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Aplicabilidade do mismatch negativity em crianças e adolescentes: uma revisão descritiva

RESUMO

O Mismatch Negativity (MMN) é um potencial cortical que ocorre em resposta a uma mudança de um estímulo acústico em meio a uma sequência de repetidos estímulos, o que reflete a capacidade do cérebro em discriminar o som de modo passivo, ou seja, sem a necessidade de atenção do indivíduo ao estímulo sonoro. Diante disso, o objetivo deste estudo foi realizar uma revisão descritiva sobre o MMN, a fim de identificar a sua aplicabilidade em crianças e adolescentes nos últimos cinco anos. Para isso, realizou-se uma busca nas bases de dados Lilacs, SciELO, Medline e Pubmed utilizando os seguintes descritores: córtex auditivo, eletrofisiologia, potenciais evocados auditivos e as palavras Mismacth e Negativity. Nesta revisão, foram encontrados 14 estudos que avaliaram crianças e/ou adolescentes com dificuldade de articulação na fala, distúrbio específico de linguagem, transtorno do processamento auditivo, Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), dislexia, autismo, risco para esquizofrenia, psicose, amusia, fenilcetonúria e atenção seletiva. Foi possível, assim, realizar a revisão descritiva sobre a aplicação do MMN em crianças e adolescentes, concluindo-se que, nos últimos cinco anos, houve uma produção considerável de artigos sobre o tema, embora no Brasil a presença de estudos a esse respeito ainda seja escassa. Nesse sentido, apesar de existir uma variedade de aplicações para o MMN, no que diz respeito à população brasileira, necessita-se ainda de evidências científicas que assegurem o efeito deste potencial nas diferentes faixas etárias. Verificou-se, também, que a busca por estudos sobre MMN nas bases de dados citadas pode ser realizada apenas utilizando as palavras Mismacth e Negativity.

Descritores:
Córtex Auditivo; Eletrofisiologia; Potenciais Evocados Auditivos

ABSTRACT

Mismatch Negativity (MMN) is a cortical potential that occurs in response to a modification of an acoustic stimulus from a sequence of repeated stimuli, which reflects the brain capacity in relation to the discrimination of the sound passively, in other words, without the need of attention of the subject to the sound stimulus. Then, the aim of this study is to perform a descriptive review on MMN, in order to identify its applicability in children and teenagers, in the last five years. To this end, the search was performed in the Lilacs, SciELO, Medline and Pubmed databases by using the following descriptors: córtex auditivo, eletrofisiologia, potenciais evocados auditivos (the English version would be: auditory cortex, electrophysiology, auditory evoked potentials). In addition to, the words Mismatch and Negativity were used. In this review, we found 14 studies which evaluated children and/or teenagers with difficulty in speech articulation, specific language impairment, auditory processing disorder, Attention Deficit and Hyperactivity Disorder (ADHD), dyslexia, autism, risk for schizophrenia, psychosis, amusia, phenylketonuria and selective attention. So, it was possible to perform the descriptive review on the application of MMN in children and teenagers, concluding that in the last five years there were a reasonable article production about the theme. However, studies on this topic are not expressive in Brazil. Even though there is a variety of applications to MMN, in relation to the Brazilian population, there is a need for scientific evidences to use this potential in different age groups. We also verified that the search for MMN studies in the databases could be performed by only using the words Mismatch and Negativity.

Keywords:
Auditory Cortex; Electrophysiology; Auditory Evoked Potentials

Introdução

O Mismatch Negativity (MMN), inicialmente descrito em 1978 11. Naatanen R, Gaillard A, Mantysalo S. Early selective attention effect on evoked potential reinterpreted. Acta Psychol. 1978;42(4):313-29. , é um potencial cortical que ocorre em resposta a uma mudança de um estímulo acústico (estímulo raro), em meio a uma sequência de repetidos estímulos (estímulo frequente), refletindo a capacidade do cérebro de discriminar o som, devido ao fato de os estímulos estarem armazenados na memória 22. Picton TW, Alain C, Otten L, Ritter W, Achim A. Mismatch Negativity: different water in the same river. Audiol Neurootol. 2000;5(3-4):111-39. . O MMN é considerado um potencial endógeno que surge de modo passivo e automático, ou seja, sem a necessidade de atenção do indivíduo ao estímulo sonoro 33. Duncan CC, Barry RJ, Connolly JF, Fischer C, Michie PT, Naatanen R et al. Event-related potentials in clinical research: Guidelines for eliciting, recording, and quantifying mismatch negativity, P300, and N400. Clin Neurophysiol. 2009;120(11):1883-908.,44. Romero ACL, Capellini AS, Frizzo ACF. Potencial cognitivo em crianças com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade. Braz J Otorhinolaryngol. 2013;79(5):609-15. .

Este potencial é gerado no momento em que o indivíduo discrimina uma mudança sonora automaticamente. Isso ocorre pois o sistema auditivo se baseia em traços de memória da regularidade de um estímulo, fazendo a detecção de uma mudança, independente da atenção do indivíduo 55. Naatanen R, Paavilainen P, Rinne T, Alho K. The mismatch negativity (MMN) in basic research of central auditory processing: a review. Clin Neurophysiol. 2007;118(12):2544-90.,66. Santos MAR, Munhoz MSL, Peixoto MAL, Haase VG, Rodrigues JL, Resende LM. Contribuição do Mismatch Negativity na avaliação cognitiva de indivíduos portadores de esclerose múltipla. Braz J Otorhinolaryngol. 2006;72(6):800-7. . Tal potencial é representado por uma deflexão negativa ou um vale que acontece após a resposta de identificação do estímulo diferente, podendo ocorrer, aproximadamente, entre 150 e 250 milissegundos (ms) após a apresentação do estímulo, dependendo do estímulo utilizado, sendo este, em geral, um tom puro ou um estímulo de fala 55. Naatanen R, Paavilainen P, Rinne T, Alho K. The mismatch negativity (MMN) in basic research of central auditory processing: a review. Clin Neurophysiol. 2007;118(12):2544-90. .

O MMN pode ser utilizado para realizar uma avaliação objetiva em pacientes com dificuldade ou comprometimento na comunicação, ou cuja discriminação auditiva esteja sob investigação77. Brossi AB, Borba KC, Garcia CFD, Reis ACMB, Isaac ML. Verificação das respostas do mismatch negativity (MMN) em sujeitos adultos normais. Braz J Otorhinolaryngol. 2007;73(6):793-802.. Pode ser utilizado, também, em populações com dificuldade para responder de forma consistente à estimulação, ou em indivíduos não colaborativos, com o intuito de avaliar a discriminação de diferentes estímulos acústicos22. Picton TW, Alain C, Otten L, Ritter W, Achim A. Mismatch Negativity: different water in the same river. Audiol Neurootol. 2000;5(3-4):111-39..

Tendo isso em vista, o objetivo do presente estudo foi realizar uma revisão descritiva sobre o MMN, a fim de identificar a sua aplicabilidade em crianças e adolescentes, conforme os estudos científicos publicados nos últimos cinco anos. A justificativa para a realização deste estudo consiste na importância de entender as pesquisas que estão sendo realizadas com o MMN no âmbito nacional e internacional, visto que este é um exame objetivo que ainda não faz parte da rotina clínica no Brasil, mas que poderá ser útil para complementar a avaliação audiológica básica e diferencial, assim como para motivar pesquisadores brasileiros a realizarem pesquisas sobre o tema. Acredita-se, assim, que, neste contexto, uma revisão descritiva sobre os estudos que estão sendo realizados com o MMN possa ser de grande utilidade para interpretar os resultados ligados ao seu uso.

Métodos

Esta pesquisa é de caráter descritivo e retrospectivo. O levantamento de dados sobre o MMN foi realizado, nos meses de setembro e outubro de 2015, por meio de buscas nas seguintes bases de dados eletrônicas: Lilacs, SciELO, Medline e Pubmed, bases estas utilizadas para a busca de artigos na área das ciências da saúde, com acesso livre e gratuito.

Os critérios de inclusão para a seleção dos artigos foram: artigos completos disponíveis nas bases de dados citadas, escritos em português, espanhol e/ou inglês e publicados entre 2011 e 2015. Os critérios de exclusão foram: artigos de revisão de literatura, resumos em anais de congresso, relatos de caso, estudos que não mencionaram a utilização do MMN na metodologia, pesquisas que envolveram cobaias, artigos cuja população de estudo consistiu em adultos ou idosos, assim como artigos que utilizaram o estímulo visual para realização do MMN.

Foram utilizados os seguintes descritores em português e seus correspondentes em inglês para localizar os artigos: córtex auditivo (auditory cortex), eletrofisiologia (electrophysiology) e potenciais evocados auditivos (evoked potentials, auditory). Os termos foram escolhidos segundo os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). Além destes descritores, também foram utilizadas as palavras Mismatch e Negativity. A intenção em utilizar outros termos diferentes das palavras "Mismatch e Negativity" consistiu em saber se seria possível ou não encontrar artigos sobre o MMN ao efetuar uma busca com outros descritores. Ressalta-se, ainda, que foi utilizado o operador booleano "and".

Como forma didática de apresentar as estratégias de busca com os descritores e as palavras selecionadas, elaborou-se a Tabela 1.

Tabela 1:
Estratégias de busca utilizadas para pesquisa nas bases de dados Lilacs, Scielo, Medline E Pubmed: descritores/palavras e operadores boolenos

A seleção inicial decorreu da leitura prévia dos títulos e resumos dos artigos, a fim de verificar se estes tratavam do assunto proposto. Após esta primeira análise, somente aqueles artigos relacionados ao tema foram selecionados para a leitura completa.

Na busca preliminar pelos artigos, objetivou-se descrever a aplicabilidade do MMN nas diversas faixas etárias, sendo selecionado um total de 359 artigos para análise, seguindo as estratégias mencionadas anteriormente, como mostra a Figura 1.

Figura 1:
Distribuição do número de artigos científicos, obtidos e selecionados para todas as faixas etárias, por base de dados

Ao analisar os artigos selecionados, foram excluídos 161 artigos por estarem duplicados e 32 por não se adequarem aos critérios de elegibilidade, restando 166 artigos. Ao verificar a inviabilidade de uma revisão com um elevado número de artigos, optou-se, em um segundo momento, por discorrer sobre a aplicabilidade do MMN somente em adultos, o que gerou um novo filtro. Neste processo, foram selecionados 137 artigos, tornando, ainda, o estudo inviável. Optou-se, então, por verificar a aplicabilidade do MMN em crianças e adolescentes, o que levou à seleção de 14 artigos de acordo com os critérios de elegibilidade. Nesta última etapa, 15 artigos foram excluídos por compararem crianças ou adolescentes com adultos.

Nos 14 artigos selecionados para análise, o MMN foi aplicado em crianças e adolescentes com as seguintes características: dificuldade de articulação na fala, distúrbio específico de linguagem, transtorno do processamento auditivo, Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), dislexia, autismo, risco para esquizofrenia, psicose, amusia, fenilcetonúria e atenção seletiva. Destaca-se, também, que, ao realizar a busca com os diferentes descritores, percebeu-se que todos os artigos encontrados sobre o MMN utilizando os descritores córtex auditivo, eletrofisiologia e potenciais evocados auditivos foram encontrados ao fazer a busca apenas com as palavras Mismatch e Negativity, evidenciando que, para realizar uma busca de estudos sobre o MMN nas bases de dadas citadas, empregar as palavras Mismatch e Negativity de forma conjunta é suficiente.

Revisão de Literatura

Com os descritores empregados para a busca nas bases de dados selecionadas, encontraram-se 14 estudos que utilizaram o MMN para avaliar crianças e adolescentes nos últimos cinco anos. Destes, apenas cinco tinham crianças como população de estudo. Os outros nove estudos foram realizados com adolescentes.

Um dos estudos avaliou 12 crianças (seis meninos e seis meninas), falantes da língua espanhola, com idades entre cinco anos e dois meses e seis anos e três meses. As crianças foram, então, separadas em dois grupos − com dificuldade de articulação (cinco crianças) e sem dificuldade (sete crianças) −, com o objetivo de verificar as características do MMN. Para isso, utilizaram-se pares de palavras em espanhol como estímulo. Verificou-se que 83% das crianças apresentaram MMN dentro do esperado. Ao comparar os grupos, observou-se uma diminuição da latência e um aumento da amplitude do MMN no grupo com dificuldades de articulação88. Granados- Ramos DE, Torres-Morales P, Cervantes-Méndez HJ, Castañeda-Villa N, Romero-Esquiliano G . Mismatch Negativity (MMN) y lenguaje en niños preescolares hablantes del idioma español. Rev Chil Neuropsicol. 2013;8(1):1-5..

Outros estudiosos, ao compararem a aplicação do MMN por meio de estímulo de fala (sílabas), avaliaram 75 crianças pertencentes à faixa etária de seis a 12 anos. Essas crianças foram distribuídas em três grupos iguais: crianças com distúrbio específico de linguagem (DEL), crianças com transtorno do processamento auditivo (TPA) e crianças com desenvolvimento típico (DT). Os autores evidenciaram que todos os integrantes do grupo DT apresentaram resposta ao MMN. No grupo TPA e no grupo DEL, o índice de resposta foi, respectivamente, de 84% e 76%. Ressalta-se, ainda, que, tanto para o grupo TPA quanto para o grupo DEL, houve aumento de latência e diminuição da amplitude no MMN em relação ao grupo DT, demonstrando a dificuldade das crianças com TPA e DEL de discriminar sinais acústicos independente de sua atenção99. Rocha- Muniz CN, Lopes DMB, Schochat E. Mismatch negativity in children with specific language impairment and auditory processing disorder. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81(4):408-15..

De encontro ao estudo supracitado, pesquisadores, com o intuito de comparar os resultados obtidos no MMN entre 32 indivíduos com desenvolvimento típico e 32 indivíduos com DEL, evidenciaram inexistência de diferença significante no MMN tanto no grupo de crianças (sete a 11 anos) quanto no grupo de adolescentes (12 a 16 anos). No entanto, ao submeter os grupos a estímulo verbal e não verbal (tone burst), identificaram diferença no traçado de ondas entre as faixas etárias1010. Bishop DVM, Hardiman MJ, Barry JG. Lower-frequency event-related desynchronization: a signature of late mismatch responses to sounds, which is reduced or absent in children with specific language impairment. J Neurosci. 2011;30(46):15578-84..

Com o propósito de entender o funcionamento da via auditiva central em crianças de oito a 12 anos com TDAH, pesquisadores compararam 15 crianças com TDAH e 15 crianças com bom desempenho escolar para leitura e escrita, utilizando o estímulo acústico tone burst com diferentes frequências e durações. Entretanto, não encontraram diferença significante entre os grupos para o MMN. As autoras acreditam que a inexistência de diferença entre os grupos deve-se ao fato de o MMN não depender da resposta do indivíduo, não exigindo, assim, sua atenção, o que contribuiu para os resultados normais do MMN44. Romero ACL, Capellini AS, Frizzo ACF. Potencial cognitivo em crianças com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade. Braz J Otorhinolaryngol. 2013;79(5):609-15.. Corroborando este estudo, outros pesquisadores, utilizando estímulos que diferiram em frequência e também estímulos verbais, não identificaram diferença no MMN ao comparar um grupo formado por 15 crianças com TDAH e um grupo controle composto de 16 crianças com idades entre seis e 15 anos1111. Yang MT, Hsu CH, Yeh PW, Lee WT, Liang JS, Fu WM et al. Attention deficits revealed by passive auditory change detection for pure tones and lexical tones in ADHD children. Front Hum Neurosci. 2015;9(470):1-13..

Disfunções no desenvolvimento da linguagem oral e escrita têm sido associadas a déficits no processamento da informação auditiva. Tendo isso em vista, foi realizado um estudo comparando 20 crianças com dislexia e 20 crianças do grupo controle, com idades variando de seis a 14 anos, por meio do MMN. Para isso, utilizaram-se estímulos frequentes (1000 Hz), intercalados com estímulos raros (1200 Hz − estímulo de grande desvio na frequência − e 1030 Hz − estímulo de pequeno desvio na frequência). Não foram observadas diferenças significantes no MMN entre os grupos para estímulos tanto de grande quanto de pequeno desvio na frequência. Portanto, a detecção e a discriminação de mudança de frequência auditiva foram evidenciadas como regulares em crianças com dislexia1212. Halliday LF, Barry JG, Hardiman MJ, Bishop DVM. Late, not early mismatch responses to changes in frequency are reduced or deviant in children with dyslexia: an event-related potential study. J Neurodev Disord. 2014;6(1):1-15..

Outro estudo, ao avaliar 225 crianças, na faixa etária entre 10 e 15 anos, divididas em três grupos (comparando crianças disléxicas, seus irmãos não afetados, porém com risco genético para dislexia e crianças pertencentes a um grupo controle), utilizando o MMN com estímulos verbais (sílabas), apontou presença do potencial em todos os grupos. Além disso, observou-se inexistência de diferença significante entre os grupos no que diz respeito aos dois primeiros componentes ou picos de MMN. No entanto, identificou-se diferença significante entre os grupos para o componente tardio, constatando aumento da latência no grupo controle1313. Neuhoff N, Bruder J, Bartling J, Warnke A, Remschmidt H, Müller-Myhsok B et al. Evidence for the Late MMN as a Neurophysiological Endophenotype for Dyslexia. PLoS One. 2012;7(5):1-7..

Ao investigar o potencial MMN em 31 crianças com autismo, com idade variando entre seis e 15 anos (média de 11,3 anos), e em 30 crianças do grupo controle, com idade entre seis e 17 anos (média de 11,2 anos), utilizando estímulos auditivos distintos quanto à frequência (tone burst), pesquisadores encontraram diferença significante entre os grupos, constatando uma diminuição da amplitude e um aumento da latência no grupo de autistas em relação ao grupo controle. Diante disso, os autores sugerem que os autistas possuem alterações auditivas em nível pré-atencional1414. Abdeltawwab MM, Baz H. Automatic Pre-Attentive Auditory Responses: MMN to Tone Burst Frequency Changes in Autistic School-Age Children. Int Adv Otol. 2015;11(1):36-41..

Em outro estudo encontrado, o MMN foi utilizado com o propósito de avaliar 22 crianças com risco para esquizofrenia, comparadas a 24 crianças com desenvolvimento normal − ambos os grupos com idades variando de nove a 12 anos. Os autores desse estudo identificaram diferenças nas respostas do MMN, que foi avaliado com estímulos de tone burst de diferentes durações. Houve um aumento significante na amplitude do MMN no grupo com risco para esquizofrenia em relação ao grupo com desenvolvimento normal. Em contrapartida, em relação à latência, não se observou diferença significante entre os grupos1515. Bruggemann JM, Stockill HV, Lenroot RK, Laurens KR. Mismatch negativity (MMN) and sensory auditory processing in children aged 9-12 years presenting with putative antecedents of schizophrenia. Int J Psychophysiol. 2013;89(3):374-80..

O MMN também foi aplicado a 14 adolescentes com sintomas psicóticos, sem uso de medicação, e a 22 adolescentes do grupo controle, na faixa etária de 11 a 13 anos, a fim de observar a diferença de estímulos tone burst quanto à duração. Assim como nos indivíduos esquizofrênicos do estudo supracitado, não foi evidenciada diferença significante no grupo de psicóticos em relação ao grupo controle quanto à latência do MMN. Em contrapartida, constatou-se uma diminuição da amplitude no grupo de risco, com diferença significante1616. Murphy JR, Rawdon C, Kelleher I, Twomey D, Markey PS, Cannon M et al. Reduced duration mismatch negativity in adolescents with psychotic symptoms: further evidence for mismatch negativity as a possible biomarker for vulnerability to psychosis. BMC Psychiatry. 2013;13(45):1-7..

Em outra pesquisa, por meio do MMN, foram avaliadas 24 crianças de oito a 10 anos de idade, sem experiência com música, falantes nativas da língua francesa, com estímulo verbal (sílabas) e com tone burst caracterizado por estímulos que diferiram quanto à frequência e quanto à duração. Tais crianças foram divididas em dois grupos: aquelas que receberam treinamento musical (12 crianças) e aquelas que receberam treinamento para pintura (12 crianças). O MMN foi realizado em três momentos diferentes: antes do treinamento, seis meses após o treinamento e 12 meses após o treinamento para avaliar a plasticidade cerebral. Antes do treinamento, não foi observada diferença significante entre os grupos quanto à amplitude do MMN. Após o treinamento, os autores constataram um aumento significante na amplitude do MMN para os três tipos de estímulos (diferença entre frequências, diferença entre duração e diferença entre sílabas) que aumentou gradativamente dos seis meses aos 12 meses após treinamento. Essa diferença significante ocorreu somente para o grupo que realizou treinamento musical. Ressalta-se, ainda, que os autores desse estudo apoiam programas baseados em treinamento musical para educação, além de novas estratégias de terapia para crianças com dificuldade de linguagem e/ou aprendizagem1717. Chobert J, François C, Velay JL, Besson M. Twelve Months of Active Musical Training in 8- to 10-Year-Old Children Enhances the Preattentive Processing of Syllabic Duration and Voice Onset Time. Cereb Cortex. 2014;24(4):956-67..

A amusia é a incapacidade de percepção melódica ou de ritmo, porém, não acompanhada por alterações auditivas periféricas. Estudiosos, ao avaliarem seis crianças com amusia congênita e oito crianças do grupo controle, com idade entre 10 e 13,2 anos, por meio do MMN, a princípio, não encontraram diferença significante para o MMN utilizando estímulos tone burst distintos quanto à frequência. Em um segundo momento, com o intuito de verificar se a estimulação musical traria benefícios para essas crianças quanto às respostas corticais, os participantes foram instruídos a ouvir 30 minutos de música diariamente durante quatro semanas e, posteriormente, repetiram o MMN. Os autores também não verificaram diferença significante para ambos os grupos pré e pós-estimulação, inferindo que a privação musical na infância não causa amusia congênita1818. Goulet GM, Moreau P, Robitaille N, Peretz I. Congenital Amusia Persists in the Developing Brain after Daily Music Listening. PLoS One. 2012;7(5):1-9..

Outro estudo realizado teve como objetivo verificar a aplicabilidade do MMN em 64 crianças que realizaram tratamento para fenilcetonúria (PKU, do inglês PhenylKetonUria), com idade variando de sete a 14 anos, diagnosticadas com PKU nas duas primeiras semanas após o nascimento e em tratamento contínuo com restrição alimentar. Observou-se uma diminuição na amplitude do MMN nas crianças com PKU em relação ao grupo controle, porém essa diferença não foi significante. Os autores relacionam esse fato à restrição da dieta. Quanto à latência, também não houve diferença significativa1919. Sonneville LMJ, Huijbregts SC, Licht R, Sergeant JA, van Spronsen FJ. Pre-attentive processing in children with early and continuously-treated PKU. Effects of concurrent Phe level and lifetime dietary control. J Inherit Metab Dis. 2011;34(4):953-62..

Com o objetivo de verificar as condições de atenção seletiva em 10 adolescentes, com idade entre 13 e 17 anos, utilizando o MMN com apresentação de três estímulos de tone burst que variaram quanto à frequência (um estímulo frequente; um estímulo raro com sequência a cada cinco estímulos frequentes; e outro estímulo raro que ocorreu em um número menor de vezes) durante a realização de três tarefas diferentes enquanto recebiam o mesmo conjunto de sons, pesquisadores observaram que, na adolescência, a atenção seletiva altera a atividade neural conforme as metas de desempenho, indicando, assim, uma adaptação neural específica modulada conforme o comportamento do indivíduo2020. Sussman ES. Attention matters: pitch vs. pattern processing in adolescence. Front Psychol. 2013;4(333):1-8..

Como foi possível observar, são várias as possibilidades de aplicação do MMN, a fim de estudar a via auditiva central, a atenção e a discriminação para o som. Além disso, pôde-se verificar a relação entre alterações no MMN e outras dificuldades encontradas em crianças, principalmente referentes à linguagem, mostrando a importância deste exame na população referida, o qual pode ser utilizado como biomarcador para os processos terapêuticos e para acompanhamento de casos de psicoses.

A partir desta revisão, verificou-se que, no Brasil, são escassos os estudos realizados com esta abordagem. Para a faixa etária de adultos, por exemplo, não foram encontrados estudos publicados no período de 2011 a 2015 no Brasil. Já para a faixa etária de crianças e adolescentes, foram encontrados dois artigos brasileiros neste mesmo período, o que reforça a importância de novas pesquisas que utilizem este potencial nas diversas faixas etárias para aprofundamento do tema, de forma que o MMN possa fazer parte da rotina clínica no Brasil. A distribuição das referências bibliográficas apresentadas na revisão de literatura sobre MMN em crianças e adolescentes pode ser visualizada na Figura 2, exposta a seguir.

Figura 2:
Distribuição das referências bibliográficas discutidas na revisão de literatura sobre Mismatch Negativity (MMN) em crianças e adolescentes (n -14)

Além disso, esta revisão pode situar pesquisadores sobre futuras análises com o MMN nas diferentes populações, bem como trazer novos conhecimentos sobre as formas de aplicação do exame. Existe uma variedade de aplicações para o MMN, no entanto, em relação à população nacional, ainda são necessárias evidências científicas para o uso deste potencial nas diferentes faixas etárias.

Conclusão

A partir da realização desta revisão descritiva sobre a aplicação do MMN em crianças e adolescentes, conclui-se que, nos últimos cinco anos, houve uma produção considerável de artigos sobre o tema. Apesar disso, no Brasil, ainda são escassos os estudos acerca desse assunto. Verificou-se, também, que a utilização apenas das palavras Mismacth e Negativity para efetuar uma busca por estudos sobre MMN nas bases de dados Lilacs, SciELO, Medline e Pubmed é suficiente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2015
  • Aceito
    15 Abr 2016
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