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O desenvolvimento da percepção dos contrastes mínimos na língua brasileira de sinais em um grupo de Codas

RESUMO

Objetivo:

verificar o surgimento e a estabilização da percepção dos contrastes mínimos da Língua Brasileira de Sinais, crianças ouvintes filhas de pais surdos.

Métodos:

foram analisadas nove coletas das habilidades perceptuais em Língua Brasileira de Sinais de crianças ouvintes, filhas de pais surdos com idades entre dois e nove anos. O instrumento aplicado foi composto de 35 pares mínimos, sinais que variavam em somente um parâmetro, podendo esse ser: configuração de mão, locação, movimento ou orientação. Realizou-se análise estatística com nível de significância de 5%, e foram utilizados o teste de comparação de Friedman e Wilcoxon, além da correlação de Spearman.

Resultados:

o parâmetro movimento é percebido mais facilmente do que os demais contrastes. Seguido dos parâmetros locação e configuração de mão, que atuam de maneira semelhante na percepção dos aprendizes desta língua. O contraste mais difícil de ser percebido refere-se à orientação. Quanto mais tempo de contato com a língua, melhor o desempenho das Codas na percepção dos contrastes mínimos.

Conclusão:

por meio do instrumento de percepção constatou-se quais os parâmetros são percebidos primeiramente pelos aprendizes. O parâmetro movimento foi mais facilmente percebido, seguido da locação e configuração de mão, já a orientação foi o último a ser adquirido.

Descritores:
Linguagem de Sinais; Surdez; Criança, Linguagem, Multilinguismo

ABSTRACT

Purpose:

to verify the emergence and acquisition of the minimal contrasts perception in the Brazilian Sign Language, by Children of Deaf Adults.

Methods:

nine collections of Brazilian Sign Language perception skills of normal hearing children with deaf parents, from two to nine years old, during their language development period, were performed and analyzed. The applied test consisted of 35 minimal pairs, signs which varied in only one parameter, which could be: handshape, location, movement or orientation. The signs were graphically represented through pictures. A statistical analysis was performed with significance level of 5%. The used tests were the comparison tests by Friedman and Wilcoxon, and also the Spearman correlation test.

Results:

the parameter movement is more easily perceived than the other contrasts, followed by the parameters location and hand configuration, which act in a similar way in the perception of these learners. The most difficult contrast to be perceived was orientation. Another relevant finding refers to age group, because the longest the contact with sign language the children had, the better was the Coda performance in the perception test of the minimal contrasts.

Conclusion:

it was perceived that through the perception test it was possible to detect which parameters are first acquired. The most easily perceived was the movement parameter, followed by location and handshape, while orientation was the last to be acquired.

Keywords:
Sign Language; Deafness; Child; Language; Multilingualism

Introdução

Na língua oral, a percepção e a produção da fala estão intimamente relacionadas e integradas. Para que haja a produção de fala, a compreensão deve estar presente anteriormente a essa etapa. Ainda, com relação à linguagem oral, fatores como memória, atenção e o processamento auditivo também fazem parte da percepção de fala11. Macsweeney M, Waters D, Brammer MJ, Woll B, Goswami U. Phonological processing in deaf signers and the impact of age of first language acquisition. NeuroImage. 2008;40(1):1369-79..

Enquanto as línguas orais são recebidas pela audição e transmitidas por sons por meio dos articuladores, as línguas de sinais são captadas através da visão, utilizando como expressão os movimentos das mãos, face e corpo. Assim, línguas de sinais e orais não compartilham o mesmo meio físico para percepção e expressão. Enquanto na segunda são ativados os sistemas perceptuais auditivos e produtivos orais, na primeira a percepção ocorre através do meio visuoespacial22. Cruz CR, Finger I. Aquisição fonológica do português brasileiro por crianças ouvintes bilíngues bimodais e surdas usuárias de implante coclear. Letras de Hoje. 2013;48(3):389-98..

Este processo apesar de ocorrer em um período curto de tempo, é uma tarefa complexa, uma vez que a criança deve ser capaz de perceber não somente os sons que fazem parte da língua, mas descobrir quais desses fones compõem os contrastes mínimos do sistema linguístico. Na língua de sinais o processo não parece ser diferente. Para que o indivíduo desenvolva a língua de sinais de maneira satisfatória é de fundamental importância que a percepção visuoespacial esteja adequada. Além disso, é importante que a criança esteja exposta a língua precocemente, pois da mesma forma que a criança ouvinte precisa de input auditivo, a criança em contato com a língua de sinais também precisa de um input suficientemente frequente de exposição, seja por meio de adultos surdos ou ouvintes nativos em LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais, no caso do Brasil. Os adultos surdos são usuários competentes da língua visuoespacial, responsáveis em fornecer o modelo a esse aprendiz, para que possa desenvolver a LIBRAS. Isso é necessário, pois no caso da criança surda, por vezes, esse contato não ocorre com os próprios pais, já que em 95% dos casos, são filhos de adultos ouvintes33. Guarinello AC, Claudio DP, Festa PSV, Paciornik R. Reflexões sobre as interações linguísticas entre familiares ouvintes - filhos surdos. Tuiuti: Ciência e Cultura. 2013;46(1):151-68..

Crianças ouvintes, filhas de pais surdos, denominadas Codas, são aprendizes nativos da Língua de Sinais e, portanto, bilíngues. Eles são capazes de desenvolver naturalmente tanto o português falado quanto a LIBRAS, pois estão em contato com essas duas línguas desde pequenos44. Mayberry RI, Fischer SD. Looking through phonological shape to lexical meaning: The bottleneck of normative sign language processing. Memory and Cognition. 1989;17(1):740-54.,55. Quadros RM, Cruz CR. Língua de Sinais: Instrumentos de Avaliação. Artmed: Porto Alegre, 2011.. Essas crianças são conhecidas como Codas, abreviatura utilizada para crianças ouvintes, filhas de adultos surdos (traduzido do inglês children of deaf adults)66. Quadros RM, Cruz CR, Pizzio AL. Memória fonológica em crianças bilíngues bimodais e crianças com implante coclear. ReVEL. 2012;10(19):185-212..

Estudos mostram que, assim como na língua oral, ao adquirir uma língua de sinais ainda na primeira infância há um favorecimento da aquisição dessa língua, facilitando nas habilidades de sintaxe, compreensão, tarefas de narrativas e habilidades em recepção e produção da língua de sinais11. Macsweeney M, Waters D, Brammer MJ, Woll B, Goswami U. Phonological processing in deaf signers and the impact of age of first language acquisition. NeuroImage. 2008;40(1):1369-79.,44. Mayberry RI, Fischer SD. Looking through phonological shape to lexical meaning: The bottleneck of normative sign language processing. Memory and Cognition. 1989;17(1):740-54.,77. Mayberry RI. First-language acquisition after childhood differs from secondlanguage acquisition: the case of American Sign Language. JSLHR. 1993;36(1):1258-70.,88. Morford JP, Grieve-smith AB, Macfarlane J, Staley J, Waters G. Effects of language experience on the perception of American Sign Language. Cognition. 2008;109(1):41-53..

No nível fonológico é necessário que a percepção dos contrastes ocorra e que o domínio da produção das unidades mínimas ou parâmetros que constituem um sinal se estabeleça, como: configuração de mão (o formato propriamente dito de mão), locação (espaço onde é realizado o sinal), movimento (os sinais podem ou não ter movimento), orientação (os sinais podem ter uma direção e a inversão desta pode significar ideia contrária) e expressão facial e/ou corporal (muitos sinais possuem também a expressão facial e/ou corporal)55. Quadros RM, Cruz CR. Língua de Sinais: Instrumentos de Avaliação. Artmed: Porto Alegre, 2011.,99. Quadros RM, Karnopp LB. Língua de Sinais Brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artes Médicas, 2004.. Os pares mínimos são sinais, que se diferem quanto ao significado, quando ocorre a variação de somente um parâmetro fonológico99. Quadros RM, Karnopp LB. Língua de Sinais Brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artes Médicas, 2004..

Para que a produção de um sinal ocorra, a percepção fonológica deve anteceder este processo, pois acredita-se que estejam entrelaçadas, ou seja, relacionadas. Dessa maneira, para que haja produção, é necessário que a percepção se estabeleça adequadamente, bem como ocorra a integridade de diversas estruturas e habilidades linguísticas11. Macsweeney M, Waters D, Brammer MJ, Woll B, Goswami U. Phonological processing in deaf signers and the impact of age of first language acquisition. NeuroImage. 2008;40(1):1369-79.. Devido a isso, ressalta-se a importância de estudar como está ocorrendo essa percepção, mediante sinais que contrastem minimamente. Para verificar se os aprendizes dessa língua conseguem distinguir sinais parecidos, distintos em apenas um parâmetro, toma-se o par mínimo como elemento fundamental nesta investigação.

As expressões não manuais, ou seja, as expressões faciais/corporais possuem como função a marcação de construções sintáticas e de sinais específicos, bem como, de marcar as sentenças interrogativas99. Quadros RM, Karnopp LB. Língua de Sinais Brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artes Médicas, 2004.. Por isso, esse parâmetro não será considerado no presente trabalho.

Assim, o objetivo deste estudo foi verificar o surgimento e a estabilização da percepção dos contrastes mínimos da LIBRAS em Codas.

Métodos

O presente artigo faz parte de um projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, sob número CAAE 14236513.7.0000.5346. Esta pesquisa se caracteriza por ser quantitativa, prospectiva e transversal, desenvolvida por meio da aplicação de um instrumento elaborado especialmente para a realização deste estudo, no sentido de ser capaz de investigar o domínio da percepção dos contrastes mínimos em LIBRAS.

Quanto à amostra, os sujeitos que participaram do presente estudo são ouvintes, filhos de pais surdos, de uma comunidade surda, em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Eles cresceram bilíngues, uma vez que desenvolveram tanto a língua oral (em contato com outras pessoas ouvintes como parentes e vizinhos) quanto a língua de sinais, pois estão em contato com os pais e os amigos surdos.

Como critérios de inclusão dessa pesquisa, somente participaram crianças com desenvolvimento típico em todos os aspectos, ou seja, não poderiam ter deficiência sensorial, neurológica, cognitiva ou emocional evidentes. A amostra da pesquisa foi selecionada por conveniência, após conversa com o presidente da associação de surdos do município e levantamento do número de filhos de surdos desta comunidade. Os sujeitos selecionados somente participaram da pesquisa após a autorização dos pais mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e após o assentimento oral das crianças.

O instrumento é composto por 35 palavras/sinais, com significado, que contém contrastes mínimos, diferindo minimamente em apenas um parâmetro. Quanto aos parâmetros, os pares variaram quanto à configuração de mão (14 itens), locação (6 itens), movimento (8 itens) ou orientação (7 itens). As figuras são acompanhadas de um vídeo, no qual a intérprete realiza os dois sinais, que podem ser iguais ou diferentes.

As figuras que representam os sinais do instrumento foram dispostas em cartelas que as representavam graficamente, com três colunas de duas figuras para cada contraste. Em duas colunas as figuras eram iguais e na terceira era diferente, não necessariamente nesta ordem.

O formato proposto nesse instrumento tem como base a aplicação e disposição das figuras de acordo com o teste de discriminação auditiva dos sons da fala "The Boston University speech Sound Discrimination Picture Test1010. Kaplan E, Goodglass H, Weintraub S. The Boston naming test. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2001.. De forma semelhante um teste de figuras de discriminação fonêmica para língua oral1111. Santos-Carvalho B, Mota HB, Keske-Soares M. Teste de Figuras para Discriminação Fonêmica: uma proposta. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(3):207-17., também utiliza essa organização e disposição de figuras.

Inicialmente foi realizada uma interação com a criança, a fim de verificar sua compreensão e expressão em LIBRAS, essa avaliação observacional era realizada por meio de uma interação lúdica, com brinquedos, e a criança deveria fazer relatos em língua de sinais e responder algumas perguntas realizadas pela pesquisadora, também em LIBRAS. Posteriormente, as crianças visualizavam o vídeo, que já continha a instrução do instrumento. Em seguida, observavam a produção dos sinais pela intérprete e após deveriam escolher quais as figuras correspondentes ao par mínimo apresentado. Durante a apresentação do vídeo se possibilitou que houvesse uma pausa para que a criança pudesse escolher sua resposta e mostrar na cartela os sinais percebidos no vídeo. Caso o participante necessitasse era possível uma repetição do item.

A resposta de cada criança foi marcada em um protocolo com as seguintes opções: correta, incorreta ou ausência de respostas. Os resultados sofreram um processo de análise estatística que considerou o nível de significância de 5%. Os testes estatísticos utilizados foram o teste de comparação de Friedman e Wilcoxon e o de correlação de Spearman. Considerou-se os níveis de correlação de Spearman entre 0 a 0,25 - muito fraca, 0,25 a 0,50 - fraca, 0,5 a 0,75 - moderada, 0,75 a 0,9 - forte e, 0,9 a 1 - muito forte.

Torna-se válido ressaltar que a aplicação do instrumento em todo o corpus da amostra realizou-se somente pela pesquisadora e autora do estudo, sendo a mesma fluente em língua de sinais. Essa padronização na coleta foi tomada com a finalidade de evitar viés nos resultados e o processo avaliativo ocorresse de maneira eficaz.

Resultados

As crianças que participaram da amostra tinham idades entre dois anos a nove anos e 11 meses de idade. Os sujeitos em fase de desenvolvimento da LIBRAS foram acompanhados a cada 4 meses, assim, era realizada uma nova coleta com esses sujeitos, durante o período de um ano. Já os sujeitos acima dos sete anos foram realizados coletas únicas, pois esses já possuíam a LIBRAS adquirida55. Quadros RM, Cruz CR. Língua de Sinais: Instrumentos de Avaliação. Artmed: Porto Alegre, 2011..

Tabela 1:
Disposição dos sujeitos de acordo com o número de coletas realizadas por idade

Após a elaboração do instrumento de percepção, o mesmo foi aplicado em nove sujeitos, perfazendo um total de 28 coletas transversais. No entanto, na amostra final foram consideradas as nove coletas finais, pois após uma análise inicial do presente trabalho, foi acrescentado o parâmetro orientação de mão, como ilustrado na Tabela 1.

Após a coleta de dados foram encontrados resultados, como os expostos na Tabela 2, referentes à média dos acertos em cada parâmetro avaliado mediante aplicação do instrumento de percepção, bem como a mediana, desvio padrão, mínimo e máximo de acertos.

Tabela 2:
Análise descritiva dos parâmetros analisados considerando os valores do desvio padrão, a média de acertos, o mínimo de acertos, o máximo de acertos, e a mediana

Conforme é possível observar na Tabela 2, a maior média de acertos foi para o parâmetro configuração de mão, no entanto, ao realizar a porcentagem de acordo com o total de itens por parâmetro, o movimento obteve a maior porcentagem de acertos. Seguido dos parâmetros locação e configuração de mão, os quais tiveram resultados similares quanto à porcentagem de acertos. Já o parâmetro orientação, foi o mais difícil de ser percebido, no qual ocorreu o pior desempenho geral das crianças.

Durante a aplicação do instrumento, era possível a repetição do item, no entanto, de maneira geral as crianças não necessitaram dessa repetição. Observou-se ainda que as crianças de 2 anos eram mais dispersas à aplicação do instrumento.

Figura 1:
Resultado da análise comparativa entre os parâmetros

De acordo com as análises realizadas, o parâmetro mão apresentou resultados significantes quando comparados com o parâmetro locação e quando comparado ao parâmetro orientação. Da mesma forma, o parâmetro movimento também apresentou resultados significantes quando comparado aos parâmetros locação e orientação.

Tabela 3:
Análise da correlação de cada parâmetro entre si

Os resultados encontrados na correlação entre os parâmetros indicam se os parâmetros eram significantemente diretamente proporcionais. Assim, de acordo com os achados encontrados verificou-se correlação positiva e moderada (valores entre 0,5 a 0,75) entre o parâmetro configuração de mão e locação. Constatou-se ainda, correlação positiva e moderada para os parâmetros configuração de mão versus movimento, e também entre movimento e orientação. Já entre os parâmetros locação versus movimento verificou-se correlação positiva e forte (valores entre 0,75 a 0,9).

Tabela 4:
Análise da correlação de cada parâmetro e do total de acertos dos pares mínimos com a variável faixa etária

Os resultados encontrados na correlação dos acertos de cada parâmetro com a faixa etária foram significantes, indicando correlação com o número de acertos e o aumento da idade. Assim, quanto maior o tempo de exposição à língua de sinais, maior o número de acertos em cada parâmetro. Esses achados indicaram correlação moderada nos parâmetros de mão e movimento (valores entre 0,5 a 0,75). Já para orientação a correlação encontrada foi forte. Por último, o parâmetro locação, e a faixa etária indicaram uma correlação fraca (valores entre 0,25 a 0,5), ainda assim esse resultado foi significante.

Tabela 5:
Média dos acertos quando comparado à faixa etária com os parâmetros

De acordo com os resultados da Tabela 5, constatou-se que quanto maior a faixa etária, maior o número de acertos. Esse achado torna-se mais evidente ainda no parâmetro orientação, pois nesse item apresentou valores de forte correlação com r=0,82981(valor entre 0,75 a 0,9), como é possível observar na Tabela 4.

Discussão

De acordo com os achados nesta pesquisa, constatou-se por meio dos resultados da Tabela 2 que o parâmetro movimento é o contraste percebido mais facilmente pelas crianças em fase de desenvolvimento da língua de sinais. Outros estudos que investigaram a percepção em sujeitos surdos, não analisaram os parâmetros movimento nem orientação1212. Baker AS, IdsardI WJ, Golinkoff RM, Petitto LA. The perception of handshapes in American Sign Language. Memory & cognition. 2005;33(5):887-904.,1313. Emmorey K, Mccullough S, Brentari D. Categorical perception in American Sign Language. Language & Cognitive Processes. 2003;18(1):21-45.. O resultado obtido nesta pesquisa discorda de um estudo em que a configuração de mão era o parâmetro mais facilmente percebido pelos sujeitos surdos avaliados1313. Emmorey K, Mccullough S, Brentari D. Categorical perception in American Sign Language. Language & Cognitive Processes. 2003;18(1):21-45..

Os dados obtidos neste estudo sobre a percepção para locação e configuração de mão ocorrer de maneira muito próxima, concorda com um estudo em que a configuração de mão funcionava como um contínuo para a identificação do parâmetro locação1212. Baker AS, IdsardI WJ, Golinkoff RM, Petitto LA. The perception of handshapes in American Sign Language. Memory & cognition. 2005;33(5):887-904.. Uma outra pesquisa ressaltou ainda, que os sujeitos surdos nativos se sobressaíram aos usuários que não eram nativos na língua de sinais em tarefas que envolviam a percepção do parâmetro configuração de mão 88. Morford JP, Grieve-smith AB, Macfarlane J, Staley J, Waters G. Effects of language experience on the perception of American Sign Language. Cognition. 2008;109(1):41-53.. No entanto, em outras pesquisas, que investigaram a produção, o parâmetro configuração de mão seria o último a ser dominado, tanto em LIBRAS quanto em ASL - American Sign Language1414. Karnopp LB. Aquisição Fonológica na Língua Brasileira de Sinais: estudo longitudinal de uma criança surda. [Tese]. Porto Alegre (RS): PUCRS; 1999.,1515. Siedlecki JT, Bonvillian J. Location, handshape and movement: Young children's acquisition of the formational aspects of American Sign Language. Sign Language Studies. 1993;1(78):31-52.. Esses achados podem diferir, pois na produção, é necessária maior precisão nos movimentos para conseguir realizar as 46 possibilidades de configuração de mão que estão presentes na LIBRAS. Essa precisão dos movimentos na produção ocorre pela própria limitação do sistema articulatório, ou seja, a fisiologia das mãos.

Com relação ao parâmetro locação, um estudo em LIBRAS1414. Karnopp LB. Aquisição Fonológica na Língua Brasileira de Sinais: estudo longitudinal de uma criança surda. [Tese]. Porto Alegre (RS): PUCRS; 1999. e outro em ASL1515. Siedlecki JT, Bonvillian J. Location, handshape and movement: Young children's acquisition of the formational aspects of American Sign Language. Sign Language Studies. 1993;1(78):31-52., indicam ser este o primeiro parâmetro a ser produzido de forma mais precisa. Estes achados podem diferir, pois é possível que para a produção o parâmetro locação seja mais facilmente realizado, já que é um parâmetro que exige menos do sistema articulatório, ou seja, menor coordenação para realizá-lo99. Quadros RM, Karnopp LB. Língua de Sinais Brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artes Médicas, 2004..

Já o parâmetro orientação foi o contraste com a pior média e porcentagem de acertos, indicando que se refere ao contraste mais difícil de ser percebido pelos aprendizes da LIBRAS. Ressalta-se novamente que os estudos que investigaram a percepção, não analisaram esse parâmetro1212. Baker AS, IdsardI WJ, Golinkoff RM, Petitto LA. The perception of handshapes in American Sign Language. Memory & cognition. 2005;33(5):887-904.,1313. Emmorey K, Mccullough S, Brentari D. Categorical perception in American Sign Language. Language & Cognitive Processes. 2003;18(1):21-45.. No entanto, supõe-se que esse parâmetro seja o mais difícil de ser percebido, por modificar de forma mais sutil os pares, como por exemplo no par mínimo como 'piada' e 'remédio' ou 'limpar' e 'livro'.

Com relação aos achados indicados na Figura 1, o parâmetro movimento difere significativamente ao ser comparado com locação, constatando-se que os valores para movimento são maiores do que os valores encontrados para locação. Este resultado discorda dos dados propostos em um estudo realizado com sujeitos surdos, os quais não percebiam o parâmetro locação1313. Emmorey K, Mccullough S, Brentari D. Categorical perception in American Sign Language. Language & Cognitive Processes. 2003;18(1):21-45.. Na presente pesquisa, verificou-se ainda resultados significantes ao comparar o parâmetro movimento com a orientação, indicando dessa maneira, que os valores para movimento foram maiores.

Ainda com relação à Figura 1, observou-se que o parâmetro configuração de mão quando comparado com o parâmetro locação obteve resultados estatisticamente significantes, o que indica que os valores para locação são maiores do que os valores para configuração de mão. Estes dados discordam de um estudo em que os sujeitos percebiam somente a configuração de mão1313. Emmorey K, Mccullough S, Brentari D. Categorical perception in American Sign Language. Language & Cognitive Processes. 2003;18(1):21-45.. De modo semelhante isso ocorre quando se compara o parâmetro configuração de mão à orientação em que também foram obtidos resultados significantes, verificando-se que os valores para configuração de mão são maiores do que os encontrados para orientação.

Constatou-se com os resultados da Tabela 3, correlação positiva e moderada para os parâmetros movimento versus configuração de mão. Isso significa que são parâmetros diretamente proporcionais. Esse achado concorda com um estudo que justifica que o sistema perceptual capta e distingue melhor as distinções de parâmetros quando articulados em regiões que o interlocutor fixa o olhar, pois é possível inferir que conforme o sujeito mantém o foco no movimento, irá captar a configuração de mão que está sendo realizado pela mesma99. Quadros RM, Karnopp LB. Língua de Sinais Brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artes Médicas, 2004.. Para os parâmetros movimento e orientação também se observou correlação moderada. Assim, conforme aumenta o desempenho dos sujeitos quanto ao movimento também melhora o seu desempenho quanto à orientação. Os estudos citados, realizados com percepção, não investigaram esses parâmetros1212. Baker AS, IdsardI WJ, Golinkoff RM, Petitto LA. The perception of handshapes in American Sign Language. Memory & cognition. 2005;33(5):887-904.,1313. Emmorey K, Mccullough S, Brentari D. Categorical perception in American Sign Language. Language & Cognitive Processes. 2003;18(1):21-45..

Já entre os parâmetros movimento versus locação verificou-se correlação forte (valores entre 0,75 a 0,9) conforme descrito na Tabela 3. Esse resultado indica que, conforme o indivíduo consegue captar o movimento, também consegue perceber a locação do sinal, verificando dessa forma, que esses parâmetros são diretamente proporcionais. Novamente, ressalta-se que os estudos que investigaram percepção não analisaram esses parâmetros1212. Baker AS, IdsardI WJ, Golinkoff RM, Petitto LA. The perception of handshapes in American Sign Language. Memory & cognition. 2005;33(5):887-904.,1313. Emmorey K, Mccullough S, Brentari D. Categorical perception in American Sign Language. Language & Cognitive Processes. 2003;18(1):21-45..

De acordo com os achados da Tabela 3, verificou-se correlação significante positiva e moderada (valores entre 0,5 a 0,75) entre o parâmetro locação e configuração de mão. Dessa maneira, esse resultado indica que esses parâmetros são diretamente proporcionais, assim conforme aumenta o desempenho quanto à locação também melhora o desempenho quanto à configuração de mão. Esse achado concorda com um estudo de percepção que verificou que a configuração de mão atua como um contínuo para o parâmetro locação1212. Baker AS, IdsardI WJ, Golinkoff RM, Petitto LA. The perception of handshapes in American Sign Language. Memory & cognition. 2005;33(5):887-904..

Na Tabela 4 foi possível verificar significância estatística para a correlação entre a faixa etária e os acertos em cada parâmetro. Assim, conforme aumenta a idade do aprendiz o seu desempenho em cada contraste mínimo também melhora. Esse achado concorda com estudos44. Mayberry RI, Fischer SD. Looking through phonological shape to lexical meaning: The bottleneck of normative sign language processing. Memory and Cognition. 1989;17(1):740-54.,77. Mayberry RI. First-language acquisition after childhood differs from secondlanguage acquisition: the case of American Sign Language. JSLHR. 1993;36(1):1258-70.,1616. Mayberry RI, Eichen EB. The long-lasting advantage of learning sign language in childhood: Another look at the critical period for language acquisition. Journal of Memory and Language. 1991;30(1):486-512. que constataram que quanto mais tempo de contato com a língua de sinais melhor o desemprenho em habilidades de recepção e produção da ASL (American Sign Language).

O fato de essas crianças serem falantes nativas da LIBRAS, favorece o desempenho de atividades com essa língua11. Macsweeney M, Waters D, Brammer MJ, Woll B, Goswami U. Phonological processing in deaf signers and the impact of age of first language acquisition. NeuroImage. 2008;40(1):1369-79.,55. Quadros RM, Cruz CR. Língua de Sinais: Instrumentos de Avaliação. Artmed: Porto Alegre, 2011.,77. Mayberry RI. First-language acquisition after childhood differs from secondlanguage acquisition: the case of American Sign Language. JSLHR. 1993;36(1):1258-70.,88. Morford JP, Grieve-smith AB, Macfarlane J, Staley J, Waters G. Effects of language experience on the perception of American Sign Language. Cognition. 2008;109(1):41-53. ,pois, uma vez que são filhos de pais surdos, estão em contato com a LIBRAS desde o nascimento. Assim, com o aumento da faixa etária, ou seja, quanto mais tempo de contato com a língua, mais acertos são encontrados em todos os parâmetros. Esse fato ficou evidente com a correlação moderada nos parâmetros de movimento e configuração de mão (valores entre 0,5 a 0,75), enquanto para orientação, constatou-se uma correlação forte (valor entre 0,75 a 0,9), como é possível observar na Tabela 4.

Conclusão

De acordo com os resultados encontrados na presente pesquisa, atendeu-se ao objetivo inicial que era verificar como ocorre a percepção dos contrastes mínimos em LIBRAS, em crianças em contato com essa língua desde a primeira infância. Por isso, optou-se pelo estudo envolvendo Codas, já que filhos ouvintes de pais surdos são expostos desde a tenra infância a LIBRAS, com input suficientemente frequente. Além disso, 90% dos filhos de surdos são ouvintes.

Em relação ao objetivo da pesquisa, verificou-se que o parâmetro movimento é o mais facilmente percebido pelos aprendizes da LIBRAS, seguido dos parâmetros locação e configuração de mão, os quais foram percebidos de maneira semelhantes pelas crianças avaliadas. Já a orientação foi o parâmetro que as crianças Codas tiveram maior dificuldade em realizar a percepção.

Constatou-se ainda que a faixa etária foi significante para o desempenho na percepção, pois quanto mais tempo de contato com a LIBRAS (com o aumento da idade), melhor o desempenho das Codas na aplicação do instrumento de percepção dos contrastes mínimos.

Referências

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  • Fontes de auxílio: bolsa concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2016
  • Aceito
    09 Jun 2016
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