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Análise do deslocamento do bolo alimentar: comparação entre o esôfago saudável e modelo de megaesôfago chagásico

RESUMO

Objetivo:

estudar a dinâmica do comportamento do esôfago humano quando afetado por doença de Chagas e propor um controlador orgânico para auxiliar no aperistaltismo do órgão.

Métodos:

um modelo de massa, mola e amortecedor foi proposto para modelar o deslocamento do bolo alimentar no esôfago durante a ação peristáltica. Foram utilizados parâmetros da literatura para simular o megaesôfago chagásico e o saudável.

Resultados:

foram analisadas as curvas de velocidade e deslocamento de ambos os modelos e identificou-se as diferenças dinâmicas entre o órgão saudável e um doente. O deslocamento de alimentos em um tipo de Chagas megaesófago II (3 centímetros de dilatação) é apenas 11,84% do deslocamento num esófago saudável.

Conclusão:

a doença de chagas gera uma velocidade próxima de zero e um alto amortecimento na curva de descida do alimento que devido ao peristaltismo o deslocamento que não pode retornar ao seu estado inicial, o que comprova a retenção do bolo alimentar. Com o sistema de controle orgânico proposto obteve-se uma aproximação das curvas a um comportamento dinâmico próximo do modelo do órgão saudável, minimizando a retenção do alimento.

Descritores:
Acalasia Esofágica; Doença de Chagas; Esôfago

ABSTRACT

Objective:

to study the dynamics of the human esophagus behavior when affected by Chagas disease.

Methods:

a mass-spring-damper model was proposed to model the food through the esophagus during peristaltic action. After that, parameters were recalculated to simulate a chagasic megaesophagus.

Results:

the velocity and displacement curves from both models were analyzed and the dynamic differences between the healthy organ and the ill one, identified. According to the results obtained, the food displacement in a chagasic megaesophagus type II (3 centimeters dilated) is just 11.84% of the displacement in a healthy esophagus.

Conclusion:

Chagas disease generates a velocity close to zero and a high dampering in the downwards curve of the bolus whose displacement cannot return to its initial state, due to aperistalses, which proves the food bolus retention. With the introduction of the proposed organic control system, an approximation of the curves that remained with dynamic behavior close to the model of the healthy organ was obtained, minimizing the retention of the food.

Keywords:
Esophageal Achalasia; Chagas Disease; Esophagus

Introdução

O deslocamento do bolo alimentar através do esôfago é resultado das estimulações neurais e das respostas de contração da parede muscular do esôfago, gerando forças peristálticas que são responsáveis por transportar o bolo até o fim do órgão11. Nicosia MA, Brasseur JG. A Mathematical Model for Estimating Muscle Tension in vivo during Esophageal Bolus Transport. J Theor Biol. 2002;219(2):235-55.. A doença de Chagas no esôfago é caracterizada por lesões inflamatórias no sistema nervoso entérico, associadas com a redução drástica no número de nervos ativos. Como resultado da desnervação intrínseca, verifica-se a incoordenação motora, a retenção do transporte do bolo alimentar, a hipertrofia muscular e, finalmente, a dilatação esofágica, levando à formação do megaesôfago chagásico22. Sanchez-Lermen RLP, Dick E, Salas JAP, Fontes CJF. Sintomas do trato digestivo superior e distúrbios motores do esôfago em pacientes portadores da forma indeterminada da doença de Chagas crônica. Rev Soc Bras Med Trop. 2007;40(2):197-203.

3. Côbo EC, Silveira TP, Micheletti AM, Crema E, Adad SJ. Research on Trypanosoma cruzi and Analysis of Inflammatory Infiltrate in Esophagus and Colon from Chronic Chagasic Patients with and without Mega Hindawi Publishing Corporation. Journal of Tropical Medicine. vol. 2012, Article ID 232646, 6 pages, 2012. doi:10.1155/2012/232646.
https://doi.org/10.1155/2012/232646...
-44. Dias JCP, Coura JR (Org.). Clínica e terapêutica da doença de Chagas: uma abordagem prática para o clínico geral. [Rio de Janeiro]: FIOCRUZ, 1997. p.133-176.. Os principais sintomas são alterações na deglutição orofaringeana, disfagia, regurgitação dos alimentos, pirose e dor torácica, sendo que alguns podem apresentar perda de peso, halitose e dificuldade de respirar55. Nascimento WV, Cassiani RA, Dantas RO. Disfagia em pacientes com doença de Chagas e divertículo de Zenker. Rev Soc Bras Fonoaudiol 2010;15(2):277-81.

6. Santos CMD, Cassiani RDA, Dantas RO. Avaliação clínica da deglutição na doença de Chagas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):215-220.
-77. Cunha DA da, Silva HJ, Moraes SRA, Tashiro T. Prevalence of alterations in the stomatognatic system among patients with chagas disease. Rev. CEFAC. 2005;7(2):215-20..

Os estudos sobre os aspectos gastrointestinais da doença de Chagas são importantes por permitirem o desenvolvimento de um modelo natural para compreensão das consequências da destruição do sistema nervoso entérico em humanos88. Oliveira RB, Troncon LEA, Dantas RO, Meneghelli UG. Gastrointestinal manifestations of Chagas' disease. Am J Gastroenterol. 1998. 93:884-9.. No Brasil, estima-se que há entre 8 milhões a 10 milhões de portadores da doença de Chagas, o que a enquadra entre as 4 principais endemias no país. Os gastos globais e anuais com a doença chegam a aproximadamente U$ 627 mil, “Não existe tratamento efetivo para a doença. As drogas disponíveis apenas matam os parasitas extracelulares e as lesões nervosas causadas são irreversíveis” 99. Sherwood L. Human physiology: from cells to systems. 6. ed. [S.l.]: Brooks/Cole Cengage Learning, 2007..

O megaesôfago pode ser classificado em 4 graus distintos, de acordo com o diâmetro transverso da imagem do esôfago e pelo tempo de estase (estado no qual o fluxo normal deixa de fluir) 66. Santos CMD, Cassiani RDA, Dantas RO. Avaliação clínica da deglutição na doença de Chagas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):215-220.,1010. Lee BY, Bacon KM, Bottazzi ME, Hotez PJ. Global economic burden of Chagas disease: A computational simulation model. Lancet Infect Dis. 2013;13(4) :342-8..

  • Grau I - Dilatação moderada, até 4cm de diâmetro transverso. Estase pequena aos 5 minutos;

  • Grau II - Dilatação até 7cm de diâmetro transverso. Estase aos 30 minutos;

  • Grau III - Dilatação até 10cm de diâmetro transverso, alongamento sigmoide do esôfago (dolicomegaesôfago). Estase pronunciada aos 30 minutos. Resíduo alimentar, causado pela estase, dando o contraste imagem;

  • Grau IV - Dilatação maior que 10cm de diâmetro transverso. Imagem sem contraste, mostrando a dilação ocorrida apenas pelo resíduo alimentar parado no esôfago.

O megaesôfago é uma doença na qual as alterações funcionais são permanentes e progressivas. Ainda não existe um tratamento definitivo para ela, sendo que as propostas terapêuticas apenas aliviam os sintomas. O tratamento cirúrgico, indicado em casos não avançados, não corrige a desordem funcional do órgão e os principais sintomas são recorrentes1111. Figueiredo SS, Carvalho TB, Nóbrega BB, Ribeiro FS, Teixeira KS, Ximenes CA. Caracterização radiográfica das manifestações esôfago gastrointestinais da doença de Chagas. Radiol Bras. 2002;35(5):293-7..

A modelagem de um sistema biológico permite o estudo dos fenômenos de um sistema complexo por meio de uma representação na maioria das vezes matemática. O comportamento mecânico do esôfago humano, por exemplo, pode ser considerado como um sistema. Nesse sistema, a entrada é a força devida às alterações de pressão entre a parte inferior da faringe e o esfíncter esofágico superior estimuladas pela passagem do alimento. Já a saída desse sistema seria o deslocamento do bolo alimentar pelo esôfago até o estômago. Essas duas grandezas podem ser caracterizadas como as principais características do sistema e mensuradas em tempo real. Outras características também podem ser analisadas sendo incluídas como outras variáveis no modelo1212. Lopes LR, Braga NDS, Oliveira GCD, Coelho Neto JS, Camargo MA, Andreollo NA et al. Results of the surgical treatment of non-advanced megaesophagus using Heller-Pinotti's surgery: Laparotomy vs. Laparoscopy. Clinics. 2011;66(1):41-6.. Existem dois tipos de modelagem de um sistema: “entrada -saída e espaço de estados”1313. Colón D, Rosa SSRF, Oliveira DS, Balthazar JMR, Célia A. Skin Model and Some Processing Properties of a Drilling Simulation in the Abdominal. International Journal of Advanced Engineering Research and Science. 2015;2:50-5.. Neste trabalho optou-se pela modelagem fenomenológica (isto é, baseada nas leis da Física) e por espaço de estados, de modo que a saída é função dessas variáveis de estado.

Ao se propor um modelo para um sistema biológico, são utilizadas equivalências análogas a um outro sistema, tal como se faz na engenharia. Assim, torna-se possível alterar as suas dinâmicas, por meio de controles com realimentação. Dessa forma, pode-se propor alterações em sistemas complexos, como o processo da passagem do bolo alimentar pelo esôfago, afim de melhorar a suas funções mesmo na presença de ruídos, flutuações ou mudanças bruscas e imprevisíveis.

Para estes sistemas biocomplexos, como é o caso do tratamento esofágico, deve-se utilizar uma arquitetura de controle em que a ação aplica-se de forma paralela, ou seja os dados de entrada e saída estão trabalhando ao mesmo tempo. O conceito de Controle Orgânico procura se adequar a esta realidade, com objetivos de ajuste e reforço das alterações da dinâmica da planta de um sistema biológico, tal como o da passagem do bolo alimentar pelo esôfago. Essa intervenção dá-se por razões biomédicas, apresentando-se como a contribuição da engenharia biomédica para tratamento de uma patologia específica. Propõe-se neste trabalho projetar um controlador orgânico, que seria responsável por propagar ondas artificiais peristálticas pelo órgão doente, dessa forma, permitindo que as atividades dinâmicas sejam restauradas ou reforçadas, e para que o alimento possa ser deslocado até o estômago.

Dessa forma, a intervenção de um controlador orgânico tem o objetivo de atingir um desempenho padrão do esôfago, como o uso de biomaterial (látex) e/ou por sensoriamento1414. Ljung L. "System Identification - Theory for the User", Prentice Hall, 1987.. O controlador orgânico a ser projetado atua em paralelo à planta e recebe a mesma entrada. Sua saída é adicionada à saída do sistema, e pode ser monitorada via sensoriamento, o que permitirá automatização e melhores correções do sinal de saída.

Métodos

Os pacientes com doença de Chagas têm alterações da motilidade do esôfago, caracterizadas por I) menor amplitude de contração; II) maior velocidade das contrações na parte média do esôfago e III) menor pressão do esfíncter inferior. Como proposta de atuar nesses três parâmetros, propôs-se um sistema de controle orgânico bioinspirado. A atuação deste controle se dá via uma manta esofagiana, derivada de látex natural (biotecnológico), cuja proposta é ajustar tais parâmetros na expectativa de contribuir com o tratamento do acometido do esôfago chagásico. O desenvolvimento de um modelo matemático, que represente o funcionamento do esôfago humano com a moléstia chagásica é muito complexo (quadro típico de sistemas fisiológicos).

Construindo o modelo do esôfago com e sem chagas

A proposta de modelo matemático é representar o sistema fisiológico em questão por um modelo mecânico massa-mola-amortecedor, conforme mostrado na Figura 1, onde (a) mostra toda extensão do esôfago e o que representa cada ponto P1 a P4. Em (b) é apresentada a distribuição dos valores de pressão nos pontos P1, P2, P3 e P4 no órgão esôfago com valores com chagas e sem chagas.

Figura 1:
Diagrama do sistema massa-mola equivalente ao esôfago - 2015. Fonte: Adaptada1515. Andrade CG, Cecconello I, Nasi A et al. Lower esophageal sphincter analysis using computerized manometry in patients with chagasic megaesophagus. Diseases of the Esophagus. 2006;19:31-5..

Na Figura 1(a), o primeiro conjunto massa, mola e amortecedor, observado da esquerda para direita, deve modelar a redução da amplitude do esôfago. A parte esquerda do modelo representa a parte superior do esôfago, e a direita representa a parte inferior. As forças externas F1 e F2, representam a contração peristáltica, sendo que uma força do lado esquerdo F2 é nula em geral. Já a força F1 é nula durante o repouso, mas deve ser um pulso durante a passagem do bolo. As massas (m) representam a massa das paredes do esôfago (que são muito pequenas) e que suportam o armazenamento de energia cinética. Os elementos mola (k1) e amortecedor (b1) conseguem, na região 2, modelar a redução da amplitude e velocidade, e os elementos mola (k2) e amortecedor (b2) equivalem, na região 3, da perda de pressão do esfíncter inferior.

De fato, a perda de energia nos elementos amortecedores, vai implicar nesta redução da pressão. O bolo alimentar, representado por uma barra (1), não se movimenta por gravidade nesse estudo, e o ponto onde se mede a maior velocidade das contrações em parte média do esôfago (representada pela velocidade da barra). A força externa F1 e F1, são forças que atuam na parede do esôfago em pontos distintos - sendo a primeira no esfíncter superior e a segunda no esfíncter inferior. Na literatura afirma-se que a média de tempo para a onda peristáltica chegar ao fim do esôfago humano padrão, homem, 1.60 m, IMC normal e esôfago normal é de 7 segundos 1515. Andrade CG, Cecconello I, Nasi A et al. Lower esophageal sphincter analysis using computerized manometry in patients with chagasic megaesophagus. Diseases of the Esophagus. 2006;19:31-5.,1616. Rodrigues SSFR, Reis MC, Rosa MFF, Colón D, Reis CA, Balthazar JM. Use of Natural Latex as a Biomaterial for the Treatment of Diabetic Foot: A New Approach to Treating Symptoms of Diabetes Mellitus. In: David Claborn. (Org.). Topics in Public Health. 1ed.Rijeka: In Tech books, 2015, vol. 1. p. 213-48..

Os valores para a constante da mola (k) e do amortecedor (b) são calculados a partir dos diferentes valores de pressão na extensão do esôfago, o diâmetro do órgão e da velocidade da onda peristáltica. Por meio dos estudos de manometria, descritos na literatura11. Nicosia MA, Brasseur JG. A Mathematical Model for Estimating Muscle Tension in vivo during Esophageal Bolus Transport. J Theor Biol. 2002;219(2):235-55.

2. Sanchez-Lermen RLP, Dick E, Salas JAP, Fontes CJF. Sintomas do trato digestivo superior e distúrbios motores do esôfago em pacientes portadores da forma indeterminada da doença de Chagas crônica. Rev Soc Bras Med Trop. 2007;40(2):197-203.

3. Côbo EC, Silveira TP, Micheletti AM, Crema E, Adad SJ. Research on Trypanosoma cruzi and Analysis of Inflammatory Infiltrate in Esophagus and Colon from Chronic Chagasic Patients with and without Mega Hindawi Publishing Corporation. Journal of Tropical Medicine. vol. 2012, Article ID 232646, 6 pages, 2012. doi:10.1155/2012/232646.
https://doi.org/10.1155/2012/232646...
-44. Dias JCP, Coura JR (Org.). Clínica e terapêutica da doença de Chagas: uma abordagem prática para o clínico geral. [Rio de Janeiro]: FIOCRUZ, 1997. p.133-176.,88. Oliveira RB, Troncon LEA, Dantas RO, Meneghelli UG. Gastrointestinal manifestations of Chagas' disease. Am J Gastroenterol. 1998. 93:884-9., foi possível obter os valores de pressão no esôfago durante a peristalse, devido à ingestão de 5ml de água. Na Figura 1, são apresentados os valores de pressão em quatro pontos de estudo no esôfago. A região A é a que reflete a redução da amplitude para esôfago chagásico em comparação com esôfago sem chagas, a região B representa o acréscimo de velocidade do bolo na parte media do esôfago, e a região C representa a diminuição da pressão do esfíncter, o que reflete no esvaziamento do esôfago. Note que na imagem apresenta-se os valores de pressão com e sem chagas.

Para a cálculo das constantes da mola (ki) e do amortecedor (bi) são adotadas a equação (1), sendo i = 1, 2, 3, 4 o índice da pressão na região indicada11. Nicosia MA, Brasseur JG. A Mathematical Model for Estimating Muscle Tension in vivo during Esophageal Bolus Transport. J Theor Biol. 2002;219(2):235-55.,88. Oliveira RB, Troncon LEA, Dantas RO, Meneghelli UG. Gastrointestinal manifestations of Chagas' disease. Am J Gastroenterol. 1998. 93:884-9..

(1)

A) Parâmetros do sistema esôfago saudável

Para o cálculo das constantes da mola e do amortecedor, foram adotados os valores de 2 cm/s para velocidade da onda peristáltica e 3 cm para diâmetro do esôfago11. Nicosia MA, Brasseur JG. A Mathematical Model for Estimating Muscle Tension in vivo during Esophageal Bolus Transport. J Theor Biol. 2002;219(2):235-55.,88. Oliveira RB, Troncon LEA, Dantas RO, Meneghelli UG. Gastrointestinal manifestations of Chagas' disease. Am J Gastroenterol. 1998. 93:884-9.. Por tomografia computadorizada (TC), observa-se que a parede esofágica de um esôfago normal possui espessura média de 0,35 cm, com 28 cm de comprimento e um raio 3,0 cm 33. Côbo EC, Silveira TP, Micheletti AM, Crema E, Adad SJ. Research on Trypanosoma cruzi and Analysis of Inflammatory Infiltrate in Esophagus and Colon from Chronic Chagasic Patients with and without Mega Hindawi Publishing Corporation. Journal of Tropical Medicine. vol. 2012, Article ID 232646, 6 pages, 2012. doi:10.1155/2012/232646.
https://doi.org/10.1155/2012/232646...
-44. Dias JCP, Coura JR (Org.). Clínica e terapêutica da doença de Chagas: uma abordagem prática para o clínico geral. [Rio de Janeiro]: FIOCRUZ, 1997. p.133-176.. Pode-se assim obter o volume aproximado de um cilindro oco que, para o caso em estudo, adotou-se um valor médio do volume (V) = 173,95cm3. Pela pressão média obtida da literatura na parede do esôfago normal, tem-se uma densidade esofagiana da parede calculada da forma clássica, onde a pressão é determinada pelo produto da densidade ρ gravidade g, e da altura ℎ, sendo P a pressão média da parede do esôfago normal e a densidade esofagiana da parede dada em g/cm3. Para g = 980 cm/s2 e com P= 102,9 gf/cm2 (75,7mmHg), tem-se que ρ=3,75 10-3 g/cm3. A massa (m) é dada por m = 0,65 g para esôfago sem chagas44. Dias JCP, Coura JR (Org.). Clínica e terapêutica da doença de Chagas: uma abordagem prática para o clínico geral. [Rio de Janeiro]: FIOCRUZ, 1997. p.133-176..

B) Parâmetros do sistema megaesôfago chagásico

Os valores de pressão e diâmetro do megaesôfago foram obtidos em 99. Sherwood L. Human physiology: from cells to systems. 6. ed. [S.l.]: Brooks/Cole Cengage Learning, 2007.. Esse estudo manométrico também foi avaliado em quatro pontos espaçados de 5 cm ao longo da extensão do órgão quando acometido pela Doença de Chagas. Com o valor do diâmetro interno do órgão de 6,0 cm e a letra M no índice indicando presença de megaesôfago chagásico. Aplicando o mesmo procedimento para megaesôfago chagásico, por tomografia computadorizada (TC), a parede esofágica tem espessura média de 0,5 cm, com 28 cm de comprimento, raio de 6 cm e Volume (V) = 505,79 cm3. Onde P é a pressão média da parede do esôfago chagásico; ρ é a densidade esofagiana da parede dada em g/cm3, g= 980 cm/s2, e P= 13,9 gf/cm2, assim ρ= 5,06 .10-4g/cm3, logo a massa (m) é de m=0,25 g para esôfago com chagas. As seguintes hipóteses adicionais foram consideradas: a) a parede do esôfago é suposta uniforme ao longo do comprimento; b) as massas calculadas são consideradas uniformes ao longo do comprimento do esôfago - seja com ou sem chagas; c) o movimento analisado é translacional em x na direção do esôfago - sem deflexões, vibrações; d) a influência dos órgãos circundantes é desprezada. Para obtenção do modelo matemático, tem-se adotado nos estudos realizados pelo grupo de pesquisa a ferramenta Bond Graph e Equações de Movimento1212. Lopes LR, Braga NDS, Oliveira GCD, Coelho Neto JS, Camargo MA, Andreollo NA et al. Results of the surgical treatment of non-advanced megaesophagus using Heller-Pinotti's surgery: Laparotomy vs. Laparoscopy. Clinics. 2011;66(1):41-6.,1414. Ljung L. "System Identification - Theory for the User", Prentice Hall, 1987..

Construindo o modelo matemático

As entradas do sistema são as forças externas denominadas F, e que podem ser diferentes em outros estudos. Utilizando as equações de equilíbrio do sistema (balanço das forças) e aplicando as relações constitutivas têm-se as seguintes equações de movimento para sistema mecânico translacional apresentado na Figura 1(a). Esse modelo foi obtido aplicando a metodologia de modelagem de corpo livre - leis de Newton, que fornece a relação matemática do sistema. A seguir, apresenta-se o modelo matemático I, que representa o esôfago completo proposto.

(2)

(3)

(4)

Aplicou-se Bond Graph e obteve-se um Sistema com espaço de estados de maior ordem, porém com a dinâmica similar, por isso optou-se por usar esse modelo para aplicação da técnica de linearização exata.

A aplicação da linearização exata por realimentação é um procedimento que permite transformar a dinâmica de um sistema não linear em uma dinâmica linear, mediante uma saída escolhida previamente. O resultado da Linearização exata do sistema das equações (2), (3) e (4) para

. Na descrição no espaço de estados, deve-se reescrever o sistema assim:

(6)

Em (6), tomando

e fazendo:

(7)

O sistema (6) se escreve como:

(8)

Como u(t) = F(t), no espaço de estados, tomando:y1 = x1, y3 = x2, y5 = x3, o sistema (8) se escreve:

(9)

E, y = h(x) =y3 - y5. Em (9), derivando a saída, obtém-se que o grau do sistema é r = 2. Para a construção do difeomorfismo ø(x) = (μ, ψ), basta tomar:

(10)

Sendo ψj, j = 1, 2, 3, 4 uma solução do conjunto de EDP: ∇ψjg = 0 ou

(11)

Uma solução para a EDP dada pela Eq. (9), é:

(12)

Assim, a função ø(x) é dada por:

(13)

Da Eq. (13), nota-se que ø(x) é um difeomorfismo global. Das Equações (10) e (11) tem-se:

(14)

o difeomorfismo inverso. A forma normal da dinâmica (9) é dada por:

(15)

de (15), a dinâmica interna é a dinâmica não linear:

(16)

sendo:

A dinâmica zero é obtida da dinâmica (16) quando a saída y ≡ 0. Portanto, µ1 = µ2 = 0. Esta dinâmica tem equações:

(17)

sendo, nessas condições:

Para o cálculo dos pontos críticos de (17) mostra-se que ψ1 = ψ3 = ψ4 = 0 e ψ2 é livre. Portanto, (0, 0, 0, 0) é um ponto crítico desta dinâmica. A matriz A da contraparte linear da dinâmica (17) é:

Além disso, sua equação característica é dada por: λ4 = 0.

Resultados

A partir da proposta simplificadora do modelo massa-mola-amortecedor para o esôfago humano foi possível dar continuidade ao estudo da dinâmica do comportamento do órgão em função da velocidade e deslocamento do bolo alimentar. Assim, quando o sistema em malha aberta do esôfago saudável, usando o programa Simscape do Matlab, a resposta do sistema apresenta a posição da massa em função do tempo. Dessa forma, para 1N de força de entrada o deslocamento da massa é 8 cm em 25 segundos. Contudo, para a mesma entrada o sistema do megaesôfago chagásico tem um deslocamento 6.25% menor para a mesma escala de tempo.

O resultado é coerente com a literatura visto que quando o esôfago é acometido pela doença de Chagas o grau de desnervação dos plexos intramurais é de aproximadamente 90%66. Santos CMD, Cassiani RDA, Dantas RO. Avaliação clínica da deglutição na doença de Chagas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):215-220.,1717. Tanowitz HB, Kirchhoff LW, Simon D, Morris SA, Weiss LM, Wittner M. Chagas' disease. Clin Microbiol Rev. 1992;5(4):400-19., o que resulta em hipertrofia muscular e incoordenação motora e implica na redução da pressão de contração do corpo do esôfago para valores inferiores a 20 mmHg.

Por meio das simulações realizadas no SimscapeTM foi possível analisar e comparar a dinâmica para ambos os modelos. Para o esôfago saudável a curva de velocidade, mostrada na Figura 2, foi obtida quando o sistema foi excitado por um pulso de 5N e 7 segundos, equivalente ao tempo necessário para a onda peristáltica chegar até o fim do esôfago. Assim, se torna possível avaliar em termos da velocidade da onda (que foi considerada nos cálculos de k e b) e do seu tempo de duração, qual será a velocidade do alimento e o seu deslocamento. Como pode ser observado na curva da velocidade que no início a massa está em repouso e aos 2 segundos, devido ao sinal de entrada mudar abruptamente, a velocidade da massa dá um pico na direção positiva e gradualmente retorna a zero.

O deslocamento muda gradualmente e chega ao seu valor máximo no fim da atuação da força aos 9 segundos devido à inércia e ao amortecimento. Nesse momento, o sinal de entrada retorna a zero, a velocidade tem um pico inverso e a massa retorna gradualmente a sua posição inicial. A massa se desloca aproximadamente 25 cm, o que corresponde aproximadamente a extensão entre os esfíncteres superiores e inferiores esofágicos.

O gráfico da Figura 2 mostra a saída do sistema do esôfago saudável do modelo da Figura 1 e a resposta do megaesôfago chagásico, quando excitados por uma entrada degrau unitário.

Figura 2:
Respostas do esôfago saudável e do megaesôfago chagásico quando excitado por uma entrada degrau - 2015.

A mesma análise aplica-se à velocidade para a compreensão da dinâmica do megaesôfago chagásico comparado ao esôfago saudável. Nos gráficos da Figura 3, uma velocidade praticamente nula (aproximadamente 1.2 mm/s) ocorre durante os 7 segundos que a força é aplicada e o deslocamento.

Figura 3:
(a) Curva de velocidade para o sistema esôfago saudável. (b) Curva de velocidade para o sistema megaesôfago chagásico - 2015.

DiscussãoFigura 1 Figura 5

Considerando a curva de resposta dos dois sistemas sob estudo, o esôfago saudável e o megaesôfago chagásico, foi possível a partir das suas resposta em malha aberta, projetar um controlador de ganho capaz de aproximar a curva do esôfago doente à curva do esôfago quando saudável. O projeto do controlador considera inicialmente a função de transferência do sistema saudável. Ou seja, se caso o órgão estivesse sem nenhuma funcionalidade, o controlador desempenharia por completo as funcionalidades biológicas competentes, atuando como um regulador das limitações fisiológicas. Entretanto, considerando como exemplo o modelo proposto para um caso de Megaesôfago Chagásico Tipo II com dilatação de 6 cm de diâmetro transverso do esôfago, o órgão ainda apresenta uma resposta equivalente a 6,25% de desempenho no deslocamento do alimento. Dessa forma, substituindo os valores obtém-se a função de transferência proposta para o Controlador Orgânico que deverá ter uma taxa de desempenho de 93.75% em relação a F.T. do esôfago saudável, já que a diferença é compensada pela saída obtida pelo o órgão doente. Logo a função de transferência do Controlador Orgânico será dada pela equação (22).

(22)

A saída obtida pelo controlador orgânico caracterizado pela Função de Transferência descrita na Equação 22 somado com a saída natural do megaesôfago chagásico fornecerá uma saída final mais próxima do ideal e com uma performance dinâmica equivalente ao órgão saudável, conforme a Figura 4.

Figura 4:
Resposta do sistema, curva inferior, devida à atuação do controlador orgânico no megaesôfago chagásico quando excitado por uma entrada degrau - 2015.

Figura 5:
(a) Resposta do sistema esôfago saudável para uma entrada degrau; (b) simulado no MatLaB Student - 2015.

O megaesôfago chagásico também apresentou dinâmica alterada quando comparado com o esôfago saudável. De acordo com os resultados, a resposta do sistema para o esôfago doente é altamente oscilatória, implicando em resposta mais lenta. Além disso, o decaimento progressivo da amplitude quando o sistema é excitado por uma entrada degrau reflete a ineficiência de manter uma dinâmica capaz de deslocar o alimento ingerido.

Conclusão

Foi desenvolvido um modelo do esôfago humano com os parâmetros de um megaesôfago chagásico. Por meio desse modelo foi proposto um controlador orgânico introduzido ao sistema do megaesôfago chagásico para reverter o quadro de aperistaltismo no órgão quando acometido pela doença de Chagas.

A proposta matemática para o controlador foi aplicada e foram obtidos resultados satisfatórios na aproximação da curva de desempenho de um megaesôfago de grau II em relação à curva do órgão saudável, quando somado com o auxílio do controlador orgânico. Por meio da análise dos resultados, foi visto que a saída do controlador adicionada à saída do sistema atua na propagação das ondas artificiais peristálticas no órgão doente elevando a sua função à taxa de 93.75% em relação a de um esôfago saudável.

Assim, por meio de um dispositivo de monitoramento e sensoriamento do órgão será realizada a correção do sinal de saída e consequentemente das atividades dinâmicas do órgão, permitindo uma melhora no quadro clínico de pacientes com megaesôfago chagásico.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2016
  • Aceito
    04 Abr 2017
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