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O uso da comunicação suplementar e alternativa como recurso para a interpretação de livros de literatura infantil

RESUMO:

Objetivo:

analisar o uso da Comunicação Suplementar e Alternativa como recurso de interpretação de livros de literatura infantil por uma criança com paralisia cerebral e necessidades complexas de comunicação.

Métodos:

para isso, realizou-se um estudo por meio do delineamento de sujeito único com um participante de sete anos com diagnóstico de paralisia cerebral e com necessidades complexas de comunicação. A variável dependente constituiu-se nas habilidades de comunicação e interpretação e a variável independente constituiu-se nas atividades de interpretação de histórias infantis, utilizando livros e figuras adaptadas por meio da Comunicação Suplementar e Alternativa. As atividades realizadas foram conduzidas em três etapas, sendo: Linha de Base, Intervenção e Manutenção. As sessões foram filmadas e anotadas em folhas de registro, e, posteriormente, os dados obtidos foram analisados quantitativamente.

Resultados:

os resultados obtidos permitiram identificar notável avanço no número de êxitos alcançados pelo participante durante as sessões realizadas, respondendo de forma autônoma, independente e assertiva às indagações, por meio das figuras e algumas verbalizações.

Conclusão:

foi possível constatar a eficácia da Comunicação Suplementar e Alternativa como recurso pedagógico e de apoio nas atividades de compreensão e interpretação de histórias na sala de aula por alunos com necessidades complexas de comunicação.

Descritores:
Educação Especial; Paralisia Cerebral; Literatura Infantojuvenil

ABSTRACT:

Purpose:

to analyze the use of augmentative and alternative communication as resource interpretation of children's literature books for a participant with cerebral palsy and with complex communication needs.

Methods:

to this end, it used single subject design with a seven year old child diagnosed with cerebral palsy and with complex communication needs. The dependent variable was constituted in communication and interpretation skills and the independent variable was constituted in the interpretation of children's stories activities, using books and pictures adapted by augmentative and alternative communication. The activities were conducted in three stages, as follows: Baseline, Intervention and Maintenance. The sessions were filmed and recorded in record sheet, and then the data were analyzed quantitatively.

Results:

the results showed remarkable advance in the number of successes achieved by the participant during the sessions correctly answering questions with autonomy and independence using the figures and some utterances.

Conclusion:

it was possible to verify the effectiveness of the augmentative and alternative communication as an educational resource and support in comprehension and interpretation activities of stories in the classroom for students with complex communication needs.

Keywords:
Education, Special; Cerebral Palsy; Juvenile Literature

Introdução

As políticas de inclusão educacional na realidade brasileira têm fomentado diversos estudos que visam desenvolver e aplicar estratégias para promover e/ou facilitar o acompanhamento e aprendizagem do aluno público alvo da educação especial (PAEE) na escola comum. Dentre esse alunado, há aqueles que apresentam severos distúrbios na comunicação e que, consequentemente, têm seu processo de interação muitas vezes comprometido. O professor, por sua vez, apresenta dificuldade em criar e desenvolver estratégias de comunicação e de ensino que promovam o acesso do aluno às atividades e conhecimentos disseminados no ambiente escolar11. Hanson E, Beukelman DR, Yorkston K. Communication support through multimodal supplementation: A scoping review. Augment Altern Commun. 2013;29(4):310-21.,22. Light J, McNaughton D. Putting people first: Re-thinking the role of technology in augmentative and alternative communication intervention. Augment Altern Commun. 2013;29(4):299-309..

Neste sentido, tem-se na Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA) uma possibilidade de promover ou facilitar a comunicação de pessoas com necessidades complexas de comunicação (NCC), a partir da utilização de métodos substitutivos ou complementares de comunicação. Entende-se por pessoas com NCC aquelas que, devido a uma ampla gama de causas físicas, sensoriais e ambientais apresentam restrições e limitações em suas habilidades comunicativas que interferem diretamente na sua capacidade de participar de forma independente na sociedade33. Balandin S. Message from the President. The ISAAC Bulletin. 2002;67(1):1-4.. Neste sentido, os recursos utilizados envolvem figuras, imagens, gravuras, softwares, programas, gestos e expressões faciais que promovam a comunicação entre a pessoa com distúrbios de fala e o ambiente. Portanto, a comunicação é suplementar quando a pessoa utiliza outro meio de comunicação para complementar ou compensar limitações que a fala apresenta, mas sem substituí-la totalmente. A comunicação é alternativa quando a pessoa utiliza outro meio (pranchas, figuras ou objetos concretos) para se comunicar ao invés da fala, devido à impossibilidade de articular e produzir sons adequadamente44. Light J, McNaughton D. The Changing Face of Augmentative and Alternative Communication: Past, Present, and Future Challenges. Augment Altern Commun. 2012;28(4):197-204..

A paralisia cerebral é definida como uma desordem postural e de movimento causada por lesões no cérebro imaturo, ocasionando distúrbios sensoriais, cognitivos, comunicativos, comportamentais, de percepção e convulsivos55. Bax M, Goldstein M, Rosenbaum P, Leviton A, Paneth A, Dan B et al. Proposed definition and classification of cerebral palsy. Developmental Medicine & Child Neurology. 2005;47:571-6..

As pessoas acometidas apresentam um atraso de desenvolvimento neuropsicomotor, caracterizando-se em alterações no tônus muscular e na qualidade dos movimentos, sendo que em alguns casos há comprometimentos no que se refere às percepções e capacidade de aprender e interpretar os estímulos ambientais. Em alguns indivíduos com paralisia cerebral, determinadas limitações podem ser acentuadas pelas dificuldades que estas apresentam em explorar o ambiente e em se comunicar com o mundo externo66. Yeargin-Allsopp M, Braun KVN, Doernberg NS, Benedict RE, Kirby RS, Durkin MS. Prevalence of cerebral palsy in 8-year-old children in three areas of the United States in 2002: a multisite collaboration. Pediatrics. 2008;121(3):547-54.,77. Beckung E, Hagberg G. Neuroimpairments, activity limitations, and participation restrictions in children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2002;44(5):309-16..

No ambiente escolar, o comprometimento ou ausência de fala podem dificultar a participação do aluno em diversas atividades, interferindo consequentemente, no seu desempenho e aprendizagem88. Alves ACJ, Matsukura TS. A tecnologia assistiva no contexto da escola regular: relatos dos cuidadores de alunos com deficiência física. Distúrb. Comun. 2011;23(1):25-33.. Sendo assim, a CSA é interpretada como um elo 99. Avila BG, Passerino LM, Reategui, E. Proposta de uma metodologia para a construção de um sistema de CAA focado no contexto de seus usuários. Rev Bras Inform Educ. 2012;20(1):87-96.,1010. Passerino LM, Bez MR, Vicari RM. Formação de professores em comunicação alternativa para crianças com TEA: contextos em ação. Rev Ed Esp. 2013;26 (47):619-38. entre as crianças com dificuldades de comunicação e as outras pessoas, podendo, desta forma, atuar como mediadora da comunicação entre os alunos e seus colegas e professores.

O fato de a CSA ser composta por técnicas que visam ao desenvolvimento da oralidade e letramento dos sujeitos permite que tal recurso seja utilizado não somente para favorecer a comunicação do aluno, mas também possibilitar o ensino acadêmico na sala de aula, auxiliando no desenvolvimento de conceitos e de habilidades de leitura e escrita. A implementação de procedimentos e adaptações sistemáticas de CSA pode contribuir para uma maior participação dos alunos com necessidades complexas de comunicação nas situações de ensino e aprendizagem acadêmica, e assim, garantir maior permanência do aluno no ensino comum11. Hanson E, Beukelman DR, Yorkston K. Communication support through multimodal supplementation: A scoping review. Augment Altern Commun. 2013;29(4):310-21..

Dessa forma, o professor pode e deve inserir em suas atividades diversos recursos pedagógicos de CSA com a finalidade de aprimorar qualitativamente o processo de ensino-aprendizagem, oportunizando ao aluno PAEE a participação concreta na escolarização. Visto isso, um recurso pedagógico que vem tendo seus efeitos positivos constatados é a utilização de materiais adaptados por meio da CSA nas atividades que envolvem adaptação, contação e interpretação de histórias. A adaptação de livros de histórias por meio de recursos de CSA de baixa tecnologia pode constituir uma estratégia válida para possibilitar o acesso de alunos com deficiência aos diversos conteúdos, tornando-os mais motivados e favorecendo o processo de aprendizagem1111. Ponsoni A, Deliberato D. Comunicação suplementar e alternativa e habilidades comunicativas de uma criança com paralisia cerebral. In: IV Congresso Brasileiro Multidisciplinar de Educação Especial, ed. 4, 2007. Anais do IV Congresso Brasileiro Multidisciplinar em Educação Especial. Londrina, 2007..

Com o objetivo de facilitar a aquisição e ampliação do vocabulário e da estruturação frasal de crianças com paralisia cerebral, foi desenvolvida uma pesquisa com três crianças com comprometimento oral. Para o desenvolvimento da pesquisa, realizou-se a contagem de duas histórias cujos livros foram adaptados, utilizando as figuras do Boardmaker- Picture Communication Symbols (PCS). Posteriormente, a história era recontada pelas crianças, empregando o recurso de CSA como apoio. Após a análise dos dados, verificou-se que os sujeitos da pesquisa necessitaram de menos intervenção na segunda história, se comparado à primeira história. Além disso, constatou-se aumento no repertório lexical e também a adesão de outras formas de expressão pelas crianças, como gestos, expressões faciais e emissão de sons. Concluiu-se desta forma, que tal recurso foi importante à medida que favoreceu a linguagem expressiva e receptiva, permitindo que os sujeitos se expressassem, e consequentemente, demonstrassem seus potenciais e habilidades1111. Ponsoni A, Deliberato D. Comunicação suplementar e alternativa e habilidades comunicativas de uma criança com paralisia cerebral. In: IV Congresso Brasileiro Multidisciplinar de Educação Especial, ed. 4, 2007. Anais do IV Congresso Brasileiro Multidisciplinar em Educação Especial. Londrina, 2007..

Observa-se, assim, que a utilização da CSA nas atividades acadêmicas, principalmente envolvendo histórias, constitui uma ferramenta viável de ser utilizada por educadores no processo de ensino/aprendizagem de alunos com necessidades complexas de comunicação na sala de aula. Contudo, nota-se a necessidade de investigar quais resultados seriam obtidos utilizando a CSA como instrumento de interpretação de histórias por esse alunado. Sendo assim, o objetivo da presente pesquisa foi analisar o uso da CSA como recurso de interpretação de livros de literatura infantil por uma criança com paralisia cerebral e necessidades complexas de comunicação.

Métodos

Procedimentos Éticos

O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa da Universidade Federal de São Carlos, sob o parecer CAAE: 26974314.2.0000.5504.

Em seguida, os responsáveis legais receberam e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). No momento da leitura na íntegra do TCLE, as pesquisadoras ressaltaram os objetivos, procedimentos e intervenção, além dos riscos e benefícios da pesquisa, deixando na escola à disposição de todos uma cópia do projeto de pesquisa e também do parecer de aprovação do Comitê de Ética.

Seleção e caracterização do participante

A presente pesquisa foi conduzida com um participante de sete anos, com diagnóstico de Paralisia Cerebral, também denominada encefalopatia crônica não progressiva da infância, caracterizando por interferências no funcionamento do sistema músculo-esquelético com nível moderado de comprometimento neuromotor. Além das deficiências neuromotoras, também apresentava limitações no desempenho em atividades de vida diária das quais o participante não conseguia ir ao banheiro sozinho, vestir-se, limitações na mobilidade como levantar e sentar sozinho e caminhar pela escola, dependendo de alguém para ajudá-lo. Em relação às habilidades motoras, o participante fazia uso de andador e botas ortopédicas, apresentava rigidez muscular que, consequentemente, comprometia a sua coordenação. Nas habilidades acadêmicas, realizava pouquíssimas tarefas de cunho pedagógico, a maioria do período escolar, não realizava nenhuma atividade. Suas habilidades de comunicação eram restritas, apresentando necessidades complexas de comunicação caracterizadas por limitações na inteligibilidade por parte dos interlocutores, emissão de algumas palavras como tia, água, não e sim (por meio de gestos com a cabeça) e não formulava frases.

Para a seleção do participante foram utilizados como critério de inclusão na pesquisa: a) o aluno possuir diagnóstico de paralisia cerebral; b) apresentar necessidades complexas de comunicação, conforme especificado anteriormente; d) estar frequentando a escola.

As pesquisadoras estabeleceram contato com as fonoaudiólogas, com a psicóloga e a assistente social da instituição esclarecendo os objetivos da pesquisa e os critérios de seleção do participante, solicitando a estes profissionais uma lista de alunos com diagnóstico de paralisia cerebral e com necessidades complexas de comunicação.

A relação dos alunos indicados pelas profissionais continha um total de seis alunos e, destes, somente um atendia aos critérios de seleção.

Local

A coleta de dados ocorreu em uma escola de educação especial de uma cidade do interior do estado de São Paulo. Nessa escola, encontram-se matriculados 159 alunos com os mais variados diagnósticos.

Materiais

Para o desenvolvimento da pesquisa, foram realizadas adaptações dos livros de histórias infantis, conforme ilustra a Figura 1: Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve e Os três porquinhos. Juntamente com tais livros, foram elaborados cadernos de questões com sete, oito e sete questões respectivamente, com os quais o aluno utilizaria de figuras para fornecer as respostas referente à interpretação das histórias. Essas figuras eram plastificadas e continham velcro em seu verso para que as mesmas pudessem ser afixadas no caderno de questões. Tais figuras foram confeccionadas com 8x8 cm, devido ao problema de visão apresentado pelo participante. Também foram utilizados: máquina fotográfica digital, suporte para a máquina e o software Boardmaker 1212. Johnson R M. Guia dos símbolos de comunicação pictórica. Tradução de Mantovani G, Tonolli JC. Revisão técnica Gill NB, Bersch R. Porto Alegre: Clik; 1998..

Figura 1:
Histórias adaptadas da literatura infantil

Instrumento de Coleta de Dados

A folha de registro utilizada foi composta por nome do participante, número da sessão, fase, data e duração da sessão. Logo abaixo se apresentava uma tabela composta por um eixo horizontal onde se anota o número das questões realizadas na sessão, cruzando com o eixo vertical que continham os números de zero a três que correspondiam ao desempenho do participante ao responder às questões referentes à história, da seguinte forma:

3- Independência (resposta verbal inteligível, pegar ou apontar figura correta)

2- Auxílio Verbal (pesquisadora oferecia alguma dica verbal para pegar ou apontar a figura)

Auxílio Físico (pesquisadora ajudava o participante pegar a figura quando este não apresentava iniciativa para pegar)

0- Sem Êxito (quando pegava a figura errada ou quando não respondia de nenhuma forma).

Delineamento da Pesquisa

Para determinar a relação entre a variável dependente (interpretação de histórias) e a variável independente (histórias adaptadas por meio da CSA) a presente pesquisa foi conduzida por meio do delineamento AB, no qual o sujeito é comparado com ele mesmo. A coleta de dados ocorreu em três etapas: Linha de Base, Intervenção e Manutenção. No total, foram realizadas nove sessões (três de linha de base, três de intervenção e três de manutenção), conduzidas no decorrer de cinco meses1313. Gast D. Single Subject Methodology in Behavioral Sciences. New York and Londron: Routledge, 2010..

Procedimentos Experimentais

Etapa 1: Linha de Base

Inicialmente fez-se a leitura da história infantil para o aluno. Posteriormente, foram realizadas algumas perguntas do caderno de questões a respeito da mesma, para que o aluno fizesse a interpretação, com um tempo de espera de 30 segundos para que o participante respondesse. As figuras estavam disponíveis, mas neste momento nenhum estímulo verbal ou físico foi oferecido. Aconteceram três sessões em três dias, sendo utilizada uma história diferente a cada dia. Todas as sessões foram videogravadas para posterior análise.

Etapa 2: Intervenção

Inicialmente foi realizada a leitura da história e em seguida foram feitas algumas questões, uma por vez, com um tempo de espera de 30 segundos para que o participante respondesse. O aluno deveria pegar ou apontar a figura correspondente para fornecer a resposta ao pesquisador, ou, se possível, responder verbalmente. Aconteceram três sessões em três dias, sendo uma história diferente a cada dia.

Etapa 3: Manutenção

Para avaliar a manutenção da intervenção do participante, os dados foram coletados três meses após a intervenção. Todas as sessões de manutenção foram idênticas às sessões de linha de base, ou seja, sem nenhum estímulo ou reforço, com um tempo de espera de 30 segundos para que o participante respondesse.

Índice de Fidedignidade

Com o objetivo de avaliar o índice de fidedignidade das etapas do estudo, a segunda autora codificou 25% das sessões de cada etapa, aleatoriamente selecionadas. O cálculo de concordância foi de 95%, indicando adequada fidedignidade.

Análise de Dados

Os dados da folha de registro também puderam ser analisados quanto ao nível de independência do participante durante as sessões. Os dados foram demonstrados em gráficos de barra considerando a pontuação referente ao nível de independência e desempenho do participante.

Resultados

Figura 2:
Desempenho do participante nas sessões de Linha de base, intervenção e manutenção

De acordo com a Figura 2, na Etapa 1 - Linha de Base: observa-se que o participante não utilizou a figura em nenhum momento, ignorando-a totalmente nas três sessões, emitindo respostas verbais em algumas questões. Na Sessão 1, na questão quatro, o participante respondeu verbalmente a uma questão, na qual a pesquisadora perguntou: "Do que era feita a casa do porquinho mais velho?", e o mesmo respondeu: tijolo, atingindo um percentual de 12%. Na Sessão 2, respondeu verbalmente a questão seis, na qual foi perguntado: "Após comer a maçã envenenada, o que aconteceu com Branca de Neve?" em que o participante respondeu: morreu, e na questão oito, em que perguntou-se: "Quando Branca de Neve e o príncipe casaram, onde eles foram morar?", e o participante respondeu: castelo, atingindo um total de 37% de acertos. Já na Sessão 3, respondeu verbalmente somente a questão três, em que a pesquisadora perguntou: "Quem chapeuzinho vermelho encontrou na floresta?", em que o participante respondeu: lobo mau. No restante das questões não houve qualquer tipo de reposta, apresentando um total de 14% de acerto.

Na Etapa 2 - Intervenção: é possível observar mudanças significativas nas respostas dadas pelo participante. Nas três primeiras questões da Sessão 1 (Os três porquinhos), o participante necessitou de auxílio físico (a pesquisadora conduziu a mão do participante para que este pegasse a figura e colocasse no caderno de respostas), na quarta questão, realizou a resposta com independência, ou seja, pegou a figura e colocou no caderno de resposta sem o auxílio da pesquisadora. A questão cinco foi realizada com auxílio verbal da pesquisadora, e as questões seis e sete foram respondidas com independência (em uma questão pegou a figura correta e colocou no caderno de respostas e em uma questão respondeu verbalmente). Na primeira sessão, o participante atingiu um percentual de 70% de acerto.

Na Sessão 2 (Branca de Neve), das oito questões, seis foram respondidas com independência, ou seja, o participante pegou a figura que correspondia à resposta da questão feita pela pesquisadora e duas necessitaram de auxílio verbal para serem concluídas, apresentando, assim, um total de 87% de acertos.

Na Sessão 3 (Chapeuzinho Vermelho), todas as sete questões foram respondidas de forma independente, ou seja, o participante apontou para as figuras corretas sozinho, sem nenhum tipo de auxílio físico ou verbal, atingindo um total de 100% de êxito.

Na Etapa 3 - Manutenção: nenhum auxílio foi oferecido ao participante neste momento, sendo realizadas três sessões, conforme aponta a Figura 2. Na primeira sessão de manutenção, sessão 7, foi trabalhada a história "Os três porquinhos", no caderno de questões havia sete questões, sendo que o participante somente na questão dois respondeu de forma incorreta, pegando a figura errada para fornecer a resposta, obtendo 88% de acerto. Nas outras sete questões, respondeu corretamente, pegando ou apontando independentemente a figura correta. Na sessão 8, segunda sessão da manutenção, foi utilizada a história "Branca de Neve" com oito questões, sendo que na questão dois o aluno pegou a figura incorreta para fornecer a resposta, nas outras sete questões respondeu corretamente de forma independente, obtendo 88% de acerto. Na terceira sessão de manutenção, sessão 9, foi utilizada a história "Chapeuzinho Vermelho" com sete questões, sendo que em seis questões o aluno respondeu sozinho e em todas respondeu corretamente, com exceção da questão três, na qual o aluno pegou a figura incorreta para fornecer a resposta, obtendo assim 85% de acerto.

Verifica-se que, na Etapa 1, de um total de 22 questões, o participante apresentou 04 respostas verbais corretas e 18 ausências de respostas verbais ou físicas. Na Etapa 2, de um total de 22 questões, o participante necessitou de auxílio em 06 questões e respondeu corretamente e independentemente à 16 questões, sendo 01 de forma verbal e 15 por meio das figuras. Na Etapa 3, de um total de 22 questões, 19 questões foram respondidas de forma correta e independente por meio das figuras e três foram respondidas incorretamente, com o uso das figuras.

Constata-se que houve diminuição no número de respostas verbais fornecidas pelo aluno ao longo da pesquisa, mas um aumento considerável no número de respostas assertivas por meio de figuras.

Discussão

Os resultados obtidos permitem identificar notável avanço no número de acertos alcançados pelo participante durante as sessões realizadas.

Na realização da etapa Linha de Base foi possível averiguar que o participante não utilizou as figuras disponíveis como apoio para fornecer respostas à pesquisadora, havendo apenas eventuais respostas verbais.

Tal informação pode suscitar questões como: de que forma era feita a comunicação entre professor e aluno durante as atividades? Como o aluno respondia às perguntas feitas pela professora? De que modo a professora recebia essas respostas? E, ainda, como a mesma avaliava o desempenho e êxito do aluno nas atividades acadêmicas e, especificamente, na interpretação de histórias e textos?

Considerando o aluno com paralisia cerebral sem o apoio de recursos como a CSA em um contexto de sala de aula na qual são avaliados somente os resultados das atividades (erros/acertos), poder-se-ia considerar que o mesmo não compreendeu o conteúdo trabalhado, pois a quantidade de erros é potencialmente superior à de acertos. Uma vez que são oferecidos métodos alternativos de comunicação e expressão, verifica-se aumento considerável no número de acertos, demonstrando que seu desempenho na atividade não foi causado por dificuldades de compreensão ou entendimento, mas sim, pela ausência de métodos alternativos de comunicação, impossibilitando que se expressasse. Esta constatação indica a necessidade de que a avaliação da aprendizagem dos alunos deve ir além da contabilização de erros, pois, muitas vezes, o método empregado na avaliação não considera as especificidades do aluno e acaba interferindo negativamente em seu desempenho, omitindo sua real evolução.

Quando um professor valoriza apenas o produto final de uma produção ou atividade do aluno, passa-se a ignorar todo o esforço empenhado para a realização, assim como a complexidade da elaboração e constituição do conhecimento. No entanto, realizando adaptações e lançando mão de recursos que promovam/favoreçam a comunicação do aluno com dificuldades acentuadas de comunicação, é possível que o mesmo se envolva mais profundamente nas atividades e se apoie nas figuras para fornecer as respostas pretendidas. Neste sentido, é importante que a implementação destes recursos estejam compatíveis às necessidades dos alunos88. Alves ACJ, Matsukura TS. A tecnologia assistiva no contexto da escola regular: relatos dos cuidadores de alunos com deficiência física. Distúrb. Comun. 2011;23(1):25-33., possibilitando aos mesmos se expressarem de formas alternativas em sala de aula1414. Massaro M, Deliberato D. Uso de sistemas de comunicação suplementar e alternativa na educação infantil: percepção do professor. Rev Ed Esp. 2013;26(46):331-50.. Desta forma, é possível verificar com maior eficácia a capacidade de compreensão e interpretação da história por parte da criança, sendo este, o objetivo da atividade realizada em sala de aula.

Na segunda etapa, é possível verificar um êxito gradual dos acertos do aluno no que se refere às respostas. Na primeira fase, foi necessário um maior número de auxílios físicos, fato comum, já que o participante não possuía contato anterior com a CSA, e por isso, não tinha conhecimento da sua utilidade e forma de utilização. Após os auxílios físicos, percebeu-se uma sequência de acertos com independência, alternados com alguns poucos auxílios verbais.

Tal resultado indica, neste caso específico, a eficácia da inserção da CSA como recurso pedagógico a ser recomendado e utilizado para as atividades de interpretação de histórias na sala de aula por alunos com dificuldades acentuadas de comunicação, mostrando-se um recurso útil. Ainda, além de possibilitar/favorecer a participação e envolvimento do aluno nas atividades da sala de aula e promover o êxito de seu desempenho, a CSA neste contexto também pode contribuir com o aumento do repertório lexical de alunos com dificuldades de comunicação, à medida que o aluno pode passar a utilizar a figura em outros contextos e ampliar seu vocabulário1111. Ponsoni A, Deliberato D. Comunicação suplementar e alternativa e habilidades comunicativas de uma criança com paralisia cerebral. In: IV Congresso Brasileiro Multidisciplinar de Educação Especial, ed. 4, 2007. Anais do IV Congresso Brasileiro Multidisciplinar em Educação Especial. Londrina, 2007., considerando que este não se refere apenas à linguagem oral, mas às diversas formas de expressão e comunicação.

Na terceira etapa, Manutenção, o participante obteve êxito na maioria das questões, realizando todo o processo de seleção da figura correta de forma independente, demonstrando ter aprendido a utilizar a figura como um suporte para responder às questões de interpretação e também, que possui capacidade de compreender o que lhe é dito, ao contrário do que acreditava sua professora. Ao escolher a figura correta após ser indagado pela pesquisadora, o aluno demonstrou apresentar habilidades receptivas preservadas e que, portanto, compreende o que lhe dizem. Contudo, devido às limitações nas habilidades expressivas, o participante poderia ter seu desempenho escolar prejudicado e, por meio deste estudo, constata-se que, nestas atividades específicas, tais limitações foram sanadas pelo uso da CSA, que possibilitou a emissão das respostas.

O participante não possui problemas relacionados à recepção e compreensão de informações, contudo, devido à dificuldade de expressão verbal, ou seja, fala restrita, não conseguia expressar suas habilidades e capacidades. A CSA, como recurso de apoio, possibilitou que o participante pudesse expressar, por meio das figuras, o que demais alunos expressariam por meio da fala. Embora o número de respostas verbais tenha diminuído ao logo das sessões, identificou-se aumento considerável no número de acertos das respostas, assim como independência e autonomia na utilização das figuras, sendo este avanço, a demonstração. Ou seja, em situações de exigência de resposta verbal (como em sala de aula) o aluno tem seu rendimento comprometido e, quando lhe são oferecidos meios alternativos de comunicação, seu desempenho aumenta, indicando a eficácia destes recursos nesta situação.

Assim como já identificado em outro estudo1515. Moreschi CL, Almeida MA. A comunicação alternativa como procedimento de desenvolvimento de habilidades comunicativas. Rev Bras Ed Esp. 2012;18(4):661-76. constatou-se que a CSA auxilia no processo de ensino e aprendizagem, proporcionando desenvolvimento do discurso narrativo, aumento do repertório lexical e organização sintática adequada à criança. Tais autoras afirmam que, por meio do uso da CSA, nas atividades que envolvem histórias, o professor estimula o aprendizado de novos repertórios lexicais (aumento do vocabulário, pois cada história envolve um contexto, personagens e enredo diferenciado), amplia a estrutura frasal (a marcação dos componentes da frase como sujeito, verbo e adjetivo, substantivo, etc., por meio das figuras, facilita a aprendizagem pelas crianças, pois as figuras ficam visíveis e cada qual em seu lugar) e a aquisição e o desenvolvimento da narração (compreender que a história tem um começo, meio e fim), contribuindo para a evolução da interação e comunicação do aluno (a linguagem oral é estimulada, pois quando o aluno entrega a figura, o mediador oferece o modelo para que o aluno repita por meio da fala).

Ainda, têm sido descritos1616. Schwartzman JS. (Org.). Síndrome de Down. São Paulo: Memnon, 2003. os benefícios do uso da CSA à pessoa com NCC, no sentido de que esta pode oferecer um aumento do vocabulário, além de facilitar a aquisição da sintaxe da língua, devido ao fato de que a CSA marca concretamente as relações sintáticas. A CSA pode compensar as dificuldades fonológicas e articulatórias esclarecendo palavras que seriam de difícil produção e permitindo à criança a oportunidade de se comunicar.

A utilização da CSA é vista como uma oportunidade de promover a comunicação oral uma vez que oferece um suporte por meio do processamento visual. O uso da CSA pode ser uma estratégia transitória para ajudar as crianças a compreenderem a ideia de que palavras representam objetos, pessoas, pensamentos e que podem ser usadas para interagir e se comunicar com as outras pessoas1717. Millar DC, Light JC, Schlosser RW. The impact of Augmentative and Alternative Communication intervention on the speech production of individuals with developmental disabilities: a research review. JSLHR. 2006;49(2):248-64..

Porém, cabe destacar que é preciso que haja sensibilidade e conhecimento por parte dos professores e demais profissionais que atuam nesse meio para que percebam e identifiquem as necessidades e demandas desses alunos, para que assim, possam buscar estratégias, métodos e recursos que as atendam. Muitas vezes, a implementação dessas ferramentas pode requerer a atuação de profissionais de outras áreas, como da saúde, adequando os recursos e materiais às atividades pedagógicas1818. Silva RLM, Silva SSC, Pontes FAR, Oliveira AIA, Deliberato D. Efeitos da comunicação alternativa na interação professor-aluno com paralisia cerebral não-falante. Rev Bras Ed Esp. 2013;19(1):25-42., sugerindo a necessidade de um trabalho de colaboração entre os profissionais. Assim, é possível garantir o acesso do aluno PAEE com necessidades complexas de comunicação não somente à escola como local físico, mas também às ideias e conteúdos disseminados no ambiente.

Muitas vezes, as capacidades e habilidades desses alunos são inibidas e omitidas por metodologias, práticas e recursos que não consideram suas particularidades. Tais questões podem causar déficits no processo de ensino e aprendizagem do aluno PAEE, pois, uma vez que suas especificidades não são atendidas pelo ambiente escolar, sua participação, envolvimento e desempenho podem ser prejudicados. Fato este constatado por meio da reação da professora do aluno participante, ao ficar surpresa com seu desempenho na atividade realizada.

Conclusão

A CSA como recurso pedagógico possibilitou ao aluno com problemas de comunicação demonstrar suas habilidades acadêmicas (neste caso, compreensão e interpretação). Desta forma, é possível inseri-lo nas atividades acadêmicas realizadas rotineiramente na sala de aula, sem prejuízos ao seu aprendizado e ao seu desempenho.

O estudo apresentado possibilita constatar a eficácia da CSA como recurso pedagógico e apoio nas atividades de compreensão e interpretação de histórias na sala de aula, podendo subsidiar posteriores pesquisas. Contudo, sugere-se que a mesma seja realizada com um número maior de participantes, com faixas etárias variadas e/ou em modalidades educacionais diferentes, possibilitando assim, maior generalização e fidedignidade dos resultados obtidos.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2015
  • Aceito
    21 Mar 2016
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