Acessibilidade / Reportar erro

Investigação das práticas maternas sobre aleitamento materno e sua relação com a infecção de vias aéreas superiores e otite média

RESUMO

Objetivo:

investigar as práticas das mães durante o aleitamento e o posicionamento do bebê e sua relação com a infecção de via aérea superior e a otite média.

Métodos:

estudo descritivo exploratório. Realizou-se entrevistas semi-estrututadas com 60 mães, sobre aleitamento materno, posição do lactente durante a amamentação e ocorrência de infecção de vias aéreas superiores e otites. Nos bebês, realizou-se otoscopia e emissões otoacústicas, em ambas as orelhas.

Resultados:

dos 60 lactentes, 49 eram amamentados exclusivamente e 11 não exclusivo. Com relação à posição, 20 mães relataram amamentar seus filhos na posição sentada e 40 na posição deitada. A ocorrência de IVAS relatada pelas mães foi de 10 bebês sendo que destes, 6 mamavam deitados e 4 bebês sentados. Quanto à ocorrência de otite média, segundo as mães, 6 bebês apresentaram pelo menos um episódio de otite. Destes bebês, 2 eram amamentados sentados e 4 deitados. Os resultados indicam que não há significância entre a posição durante a amamentação e a ocorrência de infecção de via aérea superior e otite média.

Conclusão:

as práticas das mães durante o aleitamento e o posicionamento do bebê não possuem relação com a infecção de via aérea superior e a otite média.

Descritores:
Aleitamento Materno; Otite Média; Infecção; Fonoaudiologia

ABSTRACT

Purpose:

to investigate the practices of mothers during breastfeeding and infant’s position and their relationship with the infection of the upper airway and otitis media.

Methods:

this is a descriptive exploratory study. Semi-structured interviews were conducted with 60 mothers, with questions about breastfeeding, the position of the infant during breastfeeding and the occurrence of infection of the upper airways (IUA) and otitis. In the infants, otoscopy and otoacoustic emissions were performed in both ears.

Results:

out of the 60 infants, 49 were exclusively breastfed and 11 were not. Regarding the position, 20 mothers reported breastfeeding their infants in the seated position and 40 in the lying position. The occurrence of IUA reported by the mothers was in 10 infants and from these, 6 were breastfed lying down and 4 infants sitting. As for the occurrence of otitis media, according to the mothers, 6 infants had at least one episode of otitis. Out of these infants, 2 were breastfed sitting and 4, lying down. The results indicate no significance between the position during breastfeeding and the occurrence of upper airway infection and otitis media.

Conclusion:

the practices of mothers during breast-feeding and infant’s position are not related to infection of the upper airways and otitis media.

Keywords:
Breast Feeding; Otitis Media; Infection; Speech, Language and Hearing Sciences

Introdução

As vantagens do aleitamento materno para a saúde infantil são amplamente reconhecidas e a recomendação da Organização Mundial da Saúde é de que o bebê receba o aleitamento materno exclusivo por seis meses e, de forma complementar, até os dois anos de idade11. World Health Organization. Global strategy for infant and young child feeding. World Health Organization, Geneva, Switzerland, 2003..

Um dos problemas mais comuns encontrado em serviços de atendimento pediátrico é a otite média. A otite média é considerada uma infecção secundária à infecção de vias aéreas superiores (IVAS). A IVAS resulta em uma morbidade significante em todo o mundo e é a causa de doença mais comum de crianças atendidas com infecção respiratória aguda. A IVAS é definida como todo e qualquer processo infeccioso viral ou bacteriano que acomete a região nasal, seios da face, ouvido, faringe e laringe22. Mocellin L. Infecções das vias aéreas superiores. Revista Brasileira de Medicina. 2011;68(2):82-7..

No contexto anatômico, o trato respiratório superior consiste em um sistema de comunicação que compreende as narinas anteriores, cavidade nasal, nasofaringe, seios, trompa de Eustáquio, cavidade do ouvido médio, cavidade oral, orofaringe e laringe, formando a interface entre o ambiente externo e o trato respiratório inferior e trato gastrointestinal33. Bentivegna D, Salvago P, Agrifoglio M, Ballacchino A, Ferrara S, Mucia M et al. The linkage between upper respiratory tract infection and otitis media: evidence of the 'united airways concept'. Acta Med Mediter. 2012;28:287-90.,44. Sahin-Yilmaz A, Naclerio RM. Anatomy and physiology of the upper airway. Proceedings of The American Thoracic Society. 2011;8(1):31-9..

A cavidade nasal serve como o local de coleta de secreções dos seios frontal, maxilar, etmoidal e esfenoidal e constitui um contínuo com a nasofaringe, que está localizada mais posteriormente, e que se estende desde as coanas nasais (região anterior) até a parede posterior (da nasofaringe) e é coberto com tecido da glândula adenoide. A parede lateral da nasofaringe contém o óstio faríngeo da tuba auditiva, que liga a nasofaringe ao ouvido médio44. Sahin-Yilmaz A, Naclerio RM. Anatomy and physiology of the upper airway. Proceedings of The American Thoracic Society. 2011;8(1):31-9..

A otite média é uma inflamação do ouvido médio de início rápido, apresentando na maioria das vezes sintomas locais (os dois mais comuns são dor de ouvido e friccionamento da orelha afetada) e sistêmicos (febre, irritabilidade e falta de sono)55. Piters WAAS, Sanders AME, Bogaert D. The role of the local microbial ecosystem in respiratory health and disease. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 2015;370(1675):pii20140294.. É causada principalmente por vírus ou bactérias que muitas vezes interagem entre si66. Martines F, Bentivegna D, Maira E, Sciacca V, Martines E. Risk factors for otitis media with effusion: case-control study in Sicilian school children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2011;75(6):754-9.. Estes patógenos, originados da nasofaringe, ascendem à tuba de Eustáquio até o espaço do ouvido médio, iniciando uma resposta inflamatória e o acumulo de fluido, que causa abaulamento da membrana timpânica, dor, febre e possível vermelhidão77. Bosch AATM, Biesbroek G, Trzcinsk IK, Sanders EA, Bogaert D. Viral and bacterial interactions in the upper respiratory tract. Plos Pathogens. 2013; 9(1): e1003057..

Geralmente, quando ocorre a otite média aguda, esta é precedida por uma infecção viral do trato respiratório superior. A inflamação conduz a edemaciação das cavidades nasais e nasofaringe, causando obstrução funcional da tuba auditiva e o desenvolvimento de pressão negativa do ouvido médio, a partir da falta de equilíbrio. Os micróbios, contidos nas secreções da mucosa das vias aéreas superiores, movem-se para o ouvido médio devido ao diferencial de pressão, onde ficam retidos88. Rettig E, Tunkel DE. Contemporary concepts in management of acute otitis media in children. Otolaryngol Clin North Am. 2014;47(5):651-72..

Acredita-se que a incidência de otite média nos lactentes esteja relacionada ao aleitamento artificial e a ausência de propriedades imunológicas que são encontradas no leite materno99. Wiertsema SP, Leach AJ. Theories of otitis media pathogenesis, with a focus on indigenous children. The Medical Journal of Australia. 2009;191(9): 50-4.,1010. Garcia MV, Azevedo MF, Testa JRG, Luiz CBL. The influence of the type of breastfeeding on middle ear conditions in infants. Brazilian Journal of Otorhinolaryngology. 2012;78(1):8-14..

No lactente, a tuba auditiva apresenta uma posição mais horizontalizada. Por este motivo, a orientação habitualmente oferecida pelos profissionais de saúde é a elevação da cabeça do bebê durante a amamentação, pois acredita-se que a posição elevada esteja relacionada a uma ação preventiva de otite média1111. Saarinen UM. Prolonged breast feeding as prophylaxis for recurrent otitis media. Acta Pediatr Scand. 1982;71(4):567-71.. A literatura denomina o termo “otite média posicional” nos casos de bebês que são amamentados na posição deitada, por apresentam um maior risco de desenvolver a otite média1212. Duncan RB. Positional otitis media. Arch Ototaryngol. 1960;72:454-63.,1313. Beauregard RB. Positional otitis media. J Pediatr. 1971;79:294-6..

Diante disso, questiona-se se tal orientação também se refere à bebês que são amamentados no seio materno. A principal imunoglobulina do leite materno é a IgA (Imunoglobulina A), a qual tem como principal função a ligação a microrganismos e macromoléculas, impedindo que eles fiquem aderidos às superfícies mucosas, prevenindo o contato de patógenos ao epitélio. Sendo assim, a mãe secreta no leite a IgA, que protege a criança de patógenos aos quais ela tenha se exposto durante toda a vida1414. Grassi MS, Costa MTZ, Vaz FAC. Fatores imunológicos do leite humano. Jornal da Pediatria. 2001;23(3): 258-63.. Ainda, segundo o Ministério da Saúde, a posição de aleitamento deve ser a mais confortável para a mãe e o bebê, sentados ou deitados, desde que o corpo e a cabeça do bebê estejam de forma alinhada, isto é, a cabeça e a coluna em linha reta, no mesmo eixo1515. BRASIL. Promovendo o Aleitamento Materno. Ministério da Saúde. 2ªed. Brasília, 2007..

Sendo assim, o objetivo da presente pesquisa foi investigar as práticas das mães com relação ao posicionamento do bebê durante o aleitamento e sua relação com a IVAS e otite média em lactentes.

Métodos

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Estadual do Centro Oeste - UNICENTRO, conforme parecer número 358.809. Todas as participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Trata-se de um estudo descritivo exploratório que consiste na organização, apresentação, análise e síntese de dados numéricos da amostra. A coleta de dados foi realizada com as mães e bebês que compareceram ao serviço do Teste da Orelhinha de uma Clínica Escola de Fonoaudiologia.

Foram realizadas entrevistas com 60 mães. O critério de inclusão foi de que as mães estivessem em adequada condição de saúde geral para participarem da entrevista. Foram excluídas mães de bebês que apresentassem malformações congênitas, alterações respiratórias, cardíacas e neurológicas. Para coletar as informações referentes às práticas maternas e a presença de IVAs e otites nos bebês, aplicou-se um roteiro de perguntas semiestruturado, as quais eram relacionadas quanto à exclusividade do aleitamento materno, a posição do lactente durante a amamentação e a ocorrência de infecção de vias aéreas superiores e otites. As perguntas realizadas foram: “O bebê recebe aleitamento materno exclusivo?”; “O bebê costuma mamar durante a noite? Se sim, em qual posição?”; “Qual posição o bebê é amamentado?”; “O bebê já teve alguma infecção de vias aéreas superiores, como resfriados ou gripes?”; “O bebê já teve otite ou dor de ouvido?” e “Você acredita que a posição do bebê durante a mamada interfere na presença do resfriado, da gripe ou da dor de ouvido?”. Convém mencionar que não foram realizados exames nos bebês para se verificar a presença de IVAs, tão pouco se realizou coleta de dados em prontuários. Tais dados foram obtidos a partir das respostas das mães. As respostas das entrevistas foram categorizadas e analisadas aplicando-se o teste exato de Fisher, com nível de significância de p<0,05, utilizando-se o software Statistica.

Com relação à coleta de dados dos bebês, realizou-se meatoscopia em ambas as orelhas, assim como o exame de Emissões Otoacústicas. Foram consideradas emissões otoacústicas quando registradas pelo menos 6dB acima do ruído de fundo e exame normal quando presentes pelo menos três das cinco frequências testadas. Os bebês que participaram da pesquisa tinham de 4 a 180 dias, com uma média de idade de 40 dias, sendo que metade deles era do sexo feminino e a outra do sexo masculino. Todos os bebês apresentaram meatoscopia direita e esquerda sem impedimentos, no momento da entrevista. Os resultados das Emissões Otoacústicas também foram normais em todos os bebês.

Resultados

Dos 60 lactentes, 49 eram amamentados com leite materno exclusivo e 11 em aleitamento não exclusivo. Com relação à posição, 20 das 60 mães relataram amamentar seus filhos na posição sentada e 40 na posição deitada.

A ocorrência de IVAS relatada pelas mães foi de 10 bebês sendo que destes, 6 bebês mamavam na posição deitada e 4 bebês na posição sentada, como mostra a Tabela 1.

Tabela 1:
Distribuição dos 60 lactentes segundo a relação entre a posição durante a amamentação e a ocorrência de infecção de vias aéreas superiores (IVAS) relatadas pelas mães

Quanto à ocorrência de otite média, segundo as mães, 6 bebês apresentaram pelo menos um episódio de otite. Destes bebês, 2 eram amamentados sentados e 4 deitados, conforme Tabela 2.

Tabela 2:
Distribuição dos 60 lactentes segundo a relação entre a posição durante a amamentação e a ocorrência de otite relatada pelas mães

Quanto ao tipo de aleitamento e a ocorrência de IVAS, 6 dos 49 bebês amamentados com aleitamento exclusivo apresentaram IVAS e 4 dos 11 bebês que não recebiam aleitamento materno exclusivo apresentaram IVAS, conforme apresentado na seguinte Tabela 3.

Tabela 3:
Distribuição dos 60 lactentes segundo a relação entre o tipo de aleitamento e ocorrência de infecção de vias aéreas superiores (IVAS) relatada pelas mães

Do total de 60 lactentes, 6 relataram episódios de otite. Dos 49 bebês amamentados com aleitamento materno exclusivo, 3 apresentaram otite e dos 11 bebês que não recebiam aleitamento materno exclusivo, 3 relataram episódio de otite, conforme mostra a Tabela 4.

Tabela 4:
Distribuição dos 60 lactentes segundo a relação entre o tipo de aleitamento e a ocorrência de otite relatada pelas mães

Sendo assim, dos 49 bebês amamentados exclusivamente com leite materno, apenas 9 apresentaram ocorrência de otite ou de IVAS. Dos 11 bebês sem aleitamento exclusivo, 7 apresentaram ocorrência de otite ou IVAS. Com relação aos valores de p apresentados na Tabela 1 e 2, pode-se perceber que não há diferença estatística entre os grupos, ou seja, não há associação entre a posição do lactente durante a amamentação e a ocorrência de IVAS e otites, pois apresentam respectivamente p = 0,718 e p = 1.

Já os valores de p observados nas Tabelas 3 e 4 indicam que, embora não haja diferença estatística entre os grupos, os valores de p são limítrofes, pois apresentam respectivamente p = 0,074 e p = 0,068. É possível que haja um erro estatístico do tipo II, ou seja, ao aumentar o valor da amostra há uma probabilidade de que estes valores se tornarem estatisticamente significantes.

Discussão

Os relatos das práticas das mães participantes do estudo revelam que não é possível se estabelecer uma relação direta entre o posicionamento praticado durante o aleitamento materno e a presença de IVAS e otite média. Convém mencionar que, apesar da tuba auditiva apresentar uma posição mais horizontalizada, a fisiologia da sucção durante o aleitamento materno difere muito da sucção que ocorre durante a mamadeira.

Durante a sucção no seio materno, no ato da deglutição, ocorre anteriorização e abaixamento da região anterior do palato mole. Ao mesmo tempo, eleva-se sua parte vertical, o que permite o fechamento da orofaringe. Dessa forma, não há possibilidade de entrada do leite pela tuba auditiva, mesmo com o bebê na posição deitada.

Ainda que haja a entrada do leite materno, vale a pena lembrar que o leite humano é específico para a espécie humana e apresenta um efeito protetor, devido à presença das imunoglobulinas. Além dos efeitos protetores, o aleitamento natural propicia um bom posicionamento do lactente durante a amamentação devido ao apoio de sua cabeça no braço da mãe em uma altura mais horizontalizada, evitando que o leite escorra pela tuba auditiva99. Wiertsema SP, Leach AJ. Theories of otitis media pathogenesis, with a focus on indigenous children. The Medical Journal of Australia. 2009;191(9): 50-4.. Portanto, a amamentação exclusiva é segura, promove o desenvolvimento sensorial e cognitivo e contém anticorpos que protegem as crianças de doenças comuns da infância1515. BRASIL. Promovendo o Aleitamento Materno. Ministério da Saúde. 2ªed. Brasília, 2007..

Diferentemente, quando o bebê se alimenta com leite artificial por mamadeira, a contração muscular é reduzida, com consequente flacidez da musculatura do palato mole. Desta forma, o leite entra pela orofaringe e atinge a tuba auditiva. O leite artificial, por sua vez, não possui anticorpos como o leite materno, podendo favorecer a rápida proliferação de bactérias, levando à otite média. Vale a pena mencionar que o músculo tensor do palato mole é o principal responsável pela abertura da tuba auditiva. Por estar flácido e hipofuncionante nos bebês alimentados por mamadeira, a fraca atividade do músculo tensor do palato mole favorece a entrada de grandes volumes de leite no ouvido médio.

Os resultados do presente estudo estão de acordo com trabalhos que relacionam o aleitamento materno com a ocorrência de IVAS e otite. A amamentação prolongada foi associada a reduções significantes de ambas infecções, do trato respiratório superior e otite média aguda. Em comparação com décadas anteriores, a incidência de otite média aguda diminuiu em decorrência de diversos fatores como o advento das vacinas pneumocócicas conjugadas, o uso rotineiro de vacinas contra a gripe em lactentes e crianças, a diminuição das taxas de tabagismo e o aumento das taxas de aleitamento materno1616. Gultie T, Sebsibie G. Determinants of suboptimal breastfeeding practice in Debre Berhan town, Ethiopia: a cross sectional study. International Breastfeeding Journal. 2016;11(5):1-8..

Por reduzir as taxas de colonização nasofaríngea, a Imunoglobulina A Secretora (IgA S) do leite humano pode proteger contra a otite média. Estudos mostram que a IgA S dificulta a aderência do microrganismo na superfície da mucosa, reduzindo a colonização. É possível que a IgA S, banhando a orofaringe durante a amamentação, interaja com as mucinas e o glicocálice na nasofaringe, exercendo seu efeito protetor1717. Chonmaitree T, Trujillo R, Jennings K, Alvarez-Fernandez P, Patel JÁ, Loeffelholz MJ et al. Acute otitis media and other complications of viral respiratory infection. Pediatrics. 2016;137(4): pii, e20153555.. Estes anticorpos representam a classe predominante de imunoglobulina nas secreções externas e proporcionam uma proteção imunológica específica em todas as superfícies das mucosas, bloqueando a entrada de agentes patogênicos1818. Bouskela MAL, Grisi S, Escobar AMU. Aspectos epidemiológicos da infecção por Haemophilus influenzae tipo B. Revista Panamericana de Salud Pública. 2000;7(5):332-9.,1919. Brandtzaeg P. Mucosal immunity: induction, dissemination, and effector functions. Scandinavian Journal of Immunology. 2009;70(6):505-15..

Há muitas evidências de que a amamentação protege contra a otite média aguda até aos 2 anos de idade, mas a proteção é maior para o aleitamento materno exclusivo e para amamentação de longa duração. O aleitamento materno exclusivo durante os primeiros 6 meses foi associado com uma redução da otite média aguda em torno de 43% nos 2 primeiros anos de vida. Após 2 anos de idade, não há nenhuma evidência de que a amamentação proteja contra a otite média aguda, no entanto, os estudos nessa faixa etária são escassos2020. Bowatte G, Tham R, Allen K, Tan DJ, Lau MXZ, Dai X et al. Breastfeeding and childhood acute otitis media: a systematic review and meta-analysis. Acta Paediatrica. 2015;104(467):85-95..

O papel protetor e preventivo do leite materno foi avaliado e relacionado com o tempo de permanência hospitalar e/ou morbidade em estudo com 232 bebês menores de seis meses de idade. Ficaram evidenciados que o tempo de internação e morbidade foram menores em bebês em aleitamento materno, com significância nos casos de otite média, gastroenterite, broncopneumonia e doenças de pele2121. Kaur A, Karnail S, Pannu MS, Singh P, Sehgal N, Kaur R. The effect of exclusive breastfeeding on hospital stay and morbidity due to various diseases in infants under 6 months of age: a prospective observational study. Int J Pediatr. 2016;17(2016):7647054..

Os resultados timpanométricos de um estudo realizado com lactentes de seis meses de idade demonstraram que o aleitamento materno atua como fator protetor contra alterações timpanométricas2121. Kaur A, Karnail S, Pannu MS, Singh P, Sehgal N, Kaur R. The effect of exclusive breastfeeding on hospital stay and morbidity due to various diseases in infants under 6 months of age: a prospective observational study. Int J Pediatr. 2016;17(2016):7647054..

A influência do tipo de amamentação nas condições de orelha média de lactentes de zero a quatro meses foi analisada em um estudo com 60 crianças. Foi observado que os lactentes que receberam aleitamento materno exclusivo apresentaram menos alterações na avaliação otorrinolaringológica e nas medidas de imitância acústica, possibilitando desta forma que as emissões otoacústicas fossem presentes. Além disso, os lactentes que receberam aleitamento materno exclusivo apresentaram menos alterações da membrana timpânica, enquanto os lactentes que receberam mamadeira ou aleitamento misto exibiram maior número de alteração na avaliação otorrinolaringológica1010. Garcia MV, Azevedo MF, Testa JRG, Luiz CBL. The influence of the type of breastfeeding on middle ear conditions in infants. Brazilian Journal of Otorhinolaryngology. 2012;78(1):8-14..

Um estudo transversal correlacionou o tempo de aleitamento materno exclusivo com o número de infecções dos sistemas respiratórios e gastrointestinais em crianças, nos primeiros dois anos de vida. Observou-se que a média do número de infecções de vias aéreas superiores, incluindo casos de otite média, nos dois primeiros anos de vida, foi maior no grupo amamentado com aleitamento exclusivo inferior a quatro meses2222. Melo JJ, Lewis DR, Marchiori LLM. Resultados timpanométricos: lactentes de seis meses de idade. Rev. CEFAC. 2008;10(1):104-9..

Uma revisão de estudos epidemiológicos indica que a introdução da fórmula infantil nos primeiros 6 meses de vida está associada ao aumento da incidência de otite média aguda na primeira infância, quando comparado com crianças que tiveram 6 meses de amamentação exclusiva2323. Carvalho CF, Silva MGF. Avaliação do desmame precoce e suas implicações infecciosas nas crianças atendidas no ambulatório de um hospital terciário. Arquivos de Ciências da Saúde. 2005;12(3):129-32..

Com relação à idade dos bebês participantes da presente pesquisa, observou-se a idade média de 40 dias, ou seja, a pouca idade pode ser um dos motivos da não ocorrência de IVAS e otite média. Por isso, aponta-se a necessidade de investigar as práticas maternas e os bebês por um período de tempo maior, de forma longitudinal e em uma amostra maior, em estudos futuros. Além disso, aponta-se também a necessidade, em estudos futuros, de que as práticas maternas avaliadas de forma mais objetiva, numa filmagem por exemplo, para uma maior fidedignidade dos dados.

Salienta-se que há outros fatores que contribuem para a otite média, entre eles os fatores de risco ambientais. Nestes fatores, incluem-se a estação do ano, presença de infecção respiratória viral (devido à superlotação e disseminação de aerossóis no inverno), a exposição a outras crianças ou a presença de irmãos em idade escolar, a exposição à fumaça ambiental do tabaco (que reduz da função mucociliar), depuração reduzida do ar, falta de higiene e o uso de chupetas. Juntamente aos fatores ambientais, soma-se ainda, como fator de risco à otite média, a falta de aleitamento materno, idade precoce e sistema imunológico imaturo, e possíveis fatores genéticos2424. Abrahams SW, Labbok MH. Breastfeeding and otitis media: a review of recent evidence. Curr Allergy Asthma Rep. 2011;11(6):508-12.,2525. Lubianca Neto JF, Hemb L, Silva DB. Systematic literature review of modifiable risk factors for recurrent acute otitis media in childhood. J Pediatr. 2006;82(2):87-96.. A maioria destes fatores de risco aumenta as oportunidades de colonização do trato respiratório superior e da nasofaringe por patógenos bacterianos99. Wiertsema SP, Leach AJ. Theories of otitis media pathogenesis, with a focus on indigenous children. The Medical Journal of Australia. 2009;191(9): 50-4.. Os fatores ambientais não foram controlados no presente estudo e recomenda-se que sejam investigados em pesquisas futuras.

Quanto à posição em que os bebês são amamentados, percebeu-se que o número de mães que amamenta na posição deitada é o dobro das mães que referem amamentar seus filhos na posição sentada. Isso mostra que, embora os profissionais orientem as mães a amamentar sentadas, na prática, a maioria opta pela posição mais confortável para ela e o bebê, seguindo o que é preconizado pelo Ministério da Saúde1515. BRASIL. Promovendo o Aleitamento Materno. Ministério da Saúde. 2ªed. Brasília, 2007..

Destaca-se que vivenciar a amamentação significa experimentar momentos de cansaço, pois o ato de amamentar depende do estado físico da mãe, implicando em grande gasto de energia2626. Arantes CIS. Amamentação: visão das mulheres que amamentam. Jornal de Pediatria. 1995;71(4):195-202.. As mulheres relatam que a prática da amamentação envolve insegurança, angústia, ansiedade, cansaço e preocupação. Isso se deve principalmente pelos múltiplos papéis exercidos pelas nutrizes e, muitas vezes, pela falta de ajuda e apoio familiar2727. Primo CC, Dutra PR, Lima EFA, Alvarenga SC, Leite FMC. Redes sociais que apoiam a mulher durante a amamentação. Cogitare Enfermagem. 2015;20(2):426-33.,2828. Prates LA, Schmalfuss JM, Lipinski JM. Amamentação: a influência familiar e o papel dos profissionais de saúde. Rev Enferm UFSM. 2014;4(2):359-67.. Chama a atenção o fato de que, apesar das orientações e experiências prévias recebidas pelas mães, nem sempre nota-se uma prática adequada da amamentação, pois outros fatores podem interferir nessa questão, tais como os socioeconômicos e culturais2929. Medeiros AMC, Batista BG, Barreto IDC. Aleitamento materno e aspectos fonoaudiológicos: conhecimento e aceitação das mães de uma maternidade. Audiology Communication Research. 2015;20(3):183-90..

O presente estudo se atenta em mostrar que as práticas maternas no processo do aleitamento estão relacionadas não somente aos aspectos da posição na amamentação, associados a orientações profissionais ou a presença de IVAS e otite. Especialmente, quando se analisa a origem da justificativa de se posicionar o bebê mais verticalizado para se prevenir a otite média, verifica-se que tal justificativa está ancorada em dois estudos, os quais denominam a “otite média posicional”1111. Saarinen UM. Prolonged breast feeding as prophylaxis for recurrent otitis media. Acta Pediatr Scand. 1982;71(4):567-71.,1212. Duncan RB. Positional otitis media. Arch Ototaryngol. 1960;72:454-63.. Vale se ressaltar que os dois estudos foram realizados em bebês alimentados na mamadeira e a alimentação artificial possui uma série de implicações para a saúde infantil, como já discutido anteriormente.

A orientação de que o bebê deve estar posicionado de forma elevada faz sentido na alimentação na mamadeira, como uma medida preventiva para a otite média, por dois principais motivos. O primeiro deles diz respeito a falta das substâncias protetivas que inexistem no leite artificial. O segundo está relacionado à diferença fisiológica dos tipos de sucção, sendo distintos no seio materno e na mamadeira, como já mencionado anteriormente. Desta forma, os resultados da presente pesquisa direcionam e fundamentam que o bebê amamentado no seio materno fica protegido contra a IVAS e otite média, independente da posição em que se encontra no colo da mãe. Historicamente, os profissionais de saúde fazem a recomendação de que as mães devem amamentar seus bebês numa posição mais verticalizada, a fim de prevenir a otite média. Desta forma, sugere-se que tal recomendação seja repensada para os lactentes alimentados exclusivamente em seio materno.

Na presente pesquisa, a ocorrência de IVAS e otite média foi verificada a partir de entrevistas realizadas com as mães. Embora esta metodologia tenha sido utilizada em estudos semelhantes2222. Melo JJ, Lewis DR, Marchiori LLM. Resultados timpanométricos: lactentes de seis meses de idade. Rev. CEFAC. 2008;10(1):104-9.,3030. Lima-Gregio AM, Calais LL, Feniman MR. Otite média recorrente e habilidade de localização sonora em pré-escolares. Rev. CEFAC. 2010;12(6):1033-40., sugere-se que em estudos futuros a ocorrência, tanto da IVAS quanto da otite, seja averiguada de forma objetiva ou clínica.

Conclusão

No presente estudo verificou-se que as práticas das mães durante o aleitamento e o posicionamento do bebê durante o aleitar não possuem relação com a infecção de via aérea superior e a otite média.

Referências

  • 1
    World Health Organization. Global strategy for infant and young child feeding. World Health Organization, Geneva, Switzerland, 2003.
  • 2
    Mocellin L. Infecções das vias aéreas superiores. Revista Brasileira de Medicina. 2011;68(2):82-7.
  • 3
    Bentivegna D, Salvago P, Agrifoglio M, Ballacchino A, Ferrara S, Mucia M et al. The linkage between upper respiratory tract infection and otitis media: evidence of the 'united airways concept'. Acta Med Mediter. 2012;28:287-90.
  • 4
    Sahin-Yilmaz A, Naclerio RM. Anatomy and physiology of the upper airway. Proceedings of The American Thoracic Society. 2011;8(1):31-9.
  • 5
    Piters WAAS, Sanders AME, Bogaert D. The role of the local microbial ecosystem in respiratory health and disease. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 2015;370(1675):pii20140294.
  • 6
    Martines F, Bentivegna D, Maira E, Sciacca V, Martines E. Risk factors for otitis media with effusion: case-control study in Sicilian school children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2011;75(6):754-9.
  • 7
    Bosch AATM, Biesbroek G, Trzcinsk IK, Sanders EA, Bogaert D. Viral and bacterial interactions in the upper respiratory tract. Plos Pathogens. 2013; 9(1): e1003057.
  • 8
    Rettig E, Tunkel DE. Contemporary concepts in management of acute otitis media in children. Otolaryngol Clin North Am. 2014;47(5):651-72.
  • 9
    Wiertsema SP, Leach AJ. Theories of otitis media pathogenesis, with a focus on indigenous children. The Medical Journal of Australia. 2009;191(9): 50-4.
  • 10
    Garcia MV, Azevedo MF, Testa JRG, Luiz CBL. The influence of the type of breastfeeding on middle ear conditions in infants. Brazilian Journal of Otorhinolaryngology. 2012;78(1):8-14.
  • 11
    Saarinen UM. Prolonged breast feeding as prophylaxis for recurrent otitis media. Acta Pediatr Scand. 1982;71(4):567-71.
  • 12
    Duncan RB. Positional otitis media. Arch Ototaryngol. 1960;72:454-63.
  • 13
    Beauregard RB. Positional otitis media. J Pediatr. 1971;79:294-6.
  • 14
    Grassi MS, Costa MTZ, Vaz FAC. Fatores imunológicos do leite humano. Jornal da Pediatria. 2001;23(3): 258-63.
  • 15. BRASIL. Promovendo o Aleitamento Materno. Ministério da Saúde. 2ªed. Brasília, 2007.
  • 16
    Gultie T, Sebsibie G. Determinants of suboptimal breastfeeding practice in Debre Berhan town, Ethiopia: a cross sectional study. International Breastfeeding Journal. 2016;11(5):1-8.
  • 17
    Chonmaitree T, Trujillo R, Jennings K, Alvarez-Fernandez P, Patel JÁ, Loeffelholz MJ et al. Acute otitis media and other complications of viral respiratory infection. Pediatrics. 2016;137(4): pii, e20153555.
  • 18
    Bouskela MAL, Grisi S, Escobar AMU. Aspectos epidemiológicos da infecção por Haemophilus influenzae tipo B. Revista Panamericana de Salud Pública. 2000;7(5):332-9.
  • 19
    Brandtzaeg P. Mucosal immunity: induction, dissemination, and effector functions. Scandinavian Journal of Immunology. 2009;70(6):505-15.
  • 20
    Bowatte G, Tham R, Allen K, Tan DJ, Lau MXZ, Dai X et al. Breastfeeding and childhood acute otitis media: a systematic review and meta-analysis. Acta Paediatrica. 2015;104(467):85-95.
  • 21
    Kaur A, Karnail S, Pannu MS, Singh P, Sehgal N, Kaur R. The effect of exclusive breastfeeding on hospital stay and morbidity due to various diseases in infants under 6 months of age: a prospective observational study. Int J Pediatr. 2016;17(2016):7647054.
  • 22
    Melo JJ, Lewis DR, Marchiori LLM. Resultados timpanométricos: lactentes de seis meses de idade. Rev. CEFAC. 2008;10(1):104-9.
  • 23
    Carvalho CF, Silva MGF. Avaliação do desmame precoce e suas implicações infecciosas nas crianças atendidas no ambulatório de um hospital terciário. Arquivos de Ciências da Saúde. 2005;12(3):129-32.
  • 24
    Abrahams SW, Labbok MH. Breastfeeding and otitis media: a review of recent evidence. Curr Allergy Asthma Rep. 2011;11(6):508-12.
  • 25
    Lubianca Neto JF, Hemb L, Silva DB. Systematic literature review of modifiable risk factors for recurrent acute otitis media in childhood. J Pediatr. 2006;82(2):87-96.
  • 26
    Arantes CIS. Amamentação: visão das mulheres que amamentam. Jornal de Pediatria. 1995;71(4):195-202.
  • 27
    Primo CC, Dutra PR, Lima EFA, Alvarenga SC, Leite FMC. Redes sociais que apoiam a mulher durante a amamentação. Cogitare Enfermagem. 2015;20(2):426-33.
  • 28
    Prates LA, Schmalfuss JM, Lipinski JM. Amamentação: a influência familiar e o papel dos profissionais de saúde. Rev Enferm UFSM. 2014;4(2):359-67.
  • 29
    Medeiros AMC, Batista BG, Barreto IDC. Aleitamento materno e aspectos fonoaudiológicos: conhecimento e aceitação das mães de uma maternidade. Audiology Communication Research. 2015;20(3):183-90.
  • 30
    Lima-Gregio AM, Calais LL, Feniman MR. Otite média recorrente e habilidade de localização sonora em pré-escolares. Rev. CEFAC. 2010;12(6):1033-40.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    24 Out 2016
  • Aceito
    28 Abr 2017
ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistacefac@cefac.br