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Desempenho de escolares com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade em habilidades metalinguísticas, leitura e compreensão leitora

RESUMO

Objetivo:

caracterizar e comparar o desempenho de escolares com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade em habilidades metalinguísticas, leitura e compreensão leitora, com escolares de bom desempenho acadêmico.

Métodos:

participaram deste estudo 30 escolares do Ensino Fundamental I, de ambos os gêneros, na faixa etária de 8 anos a 12 anos e 11 meses de idade, divididos em dois grupos: Grupo I, composto por 15 escolares com diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade; Grupo II, composto por 15 escolares com bom desempenho acadêmico. Os escolares foram pareados em relação à idade, à escolaridade e ao gênero e foram submetidos à aplicação das provas de habilidades metalinguísticas, de leitura e de compreensão de leitura.

Resultados:

foi possível verificar desempenho inferior do GI em habilidades de identificação de fonema inicial e final, subtração e adição de sílabas e de fonemas, bem como de segmentação de fonemas. O desempenho do GI também foi inferior ao do GII em provas de leitura e de repetição de não palavras. Não houve diferença estatisticamente significante entre o desempenho dos grupos em compreensão leitora.

Conclusão:

os escolares com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade em comparação com grupo controle apresentaram desempenho inferior na decodificação leitora e nas tarefas metalinguísticas consideradas mais complexas, as quais exigem retenção, análise e recuperação de informação. Na compreensão de leitura ambos os grupos apresentaram classificação de desempenho inferior com resultados semelhantes.

Descritores:
Aprendizagem; Leitura; Avaliação; Educação; Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade

ABSTRACT

Purpose:

to characterize and compare the performance of students with Attention Deficit Hyperactivity Disorder in metalinguistic skills, reading and reading comprehension in students with good academic performance.

Methods:

30 participants from primary schools, of both genders, aged from 8 to 12 years and 11 months, divided into two groups: Group I consisted of 15 students diagnosed with Attention Deficit Hyperactivity Disorder and Group II composed of 15 students with good academic performance. The students were matched byage, grade level and gender. The students were submitted to Metalinguistic Skills Tests, Reading Protocol and Reading Comprehension Tests.

Results:

differences were found between Group I and Group II for skills regarding initial and final phonemic identification, syllable and phonemes subtraction and addition, as well as phonemic segmentation. The performance of Group I was also inferior than that of Group II, in Reading protocol and repetition of non-words. There was no statistically significant difference between the groups in reading comprehension performance.

Conclusion:

students with Attention Deficit Hyperactivity Disorder presented inferior performance in relation to reading protocol and in more complex metalinguistic skills, which required retention, analysis and information retrieval, when compared to the control group. In regard to reading comprehension, both groups presented lower performance, with similar results.

Keywords:
Learning; Reading; Evaluation; Education; Attention Deficit Hyperactivity Disorder

Introdução

Para que o aprendizado da leitura ocorra, algumas habilidades são fundamentais, como: a linguagem, a atenção para entender e interpretar a língua escrita, memória auditiva, memória visual, identificação de palavras, análise estrutural e contextual da língua, síntese lógica, expansão do vocabulário. Dessa forma, a leitura envolve uma variedade de processos, tendo início com identificação visual das letras, atingindo a fluência no reconhecimento das palavras e culminando na compreensão do conteúdo da mensagem escrita 11. Andrade MWCL, Dias MGBB. Processos que levam à compreensão de textos. Psicol. estud. 2006;11(1):147-54. .

A compreensão da leitura realizada de modo competente torna-se, portanto, o objetivo final da aprendizagem da leitura. Entretanto, diversos fatores concorrem para que a compreensão de textos se realize, porém são insuficientes para, de forma isolada, determiná-la. Têm especial atenção os fatores linguísticos, tais como o processamento fonológico que ancora a capacidade de decodificar, o vocabulário e o conhecimento sintático22. Cain K, Oakhill JV, Barnes MA, Bryant PE. Comprehension skill, inference-making ability, and their relation to knowledge. Memory Cognitiv. 2001;29 (6):850-9. indispensáveis na compreensão; os fatores cognitivos memória de trabalho, monitoramento e a capacidade de estabelecer inferências11. Andrade MWCL, Dias MGBB. Processos que levam à compreensão de textos. Psicol. estud. 2006;11(1):147-54., bem como os fatores sociais, que envolvem as circunstâncias em que a leitura ocorre (contexto social, objetivos, motivações e expectativas do leitor), e os conhecimentos prévios do leitor, adquiridos através de sua vivência sociocultural33. Baleghizade S, Babapour M. The effect of summary writing on reading comprehension and recall of EFL students. New England Reading Association Journal. 2011(1):44-9..

Dentre essas, as habilidades metalinguísticas de consciência fonológica mostram-se preditoras do desenvolvimento da leitura, pois, ao início da alfabetização, o escolar precisa desenvolver sensibilidade à estrutura interna das palavras, ou seja, deve ser capaz de identificar e manipular fonemas e sílabas, para assim posteriormente decodificá-las44. Capellini AS, Santos B, Uvo MFC. Metalinguistic skills, reading and reading Comprehension performance of students of the 5th Grade. Procedia Soc Behav Sci. 2015;174:1346-50.

5. Gonçalves HA, Pureza JR, Prando ML. Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade: breve revisão teórica no contexto da neuropsicologia infantil. Neuropsic Latino. 2011;3(3):20-4.

6. Ouellette G, Beers A. A not-so-simple view of reading: How oral vocabulary and visual-word recognition complicate the story. Read Writ. 2010;23(2):189-208.
-77. Cunha VLO, Oliveira AM, Capellini SA. Compreensão de leitura: princípios avaliativos e interventivos no contexto educacional. Rev Teias. 2010;11(23):221-40..

Acredita-se que exista uma relação entre essas habilidades com decodificação, a fluência e a compreensão de leitura. Para Gough e Tunmer88. Gough P, Tunmer W. Decoding, Reading and Reading disability. Remedial Spec Educ. 1986;7(1):6-10. há relação direta entre a decodificação e a compreensão; de acordo com os autores, dificuldades encontradas na decodificação resultariam, como consequência, dificuldades de compreensão leitora. Sendo assim, após adquirir as habilidades metalinguísticas, o escolar será capaz de realizar a conversão de símbulos gráficos em som, decodificando-os e realizando o reconhecimento das palavras. A compreensão baseia-se no conhecimento dessas habilidades, mas também no conhecimento do vocabulário, processo de reconhecimento sintático, fluência de leitura e na capacidade de fazer inferências, além de atenção, memória, compreensão da linguagem falada e as funções executivas (planejamento, organização, controle de informação).

Estudos descreveram que escolares com déficits de atenção, de memória de trabalho e de função executiva podem apresentar prejuízos relacionados à aprendizagem de leitura; por exemplo, os escolares com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH)99. Goldstein S. Current literature in ADHD. J Atten Disord. 2009;14(2):196-8.

10. Daley D, Birchwood J. ADHD and academic performance: why does ADHD impact on academic performance and what can be done to support ADHD children in the classroom? Child Care Health Dev. 2010;36(4):455-64.

11. Cheung CH, Fazier-Wood AC, Asherson P, Rijsdijk F, Kuntsi J. Shared cognitive impairments and aetiology in ADHD symptoms and reading difficulties. PLos ONE. 2014;9(12):985-90.

12. Pham AV, Riviere A. Specific learning disorders and ADHD: current issues in diagnosis aross clinical and educational settings. Curr Psychiatry Rep. 2015;17(6):1-7.
-1313. Mejía C, Cifuentes VV. Comorbilidad de los trastornos de lectura y escritura en niños diagnosticados con TDAH. Psicol Caribe. 2015;32(1):121-43..

A American Psychiatric Association1414. American Psychiatric Association. DSM-5: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed; 2014. caracteriza o TDAH como distúrbio neuropsiquiátrico comum na infância, tendo como sintomas prevalentes a desatenção, hiperatividade e a impulsividade. Estudos indicam que as dificuldades encontradas no TDAH podem ser verificadas em mais de um domínio cognitivo. Os componentes das funções executivas mais associadas ao possível prejuízo cognitivo são: planejamento, atenção dirigida e seletiva, regulação de comportamento e motivação1414. American Psychiatric Association. DSM-5: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed; 2014.

15. Barkley RA. Attention-deficit hyperactivity disorder: a handbook for diagnosis and treatment. New York: Guilford Publications; 2014.

16. Rohde LA, Biederman J, Busnello EA, Zimmermann H, Schmitz M, Martins S, et al. ADHD in a school sample of Brazilian adolescents: a study of prevalence, comorbid conditions, and impairments. J Am Acad Child Adolesc Psychiatr. 1999;38(6):716-22.

17. Germano GD, Uvo MFC, Alcantara GK. Achados fonoaudiologicos e neurologicios e estratégiasde intervenção para TDAH em sala de aula. In: Martins MA, Cardoso MH, Capellini AS (org). Tópicos em Transtorno de aprendizagem: parte III. São Paulo: Fundepe; 2014. p. 206-16.
-1818. Germano GD, Okuda PMM. O uso de modelo de resposta à intervenção para a identificação precoce do TDAH e do TDC. In: Andrade OVCA, Okuda PMM, Capellini AS (org). Tópicos em aprendizagem: parte IV. São Paulo: Fundepe; 2015. p. 211-22., causadas principalmente por disfunções estruturais e químicas no córtex pré-frontal1919. Knapp P. Terapia cognitivo-comportamental na prática psiquiátrica. Porto Alegre: Artmed; 2004..

Portanto, pode-se entender o TDAH como um transtorno com manifestações heterogêneas que provoca amplo prejuízo no funcionamento cognitivo e interpessoal, tendo como queixas principais alterações comportamentais e baixo rendimento escolar1717. Germano GD, Uvo MFC, Alcantara GK. Achados fonoaudiologicos e neurologicios e estratégiasde intervenção para TDAH em sala de aula. In: Martins MA, Cardoso MH, Capellini AS (org). Tópicos em Transtorno de aprendizagem: parte III. São Paulo: Fundepe; 2014. p. 206-16.,1818. Germano GD, Okuda PMM. O uso de modelo de resposta à intervenção para a identificação precoce do TDAH e do TDC. In: Andrade OVCA, Okuda PMM, Capellini AS (org). Tópicos em aprendizagem: parte IV. São Paulo: Fundepe; 2015. p. 211-22.,2020. Alloway TP, Gathercole SE, Elliott J. Examining the link between working memory behavior and academic attainment in children with ADHD. Dev Med Child Neurol. 2010;52(1):632-6..

Estudos1515. Barkley RA. Attention-deficit hyperactivity disorder: a handbook for diagnosis and treatment. New York: Guilford Publications; 2014.,2121. Miranda JÁ, Soriano M. Investigación sobre dficultades en el aprendizaje en los trastornos por déficit de atención con hiperactividad en España. Rev Elect de Dificults de Aprend. 2011;1(1):1-5.

22. Oliveira AMD, Cardoso MH, Padula NA, Lourenceti MD, Santos LCAD, Capellini SA. Processos de leitura em escolares com transtorno do déficit de atenção/hiperatividade. Psicol Argum. 2013;31(72):35-44.

23. Tamm L, Hughes C, Ames L, Pickering J, Silver CH, Stavinoha P, et al. Attention training for school-aged children with ADHD: results of an open trial. J Atten Disord. 2009;14(1):86-94.

24. Cunha VLO, Silva CD, Lourencetti MD, Padula NAMR, Capellini AS. Desempenho de escolares com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade em tarefas metalinguísticas e de leitura. Rev CEFAC. 2013;15(1):40-50.
-2525. Brock SE, Knapp PK. Reading comprehension abilities of children with attention-deficit/hyperactivity disorder. J Attent Disord. 1996;1(3):173-85. indicaram que, no que se relaciona à leitura, os escolares com TDAH apresentam dificuldades referentes à decodificação, tais como erros de leitura por falhas na correspondência grafema-fonema, falhas na sequencialização de grafemas na leitura, erros por omissão e por substituição de grafemas e/ou palavras. Essas dificuldades devem-se a problemas de atenção e ao uso da memória de trabalho para o gerenciamento das informações necessárias ao processamento fonológico dos itens e essenciais para a formação de representações ortográficas corretas das palavras.

Quanto às habilidades metalinguísticas, os escolares com TDAH apresentam dificuldades em atividades que requerem maior uso da atenção e memória de trabalho, tais como a manipulação silábica e fonêmica 2525. Brock SE, Knapp PK. Reading comprehension abilities of children with attention-deficit/hyperactivity disorder. J Attent Disord. 1996;1(3):173-85..

Além disso, estudos descreveram que escolares com TDAH possuem desempenho inferior em tarefas que envolvem habilidades de organização e de planejamento1515. Barkley RA. Attention-deficit hyperactivity disorder: a handbook for diagnosis and treatment. New York: Guilford Publications; 2014.,1818. Germano GD, Okuda PMM. O uso de modelo de resposta à intervenção para a identificação precoce do TDAH e do TDC. In: Andrade OVCA, Okuda PMM, Capellini AS (org). Tópicos em aprendizagem: parte IV. São Paulo: Fundepe; 2015. p. 211-22.,2020. Alloway TP, Gathercole SE, Elliott J. Examining the link between working memory behavior and academic attainment in children with ADHD. Dev Med Child Neurol. 2010;52(1):632-6.,2121. Miranda JÁ, Soriano M. Investigación sobre dficultades en el aprendizaje en los trastornos por déficit de atención con hiperactividad en España. Rev Elect de Dificults de Aprend. 2011;1(1):1-5.,2424. Cunha VLO, Silva CD, Lourencetti MD, Padula NAMR, Capellini AS. Desempenho de escolares com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade em tarefas metalinguísticas e de leitura. Rev CEFAC. 2013;15(1):40-50., bem como em habilidades de compreensão de leitura quando comparados com escolares com bom desempenho acadêmico2626. Miranda-Casas A, Fernández MI, Robledo P, García-Castellar R. Comprensión de textos de estudiantes con trastorno por déficit de atención/ hiperactividad: ¿qué papel desempeñan las funciones ejecutivas? Rev Neurol. 2010;50 (3):135-42.,2727. Berthiaume KS, Lorch EP, Milich R. Getting clued in inferential processing and comprehension monitoring in boys with ADHD. J Attent Disord. 2010;14(1):31-42.. Estudos descreveram que escolares com TDAH apresentam falhas em compreensão de leitura, as quais podem ser relacionadas a déficits dos componentes das funções executivas. Devido às dificuldades em suprimir informações irrelevantes, defasagem de atenção sustentada e de memória de trabalho, escolares com TDAH falham em desenvolver uma representação coerente do texto, pois não conseguem recuperar, de modo eficaz, as informações lidas anteriormente. Desse modo, a compreensão do texto pode ser caracterizada pela perda de informações relevantes2323. Tamm L, Hughes C, Ames L, Pickering J, Silver CH, Stavinoha P, et al. Attention training for school-aged children with ADHD: results of an open trial. J Atten Disord. 2009;14(1):86-94.,2828. Cunha VLO, Silva CD, Capellini SA. Correlação entre habilidades básicas de leitura e compreensão de leitura. Estud Psicol. 2012;29(1):799-807.,2929. Liotti M, Pliszka SR, Higgins K, Perez R, Semrud-Clikeman M. Evidence for specificity of ERP abnormalities during response inhibition in ADHD children: A comparison with reading disorder children without ADHD. Brain Cogn. 2010;72(2):228-37.. Autores também relatam que esses escolares realizam menor número de inferências e, consequentemente, apresentam dificuldades para identificar as inconsistências do texto 2626. Miranda-Casas A, Fernández MI, Robledo P, García-Castellar R. Comprensión de textos de estudiantes con trastorno por déficit de atención/ hiperactividad: ¿qué papel desempeñan las funciones ejecutivas? Rev Neurol. 2010;50 (3):135-42.,2929. Liotti M, Pliszka SR, Higgins K, Perez R, Semrud-Clikeman M. Evidence for specificity of ERP abnormalities during response inhibition in ADHD children: A comparison with reading disorder children without ADHD. Brain Cogn. 2010;72(2):228-37..

Considerando os aspectos expostos, este artigo teve por objetivos caracterizar e comparar o desempenho de escolares com TDAH em habilidades metalinguísticas, habilidades de decodificação e compreensão de leitura com escolares com bom desempenho acadêmico.

Métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) - Marilia, sob o protocolo número 957. 995.

Ressalta-se que foram respeitados todos os quesitos que regem a resolução do Conselho Nacional de Saúde - CNS/196 - sobre Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos e recomendações do Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição. Os responsáveis pelos participantes deste estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE, mediante explicação dos procedimentos, anteriormente ao início da aplicação destes.

Participaram deste estudo 30 escolares do Ensino Fundamental I, de ambos os gêneros, na faixa etária de 8 anos a 12 anos e 11 meses, divididos em dois grupos.

Grupo I (GI): composto por 15 escolares com diagnóstico interdisciplinar de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade sem uso de medicação, a partir da avaliação realizada pela equipe interdisciplinar do Laboratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem - LIDA/FFC/UNESP, composta por fonoaudiólogas, neuropsicológa e terapeuta ocupacional. O diagnóstico interdisciplinar de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade foi realizado segundo os critérios do Manual Estatístico para Transtornos Mentais e do Comportamento - DSM-51414. American Psychiatric Association. DSM-5: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed; 2014..

Grupo II (GII): composto por 15 escolares com bom desempenho acadêmico pareado segundo gênero, escolaridade e faixa etária com o GI. Os escolares foram indicados por seus professores, quando apresentaram desempenho satisfatório em dois bimestres consecutivos em avaliação de Língua Portuguesa e Matemática, nota superior ou igual à média (5,0). A partir dessa indicação os escolares foram submetidos à aplicação do teste de desempenho escolar - TDE3030. Stein LM. TDE: Teste de desempenho escolar: manual para aplicação e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1994.. Somente foram incluídos, no GII deste estudo, os escolares que obtiveram desempenho médio a superior nos testes de leitura, escrita e aritmética. O TDE foi aplicado e analisado pelos pesquisadores.

Como critério de exclusão foi considerada presença de déficits sensoriais (deficiência auditiva e/ou visual), cognitivos ou físicos descritos em prontuário escolar. Além disso, foram excluídos deste estudo escolares que foram submetidos a algum tipo de remediação fonoaudiológica.

Todas as provas deste estudo foram analisadas segundo o critério de erros. Os escolares foram submetidos aos seguintes procedimentos de avaliação:

Provas de Habilidades Metalinguísticas e de Leitura - PROHMELE3131. Cunha VLO, Capellini SA. PROHMELE: Provas de Habilidade Metalinguisticas e de Leitura. Rio de Janeiro: Revinter; 2009.

Este protocolo é composto pelas seguintes provas:

- Provas de identificação silábica e fonêmica: são apresentadas provas de identificação de sílaba e fonema inicial, final e medial.

As provas de identificação são dispostas em 10 itens, sendo cada item formado por três vocábulos, perfazendo um total de 30 vocábulos em cada prova. Cada trio é constituído de um vocábulo modelo e outros dois, entre os quais o escolar deve identificar qual tem semelhança com o modelo dado, de acordo com a posição da sílaba ou fonema.

- Provas de manipulação silábica e fonêmica: são apresentadas provas silábicas e provas fonêmicas de segmentação, adição, subtração, substituição e combinação, perfazendo um total de dez provas.

- Repetição de Não Palavras: repetição de não palavras monossilábicas; repetição de não palavras dissilábicas; repetição de não palavras trissilábicas; repetição de não palavras polissilábicas com 4 sílabas; repetição de não palavras polissilábicas com 5 sílabas; repetição de não palavras polissilábicas com 6 sílabas; sendo distribuídas seis de cada extensão, ou seja, seis monossílabos, seis dissílabos, seis trissílabos e seis polissílabos, estes divididos em dois vocábulos com quatro sílabas, dois com cinco sílabas e dois com seis sílabas, todos paroxítonos.

- Provas de Leitura: compostas por uma lista de leitura de palavras reais isoladas (133 palavras) e por uma lista de leitura de não palavras (27 não palavras).

As não palavras são entendidas, aqui, como logatomo, ou seja, uma sílaba ou uma sequência de sílabas que pertencem à língua, mas que não formam uma palavra com significado. A não palavra é derivada de uma palavra real, como, por exemplo, “bafata”, derivada de “barata”, mudando-se apenas um elemento e mantendo-se o padrão silábico3232. Scliar-Cabral L. Princípios do sistema alfabético do português do Brasil. São Paulo: Editora Contexto; 2003..

As provas de leitura foram realizadas em voz alta e filmadas para posterior análise da leitura. Cada escolar recebeu instrução de como deveria ler as listas de palavras, apresentadas no formato de letra Arial tamanho 14, espaço duplo, divididas em colunas, segundo extensão de palavras (monossilábicas, dissilábicas, trissilábicas e polissilábicas - 4 a 7 sílabas) e de não palavras (monossilábicas, dissilábicas, trissilábicas). Na prova de leitura de não palavras, foi esclarecido aos escolares que deveriam realizar a leitura de palavras que não existem e que não fazem parte de seu vocabulário.

A caracterização dos tipos de erros da leitura de palavras reais e não palavras foi realizada a partir de critérios estabelecidos para o português do Brasil3232. Scliar-Cabral L. Princípios do sistema alfabético do português do Brasil. São Paulo: Editora Contexto; 2003., descritos a seguir:

D1 - Regra de correspondência grafofonêmica, independente do contexto referente a palavras regulares com correspondência unívoca, em palavras como pato, bolo, faca, vela, tatu, dado, massa, moça, desço, chuva, janela, unha, carro, óculos, põe, água, lâmpada, rã etc.

D2 - Regra de correspondência grafofonêmica, dependente do contexto referente às regras aplicadas às palavras irregulares, como, por exemplo, casa, zebra, costa, piscina, árvore, rato, cara, ganso, bolsa, homem, galho, gente, cinema, guarda, guizo, leque, quadro, exceção, xícara, exame, tórax, caixa, enxame etc.

D4 - Valores da letra “X” dependentes exclusivamente do léxico mental e ortográfico, que aparecem em palavras como abacaxi, táxi, oxigênio, auxílio, próximo etc.

A regra D3, por se tratar de leitura de palavras em frases, não cabe para análise nesse procedimento. As regras dependentes da metalinguagem e/ou do contexto textual e morfossintático e semântico (D3) não constam de nossa lista nem, consequentemente, de nossa análise, visto serem, como o próprio nome já elucida, dependentes de um contexto em que a leitura, para ser realizada adequadamente, necessita se basear. A prova de leitura elaborada para este estudo consta apenas de leitura de palavras reais isoladas, e não de um contexto metalinguístico e/ou textual, morfossintático e semântico. Essa regra foi, portanto, excluída.

Na prova de leitura de não palavras foi considerada somente a regra D1, pois seu objetivo é verificar a correspondência unívoca entre letra e som.

A leitura de palavras e não palavras do PROHMELE foi gravada com o auxílio de um microfone. A pesquisadora realizou a gravação em um notebook, para posterior análise do material.

As respostas dos escolares foram anotadas na folha de respostas do procedimento. O escolar foi instruído e treinado previamente por meio de exemplos similares aos da prova para que soubesse o que deveria fazer, sendo avaliado de forma que não tivesse pista visual da articulação dos sons produzidos pela examinadora.

Protocolo de Avaliação de Compreensão de Leitura - PROCOMLE3333. Cunha VLO, Capellini SA. PROCOMLE: protocolo de avaliação da compreensão de leitura para escolares do 3º ao 5º ano. Ribeirão Preto: BookToy; 2014.

Esse protocolo foi utilizado para caracterizar o perfil em compreensão de leitura de todos os participantes deste estudo, sendo composto por quatro textos (dois narrativos e dois expositivos). Cada texto contém oito perguntas de compreensão de múltipla escolha, sendo quatro relacionadas à microestrutura do texto (duas literais e duas inferenciais) e quatro relacionadas à macroestrutura do texto (duas literais e duas inferenciais).

Para este estudo, foram utilizados o texto narrativo “O guarda-chuva” e o texto expositivo “O piolho”, que constam no protocolo de avaliação aplicado.

Os escolares foram orientados a ler o texto com muita atenção, pois após a leitura eles responderiam às questões referentes à sua compreensão, sendo esclarecido que eles deveriam ler cada pergunta e cada alternativa com muita atenção, pois somente uma correspondia à resposta correta.

Os escolares do GI foram avaliados em salas do Centro de Estudos da Educação e da Saúde - CEES, em período contrário ao período escolar, e os escolares do GII foram avaliados nas escolas de origem, em período escolar, com a permissão de seus professores. As aplicações das provas de habilidades metalinguísticas foram realizadas de forma individual, divididas em duas sessões de 30 minutos cada, sendo na primeira sessão realizada a avaliação referente às provas de identificação e manipulação de sílabas e fonemas. Na segunda sessão foi realizada a avaliação da leitura e a prova de repetição de não palavras.

Para aplicação do Protocolo de Avaliação da Compreensão, foi utilizada uma sessão de 30 minutos para cada texto, sendo uma sessão para avaliação do texto narrativo e uma sessão para avaliação do texto expositivo, sendo ambos os textos aplicados de forma coletiva, em grupos com 5 escolares por sessão.

Para ambos os procedimentos, a análise foi realizada pelo erro, ou seja, para a correção foram utilizados, como critério de pontuação, zero para acerto e 1 para erro, sendo somado o número de erros.

Os resultados foram analisados estatisticamente a fim de se compararem os resultados intragrupos e intergrupos. Foi utilizado o programa IBM SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 22.0, para a análise dos resultados. Utilizaram-se o Teste de Mann-Whitney, Teste Postos Sinalizados de Wilcoxon e o Teste de Jonkheere-Terpstra, sendo utilizado o nível de significância de 5% (0,05), indicado com asterisco nas tabelas referentes aos resultados.

Resultados

As tabelas a seguir mostram o desempenho do GI e GII nas Provas de Habilidades Metalinguísticas e de Leitura - PROHMELE3131. Cunha VLO, Capellini SA. PROHMELE: Provas de Habilidade Metalinguisticas e de Leitura. Rio de Janeiro: Revinter; 2009. e no Protocolo de Avaliação da Compreensão de Leitura - PROCOMLE3333. Cunha VLO, Capellini SA. PROCOMLE: protocolo de avaliação da compreensão de leitura para escolares do 3º ao 5º ano. Ribeirão Preto: BookToy; 2014..

A Tabela 1 apresenta a média de erros, o desvio padrão e o valor de p referente ao desempenho do GI. Com a aplicação do Teste Postos Sinalizados de Wilcoxon foi possível observar que houve diferença estatisticamente significante na comparação entre as habilidades de identificação de sílaba e de fonema inicial, final e medial; de substituição de sílabas e de fonemas; e também entre a segmentação de sílabas e de fonemas, evidenciando que houve diferença entre as provas fonêmicas e silábicas entre os escolares de GI. Nessa tabela, verificou-se que houve menor média de erros para as provas silábicas.

Tabela 1:
Distribuição dos valores de média de erros, desvio padrão e valor de p referente ao desempenho do Grupo I nas provas de habilidades metalinguísticas

A Tabela 2 apresenta a média de erros, o desvio padrão e o valor de p referente ao desempenho do GII nas provas de habilidades metalinguísticas do PROHMELE. Com a aplicação do Teste Postos Sinalizados de Wilcoxon foi possível observar que houve diferença estatisticamente significante na comparação entre as habilidades de identificação, adição e também de segmentação de sílaba e de fonema, evidenciando que o desempenho nas provas habilidades metafonológicas foi inferior quando comparado ao da prova silábica.

Tabela 2:
Distribuição da média de erros, desvio padrão e valor de p, referente ao desempenho do Grupo II nas provas de habilidades metalinguísticas

Na Tabela 3, apresenta-se a média, o desvio padrão e o valor de p, sendo possível observar diferença estatisticamente significante na comparação entre GI e GII nas habilidades de identificação de fonema final, de subtração de fonemas, de adição de sílabas, de adição de fonemas, de subtração de sílabas e de segmentação de fonemas.

Nota-se ainda que, na habilidade de identificação de fonema final, de subtração de fonemas, de adição de sílabas, de adição de fonemas e de subtração de sílabas, a média de erros do GII foi menor na comparação com a do GI, evidenciando que os escolares do GI apresentaram desempenho inferior quando comparados com os do GII.

Tabela 3:
Distribuição da média de erros, do desvio padrão e do valor de p, referente à comparação do desempenho do Grupo I e do Grupo II nas provas de habilidades metalinguísticas

Na Tabela 4 foi utilizado o Teste de Mann-Whitney, com o intuito de verificar as diferenças entre os grupos. Pode-se observar a média, o desvio padrão e o valor de p referentes à comparação do desempenho nas provas de leitura entre GI e GII; tanto para leitura de palavras reais quanto para a de não palavras, observou-se que houve diferença estatisticamente significante entre GI e GII, sendo o desempenho do GI inferior ao desempenho do GII.

Tabela 4:
Distribuição da média de erros, desvio padrão e valor de p, referente à comparação do desempenho do Grupo I e do Grupo II nas provas de leitura

A Tabela 5 apresenta a média de erros, o desvio padrão e o valor de p dos escolares com TDAH (GI) na prova de repetição de não palavras, com a aplicação do Teste de Friedman. Foi possível observar que houve diferença estatisticamente significante entre as não palavras monossilábicas, dissilábicas, trissilábicas e polissilábicas, evidenciando que o desempenho dos escolares com TDAH foi influenciado pela extensão das palavras.

Tabela 5:
Distribuição da média de erros, desvio padrão e valor de p na prova de repetição de não palavras do Grupo I

A Tabela 6 apresenta a média de erros, desvio padrão e valor de p da prova de repetição de não palavras para os escolares de GII. Nota-se, na Tabela 7, que houve diferença estatisticamente significante na prova de repetição de não palavras. Pode-se observar a média de erros, o desvio padrão e o valor de p do desempenho dos escolares do grupo controle (GII). Foi utilizado o Teste de Friedman.

Tabela 6:
Distribuição da média de erros, desvio padrão e valor de p na prova de repetição de não palavras do Grupo II

A partir dos resultados descritos nas Tabelas 5 e 6, nas quais se encontram diferenças ditas estatisticamente significantes, foi aplicado o Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon, ajustado pela Correção de Bonferroni para identificar as variáveis que se diferenciam entre si, quando comparadas duas a duas.

A Tabela 7 traz a distribuição do valor de p na comparação entre as variáveis nos grupos GI e GII para as provas de repetição de não palavras. Nota-se que, na comparação entre as provas de repetição de não palavras polissilábicas (6 sílabas) e monossilábicas, ocorreu diferença estatisticamente significante no GI. Ainda se pode notar que houve diferença estatisticamente significante na comparação entre as provas de repetição de não palavras polissilábicas (6 sílabas) com dissilábicas e na comparação entre a prova de repetição de não palavras polissilábicas de 6 sílabas de extensão com as polissilábicas de 4 sílabas de extensão, também para o GI. Já no GII houve diferença estatisticamente significante na comparação entre a prova de repetição de não palavras polissilábicas (6 sílabas) com a prova de não palavras polissilábicas (4 silabas), evidenciando a diferença quanto à extensão de segmentos das não palavras, onde a quantidade de erros nas palavras de maior número de segmentos foi superior quando comparados com as não palavras de menor número de segmentos.

Tabela 7:
Distribuição do valor de p, na prova de repetição de não palavras

Na Tabela 8 foi aplicado o Teste de Mann-Whitney, com o intuito de verificar as possíveis diferenças entre os grupos estudados. Para essa análise foi usado o total de acertos das questões do texto expositivo.

Observa-se que não houve significância estatística, ou seja, os grupos apresentaram desempenho semelhante. A Tabela 8 traz a distribuição da média, desvio padrão, mínimo e máximo, percentil, mediana e valor de p do total de acertos dos grupos GI e GII nas questões do texto expositivo.

Nessa Tabela, ao verificar os valores de percentis do GI, nota-se que houve uma variabilidade de 3 a 4 acertos entre o percentil 25 e a mediana, sendo a média de desempenho desses escolares de 3,93.

Já no GII, verifica-se que houve um maior valor de desvio padrão, indicando maior variabilidade de respostas, tendo nessa tabela a média se situado entre o intervalo da mediana e do percentil 75.

Tabela 8:
Distribuição da média, desvio padrão, mínimo e máximo, percentil, mediana e valor de p do total de acertos do Grupo I e do Grupo II nas questões do texto expositivo

Na Tabela 9, mostra-se o resultado da aplicação do Teste de Jonckheere-Terpstra, com o intuito de verificar as possíveis diferenças entre os grupos estudados em relação ao texto narrativo. Para essa análise foi usado o total de acertos das questões do texto narrativo. Pode-se observar que não houve significância estatística, ou seja, os grupos apresentaram desempenho semelhante.

Tabela 9:
Distribuição da média, desvio padrão, mínimo e máximo, percentil, mediana e valor de p do total de acertos do Grupo I e do Grupo II nas questões do texto narrativo

Discussão

Por meio dos resultados deste estudo, é possível observar, no GI, que houve diferença no desempenho das habilidades de manipulação fonêmica quando comparado ao de manipulação silábica, evidenciando assim a diferença entre o desempenho nas tarefas metafonológicas. Esses achados sugerem que, pela maior complexidade implicada na manipulação de fonemas, os escolares com TDAH apresentam dificuldades em reter informações que necessitem de um tempo de atenção e concentração mais apurados44. Capellini AS, Santos B, Uvo MFC. Metalinguistic skills, reading and reading Comprehension performance of students of the 5th Grade. Procedia Soc Behav Sci. 2015;174:1346-50.,77. Cunha VLO, Oliveira AM, Capellini SA. Compreensão de leitura: princípios avaliativos e interventivos no contexto educacional. Rev Teias. 2010;11(23):221-40.,2424. Cunha VLO, Silva CD, Lourencetti MD, Padula NAMR, Capellini AS. Desempenho de escolares com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade em tarefas metalinguísticas e de leitura. Rev CEFAC. 2013;15(1):40-50..

Na comparação entre os grupos, a média de erros do GII foi menor que do GI para habilidades de identificação de fonema final, de subtração de fonema, de adição de sílabas e de fonemas, de substituição de sílabas e de segmentação de fonemas. As habilidades de identificação e de manipulação de fonemas são ditas complexas, pois requerem que o escolar realize duas operações. Além de demandar maior atenção ao estímulo, o escolar deve reter e executar a instrução solicitada, organizar e planejar a resposta, além de recuperar a informação armazenada por um tempo em sua memória2525. Brock SE, Knapp PK. Reading comprehension abilities of children with attention-deficit/hyperactivity disorder. J Attent Disord. 1996;1(3):173-85.,3434. Mulas F, Etchepareborda MC, Abad-Mas L, Díaz-Lucero A. Trastornos neuropsicológicos de los adolescentes afectos de trastorno por déficit de atención com hiperactividad. Rev Neurol. 2006;43(1):71-81.

35. Germano GD, Reilhac C, Capellini SA, Valdois S. The phonological and visual basis of developmental dyslexia in Brazilian Portuguese reading children. Front Psychol. 2014;5(1):116-9.
-3636. Albuquerque G, Maia M, França A, Mattos P, Pastura G. Processamento de linguagem no transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). DELTA. 2012;28(2):245-80..

Sendo assim, o desempenho dos escolares com TDAH nas provas de habilidades metalinguísticas sofreu influência de fatores característicos desse diagnóstico, tais como a falta de organização, o déficit de atenção e o déficit de memória de trabalho, os quais afetam de forma negativa e direta na retenção das informações, prejudicando o processamento de informações auditivas1818. Germano GD, Okuda PMM. O uso de modelo de resposta à intervenção para a identificação precoce do TDAH e do TDC. In: Andrade OVCA, Okuda PMM, Capellini AS (org). Tópicos em aprendizagem: parte IV. São Paulo: Fundepe; 2015. p. 211-22.,2222. Oliveira AMD, Cardoso MH, Padula NA, Lourenceti MD, Santos LCAD, Capellini SA. Processos de leitura em escolares com transtorno do déficit de atenção/hiperatividade. Psicol Argum. 2013;31(72):35-44.,2424. Cunha VLO, Silva CD, Lourencetti MD, Padula NAMR, Capellini AS. Desempenho de escolares com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade em tarefas metalinguísticas e de leitura. Rev CEFAC. 2013;15(1):40-50.,2525. Brock SE, Knapp PK. Reading comprehension abilities of children with attention-deficit/hyperactivity disorder. J Attent Disord. 1996;1(3):173-85.. Esse fato vai ao encontro de estudos anteriores1515. Barkley RA. Attention-deficit hyperactivity disorder: a handbook for diagnosis and treatment. New York: Guilford Publications; 2014.,2020. Alloway TP, Gathercole SE, Elliott J. Examining the link between working memory behavior and academic attainment in children with ADHD. Dev Med Child Neurol. 2010;52(1):632-6.,2323. Tamm L, Hughes C, Ames L, Pickering J, Silver CH, Stavinoha P, et al. Attention training for school-aged children with ADHD: results of an open trial. J Atten Disord. 2009;14(1):86-94.,2424. Cunha VLO, Silva CD, Lourencetti MD, Padula NAMR, Capellini AS. Desempenho de escolares com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade em tarefas metalinguísticas e de leitura. Rev CEFAC. 2013;15(1):40-50. que indicaram que os escolares com TDAH possuem prejuízos em relação à linguagem, principalmente nos aspectos fonológicos e sintáticos. Portanto, acredita-se que as dificuldades em relação a esses aspectos são causadas possivelmente pelo déficit de atenção e pela dificuldade de inibir os estímulos não relevantes, em detrimento a prováveis dificuldades de manuseio dos aspectos linguísticos. Ao considerar o diagnóstico do TDAH podem ser destacados fatores que interferem na realização das tarefas metalinguísticas, como o déficit de atenção, a má adaptação comportamental, as dificuldades em seguir instruções e a necessidade de um tempo maior para completar tarefas3030. Stein LM. TDE: Teste de desempenho escolar: manual para aplicação e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1994.,3535. Germano GD, Reilhac C, Capellini SA, Valdois S. The phonological and visual basis of developmental dyslexia in Brazilian Portuguese reading children. Front Psychol. 2014;5(1):116-9..

No que diz respeito ao desempenho nas provas de leitura - palavras reais e não palavras -, observa-se que o desempenho do GI foi inferior ao desempenho do GII. Estudos anteriores2222. Oliveira AMD, Cardoso MH, Padula NA, Lourenceti MD, Santos LCAD, Capellini SA. Processos de leitura em escolares com transtorno do déficit de atenção/hiperatividade. Psicol Argum. 2013;31(72):35-44.,2525. Brock SE, Knapp PK. Reading comprehension abilities of children with attention-deficit/hyperactivity disorder. J Attent Disord. 1996;1(3):173-85.,3737. Abdo AGR, Murphy CFB, Schochat E. Habilidades auditivas em crianças com dislexia e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade. Pró-Fono R Atual Cient. 2010;22(1):25-30. relataram que as alterações de leitura nos escolares com TDAH são derivadas do déficit na organização sequencial, temporal e do déficit atencional, visto que a decodificação de palavras demanda atenção e autorregulação. Portanto, o déficit de leitura desses escolares é uma consequência secundária dos problemas de autorregulação e de atenção inerentes ao TDAH 1515. Barkley RA. Attention-deficit hyperactivity disorder: a handbook for diagnosis and treatment. New York: Guilford Publications; 2014.,2525. Brock SE, Knapp PK. Reading comprehension abilities of children with attention-deficit/hyperactivity disorder. J Attent Disord. 1996;1(3):173-85.,3030. Stein LM. TDE: Teste de desempenho escolar: manual para aplicação e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1994..

Nas provas de repetição de não palavras pode-se observar, mediante dados deste estudo, que o desempenho dos escolares do GI é inferior para palavras de maior extensão quando comparado ao grupo controle. Estudos anteriores1717. Germano GD, Uvo MFC, Alcantara GK. Achados fonoaudiologicos e neurologicios e estratégiasde intervenção para TDAH em sala de aula. In: Martins MA, Cardoso MH, Capellini AS (org). Tópicos em Transtorno de aprendizagem: parte III. São Paulo: Fundepe; 2014. p. 206-16.,2424. Cunha VLO, Silva CD, Lourencetti MD, Padula NAMR, Capellini AS. Desempenho de escolares com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade em tarefas metalinguísticas e de leitura. Rev CEFAC. 2013;15(1):40-50.,3838. DuPaul GJ, Weyandt LL, Janusis GM. ADHD in the classroom: efective intervention strategies. Theory into Practice. 2011;50(1):35-42. atribuíram alterações de percepção e organização do estímulos acústicos não a um déficit primário, mas à hipótese de que crianças com TDAH apresentam essas alterações como um fenômeno secundário à desatenção. Logo, o déficit na organização sequencial e temporal dos fonemas e a dificuldade para reter na memória as palavras com maiores segmentos podem ser justificados pelo quadro de déficit na memória de trabalho fonológica2121. Miranda JÁ, Soriano M. Investigación sobre dficultades en el aprendizaje en los trastornos por déficit de atención con hiperactividad en España. Rev Elect de Dificults de Aprend. 2011;1(1):1-5.,2424. Cunha VLO, Silva CD, Lourencetti MD, Padula NAMR, Capellini AS. Desempenho de escolares com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade em tarefas metalinguísticas e de leitura. Rev CEFAC. 2013;15(1):40-50.,3838. DuPaul GJ, Weyandt LL, Janusis GM. ADHD in the classroom: efective intervention strategies. Theory into Practice. 2011;50(1):35-42..

Nas provas de compreensão de leitura, não houve diferença entre o desempenho dos escolares com TDAH e escolares com bom desempenho acadêmico. Segundo o critério de classificação do procedimento utilizado, o PROCOMLE3333. Cunha VLO, Capellini SA. PROCOMLE: protocolo de avaliação da compreensão de leitura para escolares do 3º ao 5º ano. Ribeirão Preto: BookToy; 2014., os escolares deste estudo, tanto do grupo GI quanto do GII, apresentaram desempenho inferior no texto expositivo e no texto narrativo. Esses achados sugerem que os escolares com TDAH foram capazes de recordar informações principais para realizar compreensão básica do material lido3939. Miller AC, Keenan JM, Betjemann RS, Willcutt EG, Pennington BF, Olson RK. Reading comprehension in children with ADHD: cognitive underpinnings of the centrality deficit. J Abnorm Child Psychol. 2013;41(3):473-83.,4040. Shiels K, Hawk LW. Self-regulation in ADHD: the role of error processing. Clin Psychol Rev. 2010;30(8):951-61.. Porém, com a classificação inferior de ambos os grupos, fica evidente a defasagem que os escolares com e sem TDAH possuem quanto à compreensão de leitura, sugerindo que a metodologia de alfabetização vigente em nosso país não enfoca o ensino de estratégias para o desenvolvimento da compreensão de leitura em sala de aula.

Ao final deste estudo, devemos considerar a necessidade de continuidade da análise do perfil de desempenho nas habilidades metalinguísticas e de compreensão de leitura nos escolares com TDAH, uma vez que o tamanho da amostra não permite a generalização dos dados, o que é uma limitação deste estudo.

Conclusão

O TDAH é mais comum na infância e trata-se de uma condição neurobiológica que atinge algumas áreas da aprendizagem. Neste estudo pode-se observar que os escolares com esse transtorno apresentaram maior número de erro nas habilidades de identificação e manipulação de fonemas, de repetição de não palavras de maior extensão e de leitura de palavras e de não palavras. Na prova de compreensão leitora, ambos os grupos apresentaram desempenho inferior, não havendo diferença estatisticamente significante entre as populações deste estudo, fazendo-nos refletir sobre as condições de ensino da compreensão leitora em contexto escolar.

Agradecimentos

À Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes) pela concessão da bolsa de estudos que proporcionou a realização da pesquisa.

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  • Fonte de auxilio: Capes
  • Trabalho realizado no Laboratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem (LIDA) do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Filosofia de Ciências (FFC), UNESP - Marília (SP), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2017

Histórico

  • Recebido
    29 Set 2015
  • Aceito
    19 Dez 2016
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