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Delimitação da área denominada comunicação suplementar e/ou alternativa (CSA)

RESUMO

Realizou-se um resgate histórico acerca da delimitação e difusão da Comunicação Suplementar e/ou Alternativa (CSA) em âmbito internacional e nacional, a fim de elucidar como a área vem sendo constituída, bem como uma revisão da literatura para identificar as principais concepções de linguagem que vêm fundamentando a produção acadêmica em CSA no contexto internacional e nacional Parte-se do pressuposto de que a CSA é uma atividade semiótica composta por signos verbais e não-verbais que medeiam as interações dialógicas, favorecendo a apropriação da linguagem, a aprendizagem e, portanto, a constituição do sujeito com significativas limitações de fala. Pretende-se apreender movimentos e tendências comuns que permitam estabelecer um panorama geral de constituição desta área. O acesso aos acontecimentos, fatos e conhecimentos que participam da delimitação da CSA se deu a partir de revisão de fontes documentais e de revisão de literatura, nacional e internacional, que abordavam, especialmente tais movimentos nos Estados Unidos da América (EUA), Canadá e Brasil, a partir da década de 1950 até a atualidade. Puderam-se apreender, nas cinco últimas décadas, elementos que participaram da constituição de tal área em âmbito internacional. Chega-se a conclusão que a CSA passa a ser identificada como uma área específica a partir de 1950, internacionalmente e no Brasil, a partir do final da década de 1970. Defende-se a ideia de que a CSA não deve ser considerada e organizada como uma área especializada deve sim ser constituída por diferentes disciplinas atreladas às áreas da saúde e da educação que, voltadas à linguagem, considerem a historicidade e complexidade dos fenômenos envolvidos.

Descritores:
Auxiliares de Comunicação para Pessoas com Deficiência; Fonoaudiologia; Educação

ABSTRACT

In this study, a historical review was carried out on the delimitation and dissemination of Augmentative and Alternative Communication AAC, both nationally and internationally. The aim was to understand how such area is developing. It is assumed that AAC is a semiotic activity comprising verbal and non-verbal, sign-based materials for mediating dialogic interactions, thereby, facilitating language acquisition and learning processes involving subjects with significant speech impairments. The purpose is to identify developments and general trends in order to establish an overview of the research area. The access to events, facts and knowledge behind AAC was carried out by a literature review of national and international publications, specially in the United States, Canada and Brazil from the 1950s until present day. An understanding of the main components constituting the research area was achieved for the past five decades. The definition of AAC as a specific area has taken place from the 1950s, both nationally and internationally. To conclude, we advocate that AAC should not be considered and organized as a specialized area, but should be associated with different language-oriented, health and education disciplines, which consider the historicity and complexity of the pertaining phenomena.

Keywords:
Communication Aids for the Disabled; Speech, Language and Hearing Sciences; Education

Introdução

A Comunicação Suplementar e/ou Alternativa (CSA) é uma área que vem ganhando espaço nos contextos clinico- educacional e acadêmico-científico, tanto em âmbito internacional quanto nacional. De fato, há um aumento substancial de publicações sobre o tema e é justamente neste contexto que se justifica, portanto a necessidade de realizar um resgate histórico acerca da delimitação e difusão da CSA em âmbito internacional e nacional, a fim de elucidar como a área vem sendo sistematizada teórica e praticamente.

Com o intuito de situar o leitor em relação a alguns aspectos essenciais para a compreensão do tema, considera-se importante explicitar o modo pelo qual a CSA é concebida nesse estudo. Trata-se de uma atividade semiótica composta por signos verbais e não-verbais que mediam as interações dialógicas, favorecendo a apropriação da linguagem e do conhecimento e, portanto, na constituição do sujeito com significativas limitações de fala.

Composta por sistemas de signos verbais (vocalizações e escrita ortográfica) e não-verbais (expressões faciais, gestos, movimentos corporais, português sinalizado, língua de sinais, fotos, desenhos, sistemas de símbolos pictográficos e ideográficos), a CSA possibilita que tais manifestações, quando postas em movimento na linguagem e tomadas como atividade/trabalho semiótico, produzam significados e possam, então, ser interpretados, ganhando sentido. Dessa forma, contribui para que sujeitos com comprometimentos graves de oralização assumam a autoria de seus discursos11. Krüger SI. Comunicação Suplementar e/ou Alternativa: Atividade semiótica promotora das interações entre professores e alunos com oralidade restrita [tese]. Curitiba (PR): Universidade Tuiuti do Paraná; 2016..

Nesse estudo, tem-se como objetivo geral analisar como a CSA vem sendo delimitada enquanto área específica, em âmbito internacional e nacional, e quais as concepções de linguagem predominantes nesse processo.

Métodos

Esta pesquisa é do tipo bibliográfica, desenvolvida a partir de consultas de fontes documentais constituídas de livros, artigos publicados em periódicos, dissertações e teses nacionais que abordavam especialmente tais movimentos nos Estados Unidos da América (EUA), Canadá e Brasil, a partir da década de 1950, até a atualidade.

Foram analisados livros com o título Augmentative and Alternative Communication (AAC) e em âmbito nacional, livros e capítulos de livros cujo título fosse Comunicação Suplementar e/ou Alternativa; Comunicação Ampliada e/ou Alternativa; Comunicação Aumentativa e Alternativa; Comunicação Alternativa.

Foram identificados periódicos especializados em CSA e fonoaudiologia com circulação internacional e nacional que foram: AAC journal, desde 1985; e; Revista CEFAC, desde 1999; Revista Distúrbios da Comunicação, desde 1997; Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, desde 1997; Fono atual, desde 1997 e Pró-Fono: revista de atualização científica desde 1997.

Foram consultados também os bancos de dissertações e teses dos Programas de Mestrado e Doutorado em Educação, Fonoaudiologia e Psicologia, em âmbito nacional, que vêm produzindo pesquisas em CSA incluindo: Laboratório de Tecnologia e Comunicação Alternativa, vinculado ao Programa de pós-graduação em Educação Especial da UERJ; Laboratório de tecnologia Assistiva do Departamento de terapia Ocupacional da UFRJ; Departamento de mestrado e Doutorado em Psicologia Experimental da USP; Programa de pós-graduação em educação Especial da UFSCAR; Programa de mestrado e Doutorado em Educação da UFES; Mestrado em Saúde, Interdisciplinaridade e reabilitação da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP; Programa de pós-graduação em Educação da UFRGS e o Programa de Mestrado e Doutorado em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná.

Revisão da Literatura

Embora pesquisas realizadas nos séculos XVII, XVIII e XIX já evidenciassem o uso de modalidades não-verbais de linguagem entre seres humanos 22. Zangari C, Lloyd L, Vicker B. Augmentative and alternative communication: An historic perspective. Augment Altern Comm. 1994;10(1):27-59.,33. Hourcade J, Pilotte TE, West E, Parette P. A history of augmentative and alternative communication for individuals with severe and profound disabilities. Focus on Autism and Other Developmental Disabilities. 2004;19(4):235-44., pode-se apreender mais marcadamente que a CSA passa a ser identificada como um campo específico e em expansão entre o final da década de 1950 e início da década de 1960, nos EUA, Canadá e em países da Europa.

Em meados do século XX, nesses países estavam em curso dois movimentos importantes que podem ser relacionados à expansão da CSA: - avanços médicos/ farmacológicos, que resultaram na elevação da taxa de sobrevida de recém-nascidos, crianças e adultos, fato que, em alguns casos, vem acompanhado de sequelas neurológicas permanentes; - ações voltadas à integração social, atreladas a movimentos sociais e políticos envolvendo a educação, saúde e o trabalho, principalmente após a segunda guerra mundial 22. Zangari C, Lloyd L, Vicker B. Augmentative and alternative communication: An historic perspective. Augment Altern Comm. 1994;10(1):27-59.,33. Hourcade J, Pilotte TE, West E, Parette P. A history of augmentative and alternative communication for individuals with severe and profound disabilities. Focus on Autism and Other Developmental Disabilities. 2004;19(4):235-44..

Estudos apontam que tais ações passaram a ser recorrentes nos países do Norte da Europa e nos EUA, nos anos 1950 e 1960 e estiveram associadas a iniciativas consideradas de caráter humanista, visando maior conscientização acerca dos direitos dos grupos chamados minoritários (incluindo pessoas com deficiências), valorização dos princípios de igualdade, solidariedade, direito à diferença e de justiça 22. Zangari C, Lloyd L, Vicker B. Augmentative and alternative communication: An historic perspective. Augment Altern Comm. 1994;10(1):27-59.,33. Hourcade J, Pilotte TE, West E, Parette P. A history of augmentative and alternative communication for individuals with severe and profound disabilities. Focus on Autism and Other Developmental Disabilities. 2004;19(4):235-44..

Atrelados a tais movimentos, os direitos dos deficientes passaram a ser discutidos, sistematizados e difundidos a partir de documentos de grande impacto mundial, como foi o caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), esboçada em 1948 por autores de vários países 44. Vieira LJ. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 2th Ed. São Paulo: Edipro, 2005..

Nas décadas que se seguiram à DUDH, foram identificadas, especificamente nos EUA, mudanças envolvidas na educação de sujeitos com deficiências relacionadas, especialmente, à implantação de políticas de educação especial. Nessa direção, há o movimento pró-integração escolar, cujo objetivo foi propiciar melhores condições de aprendizagem a uma população denominada deficiente 33. Hourcade J, Pilotte TE, West E, Parette P. A history of augmentative and alternative communication for individuals with severe and profound disabilities. Focus on Autism and Other Developmental Disabilities. 2004;19(4):235-44..

Nos EUA, a partir de 1975, após a aprovação da lei pública 94-142 (The Education for All Handicapped Children Act), movimentos denominados como de integração dos deficientes passaram a ganhar força, uma vez que defendiam a igualdade de oportunidades educacionais para todas as crianças 22. Zangari C, Lloyd L, Vicker B. Augmentative and alternative communication: An historic perspective. Augment Altern Comm. 1994;10(1):27-59..

Nessa direção, foram também instituídas, na década de 1970, tanto nos Estados Unidos, quanto na Europa, diferentes associações com o intuito de fortalecer o movimento pró-integração, bem como compartilhar e divulgar experiências e conhecimentos vivenciados junto a pessoas com diferentes deficiências, em contextos clínicos e educacionais 22. Zangari C, Lloyd L, Vicker B. Augmentative and alternative communication: An historic perspective. Augment Altern Comm. 1994;10(1):27-59..

Quanto ao impacto dessas iniciativas na consolidação da CSA como campo específico, várias dessas associações, bem como iniciativas adotadas por profissionais que trabalhavam junto a pessoas portadoras de paralisia cerebral e que defendiam a “comunicação” como direito fundamental de todo cidadão, passaram, naquele período, a sistematizar e implementar abordagens voltadas à reabilitação e integração social de pessoas com graves comprometimentos de oralidade.

Tal fato impulsionou a realização de pesquisas em torno de linguagens alternativas, emergindo novas práticas de intervenção voltadas a indivíduos com limitações significativas de oralização 33. Hourcade J, Pilotte TE, West E, Parette P. A history of augmentative and alternative communication for individuals with severe and profound disabilities. Focus on Autism and Other Developmental Disabilities. 2004;19(4):235-44..

Deste modo, os anos 1970 foram caracterizados por um aumento de pesquisas cujas temáticas giravam em torno de manifestações de linguagem não-verbais (Nonverbal Communication), com enfoque na linguagem corporal. Iniciaram-se, então, estudos acerca da língua de sinais como prática clínica e pedagógica voltada aos sujeitos com restrições de fala 55. Glennen S, DeCoste DC. The handbook of augmentative and alternative communication. Cengage Learning; 1997..

Nas décadas de 1950, 1960 e início de 1970, várias foram então as tentativas de busca de formas alternativas de intervenções clínicas e terapêuticas voltadas a essa população. Mas foi a introdução do sistema denominado Blisssymbolics (BLISS), desenvolvido pelo australiano Charles K. Bliss em um centro pediátrico canadense, que exerceu um impacto fundamental na delimitação da área da CSA.

Baseado na escrita ideográfica chinesa, o Bliss é constituído de símbolos pictográficos e ideográficos, tendo como objetivo inicial construir um sistema de escrita universal 66. Luftig RL, Bersani HA. An initial investigation of translucency, transparency, and component complexity of Blissymbolics. Comm Disorders Quart. 1985;8(2):191-209..

O sucesso do uso do sistema Bliss possibilitou o avanço de novas ações clínicas e educacionais direcionadas a sujeitos com oralidade restrita, bem como estudos e pesquisas em linguagens alternativas, a partir da metade dos anos de 1970 66. Luftig RL, Bersani HA. An initial investigation of translucency, transparency, and component complexity of Blissymbolics. Comm Disorders Quart. 1985;8(2):191-209..

Adotando como referência experiências e relatos de intervenções clínicas implementadas a partir do uso do sistema Bliss junto a pessoas com paralisia cerebral, outros sistemas foram criados, nas décadas de 1980 e 1990, com o objetivo de promover a fala e a comunicação de sujeitos com oralidade restrita 22. Zangari C, Lloyd L, Vicker B. Augmentative and alternative communication: An historic perspective. Augment Altern Comm. 1994;10(1):27-59..

Na década de 1980, vários foram os fatores que, nacional e internacionalmente, impulsionaram a delimitação e consolidação da CSA: aumento significativo de pesquisas relacionadas a essa temática, avanço na sistematização de políticas e na implementação de medidas que buscavam garantir os direitos de pessoas com deficiência, desenvolvimento tecnológico de recursos assistivos para pessoas com comprometimentos diversos.

Nesse período, um dos marcos fundamentais, atrelado à instituição da área da CSA foi a decisão da ASHA (American Speech-Language-Hearing Association), em 1978, de formar um Comitê ad hoc acerca do processo de comunicação dos “não falantes” (nonspeaking persons) 22. Zangari C, Lloyd L, Vicker B. Augmentative and alternative communication: An historic perspective. Augment Altern Comm. 1994;10(1):27-59..

O nome oficial para denominar essa área - Augmentative and Alternative Communication (AAC) - foi proposto por Lloyd (1985) e seus colaboradores. O objetivo foi padronizar um só termo a ser adotado em publicações, tendo sido criadas, para este fim, diretrizes e recomendações 77. Lloyd L, Blischak D. AAC terminology policy and issues update. Augment Altern Comm. 1992;8(2):104-9..

Lloyd e Blischak77. Lloyd L, Blischak D. AAC terminology policy and issues update. Augment Altern Comm. 1992;8(2):104-9. ponderam que alguns termos utilizados em inglês, como augmentative, não são facilmente traduzidos para outros idiomas. (LLOYD; BLISCHAK, 1992, p. 104).

O termo augmentative significa supplemental, traduzido para o português como suplementar a fala, e alternative refere-se a sujeitos sem qualquer oralização, de modo que necessitam de uma linguagem alternativa. Os autores argumentam que não há sujeitos sem oralização - mesmo aqueles com comprometimentos graves de fala produzem alguma vocalização sob determinadas condições. Sendo assim, não se trata de proporcionar uma alternativa à fala, mas sim de suplementá-la 88. Vanderheiden GC, Yoder DE. Overview. In S. W. Blackstone (Ed.), Augmentative communication: An introduction. Rockville, (MD): American SpeechLanguage-Hearing Association, 1986..

A questão terminológica é bastante complexa, devido às próprias dificuldades de versão adotada em determinados idiomas, além de tais termos acarretarem sentidos diferentes, tanto em função das diversas áreas de conhecimento vinculadas à CSA, quanto do referencial teórico adotado em cada estudo 11. Krüger SI. Comunicação Suplementar e/ou Alternativa: Atividade semiótica promotora das interações entre professores e alunos com oralidade restrita [tese]. Curitiba (PR): Universidade Tuiuti do Paraná; 2016..

Porém, no Brasil, alguns autores observaram certa heterogeneidade no uso do termo, tanto no campo da Fonoaudiologia como da Educação 99. Chun RY. Comunicação suplementar e/ou alternativa: abrangência e peculiaridades dos termos e conceitos em uso no Brasil. Pró-Fono R Atual. Científ. 2009;21(1):69-74.,1010. Berberian AP, Krüger SI, Guarinello AC, Massi GD. A produção do conhecimento em fonoaudiologia em comunicação suplementar e/ou alternativa: análise de periódicos. Rev. CEFAC. 2009;11(2):258-66, sendo mais comum, a partir de 2007, o uso do termo Comunicação Suplementar e/ou Alternativa, em periódicos nacionais de ambas as áreas 1111. Krüger SI, Silva APBV, Guimaraes AJR, Renner G. Bibliometric Analysis of the Scientific Production On AAC: A survey in Scopus database: Proceedings of The Communication Matters National AAC Conference; 2015 Sep 11-13; Leeds,England: 2015..

Outro acontecimento que contribuiu para a sistematização da CSA foi o vínculo estabelecido entre grupos de profissionais envolvidos com tal campo e com a área das Tecnologias Assistivas (TA). Essa parceria resultou na incorporação da CSA como parte dessa área, no que se refere ao desenvolvimento de tecnologias de comunicação, tais como softwares de fala sintetizada e vocalizadores (recursos de comunicação que emitem voz gravada ou sintetizada. Ao se tocar em um símbolo/botão/tecla ou ao se digitar uma palavra, ouvem-se palavras e frases 22. Zangari C, Lloyd L, Vicker B. Augmentative and alternative communication: An historic perspective. Augment Altern Comm. 1994;10(1):27-59..

O desenvolvimento dessas tecnologias nos EUA, segundo Almirall1212. Almirall CB, Soro-Camats E, Bultó CR. Sistemas de sinais e ajudas técnicas para comunicação alternativa e a escrita: princípios teóricos e aplicações. Livraria Santos Editora; 2003. ,especialmente nas décadas de 1980 e 1990, resultou na classificação dos recursos de CSA como de baixa e de alta tecnologia (estes relacionados a dispositivos eletrônicos).

No início da década de 1980, foram também organizados pelo Blisssymbols Communication Institute (BCI) e pelo Ontario Institute for Studies in Education diversos simpósios e encontros que resultaram na fundação da Sociedade Internacional de Comunicação Suplementar e/ou Alternativa (International Society for Augmentative and Alternative Communication-ISAAC), bem como na criação de grupos regionais e internacionais vinculados a tal sociedade 22. Zangari C, Lloyd L, Vicker B. Augmentative and alternative communication: An historic perspective. Augment Altern Comm. 1994;10(1):27-59..

É oportuno ressaltar que, atualmente, a ISAAC congrega mais de quinze associações filiadas, distribuídas em quinze diferentes países, incluindo o Brasil. Organizadas pela ISAAC, conferências internacionais ocorrem a cada dois anos em diferentes países, sendo que, até o momento, foram realizadas dezesseis conferências internacionais.

Evidenciando a consolidação de tal área, pode-se acompanhar, ainda na década de 1980, nos EUA, a criação e a introdução de disciplinas acerca da CSA em 107 instituições superiores, e a oferta do primeiro curso de doutorado e pós-doutorado em CSA, pelo departamento de Educação da Universidade de Purdue (WL, USA) em 1983 22. Zangari C, Lloyd L, Vicker B. Augmentative and alternative communication: An historic perspective. Augment Altern Comm. 1994;10(1):27-59..

De acordo com Hourcade et al(33. Hourcade J, Pilotte TE, West E, Parette P. A history of augmentative and alternative communication for individuals with severe and profound disabilities. Focus on Autism and Other Developmental Disabilities. 2004;19(4):235-44., ainda na década de 1980, um acontecimento que exerceu mudanças legislativas no contexto educacional foi a proclamação do ano mundial das pessoas com deficiência.

Naquele momento, muitos movimentos organizados em diferentes países da Europa e EUA defendiam a necessidade de mudança do paradigma de integração que vinha predominando até então, subsidiando a educação especial. Críticas em relação a tal paradigma apontavam a educação inclusiva como o caminho a ser seguido. Tal perspectiva assentava-se no pressuposto de que não bastava apenas oferecer acesso ao aluno com deficiência na escola regular; era fundamental também oferecer subsídios para a realização de um ensino de qualidade 22. Zangari C, Lloyd L, Vicker B. Augmentative and alternative communication: An historic perspective. Augment Altern Comm. 1994;10(1):27-59..

Nos EUA, a necessidade de implementação de outro paradigma e de outros procedimentos, voltados ao ensino de alunos com deficiência, emergiu de preocupações com o desempenho escolar dessa população, resultando no movimento intitulado Regular Education Iniciative, segundo o qual essa população deveria frequentar a classe de ensino regular 22. Zangari C, Lloyd L, Vicker B. Augmentative and alternative communication: An historic perspective. Augment Altern Comm. 1994;10(1):27-59..

Segundo Zangari22. Zangari C, Lloyd L, Vicker B. Augmentative and alternative communication: An historic perspective. Augment Altern Comm. 1994;10(1):27-59., após essa iniciativa, foram implementados programas governamentais que ofereciam serviços clínico-pedagógicos para crianças com comprometimentos significativos de fala nos EUA, Canadá, Suécia, Reino Unido e Nova Zelândia.

Profissionais da saúde, comprometidos com a reabilitação eram solicitados a oferecer cursos a professores de educação especial nas escolas regulares acerca do uso da CSA. Diversos modelos de intervenção foram então desenvolvidos e publicados em forma de guidelines, sendo o objetivo oferecer métodos e técnicas relacionadas, prioritariamente, ao contexto clínico 22. Zangari C, Lloyd L, Vicker B. Augmentative and alternative communication: An historic perspective. Augment Altern Comm. 1994;10(1):27-59..

Na década de 1990, o paradigma da educação inclusiva ganhou força a partir de dois movimentos mundiais: a Conferência de Jomtien, na Tailândia, em 1990, e a Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, na Espanha, em 1994, originando a Declaração de Salamanca destinada a sistematização de princípios, políticas e práticas voltadas à educação especial.

A declaração de Salamanca influenciou ações efetivas no sistema educacional americano, promovendo práticas escolares que visavam à inclusão de alunos com deficiência no ensino regular, bem como impulsionaram reformas curriculares, a organização acadêmica das escolas, a formação dos professores, a participação ativa dos pais e a aquisição e utilização de novos recursos de tecnologia facilitadores para a inclusão de tal alunado 22. Zangari C, Lloyd L, Vicker B. Augmentative and alternative communication: An historic perspective. Augment Altern Comm. 1994;10(1):27-59..

O aumento de alunos com deficiência matriculados nas redes de ensino nos EUA1313. NASBE Study Group Surveys State Leadership Development Policy. State Education Stand. 2015;15(3):6-7, junto a ações realizadas por associações americanas influenciaram a formação, em 1992, do comitê nacional pró-comunicação da pessoa com alterações severas em comunicação (National Joint Committee for the Communication Needs of Persons with Severe Disabilities), que defendia o implemento de ações voltadas a maior participação social e independência de pessoas com deficiências, bem como a ideia de que a comunicação seria o primeiro passo para a inclusão social.

Ações concretas do governo dos EUA incentivaram pesquisas em desenvolvimento e aquisição de recursos tecnológicos voltados a pessoas com limitações severas e a formação de centros de pesquisa 1414. Light J, McNaughton D. Supporting the communication, language,and literacy development of children with complex communication needs: State of the science and future research priorities. Assist Techn. 2012;24(1):34-44..

Além de pesquisas envolvidas diretamente com recursos de alta tecnologia e CSA, outros temas foram sendo abordados nos EUA, incluindo, dentre outros: aquisição de linguagem, aspectos metodológicos na pesquisa em CSA, letramento e aluno usuário de sistemas pictográficos, intervenções clínicas e equipe multiprofissional e interações sociais e usuários da CSA 1414. Light J, McNaughton D. Supporting the communication, language,and literacy development of children with complex communication needs: State of the science and future research priorities. Assist Techn. 2012;24(1):34-44..

Tais iniciativas, realizadas no final da década de 1990, contribuíram para que fosse estabelecida, na década de 2000, uma articulação mais estreita entre a informática e a CSA. O estudo realizado por Light e McNaughton1414. Light J, McNaughton D. Supporting the communication, language,and literacy development of children with complex communication needs: State of the science and future research priorities. Assist Techn. 2012;24(1):34-44. oferece elementos para apreender-se a oferta de uma ampla gama de desenvolvimento de técnicas de CSA nos EUA e Canadá.

Além das tecnologias assistivas (TA) voltadas ao desenvolvimento de instrumentos de hardware e software para a “comunicação”, os autores constataram um significativo aumento de pessoas usuárias dos recursos da CSA devido à ampliação de profissionais que passaram a trabalhar com tecnologias capazes de promover a comunicação e a interação de sujeitos com comprometimentos severos da fala 1414. Light J, McNaughton D. Supporting the communication, language,and literacy development of children with complex communication needs: State of the science and future research priorities. Assist Techn. 2012;24(1):34-44..

Ainda segundo os autores acima referidos, o uso de tecnologias móveis (tablets, Ipads e telefones celulares) que dispõem de touch screen e o desenvolvimento de diferentes softwares e aplicativos, muitos deles fornecidos gratuitamente, foram os fatores principais para a disseminação da CSA nos Estados Unidos, durante a década de 2000. Por terem um custo menor do que os chamados hardwares vocalizadores, esses aparatos disseminaram-se entre os consumidores rapidamente, criando, deste modo, um mercado específico de produtos de CSA. Paralelamente, inúmeros sites e blogs foram lançados para que pais e profissionais da saúde e da educação pudessem sugerir aplicativos e programas de CSA1414. Light J, McNaughton D. Supporting the communication, language,and literacy development of children with complex communication needs: State of the science and future research priorities. Assist Techn. 2012;24(1):34-44..

Esse ambiente de desenvolvimento tecnológico foi essencial para a constituição de diversificadas propostas e práticas no contexto educacional, incluindo: pesquisas acerca do letramento e uso da tecnologia computadorizada; criação de websites “amigáveis” (consumer-friendly websitese webcasts); desenvolvimento de materiais curriculares; propostas de formação continuada em parceria com a associação federal americana de professores 1414. Light J, McNaughton D. Supporting the communication, language,and literacy development of children with complex communication needs: State of the science and future research priorities. Assist Techn. 2012;24(1):34-44..

Embora se considere que a delimitação da CSA seguiu caminhos particulares nos diferentes países, pode-se apreender, nas cinco últimas décadas, elementos que participaram da constituição de tal área, em âmbito internacional. Enfim, guardadas as especificidades da trajetória da CSA nos diferentes países, os acontecimentos e movimentos aqui apresentados podem ser considerados como gestores de tendências que tiveram um impacto internacional na consolidação da referida área.

Para apreender aspectos particulares que participaram da delimitação da CSA no Brasil, ressalta-se estudos de pesquisadores brasileiros que se ocuparam em realizar uma revisão/análise histórica de tal processo.

Antes de dar andamento a essa discussão, cabe ressaltar que há relatos de que práticas envolvendo a CSA foram adotadas, antes da década de 1970, no Brasil, mas são escassos os registros que retratam tal período, uma vez que essas experiências singulares não foram publicadas em forma de artigos ou livros 1515. Reily L, Nunes LD, Pelosi M, Gomes MR. Sobre como o Sistema Bliss de Comunicação foi introduzido no Brasil. In: Nunes LR d'O de P, Pelosi M, Gomes MR (orgs). Um retrato da Comunicação Alternativa no Brasil: Relato de Experiências. Rio de Janeiro: Ed. 4 pontos. 2007. p.19-45..

Estudos comprometidos com a delimitação deste campo apontam que a CSA foi mais marcadamente adotada no Brasil em 1978, pelo setor de Psicologia da Associação Beneficente Quero-Quero (SP), fundada em 1976 1515. Reily L, Nunes LD, Pelosi M, Gomes MR. Sobre como o Sistema Bliss de Comunicação foi introduzido no Brasil. In: Nunes LR d'O de P, Pelosi M, Gomes MR (orgs). Um retrato da Comunicação Alternativa no Brasil: Relato de Experiências. Rio de Janeiro: Ed. 4 pontos. 2007. p.19-45.. Consta que a CSA foi logo imigrada desse setor para o de Fonoaudiologia, sendo o ambiente linguístico de toda a associação permeado pela CSA e pelo Sistema Bliss de Comunicação, primeiro sistema de símbolos pictográficos adotado no Brasil 1515. Reily L, Nunes LD, Pelosi M, Gomes MR. Sobre como o Sistema Bliss de Comunicação foi introduzido no Brasil. In: Nunes LR d'O de P, Pelosi M, Gomes MR (orgs). Um retrato da Comunicação Alternativa no Brasil: Relato de Experiências. Rio de Janeiro: Ed. 4 pontos. 2007. p.19-45..

A difusão da CSA, primeiramente a partir da expansão do uso do sistema Bliss, segundo Miranda1616. Miranda CL, ICD G. Contribuições da comunicação alternativa de baixa tecnologia em paralisia cerebral sem comunicação oral: relato de caso. Rev. CEFAC. 2004;6(3):247-52., passou a ganhar força no final da década de 1970, a partir da institucionalização da Educação Especial no Brasil, o que resultou na expansão de associações e escolas de educação especial, chegando a cerca de 800 estabelecimentos no final da década. Concomitante a essa expansão, houve a necessidade de buscar novos procedimentos de intervenções clínicas e educacionais voltadas para a reabilitação e a educação de pessoas com deficiência. A Associação Quero-Quero, uma das pioneiras no uso da CSA no país, passou a ser uma referência e, portanto, a ser amplamente requisitada para orientar a implementação da CSA em outros espaços clínicos e pedagógicos 1515. Reily L, Nunes LD, Pelosi M, Gomes MR. Sobre como o Sistema Bliss de Comunicação foi introduzido no Brasil. In: Nunes LR d'O de P, Pelosi M, Gomes MR (orgs). Um retrato da Comunicação Alternativa no Brasil: Relato de Experiências. Rio de Janeiro: Ed. 4 pontos. 2007. p.19-45..

Registros apontam que, na década de 1980, o sistema Bliss foi introduzido na Associação de Pais e Amigos do Excepcional de Niterói (APAE), e na Sociedade Pestalozzi do Rio de Janeiro, em 1981, pela terapeuta ocupacional Nádia Browning. No final dos anos 1980, os sistemas PIC - Pictogram Ideogram Communication e o sistema PCS - Picture Communication Symbol foram introduzidos em escolas de São Paulo e Florianópolis1717. Pelosi MB. A comunicação alternativa e ampliada nas escolas do Rio de Janeiro: formação de professores e caracterização dos alunos com necessidades educacionais especiais. [Dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Universidade estadual do Rio de Janeiro; 2008.. Atualmente, o sistema PCS é o mais usado e vem substituindo o sistema Bliss de comunicação 1515. Reily L, Nunes LD, Pelosi M, Gomes MR. Sobre como o Sistema Bliss de Comunicação foi introduzido no Brasil. In: Nunes LR d'O de P, Pelosi M, Gomes MR (orgs). Um retrato da Comunicação Alternativa no Brasil: Relato de Experiências. Rio de Janeiro: Ed. 4 pontos. 2007. p.19-45..

Em meados da década de 1980, a introdução da prática em CSA no contexto educacional do Brasil país consolidou-se com a inserção do paradigma da integração de alunos com deficiências na escola. Essa mudança, conforme acima apresentado, ocorreu nas políticas educacionais dos EUA, iniciadas uma década antes.

Tal movimento impulsionou, na década de 1980, a busca por diferentes abordagens da CSA que pudessem favorecer, não só a apropriação da linguagem, mas o processo de ensino e aprendizagem vivenciado por alunos deficientes.

A difusão do uso da CSA, na década de 1990, foi significativa, não só no contexto educacional, mas também clínico. Pode-se acompanhar tal difusão em unidades de atendimento clínico especializado em instituições de ensino especial e em hospitais e centros de reabilitação, especialmente, em São Paulo e no Rio de Janeiro 1515. Reily L, Nunes LD, Pelosi M, Gomes MR. Sobre como o Sistema Bliss de Comunicação foi introduzido no Brasil. In: Nunes LR d'O de P, Pelosi M, Gomes MR (orgs). Um retrato da Comunicação Alternativa no Brasil: Relato de Experiências. Rio de Janeiro: Ed. 4 pontos. 2007. p.19-45..

Outro fator envolvido com a consolidação da CSA no Brasil foi a tradução oficial para o português do sistema PCS, em 1998, pela Editora Mayer e Johnson, com o título “Guia dos símbolos de Comunicação Pictórica”, sendo distribuído pela Clik Tecnologia Assistiva, na época conhecida como Clik Recursos Tecnológicos para Educação, Comunicação e Facilitação. Com a publicação do sistema PCS no Brasil e, posteriormente, com a comercialização do software Boardmaker®, tal sistema de signos pictóricos passou a ser o mais utilizado no contexto clínico e educacional em âmbito nacional1313. NASBE Study Group Surveys State Leadership Development Policy. State Education Stand. 2015;15(3):6-7.

Também na década de 1990, houve a ampliação da produção do conhecimento acadêmico em CSA no Brasil, realizada por pesquisadores atuantes, primeiramente, em três instituições de ensino superior, a saber: USP, UNICAMP e UERJ 1818. Silva OM. Comunicação alternativa: pesquisa e prática. Rev. bras. educ. espec. 2010;14(2):327-8..

Em 1991, foi defendida a primeira dissertação acerca da CSA e em 1995, foi criada uma linha de pesquisa intitulada Laboratório de Tecnologia e Comunicação Alternativa, LATECA1919. Laboratório de Tecnologia e Comunicação Alternativa - LATECA. [acesso em 2016 30 de junho].Disponível em:http://www.lateca-uerj.net/publicacoes/artigos/
http://www.lateca-uerj.net/publicacoes/a...
, no Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ1818. Silva OM. Comunicação alternativa: pesquisa e prática. Rev. bras. educ. espec. 2010;14(2):327-8..

Segundo a última consulta realizada em 2015 no site do LATECA, cerca de quarenta trabalhos em CAA (referidos desta forma no site do LATECA) foram desenvolvidos no referido Programa; dentre eles, dezenove dissertações de mestrado e nove teses de doutorado, seis livros e dezoito artigos em CAA e educação, publicados em periódicos, bem como diversos artigos publicados em anais de congressos nacionais e internacionais. Os temas das pesquisas eram: características dos instrumentos e dos recursos de CAA e de seus usuários; ensino do uso da CAA, por meio do ensino naturalístico e da interação responsiva; desenvolvimento da leitura, escrita e consciência fonológica em alunos usuários de CAA; interação de usuários de CAA com seus interlocutores; emprego da CAA junto à família; efeitos da CAA para pessoas com afasia; desenvolvimento de habilidades sociais em usuários de CAA; perfil dos enunciados comunicativos produzidos por crianças e jovens; por meio de sistemas de Comunicação Alternativa em um estudo transcultural; programas de formação continuada de recursos humanos para introduzir a CA nas escolas especiais e nas escolas regulares; formação inicial de professores para emprego dos recursos da Tecnologia Assistiva (TA) e CAA; efeitos de programa de criação de Salas de Recursos Multifuncionais de referência para ampliar o alcance da TA e da CAA para todas as escolas do município do Rio de Janeiro.

Outro grupo de pesquisadores que conduziu parte de suas pesquisas em CSA se encontra no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

De modo geral, os estudos e pesquisas nesta instituição de ensino superior tratam dos seguintes temas: desenvolvimento de sistemas computadorizados de comunicação alternativa (Imagoanavox); pesquisas experimentais acerca do uso da CSA como recurso favorecedor para o desenvolvimento cognitivo 2020. Capovilla FC, Capovilla AG, Macedo EC. Comunicaçäo alternativa na USP na década 1991-2001: tecnologia e pesquisa em reabilitaçäo, educaçäo e inclusäo. Temas desenvolv. 2001;10(58/59):18CE-42CE..

Quanto à oferta de cursos de pós-graduação em Educação Especial (EE) que abordam a CSA, houve uma expansão, na década de 1990, em seis Instituições de Ensino Superior: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)11. Krüger SI. Comunicação Suplementar e/ou Alternativa: Atividade semiótica promotora das interações entre professores e alunos com oralidade restrita [tese]. Curitiba (PR): Universidade Tuiuti do Paraná; 2016.. Atualmente, duas outras instituições têm apresentando um significativo número de pesquisas e produções acerca da CSA são elas: Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), cujos estudos centram-se, principalmente, em aspectos relacionados ao autismo e a comprometimentos de fala e linguagem; e Universidade Federal do Rio Grande do sul (UFRGS), que vem pesquisando o desenvolvimento de softwares de sistemas de Comunicação suplementar e/ou Alternativa, voltando-se ao letramento de pessoas com autismo (SCALA), a práticas pedagógicas em Educação Especial e Escola Inclusiva e à formação de professores em Tecnologias de Informação e Comunicação11. Krüger SI. Comunicação Suplementar e/ou Alternativa: Atividade semiótica promotora das interações entre professores e alunos com oralidade restrita [tese]. Curitiba (PR): Universidade Tuiuti do Paraná; 2016..

Recentemente, o estudo desenvolvido por Krüger11. Krüger SI. Comunicação Suplementar e/ou Alternativa: Atividade semiótica promotora das interações entre professores e alunos com oralidade restrita [tese]. Curitiba (PR): Universidade Tuiuti do Paraná; 2016. acerca de artigos publicados em periódicos de Fonoaudiologia, Educação e Psicologia no período de 1990 até outubro de 2015, evidencia um aumento da produção de conhecimento na área da CSA, distribuída proporcionalmente entre os vários campos profissionais pesquisados. Neste período foram produzidos 29 artigos, 29 dissertações e 6 teses acerca do tema CSA no contexto educacional.

Foi também na década de 2000 que pesquisadores brasileiros e membros da ISAAC International criaram uma representação da ISAAC no Brasil, oficialmente instituída em 2006. O Grupo de Pesquisa em Educação Especial - Comunicação Alternativa do Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ organizou, em 2005, o I Congresso Brasileiro de Comunicação Alternativa da ISAAC/BRASIL, que resultou na publicação de dois volumes de relatos de pesquisas e resumos expandidos 2121. Nunes DR, Nunes Sobrinho FD. Comunicação alternativa e ampliada para educandos com autismo: considerações metodológicas. Rev. bras. educ. espec. 2010;16(2):297-312..

A partir dessa primeira versão, foram organizados os seguintes eventos: II Congresso Brasileiro de Comunicação Alternativa ISAAC/BRASIL, em maio de 2007, pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP; o terceiro, em 2009, em São Paulo, na Universidade Presbiteriana Mackenzie; o quarto, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 2011; o quinto, em 2013, pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e o último, realizado em 2015, pela Faculdade de Ciências da Saúde da UNICAMP11. Krüger SI. Comunicação Suplementar e/ou Alternativa: Atividade semiótica promotora das interações entre professores e alunos com oralidade restrita [tese]. Curitiba (PR): Universidade Tuiuti do Paraná; 2016..

Em síntese, a sistematização da CSA está vinculada às mudanças sociais e culturais, articuladas a propostas políticas voltadas à educação, à saúde e aos direitos humanos. As intervenções foram então originadas a partir de acontecimentos socioculturais que marcaram esse período, ora voltando-se à necessidade de tratamento das patologias da comunicação/fala/linguagem, ora às consequências sociais sustentadas na constatação da existência do sujeito com restrições da oralidade.

É importante ressaltar os esforços de grupos de pesquisadores em difundir a importância da CSA como recurso suplementar e alternativo que pode participar da apropriação da linguagem.

De qualquer forma, é importante colocar em questão uma das contradições presente na constituição e na consolidação da referida área. Ou seja, se por um lado a delimitação da CSA como campo específico colocou em evidência a importância do uso de signos não-verbais para o estabelecimento de relações com pessoas que trazem comprometimentos de fala, por outro, tal processo foi orientado, predominantemente, a partir de uma lógica que valoriza a especialização e a fragmentação do conhecimento, além da comercialização de produtos específicos para a CSA.

Importante reconhecer que, por meio do uso dos sistemas pictográficos, há uma materialização/corporização da fala que pode ser compartilhada, contemplando mais a participação do outro; mas tal fenômeno, bem como questões específicas acerca da importância do processo interacional para a apropriação da linguagem e a constituição do sujeito têm sido pouco destacados em estudos e pesquisas em CSA 11. Krüger SI. Comunicação Suplementar e/ou Alternativa: Atividade semiótica promotora das interações entre professores e alunos com oralidade restrita [tese]. Curitiba (PR): Universidade Tuiuti do Paraná; 2016.,2222. Passos PMP. A construção da subjetividade através da interação dialógica pela comunicação suplementar e alternativa [Dissertação]. Piracicaba (SP): Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Metodista de Piracicaba; 2007.,2323. Lier-Devitto MF, Dudas TL. Institucionalização de pessoas com paralisia cerebral: a difícil relação sujeito-OUTRO-linguagem. Lingüística. 2016;32(1):9-23..

Se o reconhecimento das contribuições da CSA para o processo de comunicação, a criação e o acesso a tecnologias e recursos, bem como os estudos, ainda que escassos, voltados à constituição dos sujeitos em seus processos de apropriação têm fomentado investigações de pesquisadores nacionais e internacionais, é oportuno questionar até que ponto certa tendência por conhecimentos e práticas cada vez mais especializados resultam, efetivamente, num avanço.

De fato, conhecimentos específicos e técnicos, sem articulação com diferentes dimensões (culturais, políticas, econômicas, psíquicas) constitutivas do sujeito, da linguagem e de seus processos de apropriação e uso, tornam-se restritivos e limitados para a sistematização de ações que abordem integralmente os sujeitos e as comunidades em que estão inseridos 2424. Collares CAL, Moysés MAF, Geraldi JW Educação continuada: a política da descontinuidade. Educação & Sociedade . 1999;20(68):202-19..

Se a delimitação da CSA como campo específico tem ampliado recursos humanos e técnicos, envolvidos no desenvolvimento e uso de novas tecnologias, isso não resulta necessariamente no entendimento teórico acerca da utilização de signos/símbolos não-verbais, tão pouco na sistematização de práticas significativas em torno do processo de apropriação da linguagem da qual depende o uso da CSA.

A definição da CSA como recursos tecnológicos favorecedores à comunicação e a difusão do seu uso dependente, exclusivamente, de propostas de capacitação centradas na identificação e no manuseio/domínio de tais recursos têm reduzido a área a um instrumento que deve ser abordado a partir de uma dimensão técnica.

Essa tecnicidade da CSA foi reconhecida e pontuada por Paul2525. Paul R. Facilitating transitions in language development for children using AAC. Augment Altern Comm. 1997;13(3):141-8. já no ano de 1997, quando destacou que as tecnologias inovadoras, denominadas como alta tecnologia, não remetem a uma melhor interação e comunicação dos que as utilizam. O autor enfatizou a necessidade de novas discussões acerca da apropriação da linguagem, de modo se ultrapassar as técnicas no que diz respeito ao manejo de tais recursos.

Decorrente desse fato nota-se, por exemplo, o conhecimento a respeito da CSA por parte de pais de crianças com restrições de fala e de profissionais da área da Fonoaudiologia e Educação atreladas apenas aos sistemas pictográficos e aos aparatos denominados de alta tecnologia 2626. Carnevale LB, Berberian AP, Moraes PD, Krüger S. Comunicação Alternativa no contexto educacional: conhecimento de professores. Rev. bras. educ. espec. 2013;19(2):243-56.

27. Krüger SI, Berberian AP, Guarinello AC, Carnevale LB. Comunicação suplementar e/ou alternativa: fatores favoráveis e desfavoráveis ao uso no contexto familar. Rev. Bras. Ed. Esp. 2011;17(2):209-24.

28. Krüger SI, Berberian AP, Lima JL, de Miranda ENM. A comunicação suplementar e/ou alternativa: formação de professores. Tuiuti: Ciência e Cultura. 2013;47(1):181-98.
-2929. McCord MS, Soto G. Perceptions of AAC: An ethnographic investigation of Mexican-American families. Augment Altern Comm. 2004;20(4):209-27..

Foi possível constatar até o momento, pelo conhecimento de seu marco fundante, articulado aos acontecimentos político-sociais de cada década mencionada, a CSA tem se configurado como área, predominantemente, assentada numa perspectiva tecnicista e instrumental. Apresentam-se as concepções de linguagem predominantes que tem influenciado de maneira implícita estudos e intervenções em CSA.

Verifica-se que as produções estão alicerçadas, basicamente, em três teorias/abordagens principais de aquisição/apropriação da linguagem: behaviorismo, cognitivismo e, seguidamente o interacionismo.

A abordagem behaviorista têm sustentado estudos e pesquisas em CSA 3030. Foley BE, Staples AH. Developing augmentative and alternative communication (AAC) and literacy interventions in a supported employment setting. Top Lang Disord. 2003;23(4):325-43.

31. Hoag LA, Bedrosian JL, McCoy KF, Johnson DE. Trade-offs between informativeness and speed of message delivery in augmentative and alternative communication. J Speech Lang Hear Res. 2004;47(6):1270-85.
-3232. Fallon KA, Light J, McNaughton D, Drager K, Hammer C. The effects of direct instruction on the single-word reading skills of children who require augmentative and alternative communication. J Speech Lang Hear Res. 2004;47(6):1424-39. centrando-se em condutas clínicas terapêuticas prontas e previamente definidas, envolvendo sujeitos com comprometimento de fala/linguagem.

Pesquisas que têm como objetivo avaliar o desempenho linguístico de crianças diagnosticadas com atraso de fala e linguagem tende a analisá-lo em relação à produção de estruturas sintáticas 3333. Solomon-Rice P, Soto G. Co-construction as a facilitative factor in supporting the personal narratives of children who use augmentative and alternative communication. Comm Disorders Quart. 2011;32(2):70-82.. Nesse contexto, tais pesquisadores alegam que crianças usuárias de CSA só se beneficiarão dessa modalidade alternativa de “fala” se estiverem repetida e diariamente expostas aos sistemas de gestos e/ou símbolos pictográficos e não apenas em sessões terapêuticas. Entendem que a introdução da CSA deve ocorrer de forma sistemática e que só a partir de uma ativação efetiva os usuários da CSA podem ser submetidos a programas como, por exemplo, Instruções de atividades Estruturais (Structured Instructional Activities)3333. Solomon-Rice P, Soto G. Co-construction as a facilitative factor in supporting the personal narratives of children who use augmentative and alternative communication. Comm Disorders Quart. 2011;32(2):70-82..

Autores que elegem o behaviorismo para explicar o processo de apropriação da linguagem em crianças com restrições de fala, sugerem que parceiros na conversação devem oferecer um input que seja o mais útil possível para a criança no que se refere ao seu potencial de ensino da linguagem e à capacidade de engajá-la em interações recíprocas de sucesso3434. Calculator S. Fostering early language acquisition and AAC use: Exploring reciprocal influences between children and their environments. Augment Altern Comm. 1997;13(3):149-57.. O autor defende a ideia de que a criança só desenvolve seu conhecimento linguístico por meio de estímulo-resposta; neste caso, o reforço positivo seria o “input ideal”. Critica a teoria cognitivista, que tem em Piaget o maior representante, segundo a qual a aquisição e o desenvolvimento da linguagem são processos derivados do desenvolvimento do raciocínio. Para Calculator3434. Calculator S. Fostering early language acquisition and AAC use: Exploring reciprocal influences between children and their environments. Augment Altern Comm. 1997;13(3):149-57. então, o que levaria uma criança a adquirir linguagem por meio da CSA seria um bom treinamento com reforços positivos.

A perspectiva cognitivista, focada na psicologia do desenvolvimento, também vem fundamentando trabalhos relacionados à apropriação da linguagem envolvendo sujeitos com limitações significativas de fala, usuários de CSA. Com base nesse pressuposto, tais pesquisas vêm concluindo que o uso de um sistema pictográfico com crianças diagnosticadas com atraso de fala e/ou de linguagem pode estimular o desenvolvimento das funções cognitivas, particularmente, da linguagem. Enfatiza-se, nestes estudos, que deve haver pré-requisitos para a indicação da CSA, pois apenas as crianças que se encontram no período pré-operatório são capazes de usar os sistemas pictográficos de forma efetiva 3535. Pires SC, Limongi SC. Introdução de comunicação suplementar em paciente com paralisia cerebral atetóide. Pró-fono R Atual. Cientif. 2002;14(1):51-60..

Já alguns estudos e intervenções clínicas e educacionais em CSA, em âmbito internacional, mesmo que em minoria, estão embasados na concepção interacionista de Vigotski. Fonoaudiólogos e educadores que se apoiam nessa teoria para fundamentar suas intervenções com crianças que apresentam os chamados “atrasos de fala e linguagem” destacam a importância da ZPD (Zona de Desenvolvimento Proximal) durante interações verbais com adultos. Para introduzir a CSA, sugerem, inicialmente, a realização de várias atividades focadas em um determinado vocabulário, adequação de um sistema pictográfico ou ideográfico como fundamentação do aprendizado da linguagem e a aceitação da CSA como meio de comunicação em uma perspectiva cultural. Tais autores baseiam-se na visão de que os adultos interlocutores auxiliam no desenvolvimento da criança, proporcionando situações apropriadas à idade e ao nível cognitivo, incluindo aquelas que utilizam a CSA3131. Hoag LA, Bedrosian JL, McCoy KF, Johnson DE. Trade-offs between informativeness and speed of message delivery in augmentative and alternative communication. J Speech Lang Hear Res. 2004;47(6):1270-85..

No Brasil, a maioria dos trabalhos relacionados à CSA está vinculada à perspectiva comportamentalista e cognitivista da linguagem. Mas há pesquisas fundamentadas na concepção vigotskiana e na teoria interacionista brasileira. Nesta perspectiva encontra-se os trabalhos de Chun3636. Chun RY. Comunicaçäo suplementar e/ou alternativa: favorecimento da linguagem de um sujeito näo falante. Pró-fono R Atual. Cientif. 2003;15(1):55-64. que objetivou investigar a contribuição do sistema de CSA, Picture Communication System (PCS), para a apropriação da linguagem de uma criança com restrições de fala. Inicialmente, abordou questões de linguagem relativas a sujeitos com distúrbios severos de articulação, enfatizando o uso desse sistema como instrumento de mediação favorecedor do desenvolvimento da linguagem. Concluiu que a CSA se configurou como instrumento de mediação semiótica, possibilitando maior desenvolvimento linguístico e cognitivo e a constituição da identidade do sujeito como falante.

Na mesma direção, Trevisor e Chun3737. Trevizor TT, Chun RY. O desenvolvimento da linguagem por meio do sistema pictográfico de comunicação. Pró-fono R Atual. Cientif. 2004;16(3):323-32. propuseram investigar o uso do sistema PCS como instrumento de mediação, a partir de estudo de caso de uma criança de 8 anos, com comprometimentos neurológicos, que apresentava limitação significativa da oralidade. De acordo com a perspectiva vigotskiana, as autoras destacaram a importância da linguagem, tanto para a constituição do sujeito, quanto para o desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores. Concluíram que a construção de narrativas por meio de sistemas pictográficos de comunicação, com a mediação de um adulto, levou a um favorecimento da linguagem do sujeito pesquisado.

Reily3838. Reily L. Escola inclusiva linguagem e mediação. 2 ed., São Paulo: Papirus, 2006. fundamenta seus pressupostos teóricos na abordagem vigotskiana para explicitar os instrumentos de significação da linguagem e a necessidade de utilizar os sistemas de CSA no contexto familiar e escolar de crianças com restrições de fala.

Trabalhos que propõem discutir questões acerca da relação criança e linguagem na clínica, fundamentados na teoria interacionista brasileira, são também presentes na produção científica em CSA em âmbito nacional. Vasconcellos2828. Krüger SI, Berberian AP, Lima JL, de Miranda ENM. A comunicação suplementar e/ou alternativa: formação de professores. Tuiuti: Ciência e Cultura. 2013;47(1):181-98. é uma das autoras que fundamenta sua prática e pesquisa na linguística de Saussure e na abordagem interacionista proposta por De Lemos. Em seus estudos enfoca a atuação clínica em linguagem com sujeitos portadores de paralisia cerebral e enuncia que a aquisição/apropriação da linguagem independe dos comprometimentos motores. A autora ressalta que o uso dos sistemas pictográficos e ideográficos possibilita que a fala não articulada ganhe significados. Para tanto, é necessário que o terapeuta se coloque em posição de escuta das manifestações do paciente, emprestando sua voz e sua escrita, de maneira que essas manifestações “ganham corpo no corpo do outro” 2828. Krüger SI, Berberian AP, Lima JL, de Miranda ENM. A comunicação suplementar e/ou alternativa: formação de professores. Tuiuti: Ciência e Cultura. 2013;47(1):181-98..

Partindo de sua experiência clínica fonoaudiológica no atendimento de pessoas com graves comprometimentos de fala, Panhan3939. Panhan HMS. Fonoaudiologia e Comunicação Suplementar e Alternativa método clínico em questão [Dissertação]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica; 2001. sistematiza sua prática tendo como base teórica o método clínico interpretativo utilizado na clínica da linguagem. A autora conclui que a CSA só funciona articulada ao método clínico interpretativo.

Com base na linguística fundada por Saussure, bem como no interacionismo em aquisição da linguagem por Lemos, Carnevale4040. Carnevale L. Concepção de linguagem e comunicação alternativa na discussão sobre a formação em serviço de professores de alunos com paralisia cerebral sem fala oralizada. In: Oliveira JP, De Conto J, Carnevale L, Bagarollo MF (Org.). Dez Anos da Fonoaudiologia na Unicentro. 1ed.Curitiba: Ed. CRV, 2014. p. 117-27. analisa a problemática de sujeitos com paralisia cerebral com comprometimentos graves de oralização. Segundo a autora, a fala vai além da função comunicativa/expressiva, e tem função constitutiva. Mesmo em tais sujeitos, não escapa aos seus efeitos, pois o sujeito está imerso em um mundo da e de linguagem; sendo assim, a fala está sim presente, mesmo que não oralmente materializada.

Conclusões

A partir da análise da delimitação da CSA, enquanto área específica e da investigação das concepções de linguagem predominantes dentro de uma análise histórico-bibliográfica, verificou-se primeiramente que a área já estava em processo de constituição há pelos menos seis décadas antes do que vem sendo preconizado em pesquisas na área, que apontam sua criação apenas a partir da década de 1980.

Pôde-se concluir que a CSA passa a ser identificada como uma área específica a partir de 1950, internacionalmente. No Brasil, CSA surge a partir do final da década de 1970.

No que se refere ao contexto internacional, embora a CSA tenha passado a ser identificada como uma área específica, tanto na Europa quanto na América do Norte, estudos apontam que os EUA exerceram maior influência sob sua delimitação.

Ressalta-se, ainda, que estudos que analisam a trajetória de constituição da CSA, apresentando determinantes econômicos, culturais e políticos que influenciaram tal trajetória, especialmente, nos contextos clínico, educacional e acadêmico, ocorridos, predominantemente, nos EUA, também destacam alguns fatos relevantes sucedidos no Canadá e em países europeus, entre os anos de 1960 até 2000.

A CSA consolidou-se enquanto área no bojo de movimentos em prol dos direitos humanos em torno de pessoas com deficiência e em parte entrelaçados com a história da delimitação da educação especial e inclusiva.

Foi possível apreender que a concepção instrumental da linguagem e da CSA encontra-se, predominantemente, subsidiando a produção acadêmica referente à CSA. As produções fundamentadas a partir de tal concepção estão alicerçadas em duas abordagens principais de aquisição/apropriação da linguagem: o behaviorismo e o cognitivismo.

Contudo, no âmbito internacional, constata-se também, estudos que assumem a perspectiva sócio-histórica, fundamentados, especialmente, a partir das formulações de Vigotski.

Em âmbito nacional verifica-se que, embora predomine a visão instrumental, há estudos que assumem o aspecto constitutivo e dialógico da linguagem e da CSA, a maioria embasada na concepção interacionista da linguagem, e outros fundamentados na vertente enunciativo-discursiva e sócio-histórica.

Enfim, diante dos resultados apreendidos neste estudo, fica evidente que quando se trata do processo de aquisição/apropriação da linguagem e do conhecimento de pessoas com comprometimentos significativos da oralidade, a CSA é reconhecida como modalidade de linguagem que favorece o estabelecimento das interações dialógicas entre a família, o clínico e o professor e tais pessoas com restrições severas de fala.

Porém, ao realizar esta pesquisa bibliográfica, foi possível constatar a prevalência de uma concepção tecnicista e instrumental da CSA, por autores que são adotados como referência internacional e alguns nacionais, dentre os quais autores americanos representam a maioria.

Uma vez tendo-se verificado que a orientação instrumental da CSA e da linguagem foi significativa para a delimitação sócio-histórica da área, o presente estudo traz como implicações para futuras pesquisas a necessidade de se criar novas abordagens. Dentre elas, a realização de práticas clínicas, educacionais e de pesquisa em CSA fundamentadas a partir de uma perspectiva constitutiva e dialógica da linguagem, a qual concebe a CSA como signo e, portanto, com uma função semiótica.

Defende-se também a ideia de que a CSA não deve ser considerada e organizada como uma área especializada; deve sim ser constituída por e dialogar com diferentes disciplinas atreladas às áreas da saúde e da educação que, voltadas à linguagem, considerem a historicidade e complexidade dos fenômenos envolvidos.

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  • ERRATA

    No artigo “Delimitação da área denominada comunicação suplementar e/ou alternativa (CSA)”, com número DOI: 10.1590/1982-021620171927316, publicado no periódico Revista Cefac, 19(2):265-276, faltou citar o nome de duas autoras:
    Onde se lia:
    Simone Infingardi Krüger(1)
    Ana Paula Berberian(1)
    Scheilla Maria Orlosqui Cavalcante da Silva(1)
    Leia-se:
    Simone Infingardi Krüger(1)
    Ana Paula Berberian(1)
    Scheilla Maria Orlosqui Cavalcante da Silva(1)
    Ana Cristina Guarinello(1)
    Giselle Athayde Massi(1)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2016
  • Aceito
    10 Mar 2017
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