanto os participantes não se submeteram a nenhuma intervenção no período que antecedeu a 2ª gravação.

Para a tarefa de comparação, as avaliadoras deveriam assinalar se os parâmetros da segunda gravação eram similares, melhores ou piores do que os da primeira gravação considerando, para tanto, os recursos não verbais da comunicação perpassados pela voz e expressão corporal preferidos para o telejornalismo33. Kyrillos LCR, Cotes C, Feijó D. Voz e corpo na TV: a fonoaudiologia a serviço da comunicação. Ed. Globo. São Paulo, 2003.),(66. Kyrillos LCR. Fonoaudiologia e Telejornalismo: Relatos de experiências na Rede Globo de Jornalismo. Ed. Revinter, Rio de Janeiro, 2003.. Por esta razão, as juízas eram fonoaudiólogas especialistas em voz, com experiência de prática em fonoaudiologia com telejornalistas.

Assim sendo, a expressão geral deveria refletir uma psicodinâmica de credibilidade, competência, naturalidade e clareza com predomínio de uma curva melódica atrelada ao conteúdo semântico, sem predomínio de ascendência ou descendência; com ênfases variadas para valorizar a compreensão do texto, com presença de pausas expressivas, pitch tendendo ao grave, uma vez que a matéria tinha conteúdo sério, loudness e velocidade médias, ressonância difusa e articulação precisa para a clareza na transmissão da mensagem. Quanto aos recursos gestuais preferidos33. Kyrillos LCR, Cotes C, Feijó D. Voz e corpo na TV: a fonoaudiologia a serviço da comunicação. Ed. Globo. São Paulo, 2003., foram analisados postura corporal que deveria estar ereta, pontuando o assunto com movimentos de cabeça expressivos de acordo com a notícia33. Kyrillos LCR, Cotes C, Feijó D. Voz e corpo na TV: a fonoaudiologia a serviço da comunicação. Ed. Globo. São Paulo, 2003., uma expressão facial de seriedade pelo assunto, com contato de olhos refletindo uma psicodinâmica de credibilidade, além de pequenosmeneios de cabeça presentes e sem exageros.

Para calcular a concordância intra-avaliador 30% da amostra foi replicada, e utilizou-se o teste Kappa ponderado para escolher dentre as três avaliadoras a de maior confiabilidade. Entre as três juízas, uma apresentou 100% de concordância nas avaliações, sendo considerada como "muito boa" pela classificação de Altman1313. Altman D. Practical statistics for medical research. Boca Raton FL: CRC Press, 1991. e por essa razão seus dados utilizados na avaliação final. Foram realizadas análises descritivas da classificação dos parâmetros avaliados, por meio de distribuição de frequência absoluta e relativa das variáveis categóricas, e de síntese numérica das variáveis contínuas, estratificados segundo o grupo - treinamento e controle.

Para a análise comparativa da distribuição de variáveis sociodemográficas segundo os grupos, foi utilizado análise descritiva, o teste Qui-quadrado de Pearson e o teste-T para comparação das médias.

O teste Exato de Fisher foi utilizado para a análise de associação entre a classificação dos parâmetros avaliados segundo os grupos.

Resultados

A Tabela 1 apresenta a classificação dos recursos vocais e gestuais avaliados segundo os grupos Treinamento e Controle. Os participantes do GT apresentaram mudanças positivas, isto é, mudanças que melhor se adequaram ao perfil comunicativo preferido para o telejornalismo33. Kyrillos LCR, Cotes C, Feijó D. Voz e corpo na TV: a fonoaudiologia a serviço da comunicação. Ed. Globo. São Paulo, 2003.),(66. Kyrillos LCR. Fonoaudiologia e Telejornalismo: Relatos de experiências na Rede Globo de Jornalismo. Ed. Revinter, Rio de Janeiro, 2003. na expressão geral, curva melódica, ênfase, pausa, articulação e expressão facial, seguidos de melhora do pitch, velocidade de fala, postura, e dos movimentos de cabeça. Nenhum dos participantes do Grupo Treinamento apresentou piora nos parâmetros avaliados. Os parâmetros que menos se modificaram foram loudness e ressonância.

Tabela 1:
Análise descritiva da distribuição da classificação dos recursos vocais e gestuais segundo os grupos treinamento e controle

Os participantes do Grupo Controle mantiveram a expressão geral similar. Alguns apresentaram melhora na expressão geral e nos parâmetros específicos observados, exceto na ressonância e um único participante do GC piorou. Este único resultado não foi considerado na análise estatística, pois dentre os parâmetros avaliados, deste indivíduo, a maioria se encontrava similar e a piora estava localizada apenas na expressão facial. Como as mudanças foram poucas e isoladas o impacto foi estatisticamente sem significância e por isso foi retirado da amostra.

Portanto a Tabela 1 mostra o total de 10 participantes e não 11 para o GC.

A Tabela 2 apresenta a síntese numérica das variáveis relativas à autoanálise da expressão geral e da contribuição do treinamento para o grupo. Os resultados demonstram que os participantes do GT após o treinamento avaliaram sua expressividade de forma positiva. Quanto à contribuição do treinamento para a formação profissional na opinião do grupo, a média foi consideravelmente alta.

Tabela 2:
Síntese numérica das variáveis relativas à autoanálise da expressão geral e do treinamento no grupo treinamento (n=12)

A Tabela 3 compara a distribuição das notas atribuídas na autoanálise da expressão geral com a classificação do avaliador. No GT, nota-se que a autoavaliação apontou mudanças positivas na expressão geral qualitativamente maiores do que as apontadas na avaliação fonoaudiológica. Segundo a análise do avaliador a maioria dos participantes melhorou e a autoavaliação foi positiva para todos, mesmo a dos participantes que apresentaram expressividade geral similar segundo o avaliador.

Tabela 3:
Distribuição das notas atribuídas na autoanálise da expressão geral segundo a classificação do avaliador no grupo treinamento (n=12)

Discussão

Os resultados descritivos deste estudo mostram que o treinamento "Expressividade vocal e corporal para falar bem no telejornalismo" promove mudanças vocais e corporais importantes em estudantes de telejornalismo com aplicabilidade para futuros apresentadores de telejornal. Outros estudos mostram que o treinamento fonoaudiológico para telejornalismo desperta o interesse como um processo de aperfeiçoamento expressivo e impactam positivamente a futura prática profissional desses indivíduos 55. Azevedo JBM, Ferreira LP, Kyrillos L. Julgamento de telespectadores a partir de uma proposta de intervenção fonoaudiológica com telejornalistas. Rev CEFAC. 2009;11(2):281-9.),(1414. Ferreira LP, Chieppe DC. Quando as práticas fonoaudiológicas são educativas. Rev Dist Comum. 2006;17(1):123-6..

O treinamento teórico-prático proposto utilizou estratégias de treinamento em grupo, proposta que permite que os envolvidos modifiquem e sejam modificados pela interação e pela troca de experiências vividas1515. Vilela FCA, Ferreira LP. Voz na clínica fonoaudiológica: grupo terapêutico como possibilidade. Rev Dist Comum. 2006;18(2):235-43.. A literatura mostra que a intervenção fonoaudiológica pode acontecer por meio de assessorias, sessões individuais ou treinamentos 33. Kyrillos LCR, Cotes C, Feijó D. Voz e corpo na TV: a fonoaudiologia a serviço da comunicação. Ed. Globo. São Paulo, 2003.),(66. Kyrillos LCR. Fonoaudiologia e Telejornalismo: Relatos de experiências na Rede Globo de Jornalismo. Ed. Revinter, Rio de Janeiro, 2003. e que a atuação fonoaudiológica potencializa recursos comunicativos, reduzindo as dificuldades expressivas e auxiliando no desempenho dos repórteres frente às câmeras1212. Trindade LLM, Ferreira LP. Julgamento do efeito de um programa de intervenção fonoaudiológica na expressividade oral de repórteres. [dissertação]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2008..

Para avaliar o treinamento proposto utilizou-se a avaliação perceptivo-auditiva que, embora subjetiva, é considerada padrão-ouro da avaliação vocal, tradicional na clínica vocal e soberana em relação às outras formas de avaliação, pois permite a caracterização da qualidade vocal. Para tanto foi elaborado, pelas pesquisadoras, um instrumento para a realização da avaliação perceptivo-auditiva e visual dos recursos vocais e não-verbais preferidos para o telejornalismo descritos na litertura33. Kyrillos LCR, Cotes C, Feijó D. Voz e corpo na TV: a fonoaudiologia a serviço da comunicação. Ed. Globo. São Paulo, 2003.),(66. Kyrillos LCR. Fonoaudiologia e Telejornalismo: Relatos de experiências na Rede Globo de Jornalismo. Ed. Revinter, Rio de Janeiro, 2003.),(1616. Behlau M, Feijó D, Madazio G, Rehder MI, Azevedo R, Ferreira AE. Voz profissional: aspectos gerais e atuação fonoaudiológica. In: Behlau M. Voz: O livro do especialista 2. São Paulo: Revinter. 2005. p. 296-319..

A expressividade do telejornalista engloba recursos verbais, vocais e não-verbais que preferivelmente devem estar em harmonia e complementando a mensagem verbal. Os recursos verbais são as palavras, o texto em si. Os recursos vocais são: a qualidade vocal e tipos de voz, os parâmetros vocais e as pausas. Os recursos não verbais englobam o corpo como canal de expressão: a postura corporal; o uso de gestos; as expressões faciais; a aparência física e a indumentária33. Kyrillos LCR, Cotes C, Feijó D. Voz e corpo na TV: a fonoaudiologia a serviço da comunicação. Ed. Globo. São Paulo, 2003.).

Na Tabela 1 observa-se que a maioria dos participantes (75%) obteve mudanças positivas. A expressão geral revelou um melhor desempenho comunicativo, com curva melódica mais atrelada ao conteúdo semântico, sem predomínio de ascendência ou descendência; ênfases variadas e valorizando a compreensão do texto, as pausas presentes e expressivas, o pitch tendendo ao grave, loudness e velocidade de fala médias, ressonância difusa e articulação precisa. Quanto aos recursos gestuais, a postura corporal para ser considerada melhor deveria estar ereta, pontuando o assunto com movimentos de cabeça expressivos de acordo com a notícia, uma expressão facial de seriedade pelo assunto, com contato de olhos refletindo uma psicodinâmica de credibilidade com meneios de cabeça presentes e sem exageros. A ideia de "melhor" sempre estava atrelada aos parâmetros descritos na literatura.

Ao se analisar os dados na expressividade geral após o treinamento, nota-se que essas mudanças ocorreram principalmente na curva melódica, ênfase e pausa (75%). Tais parâmetros são considerados fundamentais para uma boa locução33. Kyrillos LCR, Cotes C, Feijó D. Voz e corpo na TV: a fonoaudiologia a serviço da comunicação. Ed. Globo. São Paulo, 2003.),(1616. Behlau M, Feijó D, Madazio G, Rehder MI, Azevedo R, Ferreira AE. Voz profissional: aspectos gerais e atuação fonoaudiológica. In: Behlau M. Voz: O livro do especialista 2. São Paulo: Revinter. 2005. p. 296-319., pois estão intimamente relacionados à intenção comunicativa do falante bem como ao julgamento do ouvinte; interferem substancialmente na diferenciação entre a emissão profissional e a emissão espontânea, de modo que os repórteres de televisão buscam desenvolvê-los, tendo em vista sua influência nos aspectos de credibilidade e clareza1717. Borrego MCM, Behlau M. Recursos de ênfase utilizados por indivíduos com e sem treinamento de voz e fala. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(2):216-24.),(1818. Viola IC, Ghirardi ACAM, Ferreira LP. Expressividade no rádio: a prática fonoaudiológica em questão. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(1):64-72.. Esse fato é importante, visto que tais aspectos são os traços mais esperados na comunicação dos telejornalistas segundo o referencial teórico do conceito de psicodinâmica vocal33. Kyrillos LCR, Cotes C, Feijó D. Voz e corpo na TV: a fonoaudiologia a serviço da comunicação. Ed. Globo. São Paulo, 2003.),(1616. Behlau M, Feijó D, Madazio G, Rehder MI, Azevedo R, Ferreira AE. Voz profissional: aspectos gerais e atuação fonoaudiológica. In: Behlau M. Voz: O livro do especialista 2. São Paulo: Revinter. 2005. p. 296-319.. Para transmitir a notícia com credibilidade e clareza, a curva melódica deve estar alinhada ao conteúdo semântico da reportagem, do perfil do programa e da emissora, onde o repórter deve dar ênfase às palavras de maior relevância, com uso de pausas expressivas1616. Behlau M, Feijó D, Madazio G, Rehder MI, Azevedo R, Ferreira AE. Voz profissional: aspectos gerais e atuação fonoaudiológica. In: Behlau M. Voz: O livro do especialista 2. São Paulo: Revinter. 2005. p. 296-319..

Além dos recursos vocais mencionados, os participantes apresentaram mudanças na articulação, expressão facial, pitch e velocidade de fala. Esses parâmetros também são importantes para a construção de uma locução que transmita credibilidade e clareza durante a emissão da notícia e, nesse contexto, a articulação deve ser precisa, o pitch grave, com velocidade de fala média em sintonia com a expressão facial e gestos33. Kyrillos LCR, Cotes C, Feijó D. Voz e corpo na TV: a fonoaudiologia a serviço da comunicação. Ed. Globo. São Paulo, 2003.),(1616. Behlau M, Feijó D, Madazio G, Rehder MI, Azevedo R, Ferreira AE. Voz profissional: aspectos gerais e atuação fonoaudiológica. In: Behlau M. Voz: O livro do especialista 2. São Paulo: Revinter. 2005. p. 296-319..

Observamos nos resultados que no GC houve melhora de três participantes, e um piorou, sendo que o resultado deste sujeito não foi considerado na análise, uma vez que dentre os parâmetros, deste indivíduo, a maioria se encontrava similar e a piora estava localizada apenas na expressão facial. Entendemos que a voz e expressão são influenciadas pelo momento emocional, pela situação e pelo estresse1616. Behlau M, Feijó D, Madazio G, Rehder MI, Azevedo R, Ferreira AE. Voz profissional: aspectos gerais e atuação fonoaudiológica. In: Behlau M. Voz: O livro do especialista 2. São Paulo: Revinter. 2005. p. 296-319., susceptíveis a variações naturais dentro de um processo comunicativo, como as mudanças foram poucas e isoladas o impacto foi isolado e estatisticamente sem significância, por isso foi retirado da amostra.

Em relação aos recursos corporais, o presente estudo difere de uma pesquisa que apontou mudanças mais evidentes para o corpo em detrimento da voz em um breve treinamento de expressividade para telejornalismo 1919. Vieira VP. O efeito da orientação fonoaudiológica na expressividade em estagiários de Jornalismo de emissora de televisão. [Monografia]. São Paulo (SP): Centro de Estudos da Voz; 2005.. Acredita-se que a estrutura do presente treinamento seja o fator desencadeante da diferença entre os achados, pois o treinamento proposto aborda oficinas de texto diferente do estudo que não priorizava tal aspecto.

Os recursos que menos se modificaram com o treinamento foram loudness e ressonância. Cabe ressaltar que vozes disfônicas não fizeram parte da amostra, portanto não havia participantes com alterações vocais.

Após o treinamento todos os integrantes do GT avaliaram sua expressividade geral de maneira significantemente positiva. A proposta do treinamento também foi avaliada positivamente por todos os integrantes do GT. Tais resultados demonstram que os estudantes de Jornalismo se beneficiaram do treinamento em grupo e de todas as características favoráveis promovidas por esse tipo de intervenção.

A autoanálise positiva da expressão geral observada nos participantes merece destaque, pois estudos apontam que a autopercepção positiva é uma das principais características de repórteres de TV quanto à sua expressividade, sendo que estes tendem a mudar a voz com o desenvolvimento da profissão buscando recursos vocais compatíveis com o estilo da notícia e com a natureza do programa e buscam estabelecer diferenças entre a voz no contexto profissional e pessoal1212. Trindade LLM, Ferreira LP. Julgamento do efeito de um programa de intervenção fonoaudiológica na expressividade oral de repórteres. [dissertação]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2008.),(2020. Cotes C. O uso das pausas nos diferentes estilos de televisão. Rev CEFAC. 2007;9(2):228-37.),(2121. Netto WF, Consoni F. Estratégias prosódicas da leitura em voz alta e da fala espontânea. Rev Alfa. 2008;52(2):521-4.. A autocrítica acerca dos recursos verbais e não-verbais presente em estudantes de Jornalismo parece estar atrelada ao julgamento destes quanto à importância do treinamento fonoaudiológico para aprimoramento da expressividade oral. Fato esse observado mediante relato de estudantes que apontaram maior segurança ao falar e maior clareza e objetividade durante a transmissão da mensagem após assessoria fonoaudiológica em expressividade 2222. Oliveira GC, Farghali SM, Silva MAA. Fonoaudiologia e formação profissional em rádio e televisão: uma relação produtiva. Rev Distúrb Comum. 2013;25(2):293-6..

Nota-se que a autoavaliação apontou maior mudança na expressividade geral após o treinamento em relação à avaliação fonoaudiológica (Tabela 3). Segundo a análise do avaliador a maioria dos participantes (75%) melhorou, mas a autoavaliação foi positiva em todos (100%). Esse dado é importante, pois acredita-se que a auto-percepção seja um dos principais aspectos motivadores para treinamentos fonoaudiológicos em expressividade no telejornalismo e que a autoavaliação positiva da performance comunicativa tenha também favorecido a avaliação positiva do treinamento.

Os resultados deste estudo não mostraram associação estatística entre as variáveis e acreditamos que o tamanho da amostra foi determinante para este achado. Contudo, a análise descritiva mereceu ser discutida e apresentada. Ressaltamos que o treinamento deve ser repetido em outros grupos, mas não incentivamos grupos com números maiores de participantes e sim, mais grupos de intervenção numa única pesquisa. Sugerimos que o número de participantes em treinamento de grupo fique entre 12 e no máximo 15 participantes, para que não haja perda da qualidade no treinamento.

Conclusão

O treinamento "Expressividade vocal e corporal para falar bem no telejornalismo" promove mudanças na expressividade de estudantes de jornalismo. A melhora é expressiva para a expressão geral, ênfase, curva melódica e pausa. As mudanças indicadas na autoavaliação da expressividade geral foram maiores do que indicadas na avaliação fonoaudiológica e a contribuição do treinamento para a formação profissional dos estudantes é muito positiva.

Referências

  • 1
    Santos AAL, Pereira EC, Marcolino J, Dassiê-Leite AP. Autopercepção e qualidade vocal de estudantes de jornalismo. Rev CEFAC. 2014;16(2):566-72.
  • 2
    Penteado RZ, Gastaldello LM, Silva EC. Mudanças no telejornalismo esportivo e os efeitos na expressividade: estudo dos recursos vocais e não verbais dos apresentadores no programa Globo Esporte. Rev Dist Comun. 2014;26(3):482-92.
  • 3
    Kyrillos LCR, Cotes C, Feijó D. Voz e corpo na TV: a fonoaudiologia a serviço da comunicação. Ed. Globo. São Paulo, 2003.
  • 4
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Anexo I: Treinamento

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2015
  • Aceito
    04 Fev 2016
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