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Autopercepção de dificuldade auditiva, hábitos e fatores de risco para perda auditiva em agricultores

RESUMO

Objetivo:

investigar e associar a autopercepção de dificuldade auditiva, os hábitos e os fatores de risco para a perda auditiva em agricultores.

Métodos:

trata-se de um estudo transversal, de caráter descritivo e exploratório. Participaram do estudo 57 agricultores, de ambos os gêneros, faixa etária entre 19 e 69 anos, e tempo de atuação agrícola entre um e 45 anos. Os sujeitos responderam um questionário com questões relacionadas a dados de identificação, ocupacionais, saúde geral, saúde auditiva e assistência médica. Os dados foram analisados utilizando-se os testes não-paramétricos Man-Whitney, Igualdade de Duas Proporções e Qui-quadrado (p≤0,05).

Resultados:

observou-se que a maioria dos agricultores relatou não possuir queixa auditiva; em relação aos fatores de risco para a perda auditiva a maioria relatou ter contato com agrotóxicos e não receber orientações sobre os riscos audiólogicos da prática agrícola; houve maior relato de exposição ao ruído e contato com agrotóxico em sujeitos do sexo masculino; grande parte dos sujeitos faziam utilização de equipamento de proteção individual quando trabalhavam com instrumento ruidoso e tinham contato com agrotóxico; não houve diferença estatística entre os fatores de ouvir e os fatores de risco.

Conclusão:

conclui-se que a população estudada não possuía percepção de dificuldade auditiva, apesar de ter contato direto com agrotóxicos e nunca ter recebido orientações sobre os riscos audiológicos da prática agrícola. A maioria dos sujeitos que fazia uso de instrumento de trabalho ruidoso e que tinha contato com agrotóxicos, utilizava equipamento de proteção individual.

Descritores:
Agricultura; Exposição Ambiental; Perda Auditiva; Riscos Ocupacionais; Saúde do Trabalhador

ABSTRACT

Purpose:

to investigate and to associate hearing disorders self-perception, habits and hearing loss risk factors in farmers.

Methods:

descriptive and exploratory cross-sectional study. 57 farmers from both sexes, age from 19 to 69 years, and time of farming activities from one to 45 years, participated in the study. A questionnaire with identification data, profession data, general health, hearing health, and medical assistance was addressed to the participants. Data were analyzed using the following non-parametric statistical tests: Mann-Whitney, Equality of two proportions, and Chi-square (p≤0.05).

Results:

the majority of farmers did not report hearing complaints; regarding risk factors, most of participants reported contact to pesticides and also not to having any guidance about the risks of farming to hearing health; there was higher report of noise exposition and handling pesticides in males; big part of participants used individual protection devices while operating noise equipment and were handling pesticides; there was no statistical differences among hearing factors and risk factors.

Conclusion:

as conclusion, the studied population did not have perception about hearing disorders, despite direct handling pesticides and not ever have had guidance about hearing risks in farming activity. Most of the subjects operated noise equipment and had contact to pesticides in their jobs, but they used individual protection device.

Keywords:
Agriculture; Environmental Exposure; Hearing Loss; Occupational Risks; Occupational Health.

Introdução

Estudos que analisaram os riscos da exposição ao ruído e a produtos ototóxicos para agricultores11. Delecrode CR, Freitas TD, Frizzo ACF, Cardoso ACV. Prevalence of tinnitus in workers exposed to noise and organophosphates. Int Arch Otorhinolaryngol. 2012;16(3):328-34.,22. Oliveira CCC, Vargas MM, Sena TRR. Saúde auditiva e qualidade de vida em trabalhadores expostos à agrotóxicos. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;12(4):167-9. mostraram que além dos efeitos causados pela exposição a estes fatores na saúde em geral, há consequências também para a saúde auditiva33. Kós MI, Miranda MF, Guimarães RM, Meyer A. Avaliação do sistema auditivo em agricultores expostos à agrotóxicos. Rev. CEFAC. 2014;16(3):941-8.. Os agricultores fazem parte do grupo de trabalhadores expostos ocupacionalmente ao ruído e aos defensivos agrícolas44. Hoshino ACH, Pacheco-Ferreira H, Tagushi CK, Tomita S, Miranda MF. A autopercepção da saúde auditiva e vestibular de trabalhadores expostos a organofosforados. Rev. CEFAC. 2009;11(4):681-7., e que devido à falta de informação e de orientação sobre os riscos dos defensivos agrícolas paraà saúde podem superestimar os efeitos benéficos desses produtos para o plantio e desconsiderando os malefícios à saúde em curto, médio e longo prazo55. Korbes D, Silveira A, Hyppolito M, Munaro G. Alterações no sistema vestibulococlear decorrentes da exposição ao agrotóxico: revisão de literatura. Rev Soc BrasFonoaudiol.2010;15(1):146-52.,66. Fonseca MGU, Peres F, Firmo JOA, Uchôa E. Percepção de risco: maneiras de pensar e agir no manejo de agrotóxicos. Ciênc Saúde Coletiva. 2007;12(1):39-50..

Dentre os vários motivos que tornam os agricultores suscetíveis aos efeitos nocivos causados por defensivos agrícolas, destacam-se o difícil acesso às informações e à educação por parte dos usuários desses produtos, bem como o baixo controle sobre a sua produção, distribuição e utilização22. Oliveira CCC, Vargas MM, Sena TRR. Saúde auditiva e qualidade de vida em trabalhadores expostos à agrotóxicos. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;12(4):167-9.,77. Porto MF, Soares WL. Modelo de desenvolvimento, agrotóxicos e saúde: um panorama da realidade agrícola brasileira e propostas para uma agenda de pesquisa inovadora. Rev. Bras. Saúde Ocup. 2012;37(125):17-31..

A literatura tem evidenciado o poder ototóxico e neurotóxico de alguns defensivos agrícolas para o sistema auditivo periférico e para o central, destacando também que o ruído causado pelo maquinário agrícola é um fator que interage com os inseticidas potencializando seus efeitos, vindo a causar alterações na saúde em geral e na auditiva88. Kos MI, Hoshino AC, Asmus CIF, Mendonça R, Meyer A. Efeitos da exposição a agrotóxicos sobre o sistema auditivo periférico e central: uma revisão sistemática. Cad Saúde Pública. 2013;29(8):1491-506.,99. Korbes D, Silveira AF, Hyppolito MA, Munaro. Ototoxicidade por organofosforados: descrição dos aspectos ultraestruturais do sistema vestibulococlear de cobaias. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(2):238-44.. A falta de proteção individual e ambiental adequada também podem ser consideradas como fatores potencializadores dos riscos à perda auditiva1010. Recena MCP, Caldas ED. Percepção de risco, atitudes e práticas no uso de agrotóxicos entre agricultores de Culturama, MS. Rev Saúde Pública. 2008;42(2):294-301.. Há evidências também de que a perda auditiva possa ser uma manifestação precoce da intoxicação1111. Manjabosco C, Morata T, Marques J. Perfil Audiométrico de trabalhadores agrícolas. Arq. Otorrinolaringol. 2004;8(4):285-95..

A cidade de Irati está localizada no interior do Paraná e é considerada de risco para o desenvolvimento da perda auditiva causada por defensivos agrícolas. Isso ocorre porque a cidade apresenta uma economia predominantemente rural, com uma população composta principalmente por agricultores, de classe econômica média-baixa e com nível de ensino fundamental incompleto. Além disso, eles não possuem muitas instruções sobre as alterações auditivas e estão frequentemente em contato com possíveis causadores ou agravadores dessas patologias, como os defensivos agrícolas e o ruído1212. Hirt MC. Caracterização dos Pacientes com Câncer de Cabeça e Pescoço Atendidos no Município de Irati nos Anos de 2005 e 2006.[Trabalho de Conclusão de Curso].Irati (PR): Universidade Estadual do Centro-Oeste; 2007..

Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi investigar e associar a autopercepção de dificuldade auditiva, os hábitos e os fatores de risco para a perda auditiva em agricultores.

Métodos

A pesquisa foi realizada respeitando-se a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Os voluntários foram esclarecidos sobre a pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Centro-Oeste como número 023/201.

Trata-se de um estudo transversal, com caráter descritivo exploratório e natureza quantitativa. Os sujeitos foram recrutados em reuniões realizadas por trabalhadores que eram membros de comunidades rurais da cidade de Irati, no estado do Paraná. A amostra de conveniência foi constituída por 57 agricultores com faixa etária entre 19 e 69 anos (média de 44,38 anos), sendo 14 (24,6%) do sexo feminino e 43 (75,4%) do sexo masculino. O tempo de trabalho na agricultura variou de um a 45 anos (média de 31,84±15,55anos).

Os agricultores responderam a um questionário elaborado pelos pesquisadores, que continha questões dissertativas e de múltipla escolha referentes aos dados de identificação, ocupacionais, saúde geral, saúde auditiva e de assistência médica devido aos sintomas apresentados. Eles foram orientados a assinalar o espaço específico em frente às afirmativas das questões de múltipla escolha, caso a alternativa descrita fosse condizente com sua realidade pessoal e profissional, bem como com os sintomas por ele vivenciados, podendo assinalar quantas alternativas julgasse necessárias em cada uma das questões. Além disso, o questionário também continha questões dissertativas relacionadas aos dados de identificação e ocupacionais, dos quais foram extraídos os dados referentes ao tempo de atuação profissional.

Foram incluídos na pesquisa agricultores com pelo menos um ano de atividade agrícola e que aceitaram participar voluntariamente da pesquisa. Foram excluídos os sujeitos que relataram: queixas que levassem a suspeita de perda auditiva desenvolvida antes de exercer a atividade agrícola; fatores hereditários e/ou congênitos para perda auditiva; história pregressa de otites de repetição; perda de audição decorrente de infecções bacterianas ou virais pós-natal, e alterações anatômicas de orelha externa e/ou média.

Os dados foram analisados estatisticamente por meio dos testes não-paramétricos "Mann Whitney", "Igualdade de Duas Proporções" e "Qui-Quadrado". Foi adotado um nível de significância de 5% (p=0,05).

Resultados

Na Tabela 1 observa-se que a maioria significativa dos agricultores não possuía queixa auditiva (p=<0,001). Quanto aos fatores de risco para perda auditiva, a maioria significativa dos agricultores relatou ter contato com agrotóxico (p=<0,001) e não ter recebido orientações sobre os riscos audiológicos da prática agrícola (p=<0,001). Em relação aos hábitos, eles relataram que não eram tabagistas (p=<0,001).

Tabela 1:
Distribuição de autopercepção de dificuldade para ouvir, fatores e hábitos de risco para perda auditiva em agricultores (n=57)

Na Tabela 2 é possível observar que não houve associação do tempo de atuação na agricultura com a autopercepção de dificuldade para ouvir e com os fatores de risco para a perda auditiva.

Tabela 2:
Associação de tempo de atuação na agricultura com autopercepção de dificuldade para ouvir e fatores de risco para perda auditiva em agricultores (n=57)

A Tabela 3 mostra que a maioria dos sujeitos que fazia uso de instrumento de trabalho ruidoso (p=0,025) e que tinha contato com agrotóxicos (p=0,002), utilizava equipamento de proteção individual.

Tabela 3:
Relação do relato de uso de equipamento de proteção individual com instrumento de trabalho ruidoso e uso de equipamento de proteção em agricultores (n=57)

Observa-se na Tabela 4 que não houve relação entre o relato de orientação sobre os riscos audiológicos da prática agrícola com instrumento de trabalho ruidoso e uso de equipamento de proteção, em agricultores.

Tabela 4:
Relação do relato de orientação sobre os riscos audiológicos da prática agrícola com instrumento de trabalho ruidoso e uso de equipamento de proteção em agricultores (n=57)

Observa-se na Tabela 5 que não houve relação significativa entre os fatores e hábitos de risco para o desenvolvimento de perda auditiva e a autopercepção de dificuldade para ouvir.

Tabela 5:
Relação da autopercepção de dificuldade para ouvir com fatores e hábitos de risco para perda auditiva em agricultores (n=57)

Discussão

Ainda é escasso o número de publicações acerca da autopercepção de dificuldade para ouvir, e dos hábitos e fatores de risco para o desenvolvimento de perdas auditivas em agricultores, e isso se deve, principalmente, ao modelo curativo que originou a Fonoaudiologia: a busca pelo controle e tratamento de doenças1313. Penteado RZ, Servilha EAM. Fonoaudiologia em saúde pública/coletiva: compreendendo prevenção e o paradigma da promoção da saúde. Dist Comun. 2004;16(1):107-16.. Nesse contexto, acredita-se que há necessidade de investigação dos hábitos e dos fatores de risco para o desenvolvimento deperda auditiva que esta população está exposta, visto que eles podem desencadear algumas dificuldades relacionadas a saúde geral e auditiva dos indivíduos1414. Teixeira CF, Brandão MFA. Efeitos dos agrotóxicos no sistema auditivo dos trabalhadores rurais. Cad Inf Prev Acid. 1998;19:218.. Considerando que em cidades pequenas, como a do estudo (Irati-PR),o predomínio é de pequenos agricultores, que não possuem uma agricultura de precisão e trabalham ainda de maneira quase artesanal na agricultura familiar, os fatores de risco podem se ampliar, e, portanto, há necessidade de investigá-los.

A população deste estudo possui uma estrutura de trabalho composta pela família, entretanto, observou-se predomínio de sujeitos do gênero masculino na amostra. Esse achado corrobora com outros estudos que mostram predomínio de homens na realização de afazeres/atividades no meio rural1515. Levigar YE, Rozemberg B. A interpretação dos profissionais de saúde acerca das queixas de "nervos" no meio rural: uma aproximação ao problema das intoxicação por agrotóxico. Cad Saúde Pública. 2004;20(6):1515-24.

16. Souza A, Medeiros AR, Souza AC, Wink M, Siqueira IR, Ferreira MBC et al. Avaliação do impacto da exposição a agrotóxicos sobre a saúde de população rural. Vale do Taquari (RS, Brasil). Ciênc Saúde Coletiva. 2011;16(8):3519-28.
-1717. Kós MI, Miranda MF, Guimarães RM, Meyer A. Avaliação do sistema auditivo em agricultores expostos à agrotóxicos. Rev. CEFAC. 2014;16(3):941-8.. Acredita-se que isso esteja relacionado ao fato de que agricultores do sexo masculino são culturalmente considerados como mais resistentes ao trabalho árduo1818. Faria NMX, Facchini LA, Fassa AG, Tomasi E. Trabalho rural e intoxicações por agrotóxicos. Cad Saúde Pública. 2004;20(5):1298-308.,1919. Soares W, Almeida RMVR, Moro S. Trabalho rural e fatores de risco associados ao regime de uso de agrotóxico em Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública. 2003;19(4):1117-27., e também por geralmente serem provedores da dinâmica organizacional dos afazeres na população de trabalhadores rurais1818. Faria NMX, Facchini LA, Fassa AG, Tomasi E. Trabalho rural e intoxicações por agrotóxicos. Cad Saúde Pública. 2004;20(5):1298-308.. Ainda em relação a caracterização da amostra, a maioria relatou que não fazia uso de tabaco, resultado semelhante aos de outros estudos realizados com agricultores88. Kos MI, Hoshino AC, Asmus CIF, Mendonça R, Meyer A. Efeitos da exposição a agrotóxicos sobre o sistema auditivo periférico e central: uma revisão sistemática. Cad Saúde Pública. 2013;29(8):1491-506.,1717. Kós MI, Miranda MF, Guimarães RM, Meyer A. Avaliação do sistema auditivo em agricultores expostos à agrotóxicos. Rev. CEFAC. 2014;16(3):941-8..

No presente estudo a maioria significativa dos agricultores relataram que tinham contato direto com agrotóxicos, mas nunca haviam recebido orientação sobre os riscos audiológicos dessa prática. Acredita-se que tal dado seja importante e alarmante, visto que a literatura mostra que a incidência anual de intoxicação por agrotóxicos nos trabalhadores expostos é de 2,2%1717. Kós MI, Miranda MF, Guimarães RM, Meyer A. Avaliação do sistema auditivo em agricultores expostos à agrotóxicos. Rev. CEFAC. 2014;16(3):941-8.. Além disso, o manuseio de agrotóxicos pode levar a intoxicação aguda ou crônica, e ambas podem levar ao óbito2020. Faria NMX, Fassa AG, Facchini LA. Intoxicação por agrotóxicos no Brasil: os sistemas oficiais de informação e desafios para realização de estudos epidemiológicos. Ciênc. Saúde Colet. 2007; 12(1): 25-38.. A intoxicação aguda leva a presença de queixas e sintomas imediatamente após à exposição, dentre os quais destacam-se: fraqueza, vômito e dores de cabeça2121. Bedor CNG, Ramos LO, Pereira PJ, Rêgo MAV, Pavão AC, Augusto LGS. Vulnerabilidades e situações de riscos relacionados ao uso de agrotóxicos na fruticultura irrigada. Rev. Bras. Epidemiol. 2009; 12(1): 39-49.. Já as intoxicações crônicas são aquelas que necessitam de um diagnóstico preciso, realizado por uma equipe multidisciplinar que envolve dermatologistas, neurologistas, imunologistas, cancerologistas, entre outros, a fim de obter um raciocínio clínico-epidemiológico mais atento, por ser gradual e progressiva, e não apresentar queixas e sintomas bem delimitados e que permitam um fácil delineamento do quadro clínico2222. Wilson JS, Otsuki T. To spray or not to spray: pesticides, banana exports, and food safety. Food Policy 2004; 29: 131-46..

Não foi encontrada associação do tempo de atuação na agricultura com a autopercepção de dificuldade para ouvir e os fatores de risco para perda auditiva: utilização de instrumento de trabalho ruidoso, contato com agrotóxicos, orientação sobre o risco audiológicos da prática agrícola e o uso de equipamento de proteção individual (Tabela 2).Quanto ao tempo, trabalhos relatam que o uso incorreto do EPI associado a algum equipamento ruidoso pode levar ao desenvolvimento de uma perda auditiva em aproximadamente quatro anos99. Korbes D, Silveira AF, Hyppolito MA, Munaro. Ototoxicidade por organofosforados: descrição dos aspectos ultraestruturais do sistema vestibulococlear de cobaias. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(2):238-44.,1919. Soares W, Almeida RMVR, Moro S. Trabalho rural e fatores de risco associados ao regime de uso de agrotóxico em Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública. 2003;19(4):1117-27..Tais dados são importantes, porém, não se confirmaram na presente pesquisa. Acredita-se que isso tenha ocorrido porque a manutenção da saúde auditiva depende de um conjunto de fatores como a quantidade e a frequência da exposição aos agrotóxicos88. Kos MI, Hoshino AC, Asmus CIF, Mendonça R, Meyer A. Efeitos da exposição a agrotóxicos sobre o sistema auditivo periférico e central: uma revisão sistemática. Cad Saúde Pública. 2013;29(8):1491-506., o uso concomitante de equipamentos ruidosos e a falta de proteção individual44. Hoshino ACH, Pacheco-Ferreira H, Tagushi CK, Tomita S, Miranda MF. A autopercepção da saúde auditiva e vestibular de trabalhadores expostos a organofosforados. Rev. CEFAC. 2009;11(4):681-7.,88. Kos MI, Hoshino AC, Asmus CIF, Mendonça R, Meyer A. Efeitos da exposição a agrotóxicos sobre o sistema auditivo periférico e central: uma revisão sistemática. Cad Saúde Pública. 2013;29(8):1491-506.,2323. Alves SMF, Fernandes PM, Marin JOB. Condições de trabalho associadas ao uso de agrotóxicos na cultura de tomate de mesa em Goiás. Ciênc. e Agrotecnol.2008;32(6):1737-42.

24. Delgado IF, Paumgartten FJR. Intoxicações e uso de pesticidas por agricultores do Município de Paty do Alferes, Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2004;20(1):180-6.
-2525. Foltz L, Soares CD, Reichembach MAK. Perfil audiológico de pilotos agrícolas. Arquivos Int. Otorrinolaringol. 2010;14(3):322-30., e, na presente pesquisa, a maioria dos sujeitos que faziam uso de instrumento de trabalho ruidoso e que tinham contato com agrotóxicos, utilizavam equipamentos de proteção individual (Tabela 3).Esses achados divergem de outros estudos55. Korbes D, Silveira A, Hyppolito M, Munaro G. Alterações no sistema vestibulococlear decorrentes da exposição ao agrotóxico: revisão de literatura. Rev Soc BrasFonoaudiol.2010;15(1):146-52.,1010. Recena MCP, Caldas ED. Percepção de risco, atitudes e práticas no uso de agrotóxicos entre agricultores de Culturama, MS. Rev Saúde Pública. 2008;42(2):294-301.com esta temática, uma vez que a maioria dos agricultores relatou que não utilizava o equipamento devido alguns fatores como: questão financeira para aquisição do equipamento de proteção individual; a dificuldade de uso devido ao calor; o desconforto e a falta de costume de utilizá-lo1010. Recena MCP, Caldas ED. Percepção de risco, atitudes e práticas no uso de agrotóxicos entre agricultores de Culturama, MS. Rev Saúde Pública. 2008;42(2):294-301.,2323. Alves SMF, Fernandes PM, Marin JOB. Condições de trabalho associadas ao uso de agrotóxicos na cultura de tomate de mesa em Goiás. Ciênc. e Agrotecnol.2008;32(6):1737-42..

A maioria significativa dos agricultores que participaram do presente estudo não relatou que tinha dificuldade auditiva (Tabela 1), além de não a relacionarem com fatores e hábitos de risco para o desenvolvimento de perda auditiva (Tabela 5). Acredita-se que isso possa ter relação com a falta de orientação acerca da perda auditiva decorrente da prática agrícola, que é predominante na amostra (Tabela 1), seja ela decorrente de ruído, de exposição à agrotóxicos, ou de ambos os fatores2323. Alves SMF, Fernandes PM, Marin JOB. Condições de trabalho associadas ao uso de agrotóxicos na cultura de tomate de mesa em Goiás. Ciênc. e Agrotecnol.2008;32(6):1737-42.. A falta de relação entre o relato de orientação sobre os riscos audiológicos da prática agrícola com instrumento de trabalho ruidoso e utilização de equipamento de proteção (Tabela 4), reforçam esse achado. Esse dado é preocupante uma vez que apesar dos fatores de risco pesquisados poderem causar danos no sistema auditivo e também à saúde geral do indivíduo2222. Wilson JS, Otsuki T. To spray or not to spray: pesticides, banana exports, and food safety. Food Policy 2004; 29: 131-46.,2424. Delgado IF, Paumgartten FJR. Intoxicações e uso de pesticidas por agricultores do Município de Paty do Alferes, Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2004;20(1):180-6., as características auditivas de uma perda induzida por ruído associada a substâncias químicas podem ser bem próximas às características da presbiacusia. Para o diagnóstico diferencial desse tipo de acuidade auditiva é necessária a realização de uma anamnese detalhada e de uma avaliação clínica completa. Em muitos pacientes é extremamente difícil identificar a causalidade da perda auditiva, uma vez que as causas se somam44. Hoshino ACH, Pacheco-Ferreira H, Tagushi CK, Tomita S, Miranda MF. A autopercepção da saúde auditiva e vestibular de trabalhadores expostos a organofosforados. Rev. CEFAC. 2009;11(4):681-7..Além disso, o tempo de instalação do quadro, quando não é decorrente de intoxicação aguda, é gradual e longo, sendo de cerca de quatro anos99. Korbes D, Silveira AF, Hyppolito MA, Munaro. Ototoxicidade por organofosforados: descrição dos aspectos ultraestruturais do sistema vestibulococlear de cobaias. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(2):238-44.,1919. Soares W, Almeida RMVR, Moro S. Trabalho rural e fatores de risco associados ao regime de uso de agrotóxico em Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública. 2003;19(4):1117-27..

Como já constatado em outros estudos99. Korbes D, Silveira AF, Hyppolito MA, Munaro. Ototoxicidade por organofosforados: descrição dos aspectos ultraestruturais do sistema vestibulococlear de cobaias. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(2):238-44.,2626. Fernandes BJ, Mota BH. Estudo dos limiares de audibilidade nas altas frequências em trabalhadores expostos a ruídos e solventes. Pró-Fono R Atual Cient. 2001;13(1):1-8.,2727. Faria NMX, Rosa JAR, Facchini LA. Intoxicação por agrotóxicos entre trabalhadores rurais de fruticultura, Bento Gonçalves, RS. Rev Saúde Publica. 2009;43(2):335-44., observa-se que há necessidade de controle e orientação sobre a forma de utilização dos agrotóxicos e o perigo da exposição ao ruído, promovendo o conhecimento e alertando os agricultores acerca dos riscos auditivos e dos danos à saúde causados pela pratica agrícola sem o devido cuidado e utilização do equipamento de proteção de forma adequada. Isso se aplica principalmente à essa população que pratica a agricultura familiar, na qual além do agricultor que manuseia o agrotóxico, a sua família também está exposta, visto que todos costumam tem alguma contribuição para o desenvolvimento da produção agrícola2121. Bedor CNG, Ramos LO, Pereira PJ, Rêgo MAV, Pavão AC, Augusto LGS. Vulnerabilidades e situações de riscos relacionados ao uso de agrotóxicos na fruticultura irrigada. Rev. Bras. Epidemiol. 2009; 12(1): 39-49., principalmente no período de plantio ou colheita88. Kos MI, Hoshino AC, Asmus CIF, Mendonça R, Meyer A. Efeitos da exposição a agrotóxicos sobre o sistema auditivo periférico e central: uma revisão sistemática. Cad Saúde Pública. 2013;29(8):1491-506.. Além disso, a residência geralmente é próxima à plantação2828. Veiga MM, Silva DM, Veiga LBE, Faria MVC. Análise da contaminação dos sistemas hídricos por agrotóxicos numa pequena comunidade rural do Sudeste do Brasil. Cad. Saúde Públic. 2006;22(11):2391-99..

No entanto há pouca abrangência e inserção dos programas de saúde coletiva que promovam o conhecimento e a capacitação para a prática diária destas populações rurais2424. Delgado IF, Paumgartten FJR. Intoxicações e uso de pesticidas por agricultores do Município de Paty do Alferes, Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2004;20(1):180-6.. Nesse sentido, é preciso reconhecer a complexidade do problema gerado pelo uso indiscriminado dos agrotóxicos em suas múltiplas facetas2525. Foltz L, Soares CD, Reichembach MAK. Perfil audiológico de pilotos agrícolas. Arquivos Int. Otorrinolaringol. 2010;14(3):322-30., sendo necessária a implementação de políticas públicas específicas, e a realização de ações no campo da educação e da saúde para as populações rurais2424. Delgado IF, Paumgartten FJR. Intoxicações e uso de pesticidas por agricultores do Município de Paty do Alferes, Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2004;20(1):180-6.,2929. Garcia EG, Bussacos MA, Fischer FM. Impacto da legislação no registro de agrotóxicos de maior toxicidade no Brasil. Rev Saúde Publica. 2005;39(5):832-9., principalmente as que se utilizam da prática familiar.

Dentre as limitações do presente estudo estão a amostra pequena e por conveniência, a predominância de homens e a utilização de um instrumento de pesquisa que não é validado. Acredita-se que sejam necessários mais estudos sobre a temática, buscando verificar se tais achados se confirmam em pesquisas com número de sujeitos baseado em cálculo amostral, seleção amostral randomizada, e que levem em consideração para a alocação nos grupos o tipo de prática agrícola, a classe social e a escolaridade dos sujeitos.

Conclusão

Conclui-se que a população estudada não possuía percepção de dificuldade auditiva, apesar de ter contato direto com agrotóxicos e nunca ter recebido orientações sobre os riscos audiológicos da prática agrícola. A maioria dos sujeitos que fazia uso de instrumento de trabalho ruidoso e que tinha contato com agrotóxicos utilizava equipamento de proteção individual, não sendo encontradas outras associações significativas entre a autopercepção de dificuldade para ouvir e os hábitos e fatores de risco para a perda auditiva. Conclui-se ainda que são necessárias ações que promovam o conhecimento e a capacitação destes trabalhadores acerca dos riscos da prática agrícola para a saúde geral e auditiva.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2015
  • Aceito
    14 Dez 2015
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