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Achados de fala, deglutição e qualidade de vida na mielinólise extrapontina: relato de caso de uma adolescente com germinoma do sistema nervoso central

RESUMO

O presente trabalho é um relato de caso que descreve os achados fonoaudiológicos e de qualidade de vida apresentados por uma adolescente com um tumor do sistema nervoso central acometida pela mielinólise extrapontina. A mielinólise extrapontina é uma doença desmielinizante aguda que pode ser causada por variações abruptas na osmolaridade sérica, como o que ocorre na rápida correção da hiponatremia. Os dados foram obtidos a partir da avaliação clínica fonoaudiológica, de questionários pediátricos sobre a qualidade de vida e dados contidos no prontuário médico. A paciente apresentou mutismo, disartria e disfagia decorrentes da mielinólise extrapontina, com impactos significativos na sua comunicação verbal, alimentação e qualidade de vida. Os escores de qualidade de vida após a mielinólise extrapontina apresentaram piora quando comparados aos do período anterior à doença. Recebeu atendimento fonoaudiológico hospitalar e ambulatorial. Foram observadas evoluções nos padrões de fala, deglutição e mobilidade das estruturas orofaciais, com reversão parcial dos déficits neurológicos. A atuação fonoaudiológica, como parte de uma equipe multiprofissional de saúde, é de grande importância na reabilitação funcional dos pacientes acometidos por esta doença.

Descritores:
Fonoaudiologia; Fala; Deglutição; Qualidade de Vida; Mielinólise Central da Ponte; Reabilitação

ABSTRACT

This paper is a case report describing the speech-language and quality of life outcomes presented by a teenager with a central nervous system germ cell tumor affected by extrapontine myelinolysis. The extrapontine myelinolysis is an acute demyelinating disease that can be caused by abrupt changes in serum osmolality, as in the rapid correction of hyponatremia. Data were obtained from clinical assessment protocols, pediatric inventory about quality of life and medical records information. The patient presented mutism, dysphagia and dysarthria caused by extrapontine myelinolysis, with significant impacts on their verbal communication, feeding and quality of life. The scores of quality of life after extrapontine myelinolysis decreased compared to the time before the disease. She received speech-language therapy during hospital admission and in the outpatient clinic. We observed changes in patterns of speech, swallowing and mobility of orofacial structures; with partially reverse of neurological deficits. The speech therapists, as part of a multidisciplinary team of health care, are of great importance in the functional rehabilitation of patients affected by this disease.

Keywords:
Speech, Language and Hearing Sciences; Speech; Swallowing; Quality of Life; Myelinolysis, Central Pontine; Rehabilitation

Introdução

A síndrome da desmielinização osmótica (SDO) é caracterizada pela destruição parcial da bainha de mielina na parte central da base da ponte (mielinólise pontina central, MPC)11. Adams RD, Victor M, Mancall EL. Central pontine myelinolysis: a hitherto undescribed disease occurring in alcoholic and malnourished patients. Arch Neurol Psychiatry. 1959;81(2):154-72. ou em regiões fora da ponte (mielinólise extrapontina, MEP)22. Martin RJ. Central pontine and extra-pontine myelinolysis: the osmotic demyelination syndromes. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2004;75(suppl III):iii22-8.,33. Singh TD, Fugate JE, Rabinstein AA. Central pontine and extrapontine myelinolysis: a systematic review. European Journal of Neurology. 2014;21(12):1443-50.. Essa doença desmielinizante aguda pode ser causada por oscilações abruptas na osmolaridade sérica, sendo frequentemente relacionada à hiponatremia profunda e sua rápida correção22. Martin RJ. Central pontine and extra-pontine myelinolysis: the osmotic demyelination syndromes. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2004;75(suppl III):iii22-8.,44. Brito AR, Vasconcelos MM, Cruz Junior LC, Oliveira ME, Azevedo AR, Rocha LG et al. Central pontine and extrapontine myelinolysis: report of a case with tragic outcome. J Pediatria. 2006;82(2):157-60..

As manifestações clínicas são variadas e envolvem déficits neurológicos relacionados às áreas afetadas. Alterações motoras e comportamentais, mutismo, disfagia e disartria podem ser observados33. Singh TD, Fugate JE, Rabinstein AA. Central pontine and extrapontine myelinolysis: a systematic review. European Journal of Neurology. 2014;21(12):1443-50.

4. Brito AR, Vasconcelos MM, Cruz Junior LC, Oliveira ME, Azevedo AR, Rocha LG et al. Central pontine and extrapontine myelinolysis: report of a case with tragic outcome. J Pediatria. 2006;82(2):157-60.
-55. Zhao P, Zong X, Wang X, Zhang Y. Extrapontine myelinolysis of osmotic demyelination syndrome in a case of postoperative suprasellar arachnoid cyst. Case Reports in Medicine. 2012; 2012(1):1-3..

Essa doença caracteriza-se por evolução grave e muitas vezes fatal. A recuperação pode ser espontânea e progressiva, com recuperação parcial ou completa das sequelas neurológicas22. Martin RJ. Central pontine and extra-pontine myelinolysis: the osmotic demyelination syndromes. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2004;75(suppl III):iii22-8.,44. Brito AR, Vasconcelos MM, Cruz Junior LC, Oliveira ME, Azevedo AR, Rocha LG et al. Central pontine and extrapontine myelinolysis: report of a case with tragic outcome. J Pediatria. 2006;82(2):157-60.

5. Zhao P, Zong X, Wang X, Zhang Y. Extrapontine myelinolysis of osmotic demyelination syndrome in a case of postoperative suprasellar arachnoid cyst. Case Reports in Medicine. 2012; 2012(1):1-3.
-66. Choe WJ, Cho BK, Kim IO, Shin HY, Wang KC. Extrapontine myelinolysis caused by electrolyte imbalance during the management of suprasellar germ cell tumors: report of two cases. Child Nervous System. 1998;14(4):155-8.. Os melhores resultados são descritos durante a infância44. Brito AR, Vasconcelos MM, Cruz Junior LC, Oliveira ME, Azevedo AR, Rocha LG et al. Central pontine and extrapontine myelinolysis: report of a case with tragic outcome. J Pediatria. 2006;82(2):157-60..

Pacientes com tumores em região suprasselar apresentam frequentemente desequilíbrios eletrolíticos associados a alterações hormonais. A mielinólise osmótica, especialmente a mielinólise extrapontina, pode ocorrer e o diagnóstico baseia-se na apresentação clínica e nas imagens de ressonância magnética (RM)66. Choe WJ, Cho BK, Kim IO, Shin HY, Wang KC. Extrapontine myelinolysis caused by electrolyte imbalance during the management of suprasellar germ cell tumors: report of two cases. Child Nervous System. 1998;14(4):155-8..

Este relato de caso pretende descrever os achados fonoaudiológicos e de qualidade de vida apresentados por uma adolescente com um tumor de células germinativas de sistema nervoso central em região suprasselar, após ser acometida por mielinólise extrapontina associada à rápida correção da hiponatremia.

Apresentação do caso

O presente trabalho relata o caso de uma adolescente do sexo feminino, com 14 anos de idade e diagnóstico de germinoma de sistema nervoso central em região suprasselar, em tratamento no Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva. A paciente cujo caso é descrito neste relato faz parte de um estudo maior, com projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (parecer 492.325/2013) e foram obtidos os termos de consentimento dos pais e assentimento da adolescente.

Os achados relacionados à fala, motricidade orofacial e deglutição, descritos neste trabalho, foram obtidos a partir de avaliações clínicas fonoaudiológicas. Com relação à fala foram avaliadas suas características de articulação, velocidade, inteligibilidade, coordenação pneumofônica e prosódia, a partir de tarefas de repetição, nomeação e discurso espontâneo. Quanto à motricidade orofacial, foram observadas a postura, força e mobilidade das estruturas.

A avaliação da deglutição envolveu a observação dos seguintes parâmetros clínicos: captação do alimento, controle motor oral, ejeção, escape extra-oral, estase em cavidade oral, escape nasal, tempo de trânsito oral, movimentação hiolaríngea, deglutições múltiplas, tosse, pigarro, voz molhada, dispneia e cianose durante a alimentação. A avaliação incluiu ainda o uso da Escala Funcional de Ingestão por Via Oral (Functional Oral Intake Scale - FOIS)77. Crary MA, Groher ME. Initial Psychometric Assessment of a Functional Oral Intake Scale for dysphagia in stroke patients. Arch Phys Med Rehabil. 2005;86(8):1516-20. . Foram utilizados durante as avaliações de deglutição a ausculta cervical88. Frakking TT, Chang AB, O´Grady KAF, David M, Walker-Smith K, Weir KA. The use of cervical auscultation to predict oropharyngeal aspiration in children: a randomized controlled trial. Dysphagia. 2016;31(6):738-48. e o monitoramento da saturação de oxigênio.

Como instrumentos de avaliação da qualidade de vida foram utilizadas as versões brasileiras dos protocolos PedsQLTM 4.0 Generic Core e PedsQLTM 3.0 Cancer Module. O inventário PedsQLTM 4.0 caracteriza-se pela multidimensionalidade, incluindo a avaliação de quatro domínios: físico, emocional, social e escolar99. Varni JW, Seid M, Kurtin PS PedsQL 4.0: reliability and validity of the Pediatric Quality of Life InventoryTM Version 4.0 generic core scales in healthy and patient populations. Med Care. 2001;39(8):800-12.. O inventário PedsQLTM 3.0 Cancer Module avalia o impacto da doença e do tratamento na qualidade de vida de crianças com câncer através de itens distribuídos em oito subescalas: dor e ferimentos, náusea, ansiedade frente ao procedimento, ansiedade frente ao tratamento, preocupações, dificuldades cognitivas, percepção da aparência física e comunicação1010. Scarpelli AC, Paiva SM, Pordeus IA, Ramos-Jorge ML, Varni JW. Allison PJ. Measurement properties of the Brazilian version os the Pediatric Quality of Life Inventory (PedsQLTM) cancer module scale. Health and quality of life outcomes. 2008;6(1):7.. Além dos dados contidos nas avaliações, também foram utilizadas informações obtidas no prontuário médico.

A adolescente apresentava panhipopituitarismo e diabetes insípido, fazendo uso de desmopressina (DDAVP). Durante o 6o ciclo do tratamento quimioterápico ao qual era submetida (Carboplatina + Etoposide e Ifosfamida + Etoposide), apresentou neutropenia febril, mucosite e infecção de vias aéreas superiores, necessitando de internação hospitalar.

A paciente não possuía alterações nos padrões oromiofuncionais, de fala e de deglutição relacionados ao tumor de sistema nervoso central, prévias à mielinólise extrapontina.

Ao longo do período de internação, apresentou quadro de rebaixamento do nível de consciência. Foi detectada hiponatremia grave, com nível sérico de sódio de 103 mEq/L, tendo sido iniciada a reposição de sódio. A paciente foi transferida para a unidade de terapia intensiva pediátrica. Após menos de 24 horas, o nível sérico de sódio subiu para 128 mEq/L, atingindo em 48 horas índice de 150 mEq/L. Neste momento, encontrava-se alerta, com comunicação verbal eficaz e dieta oral com múltiplas consistências, sem alterações na deglutição.

Cinco dias após a correção da hiponatremia, iniciou quadro de sonolência, alterações motoras e na fala, sendo observado padrão de fala lentificado, com imprecisões articulatórias e incoordenação pneumofônica.

Apresentou alterações do padrão respiratório, necessitando de suporte de ventilação mecânica não-invasiva (BIPAP). Nos dias subsequentes, evoluiu com melhora respiratória, passando a ventilar em ar ambiente. Iniciou quadro de mutismo, apresentando abertura ocular, na ausência de respostas verbais de interação e labilidade emocional, com choro constante. Era incapaz de realizar movimentos orais voluntários. A deglutição de saliva estava alterada, observando-se acúmulo em cavidade oral e escape extra-oral de saliva.

A ressonância magnética de crânio realizada neste período revelava áreas de alto sinal em T2 e FLAIR córtico-subcorticais, exibindo realce após contraste e restrição à difusão, acometendo alguns giros das regiões frontais, parietais, occipitais e temporais. Notava-se ainda alto sinal em T2 e FLAIR, também com realce após contraste e restrição à difusão nos núcleos da base bilateralmente. O aspecto da imagem, em correlação com dados clínicos e laboratoriais, levou ao diagnóstico de mielinólise extrapontina.

Resultados

A mielinólise extrapontina, em decorrência da rápida correção da hiponatremia, ocasionou sequelas funcionais graves relacionadas à comunicação verbal e deglutição da paciente. O atendimento fonoaudiológico hospitalar foi realizado diariamente durante a internação, na unidade de terapia intensiva e enfermaria.

Os achados relacionados à deglutição envolviam, após a mielinólise extrapontina, prejuízos na fase oral e faríngea da deglutição, com dificuldades na captação, controle motor oral, mastigação e ejeção dos alimentos, o que ocasionava um tempo de trânsito oral aumentado, escape extra-oral de líquidos, estase de alimentos em cavidade oral e tosse durante a alimentação, indicativa de penetração laríngea e/ou aspiração.

Não foi realizada avaliação instrumental da deglutição uma vez que a paciente estava internada na unidade de terapia intensiva, com quadro clínico instável, e considerando o julgamento de que, neste momento, os achados da avaliação instrumental não modificariam a conduta terapêutica empregada1111. American Speech-Language-Hearing Association. (2000). Clinical indicators for instrumental assessment of dysphagia [Guidelines]. Available from: www.asha.org/policy.
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Com o quadro de sonolência e as alterações na dinâmica da deglutição, caracterizando uma disfagia orofaríngea neurogênica, a dieta oral foi inviabilizada pela equipe de Fonoaudiologia, tendo sido indicada via alternativa de alimentação, o cateter nasoenteral (CNE).

No manejo da disfagia, foram utilizadas condutas de terapia indireta de deglutição (exercícios oromiofuncionais e manobras) e terapia direta utilizando alimentos semi-líquidos e, posteriormente, líquidos. Com a intervenção, observaram-se dinâmica da deglutição mais organizada, melhores padrões de captação, manipulação oral e ejeção do alimento, tempo de trânsito oral mais adequado e ausência de sinais clínicos sugestivos de aspiração, o que possibilitou o reestabelecimento da alimentação exclusiva por via oral.

Após oito dias de intervenção fonoaudiológica direcionada à reabilitação da deglutição, com evolução para um padrão funcional, foi considerada segura a reintrodução da dieta oral e remoção do CNE. A via alternativa de nutrição foi utilizada durante 20 dias, desde que detectada a disfagia.

A paciente evoluiu do nível 1 (nada por via oral) na escala FOIS, no início do quadro, para o nível 5 (via oral total com múltiplas consistências, porém com necessidade de preparo especial ou compensações), no momento da alta hospitalar.

Com relação à comunicação, o quadro inicial após a mielinólise extrapontina era de mutismo, sendo observados movimentos de cabeça e gestos com as mãos em resposta às solicitações, na ausência de comunicação verbal. A compreensão da linguagem, relacionada às informações verbais simples, era preservada. Nesse contexto, a intervenção fonoaudiológica envolveu condutas de estimulação da linguagem, objetivando o reestabelecimento da comunicação verbal.

O quadro de mutismo, que teve início seis dias após a correção da hiponatremia, durou 14 dias. Ao reiniciar a comunicação verbal, a paciente emitia inicialmente sons e palavras isoladas, sendo posteriormente capaz de produzir frases simples. A fala era disártrica, caracterizada por imprecisões articulatórias, velocidade de fala muito reduzida, coordenação pneumofônica e prosódia alteradas. A disartria foi classificada como mista, considerando o comprometimento de mais de um sistema motor (piramidal e extrapiramidal), com componentes das disartrias espástica e hipocinética1212. Murdoch BE. Desenvolvimento da fala e distúrbios da linguagem, uma abordagem neuroanatômica e neurofisiológica. Rio de Janeiro: Revinter; 1997..

Ao longo das sessões de terapia, observaram-se evoluções na produção oral, com a melhora na precisão articulatória e velocidade da fala. Apesar dos ganhos, a fluência verbal e o padrão articulatório da fala não foram totalmente restabelecidos.

Quanto à motricidade orofacial, inicialmente apresentava incapacidade na execução voluntária de movimentos de lábios, língua, mandíbula e mímica facial. O estímulo à mobilização voluntária dos órgãos fonoarticulatórios foi realizado desde o início da intervenção fonoaudiológica. Ao reiniciar a execução dos movimentos orofaciais, estes eram muito lentos e imprecisos. Os movimentos de língua eram acompanhados por tremor. Terapia oromiofuncional foi realizada, com exercícios direcionados ao favorecimento da amplitude, precisão e velocidade dos movimentos, além do ganho de força da musculatura orofacial. Foi observada melhora na mobilidade da musculatura de lábios, língua e mandíbula, com impactos positivos na fala e na deglutição.

Depois da alta hospitalar, o atendimento fonoaudiológico foi realizado no ambulatório da instituição, com seguimento das condutas de reabilitação iniciadas durante a internação, enfocando-se nas alterações de fala, motricidade oral e deglutição, ainda parcialmente revertidas, decorrentes da mielinólise extrapontina.

Ressonância magnética de crânio realizada cerca de dois meses após o primeiro exame revelou regressão quase total das áreas de alto sinal em T2 e FLAIR cortico-subcorticais, exibindo realce após contraste e restrição à difusão, acometendo alguns giros das regiões frontais, parietais, occipitais e temporais. Notou-se também regressão das imagens com alto sinal em T2 e FLAIR e do realce após contraste nos núcleos da base bilateralmente, com áreas no presente estudo de encefalomalacia laminar bilateral e simétrica. O aspecto poderia corresponder à regressão da mielinólise extrapontina prévia.

Os escores totais de qualidade de vida nos questionários PedsQLTM 4.0 e PedsQLTM 3.0 variaram conforme o demonstrado na tabela 1. Considera-se que 100 é o escore total máximo a ser obtido nesses testes e quanto maiores os escores, melhor é a qualidade de vida99. Varni JW, Seid M, Kurtin PS PedsQL 4.0: reliability and validity of the Pediatric Quality of Life InventoryTM Version 4.0 generic core scales in healthy and patient populations. Med Care. 2001;39(8):800-12.,1010. Scarpelli AC, Paiva SM, Pordeus IA, Ramos-Jorge ML, Varni JW. Allison PJ. Measurement properties of the Brazilian version os the Pediatric Quality of Life Inventory (PedsQLTM) cancer module scale. Health and quality of life outcomes. 2008;6(1):7..

Quando comparados os valores obtidos na avaliação da qualidade de vida antes da mielinólise, durante o tratamento oncológico, com os valores apresentados cinco meses após a mielinólise, momento em que os déficits tinham sido parcialmente revertidos, todos os escores apresentaram piora notável, demonstrando o impacto das alterações decorrentes da mielinólise extrapontina na qualidade de vida da paciente.

Tabela 1:
Escores de qualidade de vida antes e após a mielinólise extrapontina

Discussão

O presente trabalho descreve um caso de mielinólise extrapontina relacionada à rápida correção da hiponatremia, em uma adolescente com germinoma de sistema nervoso central, que apresentava como comorbidades o panhipopituitarismo e o diabetes insípido.

Em 1959, Adams et al.11. Adams RD, Victor M, Mancall EL. Central pontine myelinolysis: a hitherto undescribed disease occurring in alcoholic and malnourished patients. Arch Neurol Psychiatry. 1959;81(2):154-72. descreveram pela primeira vez a mielinólise pontina central como uma doença relacionada ao alcoolismo e à desnutrição. Desde então, inúmeros casos foram descritos e o conceito foi ampliado a partir do reconhecimento de que a lesão poderia acometer outras áreas do sistema nervoso central como o tálamo, o mesencéfalo, os gânglios da base, o cerebelo, a substância branca frontal e temporal, as cápsulas externa e extrema, o corpo geniculado lateral, as camadas profundas do córtex cerebral, o hipocampo e o corpo caloso, sendo denominada mielinólise extrapontina22. Martin RJ. Central pontine and extra-pontine myelinolysis: the osmotic demyelination syndromes. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2004;75(suppl III):iii22-8.,44. Brito AR, Vasconcelos MM, Cruz Junior LC, Oliveira ME, Azevedo AR, Rocha LG et al. Central pontine and extrapontine myelinolysis: report of a case with tragic outcome. J Pediatria. 2006;82(2):157-60.,66. Choe WJ, Cho BK, Kim IO, Shin HY, Wang KC. Extrapontine myelinolysis caused by electrolyte imbalance during the management of suprasellar germ cell tumors: report of two cases. Child Nervous System. 1998;14(4):155-8..

A MPC e a MEP são reunidas sob o título de síndrome da desmielinização osmótica e estão frequentemente relacionadas à correção rápida da hiponatremia22. Martin RJ. Central pontine and extra-pontine myelinolysis: the osmotic demyelination syndromes. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2004;75(suppl III):iii22-8.

3. Singh TD, Fugate JE, Rabinstein AA. Central pontine and extrapontine myelinolysis: a systematic review. European Journal of Neurology. 2014;21(12):1443-50.
-44. Brito AR, Vasconcelos MM, Cruz Junior LC, Oliveira ME, Azevedo AR, Rocha LG et al. Central pontine and extrapontine myelinolysis: report of a case with tragic outcome. J Pediatria. 2006;82(2):157-60.. A MPC é a forma mais comum, sendo acompanhada pela MEP em 10-30% dos casos1313. Tsutsumi S, Yasumoto Y, Ito M. Central pontine and extrapontine myelinolysis in an infant associated with the treatment of craniopharyngioma. Neurol Med Chir. 2008;48(8):351-4.. A MEP pode ocorrer de forma isolada, sem o envolvimento da região centropôntica, e é rara na população pediátrica1313. Tsutsumi S, Yasumoto Y, Ito M. Central pontine and extrapontine myelinolysis in an infant associated with the treatment of craniopharyngioma. Neurol Med Chir. 2008;48(8):351-4.,1414. Kiran NAS, Mohan D, Rao AS, Assis ZA, Thakar S, Hegde AS. Reversible extrapyramidal symptoms of extrapontine myelinolysis in a child following surgery for craniopharyngioma. Clin Neurol Neurosurg. 2014;116(1):96-8..

O distúrbio hormonal mais frequentemente relacionado à mielinólise osmótica é a secreção inapropriada do hormônio antidiurético. Essa alteração hormonal ocorre frequentemente no contexto do panhipopituitarismo secundário aos tumores selares e suprasselares1515. Srimanee D, Bhidayasiri R, Phanthumchinda K. Extrapontine myelinolysis in preoperative sellar region tumor: report of two cases. J Med Assoc Thai. 2009;92(11):1548-52..

No tratamento de tumores nessas regiões, desequilíbrios eletrolíticos ocorrem facilmente no contexto das alterações hormonais. O diabetes insípido é comumente observado nos pacientes com tumores de células germinativas suprasselares e tende a piorar com a administração de esteróides, o que aumenta as chances da ocorrência de variações osmóticas e doenças desmielinizantes. A compensação excessiva com hormônio antidiurético pode causar hiponatremia grave nesses pacientes66. Choe WJ, Cho BK, Kim IO, Shin HY, Wang KC. Extrapontine myelinolysis caused by electrolyte imbalance during the management of suprasellar germ cell tumors: report of two cases. Child Nervous System. 1998;14(4):155-8..

Durante a hiponatremia, eletrólitos são transportados do meio intracelular para o meio extracelular para prevenir a entrada de água na célula proveniente deste ambiente externo hipotônico. A partir da rápida correção da hiponatremia, a incapacidade de manter a hipertonicidade intracelular, devido à prejudicada regeneração da osmolaridade intracelular, resulta em redução e morte da célula. Os oligodendrócitos são particularmente vulneráveis à morte, por redução de volume celular, resultando em perda de mielina1414. Kiran NAS, Mohan D, Rao AS, Assis ZA, Thakar S, Hegde AS. Reversible extrapyramidal symptoms of extrapontine myelinolysis in a child following surgery for craniopharyngioma. Clin Neurol Neurosurg. 2014;116(1):96-8..

A paciente em questão sofreu uma correção excessivamente rápida do nível de sódio sérico, que passou de 103 mEq/l para 128 mEq/l em menos de 24 horas, o que excede os limites considerados seguros para correção, que não devem ultrapassar 0,5 mEq/l/h44. Brito AR, Vasconcelos MM, Cruz Junior LC, Oliveira ME, Azevedo AR, Rocha LG et al. Central pontine and extrapontine myelinolysis: report of a case with tragic outcome. J Pediatria. 2006;82(2):157-60..

O curso das manifestações clínicas na síndrome da desmielinização osmótica é bifásico, com quadro de encefalopatia e convulsões pela hiponatremia, revertido quando esta é corrigida, voltando a deteriorar alguns dias após, onde podem ser observados fraqueza muscular generalizada, mutismo, disartria, disfagia, catatonia e a síndrome do encarceramento22. Martin RJ. Central pontine and extra-pontine myelinolysis: the osmotic demyelination syndromes. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2004;75(suppl III):iii22-8.

3. Singh TD, Fugate JE, Rabinstein AA. Central pontine and extrapontine myelinolysis: a systematic review. European Journal of Neurology. 2014;21(12):1443-50.
-44. Brito AR, Vasconcelos MM, Cruz Junior LC, Oliveira ME, Azevedo AR, Rocha LG et al. Central pontine and extrapontine myelinolysis: report of a case with tragic outcome. J Pediatria. 2006;82(2):157-60..

No caso descrito neste trabalho, a adolescente apresentou rebaixamento do nível de consciência associado à hiponatremia. Com a correção dos níveis de sódio, estava alerta e sem déficits neurológicos. Apenas cinco dias após a correção da hiponatremia, evoluiu com alterações motoras, comportamentais (catatonia e labilidade emocional), mutismo e disfagia.

A literatura possui alguns relatos de MEP em crianças. Características muito similares às observadas no caso abordado no presente trabalho foram descritas por Choe et al.66. Choe WJ, Cho BK, Kim IO, Shin HY, Wang KC. Extrapontine myelinolysis caused by electrolyte imbalance during the management of suprasellar germ cell tumors: report of two cases. Child Nervous System. 1998;14(4):155-8., que relataram dois casos de crianças com tumores de células germinativas que apresentaram MEP associada à rápida correção da hiponatremia. Áreas dos gânglios da base e córtex cerebral adjacente foram afetadas. Os déficits neurológicos incluíam sintomas de paralisia pseudobulbar, envolvendo disartria e disfagia, labilidade emocional e tetraparesia espástica. Os pacientes melhoraram progressivamente, mas os déficits neurológicos não desapareceram completamente.

Zhao et al.55. Zhao P, Zong X, Wang X, Zhang Y. Extrapontine myelinolysis of osmotic demyelination syndrome in a case of postoperative suprasellar arachnoid cyst. Case Reports in Medicine. 2012; 2012(1):1-3. descreveram um caso de MEP no pós-operatório de ressecção de um cisto aracnóide suprasselar. As imagens de ressonância magnética revelavam comprometimentos nos núcleos da base. O paciente, um menino de três anos, apresentou distonia generalizada, disartria e disfagia. Após três meses de reabilitação, as alterações neurológicas foram parcialmente revertidas.

Srimanee et al.1515. Srimanee D, Bhidayasiri R, Phanthumchinda K. Extrapontine myelinolysis in preoperative sellar region tumor: report of two cases. J Med Assoc Thai. 2009;92(11):1548-52. relataram dois casos de MEP em adultos com tumores em região selar, que apresentavam hipopituitarismo e insuficiência adrenal secundária. Os autores alertam para o risco da ocorrência de desmielinização osmótica neste grupo de pacientes e recomendam terapia de reposição de corticoesteoróides cuidadosa e correção da hiponatremia, bem como o monitoramento adequado nos níveis séricos de sódio para a prevenção da SDO.

Alguns autores relatam recuperação neurológica completa1616. Niehaus L, Kulozik A, Lehmann R. Reversible central pontine and extrapontine myelinolysis in a 16-year-old girl. Child`s Nerv Syst. 2001;17(4-5): 294-6. enquanto outros descrevem recuperação parcial, mantendo sequelas neurológicas55. Zhao P, Zong X, Wang X, Zhang Y. Extrapontine myelinolysis of osmotic demyelination syndrome in a case of postoperative suprasellar arachnoid cyst. Case Reports in Medicine. 2012; 2012(1):1-3.,66. Choe WJ, Cho BK, Kim IO, Shin HY, Wang KC. Extrapontine myelinolysis caused by electrolyte imbalance during the management of suprasellar germ cell tumors: report of two cases. Child Nervous System. 1998;14(4):155-8.,1313. Tsutsumi S, Yasumoto Y, Ito M. Central pontine and extrapontine myelinolysis in an infant associated with the treatment of craniopharyngioma. Neurol Med Chir. 2008;48(8):351-4.,1414. Kiran NAS, Mohan D, Rao AS, Assis ZA, Thakar S, Hegde AS. Reversible extrapyramidal symptoms of extrapontine myelinolysis in a child following surgery for craniopharyngioma. Clin Neurol Neurosurg. 2014;116(1):96-8. como no caso relatado no presente estudo, em que manteve-se a disartria.

As repercussões relacionadas à MEP vão além dos danos físicos causados pela doença, com impactos na qualidade de vida dos pacientes, como foi possível observar a partir diminuição dos escores descritos na Tabela 1.

Considerando que a SDO é uma doença iatrogênica que, apesar de pouco comum, ocasiona déficits neurológicos graves, com impactos significativos na qualidade de vida, ou até mesmo a morte, é essencial o reconhecimento dos pacientes de risco e o manejo adequado da hiponatremia. As estratégias de prevenção da SDO são mandatórias1717. Bornke C, Ellrichmann G, Schneider R, Lukas C. Osmotic demyelination syndrome. BMJ Case Report 2014. Published online: doi:10.1136/bcr-2014-204742.
https://doi.org/10.1136/bcr-2014-204742...
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Considerações finais

A mielinólise extrapontina ocasiona déficits neurológicos graves, como distúrbios de fala e deglutição, com impactos na comunicação verbal, alimentação e qualidade de vida dos pacientes.

O mutismo, a disfagia e a disartria são alterações descritas nos casos de MEP, como o apresentado neste trabalho. A atuação fonoaudiológica, como parte de uma equipe multiprofissional de saúde, é de grande importância na reabilitação funcional dos pacientes acometidos por esta doença.

Referências

  • 1
    Adams RD, Victor M, Mancall EL. Central pontine myelinolysis: a hitherto undescribed disease occurring in alcoholic and malnourished patients. Arch Neurol Psychiatry. 1959;81(2):154-72.
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  • Estudo realizado no Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva (INCA), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2016
  • Aceito
    06 Jan 2017
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