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A inclusão de surdos no trânsito

RESUMO:

Objetivo:

investigar como se dá o processo de inclusão de surdos no cenário do trânsito.

Métodos:

participaram do estudo 20 sujeitos, divididos em três grupos: G1, composto por 10 surdos; G2 composto por cinco profissionais de uma instituição de referência em assistência a sujeitos com necessidades educacionais específicas e G3 composto por cinco profissionais de um Departamento Estadual de Trânsito. Foram aplicadas entrevistas gravadas em áudio e vídeo, cujas respostas foram analisadas por meio do software Qualiquantisoft e aquelas com sentido semelhante foram reunidas para a construção de discursos do sujeito coletivo, tendo como base o método proposto por Lefèvre e Lefèvre.

Resultados:

os discursos do sujeito coletivo apontam para dificuldades na acessibilidade de surdos no trânsito e no processo de obtenção e renovação da carteira nacional de habilitação. De uma forma geral, todos os grupos apontaram sugestões como: a necessidade de intérprete para mediar o processo, a capacitação de profissionais para atenderem surdos e a realização da prova teórica em Libras, utilizando recursos de vídeo.

Conclusão:

embora haja avanços, há inúmeras falhas no que se trata da acessibilidade de pessoas surdas tanto no processo de obtenção/renovação da carteira nacional de habilitação quanto no trânsito. Portanto, é urgente que seja discutida a realidade enfrentada por essa população, visando soluções que possam garantir aos surdos não apenas o acesso ao trânsito, mas também a construção e adequada execução de políticas públicas que venham a lhes fornecer acessibilidade e segurança.

Descritores:
Pessoas com Deficiência Auditiva; Surdez; Acidentes de Trânsito

ABSTRACT:

Purpose:

to investigate how the process of including deaf people happen in traffic scenario.

Methods:

the study involved 20 subjects, divided into three groups: G1, composed by 10 deaf; G2 composed by five professionals from a reference institution in assistance to individuals with special educational needs and G3 composed by five professionals from a State Traffic Department. Interviews were applied recorded in audio and video, whose answers were analyzed using the software Qualiquantisoft and those with similar meaning were gathered for the construction of collective subject discourse, based on the method proposed by Lefèvre and Lefèvre.

Results:

the collective subject discourses point to difficulties in accessibility of deaf in traffic and in the process of obtaining and renewing of the national driver’s license. In general, all groups pointed suggestions as: the need of the interpreter to mediate the process, the training of professionals to serving deaf and the realization of the theoretical test in Libras, using video.

Conclusion:

although there have been advances, there are numerous flaws with regards to accessibility for deaf people both in the process of obtaining/renewing a Brazilian driving license and on the road. It is therefore urgent that the reality faced by this population be discussed with the aim of finding solutions that can guarantee not only deaf people's access onto the road, but also the construction and suitable execution of public policies that provide them with accessibility and safety.

Keywords:
Hearing Impaired Persons; Deafness; Accidents, Traffic

Introdução

Atualmente, tem se chamado a atenção para a quantidade de acidentes no trânsito brasileiro e os prejuízos contabilizados são enormes, sob o ponto de vista econômico, físico e de mortalidade. O trânsito é composto por vários sujeitos, dentre eles, os surdos que também têm o direito de dirigir assegurado pela legislação de trânsito vigente. No entanto, as leis que lhes conferem esse direito não se mostram efetivas, já que os surdos convivem como seres "invisíveis" no trânsito. Dessa forma, não há clareza de como se dá o ingresso desses sujeitos no trânsito, levando-se em consideração a existência de um trânsito em que coexistem estímulos auditivos e visuais.

O trânsito não é somente uma questão técnica, de engenharia de tráfego ou de fiscalização11. Sparti SCM. Paz no trânsito. Rev. Fac. Ciênc. Méd. Sorocaba. 2010;12(2):III-IV.. Também é uma questão social, política, educacional e psicológica, pois, dentre outros aspectos (como os perceptivos e os motivacionais), ele pode se transformar em estressor externo. No trânsito não há possibilidade de escolhas individuais sem consequências coletivas: as ações sempre irão interferir no outro. É importante refletir sobre as interações necessárias que podem evitar o conflito e a disputa pelos espaços. Somente quando o outro é reconhecido como um ser dotado de direitos iguais e quando sua perspectiva é incorporada nas decisões é que nasce o sentido coletivo22. Soares DP, Miolla JCS, Mazuroski Junior A, Thielen IP. Trânsito coletivo e comportamento individual: metáfora de Antígona. Psicol. ciênc. prof. 2013;33(4):808-23..

Devido ao aumento da violência no trânsito, a década de 2011-2020 foi proclamada pela Organização das Nações Unidas a Década de Ação pela Segurança no Trânsito, procurando, primeiro, estabilizar e, posteriormente, reduzir o número de vítimas letais, buscando a formulação e implementação de planos nacionais, regionais e internacionais33. Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2013 - Acidentes de trânsito e motocicletas. FLACSO BRASIL, Rio de Janeiro; 2013..

O presente estudo aborda a inclusão de surdos no trânsito e, assim como Hersh, Ohene-Djan e Naqvi44. Hersh M, Ohene-Djan J, Naqvi S. Investigating road safety issues and deaf people in the United Kingdom: an empirical study and recommendations for good practice. J Prev Interv Community. 2010;38(4):290-305., adota uma diferenciação entre surdo e deficiente auditivo, sendo considerados surdos aqueles que não utilizam a linguagem oral e escrita de forma efetiva e deficientes auditivos os que a utilizam.

Supõe-se que condutores surdos geram mecanismos compensatórios55. Vygotsky LS. Obras Escogidas. vol. 2. São Paulo: Alfa-Omega; 1997. para adaptar-se às demandas do trânsito, porém, os deficientes auditivos podem não utilizar as mesmas estratégias, principalmente dependendo do momento em que foi desencadeada a perda auditiva, do tipo e grau da perda auditiva. Neste contexto, não se pode comparar um trabalhador que desenvolveu uma presbiacusia ou uma perda auditiva induzida por níveis de pressão sonora elevados (PAINPSE) com um sujeito que nasceu surdo ou adquiriu a surdez muito precocemente, já que a perda auditiva irá afetar esses sujeitos em diferentes níveis biopsicossociais e contextos cotidianos, inclusive no trânsito.

Em um estudo sobre surdez e línguas de sinais, chegou-se às seguintes observações: (1) surdos e ouvintes possuem formas diferentes de lidar com situações sociais e isto deve estar relacionado ao uso de diferentes línguas e (2) a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é considerada uma língua natural e legítima e proporciona o desenvolvimento intelectual, educacional e emocional do indivíduo surdo, assim como a formação de sua identidade própria e viabilização de interações sociais especialmente em uma comunidade específica66. Menezes DC, Aguiar MAM, Silva PG. Surdez, língua de sinais e cultura. Letras Rev. 2011;2(1):106-17.. A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é um idioma oficial do Brasil e um meio legal de comunicação e expressão de ideias e fatos, reconhecida pela Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Esta lei define a Libras como sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, oriundo de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

Thorslund e cols.77. Thorslund B, Peters B, Lyxell B, Lidestam B. The influence of hearing loss on transport safety and mobility. Eur. Transp. Res. Rev. 2013;5(3):117-27. em uma perspectiva clínica, investigaram a influência da perda auditiva no transporte, segurança e mobilidade e averiguaram os resultados de quatro grupos divididos com o grau da perda auditiva (leve, moderada, severa e profunda), chegando à conclusão de que: (1) indivíduos com perda auditiva tem uma menor probabilidade de adquirir a licença para dirigir; (2) no trânsito, a perda auditiva afeta principalmente a atenção durante a condução veicular e (3) os portadores de maior grau de perda auditiva (severa/profunda) demonstravam menor preocupação com os efeitos da perda auditiva na condução veicular o que indicou o uso de estratégias de enfrentamento. Os autores enfatizam, ainda, a necessidade de um estudo voltado a estratégias/compensações realizadas por estes indivíduos e recursos que poderiam solucionar dificuldades enfrentadas por estes no trânsito.

Diante do exposto, é importante reforçar que apesar de ser garantido o direito constitucional de ir e vir a todos os cidadãos, esta "garantia" não é exposta claramente à população surda, portanto, há a necessidade de uma maior conscientização para que possa garantir e aprimorar sua acessibilidade. Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi investigar como se dá a inclusão dos surdos no trânsito, especialmente no que se refere ao processo de obtenção e renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

Métodos

O estudo apresenta delineamento observacional, exploratório, quali-quantitativo, descritivo e transversal e foi realizado entre 2014 e 2015 em um Departamento Estadual de Trânsito e em uma instituição de referência em assistência a sujeitos com necessidades educacionais específicas.

O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, sob número 34133614.3.0000.5188.

Participaram do estudo 20 sujeitos, divididos em três grupos:

  • G1: composto por dez surdos, considerados aqueles que se comunicam por meio da Libras;

  • G2: composto por cinco profissionais da instituição que realiza assistência a sujeitos com necessidades educacionais específicas;

  • G3: composto por cinco profissionais do Departamento Estadual de Trânsito.

Foram aplicadas três entrevistas, uma direcionada para cada grupo. As entrevistas dos dois grupos de profissionais foram adaptadas de Fiel88. Fiel GPS. O surdo e a retirada da carteira nacional de habilitação em Aracaju-SE: realidades e desafios [monografia na internet]. Maceió (AL): UNIP; 2013. e apresentam questões diferentes considerando as especificidades das instituições a que pertencem. As entrevistas duraram em média quatro minutos e foram gravadas em vídeo e áudio.

Para os três grupos, foi perguntado se há acessibilidade no processo de obtenção e renovação da CNH e se tem sugestões para otimizar esta acessibilidade.

Para o G1, foram feitas, ainda, perguntas que versaram sobre existência de acessibilidade no trânsito para os surdos, situação(ões) em que vivenciou constrangimento no trânsito, uso de aparelho de amplificação sonora individual (AASI) e cuidados adotados durante a condução veicular.

Em relação ao G2 e G3, por se tratar de dois grupos de profissionais, foi traçado o perfil da população em relação a idade, sexo e tempo de formação. Além disso, para o G2, foram enfocados os seguintes aspectos: tempo de atuação com surdos, assistência oferecida pela instituição aos surdos no processo de obtenção e renovação da CNH e principais reclamações e reivindicações de surdos no processo de obtenção e renovação da CNH. Já no G3, além das perguntas anteriormente mencionadas, foi questionado o tempo de trabalho na instituição.

A aplicação da entrevista com surdos (G1) foi mediada por um intérprete que realizou a interpretação das perguntas da língua portuguesa para a Libras. A entrevista abarcou as seguintes questões: existência de acessibilidade para os surdos no trânsito, constrangimentos vivenciados no trânsito, uso do aparelho auditivo, cuidados adotados no trânsito, acessibilidade no processo de obtenção e renovação da CNH, sugestões para melhorias da inclusão no processo de obtenção e renovação da CNH e sugestões para melhorias da acessibilidade para o surdo no trânsito.

A entrevista aplicada aos profissionais do departamento de trânsito foi composta por questões sobre: tempo de formação, tempo de atuação na instituição, capacitação para atender surdos na instituição, acessibilidade para os surdos no processo de obtenção e renovação da CNH e sugestões de melhorias nesse processo.

Já a entrevista com profissionais atuantes na instituição que presta assistência aos sujeitos com necessidades educacionais específicas abarcou questões como: tempo de formação, tempo de atuação na instituição, capacitação para atender surdos, assistência oferecida a surdos que necessitam retirar a CNH, principais reclamações e reivindicações de surdos no processo de obtenção e renovação da CNH e sugestões de melhorias nesse processo.

As entrevistas foram gravadas em vídeo e as respostas do G1 foram interpretadas da Libras para a língua portuguesa por dois intérpretes certificados pelo Prolibras; o material foi gravado em áudio e, posteriormente, transcritas e comparadas entre si. Como não houve divergência na interpretação realizada pelos dois intérpretes, não foi necessária a atuação de um terceiro intérprete. A análise das respostas do G2 e G3 foi realizada a partir das transcrições dos vídeos, tendo em vista que as respostas foram emitidas em língua portuguesa.

Utilizou-se como estratégia metodológica em pesquisa qualitativa a construção do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) proposta por Lefèvre e Lefèvre99. Lefèvre F, Lefèvre AMC. Curso teórico prático de introdução ao de introdução ao Discurso do Sujeito Coletivo e ao software Qualiquantisoft. Instituto de Pesquisa do Discurso do Sujeito Coletivo (IpDsc), 2012.,1010. Lefèvre F, Lefèvre AMC. Discurso do sujeito coletivo: representações sociais e intervenções comunicativas. Texto Contexto Enferm. 2014;23(2):502-7.. Segundo os autores99. Lefèvre F, Lefèvre AMC. Curso teórico prático de introdução ao de introdução ao Discurso do Sujeito Coletivo e ao software Qualiquantisoft. Instituto de Pesquisa do Discurso do Sujeito Coletivo (IpDsc), 2012. (p. 11),

[...] o DSC é uma proposta de pesquisa que busca um modo adequado de resgatar e descrever opiniões, crenças, representações sociais de coletividades de modo a preservar a natureza ao mesmo tempo narrativa e social de tais opiniões ou representações sociais. Para alcançar tal preservação o DSC apresenta as opiniões que descreve como entidades empíricas de caráter coletivo na forma de discursos emitidos na primeira pessoa do singular, ou seja, na forma de depoimentos coletivos.

O DSC é uma técnica de organização e análise de dados qualitativos de natureza verbal, obtidos por meio de depoimentos. Esse método consiste em selecionar, de cada resposta individual a uma questão, as expressões-chave, trechos mais significativos destas respostas. Com o material das expressões-chave das ideias centrais são construídos os discursos-síntese, na primeira pessoa do singular, que é o DSC, em que o pensamento de um grupo ou coletividade aparece representado por um discurso individual. O desafio a que o DSC busca responder é o da auto-expressão do pensamento ou opinião coletiva, respeitando-se a dupla condição qualitativa e quantitativa destes1111. Figueiredo MZA, Chiari BM, Goulart BNG. Discurso do Sujeito Coletivo: uma breve introdução à ferramenta de pesquisa qualiquantitativa. Disturb. Comun. 2013;25(1):129-36.,1212. Alencar CAB, Oliveira MA, Belém JM, Parente JS, Albuquerque GA. Conhecimento de Agentes Comunitários de Saúde acerca do Sistema Único de Saúde e sua operacionalização - Araripina, Pernambuco. SANARE. 2014;13(2):50-6..

Essa técnica tem sido sistematicamente utilizada em pesquisas de caráter qualitativo em saúde1313. Valeriano KF, Barreiros TPG, Silva JV, Narcy JL, Pereira MTJ. O discurso do sujeito coletivo emergente de médicos em relação a cuidados paliativos. Rev Cienc Saude. 2013;3(3):25-34.

14. Oliveira AMC, Dallari SG. Representações sociais dos conselheiros municipais de saúde sobre a vigilância sanitária. Cienc. saúde coletiva. 2015;20(8):2559-68.

15. Mendes J, Soares VMN, Massi GAA. Percepções dos acadêmicos de fonoaudiologia e enfermagem sobre processos de envelhecimento e a formação para o cuidado aos idosos. Rev. CEFAC. 2015;17(2):576-85.
-1616. Reis MW, Silva P, Silva JV, Narcy JL, Silva MCP. Significados e sentimentos de cuidados paliativos: o discurso do sujeito coletivo de acadêmicos de Enfermagem e Medicina. Rev Cienc Saude. 2013;3(3):35-45., percebendo-se, portanto, a sua abrangência, que fornece ao pesquisador maiores possibilidades em uma abordagem qualitativa.

Para tabulação e organização dos depoimentos, foi utilizado o software Qualiquantisoft(r), desenvolvido especificamente para a utilização desse método. As respostas das entrevistas foram analisadas e as com sentido semelhante foram reunidas para a construção dos Discursos do Sujeito Coletivo.

Resultados e Discussão

Grupo 1

O G1 foi composto por 10 surdos, sendo sete do sexo masculino e três do sexo feminino, com faixa etária entre 27 a 48 anos (média de 37,8 anos). Todos apresentavam ensino superior completo e passaram ou estavam passando pelo processo de obtenção da CNH. Oito são habilitados e dirigiam em média há 12,6 anos. Os outros dois foram reprovados na prova teórica para obtenção da CNH, não sendo, portanto, habilitados e, no momento da coleta dos dados, estavam à espera de intérpretes que pudessem mediar o processo. Esses dois surdos apresentaram relatos que apontam para a ausência de acessibilidade durante o processo de obtenção e renovação da CNH. Ainda observou-se que quatro surdos apresentavam limitações visuais corrigidas.

Quanto à modalidade linguística, sete utilizavam a Libras para se comunicar e três são bilíngues (usam a Libras e a língua portuguesa), mas tem como modalidade preferencial a Libras.

Quando questionados sobre a presença de acessibilidade no ambiente de trânsito para as pessoas surdas, nove entrevistados, inicialmente, afirmaram que existe acessibilidade (DSC 01).

DSC 01 - G1 em relação à existência de acessibilidade no trânsito para os surdos

Pra mim, surdos e ouvintes são iguais. Eu me sinto natural, tanto como condutor como enquanto pedestre. Assim como o ouvinte ouve as buzinas e as sirenes, tenho uma visibilidade boa e consigo através das informações visuais, dirigir bem. Sou responsável e conheço as regras. A linguagem que o trânsito utiliza é muito boa para o surdo. Possuo carro e tenho acessibilidade, pois tenho carteira, assim como o ouvinte. A única coisa que é diferente no processo é que eu sou surdo e quando há buzinas eu não tenho acesso a esses sons.

O surdo, no DSC 01, entende a acessibilidade como o fato de possuir CNH, o que lhe possibilita o acesso ao trânsito, assim como o ouvinte. Dessa forma, para ele, não existiria diferença entre eles no trânsito, apenas a adoção de estratégias distintas, considerando sua atenção visual que facilita o seu desempenho enquanto condutor.

Em um estudo acerca da segurança de pessoas surdas no Reino Unido, verificou-se que os entrevistados tiveram grandes problemas de segurança mesmo no caso de sons mais intensos, como de ônibus se aproximando, caminhões e veículos pesados. Estas dificuldades de ouvir no tráfego se refletiram em sentimentos de redução da segurança44. Hersh M, Ohene-Djan J, Naqvi S. Investigating road safety issues and deaf people in the United Kingdom: an empirical study and recommendations for good practice. J Prev Interv Community. 2010;38(4):290-305.. Apesar de os autores chegarem a essa conclusão, no presente estudo, os sujeitos do G1 afirmaram sentir-se seguros no trânsito.

Um estudo1717. França ACCV, Ono MM. Interação de pessoas surdas mediada por sistemas de produtos e serviços de comunicação. CGP&C. 2011;16(59):260-76. apresenta, entre as sugestões de melhorias para acessibilidade para pessoas surdas no trânsito, a utilização de sensores que captam as ondas sonoras e as convertem em sinalizadores luminosos para o aviso de buzinas, sirenes de ambulâncias ou carros da polícia.

Questionados acerca de situações constrangedoras vivenciadas no trânsito, sete apresentaram relatos que apontam para falhas quanto à acessibilidade (DSC 02).

DSC 02 - G1 em relação aos constrangimentos vivenciados no trânsito

Às vezes, os ouvintes, quando mostro a carteira e digo que sou surdo, não acreditam, aí explico que através da visão a gente consegue ver todas as informações necessárias para dirigir. Quando acontece algum problema como uma batida ou um problema no motor do carro, para conseguir auxílio dos outros é complicado. O ouvinte não entende a minha comunicação, inclusive policiais, e preciso de ajuda de um intérprete.

Entende-se como trânsito, um espaço público compartilhado onde ocorrem deslocamentos feitos em vias e calçadas, sob forma de movimentação geral de pedestres e veículos. Esses deslocamentos ocorrem em um ambiente complexo e podem acarretar vários conflitos11. Sparti SCM. Paz no trânsito. Rev. Fac. Ciênc. Méd. Sorocaba. 2010;12(2):III-IV.. Entre tais conflitos, podem ser identificados os problemas de acessibilidade devido às dificuldades de comunicação do surdo com outros condutores/pedestres e profissionais do trânsito. Os surdos mencionaram, ainda, diversos constrangimentos como ofensas verbais e gestuais por parte destas pessoas, o que pode configurar-se como estressor externo nesse cenário.

Um estudo do Reino Unido1818. Ohene-Djan J, Hersh M, Naqvi S. Road safety and deaf people: the role of the police. J Prev Interv Community. 2010;38(4):316-31. investigou os procedimentos policiais empregados, políticas e práticas na área da segurança rodoviária envolvendo surdos e deficientes auditivos e observaram que há uma maior necessidade de cursos de formação para policiais voltados ao conhecimento sobre a Língua de Sinais Britânica (BSL) e a cultura surda, bem como a acessibilidade destes no trânsito.

Apenas dois surdos referiram fazer uso de AASI e, destes, um refere utilizá-lo apenas para condução veicular por ser obrigado por lei, já que a sua perda auditiva é passível de correção. O outro utiliza o recurso em seu cotidiano (DSC 03).

DSC 03 - G1 em relação ao uso de AASI

Eu utilizo aparelho, eu gosto, me ajuda. Às vezes, eu consigo ouvir o barulho da buzina, mas não entendo a fala. Quando tem barulho de ambulância, de polícia ou quando eles acionam a sirene, eu consigo ouvir com o aparelho auditivo. Às vezes, quando eu estou sem aparelho, também uso o apoio dos retrovisores. Então, eu consigo por causa dessa acessibilidade e através da visão também. Outra questão que facilita são os faróis, quando alguém quer buzinar e, ao invés disso, utiliza o farol.

Nesse discurso, percebe-se que o surdo entende o AASI como um recurso que, aliado à percepção visual, pode lhe garantir um bom desempenho na condução. O DSC 03 deixa claro, no entanto, que o aparelho consegue captar apenas sons intensos como buzina, sirenes de ambulância e de polícia.

Em relação aos cuidados adotados pelos surdos durante a condução veicular, de forma geral, os surdos se consideram prudentes e, por não ouvirem, utilizam a sua atenção visual como estratégia na condução veicular (DSC 04).

DSC 04 - G1 em relação aos cuidados adotados durante a condução veicular

Eu tenho muito cuidado e responsabilidade na direção. Não bebo, obedeço as regras de trânsito, procuro respeitá-las. Eu tenho atenção ao sinal, semáforos, guarda de trânsito, ambulâncias, placas, espelhos retrovisores, olho para frente e para o lado, as placas de "pare", a faixa de pedestre, entre outras informações visuais. Estou sempre atento a essas informações, assim, o trânsito flui normalmente com tranquilidade.

Vygotsky55. Vygotsky LS. Obras Escogidas. vol. 2. São Paulo: Alfa-Omega; 1997. defendia a importância de compreender os deficientes como indivíduos sociais que, dependem de mediações recebidas em seu ambiente físico e social e que podem acionar mecanismos compensatórios, que entram em conflito com o meio externo, para promover a maximização de sua aprendizagem. Os estudos desse teórico afirmam que quando a deficiência atrapalha o indivíduo no processo de adaptação para estabelecer uma relação mais direta com o mundo, pode ocorrer o mecanismo da compensação da deficiência.

O cérebro humano tem a notável capacidade de se adaptar às mudanças no seu ambiente, beneficiando-se das propriedades do fenômeno da "plasticidade neural"1919. Voss P, Collignon O, Lassonde M, Lepore F. Adaptation to sensory loss. WIREs Cogn Sci. 2010;1(3):308-28.. Os mesmos autores afirmam que há a ocorrência de compensação na perda de informações sensoriais com habilidades aprimoradas em seus sentidos remanescentes. Estas modificações comportamentais são muitas vezes ligadas a alterações no processamento cerebral, geralmente, sob a forma de recrutamento das zonas sensoriais primárias e secundárias1919. Voss P, Collignon O, Lassonde M, Lepore F. Adaptation to sensory loss. WIREs Cogn Sci. 2010;1(3):308-28.. Acredita-se que estas alterações sejam preponderantes para o surdo se adaptar ao trânsito, considerando que este apresenta inúmeros estímulos sonoros que não são percebidos.

Quanto ao processo de obtenção e renovação da CNH, quatro referiram haver acessibilidade durante esse processo e seis afirmaram que o processo se deu com falhas quanto à acessibilidade. No que se refere à presença do intérprete durante o processo de obtenção e renovação da CNH, seis não contaram com o intérprete durante o processo (DSC 05).

Observa-se que as respostas dos sujeitos acerca da acessibilidade no processo de obtenção e renovação da CNH tiveram relação direta com a presença do intérprete ou não no momento da prova (DSC 05 e 06). Aqueles que consideraram que houve acessibilidade mencionaram a presença do intérprete durante o processo, já que os que consideraram que não houve acessibilidade, não contaram com a presença do intérprete.

DSC 05 - G1 em relação à existência de acessibilidade no processo de obtenção e renovação da CNH

Eu consegui a carteira, mas teve intérprete. Se não tivesse intérprete, eu não teria conseguido. Fiz o curso e houve interpretação. Aí, fui ao Departamento Estadual de Trânsito, passei por todo o processo. A intérprete me explicava todas as informações, placas e regras. Eu estudei e fiz a prova, a intérprete estava presente no momento, mas ela não me deu as respostas, ela só interpretou a prova.

Para esses sujeitos, o bom desempenho para obter a CNH foi diretamente relacionado à presença do intérprete durante todo o processo o que minimizou possíveis dificuldades. Eles ainda reforçam que o intérprete agiu com ética durante o processo, de acordo com a exigência do item II do artigo 140 do Código de Trânsito Brasileiro2020. Brasil. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. [cited 2013 Jul 18]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9503.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
que dispõe que a prova não pode ser interpretada na sua totalidade, pois não há como um examinador que desconheça a Libras garantir a individualidade das respostas do candidato surdo se o intérprete estiver interpretando as questões da prova.

DSC 06 - G1 em relação à ausência de acessibilidade no processo de obtenção e renovação da CNH

Quando fui fazer a inscrição, não tinha intérprete no departamento de trânsito e eu fiz sozinho, foi bastante difícil a comunicação. Fiz o curso e disseram que ia haver intérprete, mas não teve e nós não conseguimos nenhum. O departamento de trânsito não aceitou a presença do intérprete e eu sofri bastante por causa disso. Fiquei nervoso porque não tinha intérprete pra prova e quando a lia eu não lembrava das palavras, mas lembrava de coisas parecidas do contexto que eu tinha estudado anteriormente. Fiz a prova três vezes. No interior (do estado), a dificuldade é ainda maior, há alguns amigos que dirigem bem, escrevem, sinalizam, mas não conseguem obter a carteira porque há um forte preconceito do departamento de trânsito. No exame oftalmológico também tive dificuldades, pois o aparelho usado pelo profissional dificultou ainda mais a comunicação, já que ficou bem na minha frente e na do médico, me impedindo de enxergar o que ele estava falando. Ainda usei a datilologia, foi muito complicado.

Pode-se perceber por esse discurso, a grande interferência de dificuldades comunicativas em todo o processo que vai desde o curso de formação de condutores, incluindo a inscrição, provas e avaliações. Além disso, percebe-se que o surdo utiliza estratégias baseadas no treino e na memória para estudar e realizar a prova, mas apresenta dificuldades quanto à compreensão da escrita em língua portuguesa.

Em relação às sugestões de melhoria da acessibilidade do surdo no processo de obtenção e renovação da CNH, o G1 referiu a necessidade de intérprete de Libras no departamento de trânsito para mediar o processo, assim como a adequação da aplicação da prova escrita em vídeo (DSC 07).

DSC 07 - G1 em relação às sugestões de melhoria da acessibilidade do surdo no processo de obtenção e renovação da CNH

Acho que precisa ter um apoio maior a alguns surdos principalmente aqueles que não conseguem se comunicar tão bem. É importante um intérprete trabalhando lá, participando de todo processo de obtenção da CNH. Também seria bom que outros servidores soubessem Libras pra que a gente tenha contato com eles diretamente. Então, para a primeira carteira precisa existir um projeto para que haja um vídeo com interpretação, porque o português é muito rebuscado. Se a prova legislativa fosse em vídeo não haveria essa desconfiança, já que não haveria a interferência do intérprete, porque não haveria contato pessoal com ele durante a prova.

Visando diminuir as dificuldades na comunicação, os surdos sugerem a contratação de intérpretes e a capacitação de profissionais em Libras. No intuito de amenizar as dificuldades na compreensão da prova, tendo em vista que essa não é realizada na sua língua materna foi sugerida a utilização da prova gravada em vídeo em Libras. Essa medida, além de garantir que o surdo participe desse processo de forma efetiva ainda elimina a desconfiança de intervenção e conduta inadequada do intérprete.

É importante, no entanto, atentar para o fato de que a Libras não apresenta uma padronização em nível nacional e, assim como as línguas orais-auditivas, apresenta uma forte influência da regionalização, possuindo variação nos seus níveis linguísticos (fonológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático)2121. Andrade WTL, Hora D, Aguiar MAM. O papel da variável sexo na variação fonológica da Libras. Rev ABRALIN. 2015;14(1):315-35.. Dessa forma, a prova não pode ser gravada em um único local do país e distribuída para os estados, mas precisa ser interpretada localmente, a fim de garantir que os surdos daquela região consigam compreender adequadamente o conteúdo apresentado no vídeo.

O DSC 08 apresenta as sugestões de melhorias trazidas pelos sujeitos do G1 para a acessibilidade da pessoa surda no trânsito. De forma geral, percebe-se que eles se sentem invisíveis no trânsito, já que todo o processo já está pronto e eles devem se adaptar ao que está posto. No entanto, apresentam sugestões a fim de minimizar as suas dificuldades.

DSC 08 - G1 em relação às sugestões de melhorias para a acessibilidade do surdo no trânsito

É bom que algumas pessoas que trabalham no trânsito saibam Libras, como, por exemplo, alguns policiais. É necessário que as informações visuais sejam mais claras, pois há surdos que tem mais facilidade com imagens e outros com legendas. Então se tivesse os dois seria melhor. Na realidade, eu sinto que já está tudo pronto. As regras foram feitas para os ouvintes e a gente se adequa. Para cegos e cadeirantes, a gente vê que existem algumas melhoras sendo feitas, mas os surdos acabaram se adaptando a realidade dos ouvintes e a gente só adapta para informações visuais.

Observa-se que a linguagem utilizada no trânsito, que anteriormente fora referida como boa pelo/para o surdo, acaba sendo questionada, assim como a inclusão dos surdos no trânsito, havendo menção a preconceito e à adaptação dos surdos a um trânsito pronto para ouvintes. Tal como sugere Vygotsky55. Vygotsky LS. Obras Escogidas. vol. 2. São Paulo: Alfa-Omega; 1997., o sujeito com alguma limitação sensorial em sua interação com o meio acaba utilizando estratégias compensatórias para adaptar-se.

Grupo 2

O G2 foi composto por cinco profissionais de uma instituição de referência em nível estadual na assistência a sujeitos com limitações sensoriais e motoras. Todos os sujeitos foram do sexo feminino, com 09 a 30 anos de formação (média de 18,5 anos) e atuam com surdos entre 04 e 24 anos (média de 12,5 anos). Há, nessa instituição, entre 45 e 50 funcionários habilitados para atender surdos, entre os quais, fonoaudiólogos, psicólogos, pedagogos e intérpretes de Libras.

Em relação à assistência fornecida pela instituição ao surdo, percebe-se que esta se refere à cessão de intérpretes para o processo de obtenção e renovação da CNH (DSC 09).

DSC 09 - G2 em relação à assistência oferecida pela instituição aos surdos no processo de obtenção e renovação da CNH

Ultimamente, tem acontecido de muitos surdos questionarem e perguntarem sobre o direito de acessibilidade no departamento de trânsito. Muitos procuram essa instituição para reclamar da falta do intérprete de Libras, tanto no curso de formação na autoescola, quanto na prova de legislação de trânsito. Há surdos que já tem a CNH e outros que lutam para obter, já que agora o processo está parado. A ajuda que oferecemos é quando eles vem solicitar o intérprete para fazer o acompanhamento deles no processo, sendo assim, quando um surdo vai fazer a prova manda um oficio pra cá, com a data da prova que foi agendada e a instituição fica responsável por providenciar o intérprete para mediar o processo, porém na autoescola, a responsabilidade de contratar o intérprete é da mesma.

O G2 concorda com o G1, quando menciona as dificuldades enfrentadas por surdos em todo o processo de obtenção e renovação da CNH. O papel da instituição, segundo esses profissionais, é o de viabilizar o acompanhamento do intérprete junto ao surdo no transcorrer do processo no departamento de trânsito, porém ainda observa-se nos discursos de ambos os grupos, menção à ausência do intérprete (DSC 10).

DSC 10 - G2 em relação às principais reclamações e reivindicações de surdos no processo de obtenção e renovação da CNH

Ocorreram muitas, principalmente dos que são usuários apenas da Libras e eles reclamam tanto da autoescola como do departamento de trânsito. A maior reclamação é em relação às provas e avaliações realizadas no processo, tendo em vista a dificuldade de compreensão já que a prova é em língua portuguesa, sendo diferente da deles que é a Libras, a primeira língua do surdo. Essa é uma enorme dificuldade, pois não é questão de alfabetização, porque eles são alfabetizados. É uma questão do entendimento do português e como eles não tem atualmente um intérprete para mediar o processo, eles vivenciam grandes dificuldades.

Esse discurso reforça o fato mencionado pelo G1, de que a ausência de um intérprete de Libras para mediar o processo de obtenção e renovação da CNH é agravante para o surdo, dificultando ainda mais o seu desempenho, levando em consideração que a língua materna do surdo, reconhecida oficialmente no Brasil acaba sendo ignorada, mesmo resguardada pela legislação.

Deve-se ressaltar a existência da Lei nº 4.090, de 30 de janeiro de 2008, que dispõe sobre a obrigatoriedade da presença de intérprete de Libras nas aulas teóricas e práticas ministradas nos Centros de Formação de Condutores (CFC) e nos exames de direção veicular.

Os dois grupos (G1 e G2) ainda mencionaram a importância da capacitação de profissionais que atuem nas autoescolas e no departamento de trânsito para o atendimento a usuários da Libras. O decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005 no seu capítulo VIII, artigo 26 e inciso 1º, ordena que as empresas concessionárias de serviços públicos e os órgãos da administração pública federal, direta e indireta devem garantir às pessoas surdas o tratamento diferenciado, por meio do uso e difusão de Libras e da tradução e interpretação de Libras-Língua Portuguesa, realizados por servidores e empregados capacitados para essa função, bem como o acesso às tecnologias de informação, conforme prevê o Decreto nº 5.296, de 02 de dezembro de 2004. As instituições devem dispor de, pelo menos, 5% de servidores, funcionários e empregados capacitados para o uso e interpretação da Libras.

Considerando que nem todo surdo domina a língua portuguesa, o G2, assim como o G1, sugeriu que a prova teórica (escrita) para obtenção da CNH fosse realizada a partir de um vídeo de tradução do português para a Libras. San-Segundo e cols.2222. San-Segundo R, López V, Martín R, Lufti S, Ferreiros J, Córdoba JM et al. Advanced Speech communication system for deaf people. Proceedings of Interspeech; 2010 Sept 26-30; Makuhari, Japan; 2010. avaliaram um sistema implantado pelo governo espanhol, utilizado na cidade de Toledo (Espanha) que têm como objetivo valorizar a Língua de Sinais Espanhola (LSE) reconhecida como língua oficial no país desde o ano de 2007 e favorecer a acessibilidade dos surdos na renovação da licença para dirigir, fazendo uso de avatar.

Os autores constataram um bom desempenho desse sistema e boa aprovação dos usuários, porém ressaltaram a necessidade de melhoras na interface visual e na padronização da LSE, havendo algumas discrepâncias entre palavras e sinais correspondentes. Ressalte-se que, da mesma forma, no Brasil, não há uma padronização da Libras1919. Voss P, Collignon O, Lassonde M, Lepore F. Adaptation to sensory loss. WIREs Cogn Sci. 2010;1(3):308-28., reforçando a já mencionada, necessidade de regionalização da prova em vídeo.

Atualmente no Distrito Federal2323. Distrito Federal. Detran cria prova eletrônica para candidatos surdos. [cited 2015 Feb 09]. Available from: http://www.df.gov.br/noticias/item/14973-detran-lan%C3%A7a-prova-eletr%C3%B4nica-para-candidatos-surdos.html#
http://www.df.gov.br/noticias/item/14973...
e em Santa Catarina2424. Veiga C. Detran-SC disponibiliza prova em Libras para retirada da carteira de habilitação. [cited 2015 Feb 09]. Available from: http://ocponline.com.br/noticias/detran-sc-disponibiliza-prova-em-libras-para-retirada-da-carteira-de-habilitacao/
http://ocponline.com.br/noticias/detran-...
, a prova teórica do Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN) tem sido disponibilizada para os surdos em vídeo, em virtude disso, foram produzidos vídeos em Libras com as perguntas e as opções de respostas. Com esse recurso, os Departamentos de Trânsito afirmam que há uma diminuição no tempo de execução da prova já que amenizam-se as dificuldades de comunicação e compreensão do surdo, os constrangimentos vivenciados e elimina-se a desconfiança de interferência do intérprete nas respostas dadas pelos candidatos.

Quando questionados acerca das sugestões para melhoria no processo de obtenção e renovação da CNH, os sujeitos reiteraram a formação ou contratação de intérpretes para os surdos (DSC 11).

DSC 11 - G2 em relação às sugestões de melhorias no processo de obtenção e renovação da CNH

Primeiramente, deve haver o fortalecimento do vínculo entre o departamento de trânsito e a instituição (a que pertencem). Também seria de grande importância a contratação de intérpretes capacitados no departamento de trânsito, assim como a importância de alguns profissionais saberem Libras e, quem sabe, até a possibilidade de cursos serem oferecidos para que haja um conhecimento básico da língua entre os mesmos. Uma prova redigida em língua de sinais, aí eles iriam ter essa facilidade, considerando que a primeira língua deles é a Libras. A conscientização das autoescolas, já que não se pode cobrar taxa extra porque o aluno é surdo e necessita de intérprete e isso acontece. E sobre a questão do exame auditivo que iria permitir uma melhor classificação, diferenciando o surdo e o deficiente auditivo, o que garantiria melhor os seus direitos e a sua segurança, já que estes têm o direito de dirigir garantido por lei, só necessitando das condições adequadas pra isso.

As sugestões dadas por esse grupo corroboram as do G1, reiterando a importância da capacitação dos profissionais no atendimento aos surdos, assim como também a ampliação do vínculo entre as instituições envolvidas nesse processo e a reformulação da prova aplicada, considerando ainda aparatos tecnológicos que venham a possibilitar a aplicação de uma prova compreensível e com resultados fidedignos, já que a interpretação em vídeo garante a individualidade das respostas do candidato.

Grupo 3

A amostra desse grupo foi composta por cinco profissionais de um departamento estadual de trânsito, sendo três mulheres e dois homens, com tempo de formação entre 20 e 33 anos (média de 26,8 anos) e tempo de atuação na instituição entre 29 e 33 anos (média de 31,2 anos). Os entrevistados referiram não ter conhecimento de profissionais da instituição que sejam habilitados no atendimento a pessoas surdas.

Segundo esses sujeitos, não há diferenciação no atendimento prestado a surdos e ouvintes no processo de obtenção e renovação da CNH (DSC 12).

DSC 12 - G3 em relação à acessibilidade no processo de obtenção e renovação da CNH com surdos

O processo é o mesmo. Porque a legislação não prevê nenhuma diferença nesse processo. Então o surdo vem encaminhado da autoescola, quando necessário o departamento de trânsito solicita à fundação de apoio ao deficiente que um intérprete o acompanhe no processo. Então, devido à burocracia, às vezes, há um deslize e no dia agendado, o intérprete não está disponível. Em virtude disso, eles ficam chateados, pois vão ter que voltar outro dia. Às vezes acontece.

Em relação ao DSC 12, deve-se destacar que a presença do intérprete é assegurada pelo art. 6º da lei 12.319, de 1º de setembro de 2010, "no apoio à acessibilidade aos serviços e às atividades-fim das instituições de ensino e repartições públicas"2525. Brasil. Casa Civil. Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010. [cited 2016 May 03]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12319.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
, ou seja, a legislação prevê diferença no atendimento ao surdo pelas repartições públicas.

Esse discurso aponta para falhas quanto à acessibilidade no departamento de trânsito, que não conta com um profissional especializado no atendimento aos surdos, acaba tendo que solicitá-lo a outras instituições e nem sempre é atendido. Percebe-se, portanto, o prejuízo sofrido pelo surdo que não dispõe de funcionários aptos a atendê-los, conforme determina o decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. A burocracia é apontada como um dos fatores que pode interferir nesse processo.

O G3 reitera as sugestões apresentadas pelo G1 e G2 de que deve haver funcionários habilitados a atender sujeitos surdos no departamento estadual de trânsito e que a prova seja aplicada em vídeo (DSC 13).

DSC 13 - G3 em relação às sugestões de melhorias no processo de obtenção e renovação da CNH

Primeiramente, qualificar servidores para que pudessem atender nessa área. Porque é proveitoso para o órgão ter pessoas habilitadas para atuar com essas pessoas, não só com essa, mas com outras deficiências também, nos exames, na prova prática ou até de assessorá-los quando chegam aqui, porque eles ficam sem ninguém poder ajudá-los. Existe a lei, todos os órgãos públicos devem ter entre 4 a 5 profissionais preparados na Língua de Sinais, inclusive este departamento, já que eles estão inseridos no trânsito. Também sugiro que seja feito um vídeo com a interpretação em Libras da prova, o que oferece pra eles melhores condições para fazê-la e também extingue a desconfiança de que o intérprete esteja dando para eles os quesitos da prova.

Esse discurso concorda com todas as sugestões mencionadas pelo G1 e G2, comprovando a importância de mudanças no processo de obtenção/renovação da CNH e no trânsito para garantia de melhor acessibilidade para surdos e sujeitos com deficiência auditiva.

Deve-se considerar, ainda, que além dos surdos, muitos sujeitos, voluntariamente ou não, se submetem ao processo de distração auditiva por meio da escuta de sons em uma intensidade sonora elevada, que podem desfocar a atenção do pedestre/condutor2626. Basch CH, Ethan D, Zybert P, Basch CE. Pedestrian behavior at five dangerous and busy Manhattan intersections. J Community Health. 2015;40(4):789-92.

27. Cheng C. Do cell phone bans change driver behavior? Econ Inquiry. 2015;53(3):1420-36.

28. Gauld C, Lewis I, Haque M, Washington S. Effect of mobile phone use and aggression on speed selection by young drivers: a driving simulator study. J Australas Coll of Road Saf. 2015;26(1):40-6.
-2929. Mwakalonge J, Siuhi S, White J. Distracted walking: examining the extent to pedestrian safety problems. JTTE. 2015;2(5):327-37..

Conclusão

Embora haja avanços, percebe-se que ainda há inúmeras falhas no que se refere à acessibilidade de pessoas surdas, tanto no trânsito quanto no processo de obtenção/renovação da CNH. Portanto, é urgente que se discuta a realidade enfrentada pela população surda, visando soluções que possam garantir-lhes não apenas o acesso ao trânsito, mas também a construção e adequada execução de políticas públicas que venham a fornecer acessibilidade e segurança.

Entre as sugestões mencionadas por todos os grupos, destaca-se a importância da presença de profissionais capacitados para realizar a mediação de todo o processo de obtenção e renovação da CNH. Além disso, foi sugerida a realização da prova interpretada em vídeo, algo que provavelmente aumentará bastante a acessibilidade.

Portanto, observa-se a dificuldade de acessibilidade dos surdos no processo de obtenção e renovação da CNH e o fato de os profissionais não terem conhecimento da Libras dificulta em diversos momentos no processo como aulas durante o Curso de Formação de Condutores, inscrição e exames.

Observou-se, ainda, que o surdo não tem noção da abrangência do conceito de acessibilidade, pois considera o trânsito como um espaço acessível, mas refere várias situações cotidianas que demonstram a falta de acessibilidade. São necessárias ações de conscientização da sociedade, fomentando o maior conhecimento da cultura e comunidade surda, bem como da Libras para que ocorram avanços na inclusão desses indivíduos. No entanto, é necessário que os surdos se mantenham engajados na luta pelos seus direitos, intervindo diretamente e dialogando junto aos governantes, para que se possa otimizar essa realidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    29 Out 2015
  • Aceito
    07 Abr 2016
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