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Teste de percepção de fala com figuras: aplicabilidade em crianças com deficiência auditiva

RESUMO

Objetivo:

verificar a aplicabilidade do teste de percepção de fala com figuras, desenvolvido por Souza e Reis (2015), em crianças com deficiência auditiva.

Métodos:

estudo descritivo exploratório. Participaram 40 crianças, de ambos os sexos, na faixa etária entre 2 e 11 anos, sendo 20 normo ouvintes (GC) e 20 com deficiência auditiva (GE), equiparadas por tempo de estimulação sensorial auditiva com audição normal. Os grupos foram subdivididos de acordo com tempo de estimulação sensorial auditiva, sendo GC1 (2 anos de idade), GC2 (3 anos de idade), GC3 (4 anos de idade), GE1 (2 anos de estimulação auditiva), GE2 (3 anos de estimulação auditiva), GE3 (4 anos de estimulação auditiva).

Resultados:

os grupos apresentaram as seguintes porcentagens de acertos: GC1 87.33%, GC2 85.6% e GC3 98.67%. O grupo estudo, composto pelas crianças com deficiência auditiva, os resultados foram, GE1 61.33%, GE2 76.8% e GE3 88% de acertos. Houve diferença significante para seis das 25 palavras (gelo, faca, rato, trem, cão, flor), quando associados acertos e erros.

Conclusão:

o teste é viável para a avaliação e monitoramento da percepção de fala em crianças com deficiência auditiva, independente da capacidade de verbalização das mesmas.

Descritores:
Percepção Auditiva; Criança; Audição; Perda Auditiva

ABSTRACT

Purpose:

to verify the applicability of speech perception test with figures, developed by Souza and Reis (2015), in children with hearing loss.

Methods:

an exploratory descriptive study. A total of 40 children, both sexes, aged between 2 and 11 years, 20 normal hearing (CG) and 20 hearing impaired (SG), matched by time of sensorial auditory stimulation with normal hearing. The groups were subdivided according to time of sensorial auditory stimulation, being CG1 (2 years of age), CG2 (3 years of age), CG3 (4 years of age), SG1 (2 years of auditory stimulation), SG2 (3 years of auditory stimulation), SG3 (4 years of auditory stimulation).

Results:

the groups presented the following percentages of correct answers: CG1 87.33%, CG2 85.6% and CG3 98.67%. For the study group, composed of children with hearing loss, the results were, SG1 61.33%, SG2 76.8% and SG3 88% of correct answers. There were significant differences for six of the 25 words (ice, knife, rat, train, dog, flower), when associated with correct and incorrect answers.

Conclusion:

the test is feasible for the evaluation and monitoring of speech perception in children with hearing impairment, regardless of their verbal ability.

Keywords:
Auditory Perception; Child; Hearing; Hearing Loss

Introdução

Os testes de percepção da fala, designados para crianças, devem usar palavras familiares e sua apresentação por meio de viva voz seria mais adequada 11. Uhler K, Biever A, Gifford RH. Method of speech stimulus presentation impacts pediatric speech recognition: monitored live voice versus recorded speech. Otol Neurotol. 2016;37(2):70-4.,22. Mendel LL, Owen SR. A study of recorded versus live voice word recognition. Int. J Audiol. 2011;50(10):688-93., por facilitar a apresentação dos estímulos durante o período de sua atenção. Faz-se necessária a elaboração de protocolos e procedimentos padronizados que avaliem aspectos específicos da percepção dos sons da fala em português. Isto é importante, para que tal procedimento possa ser utilizado na avaliação do desempenho dos pacientes com aparelho de amplificação sonora, implante coclear ou outros dispositivos 33. Silva RCL, Bevilacqua MC, Mitre EI, Moret ALM. Teste de percepção de fala para palavras dissílabas. Revista CEFAC. 2004;6(2):209-14.

4. Magalhães LA, Cimonari PM, Novaes BCAC. Avaliação de percepção de fala em crianças com deficiência auditiva usuárias de aparelho de amplificação sonora: a questão do instrumento e seus critérios. Rev Soc. Bras. Fonoaudiol. 2007;12(3):221-32.
-55. Bazon AC, Mantello EB, Gonçales AS, Isaac M de L, Hyppolito MA, Reis ACMB. Auditory Speech Perception Tests in Relation to the Coding Strategy in Cochlear Implant. Int. Arch. Otorhinolaryngol. 2016;20(3):254-60. doi:10.1055/s-0035-1559595.
https://doi.org/10.1055/s-0035-1559595...
e monitorar o processo de reabilitação 66. Souza LF, Reis ACMB. Teste de Percepção de Fala com Figuras. 2015. [material impresso] Booktoy, Ribeirão Preto, SP..

Souza e Reis 66. Souza LF, Reis ACMB. Teste de Percepção de Fala com Figuras. 2015. [material impresso] Booktoy, Ribeirão Preto, SP. desenvolveram um instrumento gráfico para realização do IPRF com figuras em crianças. O instrumento foi aplicado em crianças de 2 anos a 4 anos e 11 meses, e diante dos resultados as autoras concluíram que a utilização do material elaborado foi de aplicação rápida e fácil, atendeu os objetivos do IPRF em crianças na faixa etária estudada, possibilitando a aplicação do teste independente da capacidade de verbalização da criança.

É importante, durante o processo de follow up, que as avaliações utilizem o mesmo teste de percepção de fala com as crianças, a fim de comparar com procedimentos padronizados, sua evolução em um determinado período. O teste de percepção de fala com figuras pode ser usado tanto para uma criança não oralizada, durante o processo de aquisição dos fonemas, até em crianças oralizadas, permitindo assim comparar sua evolução (monitorar o processo de reabilitação).

Crianças com deficiência auditiva podem estar em diferentes níveis de desenvolvimento de linguagem e fala, portanto, ao serem avaliadas com um material de apoio gráfico, que independe da resposta verbal da criança, poderá garantir resultados mais confiáveis em relação à habilidade de percepção de fala que se quer avaliar.

O objetivo desse estudo foi verificar a aplicabilidade do teste de percepção de fala com figuras como material de apoio gráfico para respostas ao teste do índice percentual de reconhecimento de fala, em crianças com deficiência auditiva, nos anos iniciais de estimulação auditiva.

Métodos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo do estudo, um hospital de alta complexidade de cuidado do interior do estado de São Paulo, Processo nº 600/2014.

Todos os responsáveis pelos participantes foram informados sobre os objetivos do estudo e, uma vez concordando com a participação, assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o Termo de Assentimento quando necessário.

No presente trabalho foram avaliadas 20 crianças com diagnóstico de deficiência auditiva, de ambos os sexos, na faixa etária entre 3 e 11 anos de idade (2 a 4 anos de estimulação auditiva). O grupo controle foi constituído de 20 crianças normo ouvintes, na faixa etária de 2 anos a 4 anos e 11 meses, sem alterações auditivas, neurológicas ou mentais diagnosticadas.

Apesar das crianças com deficiência auditiva possuírem idade cronológica maior que o grupo de crianças de audição normal, os grupos foram equiparados em relação ao tempo de estimulação sensorial auditiva (uso de dispositivo eletrônico aplicado à surdez e fonoterapia sistematizada). Portanto, o tempo cronológico não corresponde ao tempo de desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem entre os indivíduos normo ouvintes e os com deficiência auditiva.

Tanto para o grupo controle (GC - crianças normo ouvintes) como para o grupo estudo (GE - crianças com deficiência auditiva), foi realizada a pesquisa do limiar auditiva prévia à realização do teste de percepção de fala, considerando como critério de elegibilidade para o GC quando a criança apresentasse a média dos limiares auditivos até 25 dB, em campo livre. O GE, pareado por tempo de estimulação auditiva com o grupo GC, realizou tanto a pesquisa dos limiares auditivos quanto o teste de percepção de fala com o dispositivo eletrônico aplicado à surdez com regulagem e volume habituais, com bateria nova e média de limiares auditivos de 35 dB como critério de elegibilidade, independente do grau da perda auditiva. Portanto, considerou-se a capacidade auditiva do participante do GE para a inclusão no estudo.

Os participantes foram selecionados e divididos por idades em três grupos, tanto o grupo controle (identificado pela letra C) como o grupo estudado, composto por crianças com deficiência auditiva (identificado pela letra E) da seguinte forma, C1 composto por crianças normo ouvintes com faixa etária entre 2 anos e 2 anos e 11 meses de idade; C2 por crianças normo ouvintes com idades entre 3 anos e 3 anos e 11 meses e C3 com idade entre 4 anos e 4 anos e 11 meses. O grupo estudo também foi subdivido em três e pareado ao grupo controle pelo tempo de estimulação auditiva, ou seja, todas em processo de reabilitação fonoaudiólogica com uso de dispositivo eletrônico aplicado à surdez, sendo E1 composto por crianças com deficiência auditiva com tempo de estimulação auditiva por um período de 2 a 2 anos e 11 meses; E2 composto por crianças com tempo de estimulação auditiva entre 3 anos e 3 anos e 11 meses e E3 composto por crianças com tempo de estimulação auditiva entre 4 anos e 4 anos e 11 meses.

Nestes grupos, foram incluídos indivíduos com idade entre 3 anos completos e 11 anos e 11 meses, portadores de deficiência auditiva, que estavam ativamente em processo terapêutico fonoaudiológico e/ou psicopedagógico.

Foram excluídos os indivíduos cujos responsáveis não concordaram em participar e os indivíduos que se recusaram a terminar o teste.

Aplicabilidade do Instrumento

A coleta de dados foi realizada nos Serviços de Audiologia Educacional de dois centros especializados em reabilitação, de média e alta complexidade, inseridos em hospitais públicos da cidade, entre fevereiro e agosto de 2015. A amostra de conveniência foi formada por crianças que se encontravam aguardando o atendimento fonoaudiológico nestes serviços e a convite das pesquisadoras.

Inicialmente, foi realizado um levantamento sobre os dados demográficos de ambos os grupos e da adaptação do dispositivo eletrônico (AASI e/ou IC) utilizado pelos participantes do Grupo E. Posteriormente, foi realizada a pesquisa dos limiares auditivos e aplicado o teste Índice Percentual de Reconhecimento de Fala (IPRF) com figuras, em uma sala acusticamente tratada, a viva voz, em sistema de campo livre para ambos os grupos. Para a pesquisa dos limiares auditivos e IPRF com figuras, as crianças com deficiência auditiva realizaram com os dispositivos eletrônicos, AASI e/ou IC, que fazem uso, em volume habitual, com bateria nova.

Com o objetivo de controlar o sinal acústico em um ponto específico do espaço procurou-se estabelecer uma distância de trabalho, definida, neste estudo, distância de 60 cm da cadeira à caixa de som, também foram controlados o ângulo azimutal, a 0º azimute uma vez que a estimulação foi binaural e de elevação do som incidente para cada participante como procedimento para realização de medidas em campo livre. O audiômetro utilizado foi o AC40, Interacoustic. Nesta etapa, as crianças foram orientadas que ouviriam várias palavras e deveriam apontar a figura correspondente na prancha apresentada à sua frente e, como está previsto no teste, houve o treino prévio à realização do mesmo.

Para a realização do reconhecimento auditivo da palavra, por meio de identificação da figura correspondente, foi utilizado o material proposto por Souza e Reis (2015)66. Souza LF, Reis ACMB. Teste de Percepção de Fala com Figuras. 2015. [material impresso] Booktoy, Ribeirão Preto, SP., que constitui em cartelas contendo seis figuras cada uma, correspondentes a palavras monossílabas e dissílabas, na qual as crianças devem apontar a figura dita pelo examinador. Para este procedimento um segundo examinador, dentro da cabina, realizava a troca das pranchas de acordo com a apresentação das palavras.

O teste de percepção de fala com figuras foi elaborado66. Souza LF, Reis ACMB. Teste de Percepção de Fala com Figuras. 2015. [material impresso] Booktoy, Ribeirão Preto, SP. para avaliar crianças pequenas ou indivíduos que não dominam o código oral, esse procedimento imprime dificuldade na interpretação das respostas, uma vez que essas crianças utilizam processos fonológicos para simplificar a sua fala ou não conseguem verbalizar. No estudo publicado sobre esse instrumento o objetivo foi verificar a aplicabilidade desse material de apoio com figuras para respostas ao teste IPRF em crianças, de acordo com o sexo e a idade entre 2 anos e 2 anos e 11 meses, 3 anos e 3 anos e 11 meses e 4 e 4 e 11 meses e neste estudo os autores concluíram que a utilização do material elaborado, com figuras e palavras monossílabas e dissílabas, regulares e frequentes, foi de aplicação rápida e fácil, demonstrando atender os objetivos do IPRF em crianças na faixa etária estudada, possibilitando o monitoramento sistematizado da habilidade de percepção de fala independente da capacidade de verbalização da criança77. Souza LF, Braga GRAB, Mota ALR, Zamberlan-Amorim NE, Reis ACMB. Construção e aplicabilidade de um teste de percepção de fala com figuras. CoDAS [Internet]. 2016 Dec [cited 2017 Feb 09]; 28(6):758-69. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2317-17822016000600758&lng=en. Epub Dec 08, 2016. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015224.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
.

Para que a criança compreendesse a estratégia do teste e não tivesse dificuldade quanto ao estímulo ou ao tipo de resposta solicitada durante o procedimento foi realizado um treino com uma lista de cinco palavras (prancha treino).

Em seguida, foi realizado o teste percepção de fala com figuras, ou seja, a lista de palavras do teste propriamente dito, contendo 25 palavras monossílabas e dissílabas.

Toda a lista de palavras foi aplicada sem pausas entre os fonemas, e com repetição de apenas uma vez caso a criança solicitasse. Foram utilizadas frases introdutórias para a apresentação da lista de figuras. Utilizou-se as frases veículo: Mostre a(o) _____ ou Cadê a(o) _____ . Foi utilizado anteparo, para impedir o apoio de leitura orofacial, como no teste de IPRF convencional.

Análise dos Dados

Inicialmente realizou-se uma análise descritiva dos dados, com o objetivo básico de sumarizar a informação de mesma natureza, permitindo que se tenha uma visão global da variação desses valores. As informações foram organizadas e descritas segundo o tipo de variável em estudo: as variáveis quantitativas em termos de média, desvio padrão, mediana, mínimo e máximo e as variáveis qualitativas em frequência e percentual. Utilizou-se Teste Exato de Fisher, para verificar a associação estatística das respostas obtidas quando usado o teste com relação aos grupos.

Resultados

Aplicação do Teste

Como descrito na metodologia, participaram 20 crianças com deficiência auditiva usuárias de dispositivos eletrônicos aplicados à surdez há pelo menos 2 anos e 20 crianças normo ouvintes com idade entre 2 e 4 anos e 11 meses.

Na Tabela 1 estão representados os dados descritivos (média, desvio padrão e mediana) em relação à idade cronológica dos grupos de crianças participantes.

Tabela 1:
Dados descritivos (média, mediana, desvio-padrão, valores mínimo e máximo) referentes às idades dos participantes dos grupos controle (C) e estudo (E) (n=40)

Os limiares auditivos das crianças de ambos os grupos estão representados na Tabela 2.

Tabela 2:
Dados descritivos (média, mediana, desvio-padrão, valores mínimo e máximo) dos limiares auditivos dos participantes dos grupos controle (C) e estudo (E) (n=40)

Nas Tabelas 3, 4 e 5 serão apresentados os resultados em relação à aplicação do IPRF com figuras.

Tabela 3:
Dados descritivos (média, mediana, desvio-padrão, valores mínimo e máximo) da porcentagem de acertos obtidos no teste dos participantes dos grupos controle (C) e estudo (E) (n=40)

Na Tabela 4 estão representados os dados descritivos (média, desvio padrão e mediana) em relação ao desempenho no IPRF com figuras, número e porcentagem de acertos e erros, por palavra, das crianças participantes.

Tabela 4:
Dados descritivos do número de acertos e erros obtidos no teste (IPRF com figuras), por palavra, dos grupos participantes, controle e estudo (n=40)

Ao associar o número de acertos e erros no IPRF com figuras com a idade dos indivíduos, observa-se diferença significante para seis das 25 palavras, conforme pode ser visualizado na Tabela 5.

Tabela 5:
Associação do número de acertos e erros no IPRF com figuras com a idade dos participantes dos grupos controle (C) e estudo (E) (n=40)

Discussão

Conforme os resultados deste trabalho (Tabela 3), a média de acertos apresentados pelas crianças no IPRF com figuras aumentou conforme maior tempo de estimulação auditiva, sendo a média de acertos para o grupo E1 de 61.33%, com desvio padrão (DP) de 27.21%, para o E2 de 76.8%, com DP de 27.77%, e para o grupo E3 a média de acertos foi de 88%, com DP de 16%, condizendo com o estudo de Silva et al.3 sendo que os resultados demonstraram que observaram relação entre as variáveis idade e porcentagem de acertos, ou seja, quanto maior a idade (para o grupo C) e maior tempo de estimulação auditiva (para o grupo E) maior porcentagem de acertos.

Na avaliação da percepção auditiva de fala, o tempo de estimulação auditiva é um fator diretamente relacionado ao desempenho da mesma. Na Tabela 3, a evolução do IPRF com figuras do grupo E mantem semelhança com o grupo C, sendo que o grupo E3 (com 88% de acertos - considerados valores dentro da normalidade) aproxima dos resultados do grupo C3 (média de 98,67% de acertos - também considerados valores dentro da normalidade), bem como os demais grupos quando pareados por tempo de estimulação auditiva com os grupos controles respectivamente, embora os resultados obtidos pelos grupos E1 e E2 ainda não tenham atingido os escores de normalidade.

Considerando as crianças normo ouvintes, a idade cronológica, além de outros fatores, tem uma relação direta com o desempenho. Entretanto, para as crianças com perda auditiva, o tempo de privação auditiva influencia em muitos aspectos o desempenho da percepção auditiva, especialmente a percepção da fala. Considerar o tempo de estimulação auditiva tende a equiparar à idade cronológica (ou tempo de estimulação auditiva), nesta faixa etária estudada. Vale ressaltar que para outras faixas etárias, o tempo de privação auditiva pode ter uma maior influência para o desempenho dos testes de percepção de fala, devido a questões relacionadas à plasticidade do sistema auditivo central e os períodos mais sensíveis para o desenvolvimento da percepção auditiva 88. Moore DR, Ferguson MA, Halliday LF, Riley Al. Frequency discrimination in children: Perception, learning and attention. Hearing Research. 2008;238: 147-54.,99. Ylinen S, Kujala T. Neuroscience illuminating the influence of auditory or phonological intervention on language-related déficits. Front Pysichol. 2015;6(137):12-25.. Segundo Azevedo 1010. Azevedo MF. Desenvolvimento das habilidades auditivas. In: Bevilacqua MC, Martinez MAN, Balen AS, Pupo AC, Reis ACM, Frota S. Tratado de Audiologia.1 ªed, São Paulo: Santos; 2011. p.475-93., a plasticidade neuronal do sistema auditivo permite que ocorram mudanças estruturais e funcionais em resposta à estimulação auditiva, sendo assim, as experiências auditivas no período de maior plasticidade e maturação do sistema auditivo é imprescindível para o desenvolvimento normal da audição e da linguagem.

Com relação ao desempenho dos sujeitos, verificou-se que o teste com apoio de figuras não revelou dificuldades para os dois grupos estudados. Quando comparados os grupos em relação ao desempenho para o teste IPRF com figuras, as crianças normo ouvintes apresentaram maior número de acertos em quase todas as palavras, exceto para a palavra “leão”, a qual em ambos os grupos (GC e GE) tiveram o mesmo número de acertos (Tabela 4).

Para 16 das 25 das palavras apresentadas (64%), a diferença do número de acertos entre as crianças normo ouvintes (GC) e as crianças com deficiência auditiva (GE) variou entre um e três acertos, com resultados melhores para o GC, resultado esperado uma vez que as crianças ouvintes estão mais expostas à aprendizagem incidental, ou seja, a aprendizagem não intencional ou não planejada que resulta de outras atividades.

Ainda na Tabela 4, pode-se observar que a diferença de acertos entre o GC e GE foi maior para palavras: tênis, gelo, faca, anel, trem, cão e flor. Reforçando a questão do tempo de exposição à estimulação auditiva e o efeito da privação auditiva nesta faixa etária. Apesar dos grupos terem sido equiparados por tempo de estimulação auditiva, o GC apresentou desempenho superior, demonstrando maior conhecimento das palavras consideradas regulares e frequentes durante a construção do material 66. Souza LF, Reis ACMB. Teste de Percepção de Fala com Figuras. 2015. [material impresso] Booktoy, Ribeirão Preto, SP.. O apoio das figuras, para estas palavras, não possibilitou aos sujeitos do GE identificarem a palavra auditivamente, sugerindo a não exposição da criança ao vocábulo apresentado (aprendizado auditivo do mesmo).

Entretanto, para as palavras “leão” e “rato” verificou-se desempenho igual ou muito próximo (diferença de resultado igual a 1), respectivamente, para as crianças do GE. Provavelmente isto se deu pelo fato das crianças do GE estarem em processo de reabilitação fonoaudiológica, sendo que, geralmente, o trabalho estruturado estabelece o vocabulário por campo semântico, incluindo frequentemente os animais por facilidade de produção oral e de interesse para a faixa etária (motivação), o que não necessariamente é apresentado às crianças do GC.

Outro fator a se considerar para o maior número de acertos pelas crianças normo ouvintes (CG) é a média dos limiares auditivos destes serem melhores que a média dos limiares das crianças deficientes auditivas, mesmo considerando quando realizado com uso de seus aparelhos de amplificação sonora e, a apresentação dos estímulos de fala, para ambos os grupos, foram em 60 dB, além da familiaridade de algumas crianças com tais palavras (maior exposição auditiva). Silva et al. 33. Silva RCL, Bevilacqua MC, Mitre EI, Moret ALM. Teste de percepção de fala para palavras dissílabas. Revista CEFAC. 2004;6(2):209-14. relatam que testes de percepção da fala para crianças devem ser compostos por palavras familiares, pois a utilização de vocabulário desconhecido no procedimento pode causar conclusões errôneas a respeito do reconhecimento auditivo dos sons da fala.

Ao associar o número de acertos e erros no IPRF com figuras com a idade dos indivíduos, observa-se evidência de diferença estatística para seis das 25 palavras: “gelo”, “faca”, “rato”, “trem”, “cão” e “flor” (Tabela 5).

A palavra “cão” foi a que apresentou maior número de erros tanto para o GC quanto para o GE. Os erros podem ser justificados devido ao termo utilizado para designar a figura, pois habitualmente, com crianças, utiliza-se o termo “cachorro” ou a onomatopeia “au-au”, principalmente com as crianças com distúrbios de audição ou de fala. Durante a aplicação do teste, diante do erro para esta palavra, foi apresentada a palavra “cachorro” ou a onomatopeia “au-au”, os quais foram identificados corretamente em todos os casos, demonstrando que as crianças possuem o conceito, mas não têm o reconhecimento auditivo do signo linguístico do vocábulo utilizado no teste.

Os erros identificados para a palavra “faca”, principalmente para o GE, podem ser justificados devido à dificuldade de distinguir traços de sonoridade dos sons fricativos, pois a representação gráfica desta palavra aparece, no teste, na mesma prancha que a representação gráfica da palavra “vaca”.

Assim, os resultados obtidos na aplicação do Teste de Percepção de Fala com Figuras em crianças com deficiência auditiva, sugerem que o material gráfico proposto por Souza e Reis 66. Souza LF, Reis ACMB. Teste de Percepção de Fala com Figuras. 2015. [material impresso] Booktoy, Ribeirão Preto, SP. é satisfatório para aplicação do procedimento (TPF), possibilita a avaliação da percepção de fala, independente da capacidade de verbalização da criança.

Vale ressaltar que um único teste não é suficiente para avaliar todos os aspectos da percepção dos sons da fala na criança com deficiência auditiva, portanto, cabe ao profissional utilizar o instrumento e emitir resultados de forma criteriosa.

Conclusão

Conclui-se que o teste de percepção de fala com figuras pode ser aplicado em crianças com deficiência auditiva, a despeito de sua capacidade de verbalização, com a finalidade de avaliação e monitoramento das habilidades de percepção de fala.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    06 Nov 2016
  • Aceito
    19 Mar 2017
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