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Envelhecimento ativo: um relato de pesquisa-intervenção

RESUMO

Objetivo:

analisar os efeitos que atividades significativas com a linguagem podem ter sobre a autonomia e a participação social de idosos.

Métodos:

trata-se de uma pesquisa-intervenção que, embasada na perspectiva dialógica do discurso, desenvolveu-se em duas etapas. Na primeira, foi realizada uma intervenção fonoaudiológica, envolvendo práticas orais e escritas acerca de histórias de vida de seis participantes idosos. Na segunda, os participantes responderam a uma entrevista semiestruturada, a qual continha questões voltadas aos objetivos do estudo.

Resultados:

os participantes eram todos do gênero feminino, com idades entre 61 e 90 anos. Seus enunciados indicaram que, por meio de práticas dialógicas, puderam ampliar sua participação social e a própria autonomia, resgataram a autoestima e conseguiram desconstruir padrões sociais estigmatizantes impostos à velhice.

Considerações Finais:

práticas dialógicas junto a pessoas idosas podem auxiliar na promoção do envelhecimento ativo e na superação de concepções negativas em torno da velhice, conforme proposto pela Organização Mundial da Saúde e pela Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, as quais afirmam que os idosos são contribuintes do desenvolvimento social.

Descritores:
Envelhecimento; Participação Social; Autonomia Pessoal; Linguagem

ABSTRACT

Purpose:

this study aimed to analyze significant effects of language activities on elderly people´s autonomy and social participation.

Methods:

it is an intervention research report, based on a dialogical discourse perspective, developed in two stages. In the first, a speech-language intervention involving written and oral practices about life stories was carried out with six elderly participants. In the second, a semi-structured interview was applied with these participants based on questions that addressed the aims of the study.

Results:

the participants were all females, aged between 61 and 90 years old. Their statements indicated that, through dialogical practices, they were able to increase their social participation, autonomy and self-esteem; they were also able to deconstruct stigmatizing social standards imposed to elderly people.

Final Considerations:

dialogical practices among the elderly can help promote active aging and overcome negative conceptions about elderly people, as proposed by the World Health Organization and the National Health Care Policy for the Elderly, which confirm that elderly people contribute to social development.

Keywords:
Aging; Social Participation; Personal Autonomy; Language

Introdução

Atualmente, discussões acerca do envelhecimento e da velhice estão em evidência indicando que a população brasileira idosa tem enfrentado situações discriminatórias e preconceituosas, tanto em âmbito social mais amplo, como no próprio seio familiar11. Scortegagna PA, Oliveira RCS. Educação: integração, inserção e reconhecimento social para o idoso. Rev Kair Gerontol. 2010;13(1):53-72.. Tais situações, próprias de um contexto socioeconômico marginalizante e opressivo, revelam que parte da sociedade atual, pautada no capital e, por isso, focada na produção e no consumo, considera os idosos como improdutivos e incapazes de contribuir com a comunidade em que vivem11. Scortegagna PA, Oliveira RCS. Educação: integração, inserção e reconhecimento social para o idoso. Rev Kair Gerontol. 2010;13(1):53-72..

Assim, o envelhecimento confronta a organização econômica capitalista22. Moraes GVOB. Influência do saber biomédico na percepção da relação saúde/doença/incapacidade em idosos da comunidade [dissertação]. Belo Horizonte (MG): Fundação Oswaldo Cruz; 2012., justamente, por tal organização estar centralizada na força de trabalho. A exclusão dos idosos, nesse sistema socioeconômico, se dá pelo fato de ser exigido que a força trabalhadora seja exercida por pessoas jovens, ou seja, por pessoas consideradas sadias, vigorosas, fisicamente aptas para gerar e para consumir mercadorias.

Nessa lógica, uma vez tendo se retirado do mercado de trabalho e podendo, em função disso, reduzir seu poder aquisitivo, a pessoa idosa, geralmente, deixa de ser reconhecida como alguém produtivo. Dentre os fatores que justificam a causa do afastamento da pessoa idosa de ambientes sociais e de trabalho estão suas modificações físicas. Elas ocorrem naturalmente ao longo do tempo, ocasionando, muitas vezes, reduções de sua acuidade visual e auditiva, modificações vocais, além de mudanças estéticas, dentre outras, as quais têm sido depreciadas na cultura ocidental, que toma como modelo o homem jovem produtivo e consumidor33. Oliveira MCR, Fernandes M, Carvalho RR. O papel do idoso na sociedade capitalista contemporânea: uma tentativa de análise. In: V Jornada Internacional de Políticas Públicas. Anais; Agosto de 2011; UFMA. Maranhão. On line. Disponível em http://www.joinpp.ufma.br/
http://www.joinpp.ufma.br/...
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Nesse contexto, a velhice é focalizada por uma ótica negativa, atrelada ao saber biomédico, que se fundamenta em uma visão biológica e mecanicista do ser humano, pressupondo uma abordagem curativa das doenças22. Moraes GVOB. Influência do saber biomédico na percepção da relação saúde/doença/incapacidade em idosos da comunidade [dissertação]. Belo Horizonte (MG): Fundação Oswaldo Cruz; 2012.. Essa ótica, que toma o envelhecimento simplificadamente como uma sucessão de perdas orgânicas, contribui para a desumanização da velhice, incitando uma busca contraditória da eterna juventude³. Essa simplificação, própria de uma sociedade adultocêntrica, de forma geral, produz estereótipos discriminatórios em torno do processo de envelhecimento e afasta o idoso de um convívio social significativo, capaz de mantê-lo integrado à sua família e à sua comunidade. Além disso, é preciso ressaltar que tal visão hegemônica da velhice contraria recomendações internacionais44. World Health Organization. Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasília, DF: Organização Pan-Americana de Saúde, 2005. e nacionais55. Brasil. Portaria nº 2.528, de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2006. relacionadas à promoção da saúde da pessoa idosa.

A fim de repensar a velhice a partir de outro viés, a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2005)44. World Health Organization. Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasília, DF: Organização Pan-Americana de Saúde, 2005. passa a refletir a respeito do processo de otimização da saúde do sujeito idoso. Segundo a OMS, é preciso reconhecer que esse sujeito pode e deve participar continuamente de decisões acerca de aspectos estruturais da comunidade em que vive, tais como os de caráter econômico, cultural, espiritual, civil, entre outros44. World Health Organization. Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasília, DF: Organização Pan-Americana de Saúde, 2005.. Dessa forma, propõe o envelhecimento ativo, esclarecendo que tal termo não se refere à força física de trabalho, mas à participação social do idoso, apontando para uma nova concepção sobre a velhice. Nessa proposta, as pessoas mais velhas passam a ser vistas, para além de aspectos meramente orgânicos, podendo ser qualificadas como contribuintes e beneficiárias do desenvolvimento social.

No encalço dessa perspectiva, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI), fundamentada no reconhecimento dos direitos dos idosos e nos princípios de independência, participação, autonomia, dignidade, assistência e autorrealização, determinados pela Organização das Nações Unidas, assume como uma de suas diretrizes a promoção do envelhecimento ativo e saudável, tendo em vista o engajamento social do idoso55. Brasil. Portaria nº 2.528, de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2006..

Nesse sentido, cabe ressaltar o papel da linguagem na promoção do envelhecimento ativo, pois é a partir da linguagem, concebida como atividade dialógica, que os idosos participam da sociedade em que vivem66. Massi G, Berberian AP, Guarinello AC, Lourenço RCC, Tonocchi R. Language and aging: written autobiographical practices with elderly. Rev. CEFAC. 2015;17(6):2065-71.. É por meio do diálogo que as pessoas, em diferentes ciclos de vida, relacionam-se entre si, influenciando-se, participando e transformando a comunidade em que vivem77. Souza IAL, Massi G, Berberian AP, Guarinello AC, Carnavale L. The impact of discursive linguistic activities in promoting the health of elderly people in a long-term care institution. Audiol Commun Res. 2015;20(2):175-81.. Por isso, o desenvolvimento de práticas orais e escritas efetivas deve assumir relevância, no processo de envelhecimento, na medida em que amplia o poder de decisão e a integração social de pessoas idosas.

Dessa forma, tendo como foco o envelhecimento ativo e entendendo que práticas dialógicas são necessárias para que a velhice seja vivida de forma saudável, o presente estudo objetiva analisar os efeitos que atividades significativas com a linguagem podem ter sobre a autonomia e a participação social de idosos.

Métodos

O presente estudo constituiu-se como uma pesquisa-intervenção, pautada em uma perspectiva dialógica do discurso, nos termos da filosofia da linguagem de Bakhtin88. Bakhtin M. Estética da criação verbal. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes; 2000.. Trata-se de um estudo, aprovado pelo Comitê de Instituição de Ensino Superior da Universidade Tuiuti sob protocolo número 102/2008, que associa produção de conhecimento e ações voltadas à promoção de saúde. Assim, considerando os critérios da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A pesquisa-intervenção pressupõe que o pesquisador investigue com os sujeitos e não sobre eles, pois toma a relação com o outro como pressuposto fundamental do estudo99. Jobim e Souza S, Albuquerque EDP. A pesquisa em ciências humanas: uma leitura Bakhtiniana. Rev Estudos do Discurso. 2012;7(2):109-22.. Dessa forma, tal pesquisa, pautada no princípio da alteridade1010. Amorim M. O pesquisador e o seu outro: Bakhtin nas ciências humanas. São Paulo: Musa Editora, 2004., aproxima-se do entendimento de que a relação entre pesquisador e participantes da pesquisa constitui condição básica para o seu desenvolvimento, assumindo que todo conhecimento é produzido historicamente e compartilhado socialmente1111. Barros JPP, Colaço VFR. Drogas na escola: análise das vozes sociais em jogo. Educ e realidade. 2015;40(1):253-73..

Participaram do presente estudo 6 pessoas idosas, reconhecidas por nomes fictícios, as quais integraram um trabalho de promoção da linguagem, elaborado em função de atividades dialógicas. Convém esclarecer que os idosos buscaram esse trabalho em função de cartazes informativos, divulgados na Unidade de Saúde mais próxima da Universidade onde foram desenvolvidas as práticas dialógicas. Nesses cartazes, pessoas com mais de 60 anos, interessadas em contar suas histórias de vida foram convidadas a se inscrever na Oficina da Linguagem, sendo informados os contatos necessários para tal inscrição. Além dos idosos, estiveram envolvidos nesse trabalho jovens estagiários do curso de Fonoaudiologia de uma Universidade situada no Sul do país e os próprios pesquisadores fonoaudiólogos.

As atividades voltaram-se à elaboração de relatos orais e escritos de histórias de vida, sendo desenvolvidas em encontros semanais, que tiveram duração de aproximadamente 90 minutos cada, durante o ano letivo de 2015. Nesses encontros, os idosos optaram por discutir assuntos que abordavam suas tendências artísticas. Para dar conta dessa temática, durante o primeiro semestre de 2015, o grupo visitou um museu, e, em alguns encontros, participou de palestras e estabeleceu diálogos com vários artistas reconhecidos regionalmente, dentre eles: um pintor de telas, uma fotógrafa, um cartunista e uma escultora. Além disso, leram textos de diferentes gêneros que versavam sobre produções artísticas que compõem o cotidiano atual.

De forma mais específica, durante o primeiro semestre, o trabalho dialógico voltou-se a leituras conjuntas de textos diversos a partir das quais os participantes desenvolveram discussões orais, considerando suas interpretações individuais. Essas interpretações singulares, fundamentadas no conhecimento e nas experiências pessoais dos participantes, além de intensificar as discussões, por vezes polêmicas, permitiu que os idosos percebessem que eram capazes de assumir a autoria da própria leitura. Eles passaram a entender que a atividade de leitura podia e devia estabelecer uma íntima relação com os seus conteúdos vivenciais.

No segundo semestre do mesmo ano, depois das práticas com a leitura, foi iniciado um trabalho de produção de texto, organizado em função de relatos de experiências pessoais. Essas experiências, envolvendo atividades artísticas, tais como desenhos em tecido, culinária criativa, pinturas em tela, fotografias, entre outras, que faziam parte do cotidiano dos participantes, foram inicialmente compartilhadas oralmente. Cada idoso narrava partes de sua histórias e os outros ouviam e faziam comentários. Na sequência, cada um escreveu seu relato e leu aos demais integrantes, os quais questionaram, apontaram lacunas, deram sugestões, gerando questões sobre aspectos formais e discursivos dos textos elaborados.

As questões, que eram acolhidas pelos integrantes, desempenharam papel determinante na reelaboração individual dos textos. Por fim, após essa reelaboração, o texto de cada um foi transformado em um capítulo de livro. Assim, tomando a perspectiva dialógica como referencial nesse trabalho, uma vez que a linguagem, como atividade simbólica, promove a reorganização contínua da história de cada sujeito, os participantes se autorizaram a escrever seus relatos pessoais, publicando um livro, que eles intuturam “A arte não tem idade”.

Em novembro de 2015, com o término do trabalho voltado à promoção da linguagem, os participantes idosos responderam, de forma individual e oralmente, a uma entrevista semi-estruturada. O tempo médio de realização das entrevistas foi de 40 minutos. Cada entrevista foi gravada em aparelho LG-E612f e depois transcrita na íntegra. Essa entrevista, entendida como dispositivo enunciativo, capaz de impulsionar os sujeitos a produzirem textos, além de questões voltadas ao perfil socioetário dos idosos, foi composta por indagações que visavam compreender os efeitos que atividades efetivas com a linguagem tiveram sobre a autonomia e a participação social dos participantes.

A unidade de análise do estudo foi a própria atividade discursiva desencadeada durante a entrevista, Essa atividade corresponde a uma situação interacional semioticamente mediada, conforme a perspectiva dialógica que fundamenta o presente estudo99. Jobim e Souza S, Albuquerque EDP. A pesquisa em ciências humanas: uma leitura Bakhtiniana. Rev Estudos do Discurso. 2012;7(2):109-22.. Por isso, as questões norteadoras, que organizaram o roteiro da entrevista, estão configuradas na explicitação dos resultados, antecedendo as respostas elaboradas pelos participantes. Pois, dessa forma, é possível considerar o contexto discursivo, no qual os relatos dos participantes foram produzidos, conforme apresentado na sequência.

Resultados

Os resultados estão organizados em 3 eixos. O primeiro eixo retrata o perfil socioetário dos participantes. O segundo e o terceiro evidenciam produções discursivas relacionadas aos efeitos das atividades dialógicas sobre a autonomia e a participação social dos integrantes deste estudo.

Primeiro Eixo: Perfil dos participantes da pesquisa

O primeiro eixo apresenta os dados das pessoas que participaram da pesquisa, tendo em vista aspectos relacionados ao gênero, idade, estado civil, renda mensal, escolaridade, conforme apresentado na sequência.

Bianca: é uma mulher de 68 anos de idade, divorciada, aposentada, com renda mensal de cinco salários mínimos. Ela reside sozinha, convive com a mãe, irmãos, filhos, netos e amigos. Possui nível de escolaridade superior.

Cora: é uma mulher de 83 anos de idade, viúva, aposentada, com renda mensal de três salários mínimos. Reside sozinha, convive com vizinhos e colegas de grupos que frequenta. Possui nível de escolaridade superior.

Carina: é uma mulher de 64 anos de idade, divorciada, aposentada com renda mensal de um salário mínimo, reside sozinha, convive com dois filhos e vizinhos. Possui nível de escolaridade compatível com ensino fundamental.

Erica: é uma mulher de 61 anos de idade, casada, aposentada, com renda mensal de dois salários mínimos. Ela trabalha para complementar a renda, reside com o marido e um filho, convive com netos e irmãos. Com relação à escolaridade, completou o ensino médio.

Gislene: é uma mulher de 67 anos de idade, solteira, aposentada, com renda mensal de cinco salários mínimos. Reside sozinha, convive com amigos e vizinhos. Ela concluiu curso superior.

Yolanda: é uma mulher de 90 anos de idade, viúva, aposentada, com renda mensal de um salário mínimo. Reside com os filhos e convive com amigos, vizinhos e colegas de grupos que freqüenta. Não concluiu o ensino fundamental.

Segundo Eixo: Efeitos de atividades dialógicas na autonomia de pessoas idosas

Para compreender os efeitos das práticas dialógicas sobre a autonomia das idosas entrevistadas, foi perguntado a cada uma se o trabalho de promoção da linguagem influenciou ou não na sua autonomia. E as respostas dadas a tal questão estão apresentadas na sequência.

Bianca: Sim, quando eu comecei a participar do grupo, melhorou minha autoestima e isso me deu mais segurança, quando tenho vontade de fazer algo eu faço por mim e não pelos outros.

Cora: Sim, ajudou porque nós trabalhamos nossa deficiência, eu percebi que com os cuidados da família eu estava mais dependente do que realmente eu sou, eu dei um basta e me tornei mais autônoma do que eu era.

Carina: Acho que sim, a partir do que a gente tem conversado aqui eu consigo explicar mais para as pessoas sobre minhas limitações, e que é um direito meu, por exemplo, poder ir sentada no ônibus, peço meu lugar sem medo, me expresso diferente.

Erica: O que é trabalhado aqui me ajudou a ver minhas possibilidades, tudo que posso fazer, que a gente não fica pra trás só porque o tempo passou pra gente.

Gislene: Sim, aqui a gente é convidada a se colocar, o ideal deste trabalho é não sair calada, então sinto que o grupo me fez ver as minhas possibilidades.

Yolanda: Sim, eu assumi um compromisso de estar aqui no dia e na hora certa. Então, assumir esse compromisso faz desenvolver minha autonomia.

Acompanhando as produções discursivas das idosas, é possível afirmar que as atividades dialógicas das quais participaram exerceram influências sobre a autonomia de todas as participantes.

Dentre os efeitos dessas atividades, elas ressaltam: maior segurança para tomar decisões; necessidade de afastar-se do cuidado excessivo da família e de tornar-se mais independente; valorização dos próprios direitos e a possibilidade de expressá-los sem medo; entendimento de que, na velhice, é possível projetar e executar ações, pois o tempo da velhice não deve ser visto como negativo; reconhecimento de que a velhice é um momento de vida em que é possível assumir compromissos com o próprio bem estar.

Terceiro Eixo: Efeitos de atividades dialógicas na participação social de pessoas idosas

Para analisar aspectos relacionados à participação social, a entrevistadora fez duas questões às idosas. A primeira solicitou que respondessem se, na opinião delas, as atividades dialógicas desenvolvidas ao longo de um ano provocou ou não mudanças nas suas relações sociais. E, tendo em vista que todas responderem positivamente, foram solicitadas a explicar tais mudanças.

Bianca: Eu enxergo os problemas de outra forma, a gente desconstruiu os padrões impostos pela sociedade. Cada um é e tem que ser aceito do jeito que é, porque a sociedade impõe padrões e o que eu aprendi aqui é que a gente deve defender nossas opiniões e o que a gente gosta.

Cora: Ocorreu uma mudança muito grande, minha autoestima que estava no chão eu elevei as nuvens, elevei ao máximo.

Carina: Eu me soltei mais. Eu fui entendendo que, quando eu não sei alguma coisa, está tudo bem.

Erica: Me senti mais inspirada em falar depois que comecei a participar [desse trabalho]. Não sei se é o fato de eu me sentir acolhida.

Gislene: Aqui [...] a gente se sente mais à vontade, então eu sinto que tenho mais liberdade de me colocar.

Yolanda: Nunca me imaginei tendo tanto espaço para falar sobre minha história, me senti importante.

Os enunciados produzidos pelas idosas indicam que, na visão delas, o envolvimento em atividades dialógicas pode ampliar sua participação social. Para as participantes, tais atividades geraram possibilidades para que pudessem: defender o próprio ponto de vista; desconstruir padrões sociais impostos; reconhecer o valor de suas próprias experiências; ter inspiração e liberdade para falar diante do outro. Além disso, para uma idosa, participar de práticas dialógicas, contribuiu para elevar sua autoestima.

Na continuidade da entrevista, para aprofundar a compreensão sobre a influência de atividades dialógicas na ampliação da participação social de idosos, a entrevistadora elaborou a seguinte questão: “Na sua opinião, o trabalho desenvolvido nesse ano, com a linguagem, pode ajudar pessoas mais velhas a se manterem participantes na família e no grupo com o qual convivem?’’ E, para responder à entrevistadora, as idosas elaboraram os enunciados apresentados na sequência.

Bianca: O fato desse trabalho dar esse espaço pra gente discutir assuntos diversos amplia nossa forma de ver a vida e a gente leva isso pra casa. Temos vontade de compartilhar com as pessoas próximas o que é discutido aqui.

Cora: Pode e muito, porque como é uma faculdade muitos acham que estamos fazendo um curso. E, de fato, estamos, mas é diferenciado... é uma oficina. A gente passa para os jovens muita coisa que aprende aqui e as pessoas vão entendendo melhor o idoso.

Carina: Sim, porque aqui a gente contou uma parte da nossa história. E, nisso, eu entendi que todo mundo tem dificuldade e isso ajuda a gente a não desistir e seguir em frente.

Erica: A gente percebe que tem pessoas mais travadas sem fala própria, que acabam não tendo vez. Eu venho aqui porque eu gosto, mas esse espaço é uma oportunidade para muita gente que não tem outros espaços para serem ouvidas.

Gislene: Acho que o mais importante é que incentiva as pessoas a saírem de casa e se mexerem e a pensarem. E isso é muito importante, quando você procura coisas fora de casa ajuda a sair da depressão.

Yolanda: Dá uma impressão aqui que a gente está ensinando, mesmo que eu não tenha feito universidade eu tenho experiência de vida. E isso é valorizado aqui, é uma oportunidade de falar sobre nossos conhecimentos, é muito bom.

Os enunciados elaborados pelas participantes idosas indicam que trabalhar com e sobre a linguagem, em uma perspectiva dialógica, permitiu-lhes ampliar o entendimento de fatos da própria vida, influenciando positivamente a relação que estabelecem com pessoas do próprio convívio. Além disso, viabilizou o estabelecimento de relações entre gerações diferentes; valorizou a experiência acumulada ao longo da vida; promoveu maior aceitação das suas dificuldades e das dos outros; incentivou a participação social.

Discussão

Com relação ao primeiro eixo, que se refere ao perfil societário dos sujeitos da pesquisa, verificou-se que todas as participantes são mulheres. Essa predominância do gênero feminino consta também do perfil estatístico feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística1212. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mudanças demográficas no Brasil no início do século XXI: subsídios para as projeções da população. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, IBGE, 2015., o qual demonstra que as mulheres são a maioria dentre a população brasileira que envelhece. Da mesma forma, outro estudo realizado em uma capital do Sul do Brasil, com mais de 70 idosos, indica que aproximadamente 90% deles são do gênero feminino1313. Souza Filho PP, Massi GA. Letramento de idosos brasileiros acima de 65 anos. Distúrb Comun. 2014;26(2):267-76.. Esse prevalência de participantes mulheres, pode ser justificada devido ao papel social imposto aos homens no contexto cultural atual, que delineia uma expectativa de que o homem deve ser forte, viril e invulnerável. Pesquisa indica que, para dar conta dessa expectativa, de forma geral, os homens ocidentais buscam menos do que as mulheres os serviços de saúde e atividades grupais1414. Alves RF, Silva RP, Ernesto MV, Barros AGL, Souza FM. Gênero e saúde: o cuidar do homem em debate. Psicol Teor Prat. 2011;13(3):152-66..

A respeito da renda, foi constatado que o ganho mensal das participantes é diretamente proporcional ao nível de escolaridade das mesmas. Ou seja, aquelas com nível superior, recebem salários que equivalem, em média, a valores que giram entre 3 e 5 salários mínimos. As participantes com ensino fundamental recebem 1 salário mínimo e a participante que tem ensino médio possui uma renda mensal que chega a dois salários mínimos, devido a complementação do valor da aposentadoria. Resultados similares foram apontados em outro estudo que indica que idosos com nível superior completo possuem uma renda mensal que varia entre três e cinco salários mínimos, sendo significativamente maior do que aqueles que apresentam menor tempo de escolarização1515. Souza FPP, Massi GAA, Ribas A. Escolarização e seus efeitos no letramento de idosos acima de 65 anos. Rev. Bras Geriatr Gerontol. 2014;17(3):589-600..

O segundo eixo diz respeito aos efeitos que atividades dialógicas têm sobre a autonomia das participantes. De acordo com a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa55. Brasil. Portaria nº 2.528, de 19 de outubro de 2006. Aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2006., a autonomia perpassa todas as ações das pessoas ao longo da vida, devendo ser garantida à população que envelhece. É a partir da autonomia que cada idoso pode participar ativamente das decisões que envolvem sua vida e a comunidade em que vive. Nos relatos apresentados no eixo 2, as participantes mencionaram que, após a participação em um grupo voltado ao desenvolvimento de atividades dialógicas, perceberam maior segurança para tomarem decisões; necessidade de afastarem-se do cuidado excessivo da família e de tornarem-se mais independentes; valorização dos próprios direitos e a possibilidade de expressá-los sem medo.

Os relatos das participantes, de forma geral, estão em consonância com outro estudo que aponta que trabalhos grupais podem servir de apoio aos idosos, incentivando a busca pela autonomia e independência1616. Both JE, Leite MT, Hildebrandt LM, Pilati ACL, Stamm B, Jantsch L. Grupos de convivência: uma estratégia de inserção do idoso na sociedade. Rev Contexto Saúde. 2011;10(20):995-8.. Segundo esse estudo, tal incentivo amplia a possibilidade de os mais velhos lidarem com suas inseguranças, proporcionando-lhes maior resiliência diante das dificuldades1616. Both JE, Leite MT, Hildebrandt LM, Pilati ACL, Stamm B, Jantsch L. Grupos de convivência: uma estratégia de inserção do idoso na sociedade. Rev Contexto Saúde. 2011;10(20):995-8..

Os enunciados das participantes também indicam que atividades com a linguagem levaram-nas ao entendimento que o tempo da velhice não deve ser visto como negativo. Trata-se de um momento de vida em que é possível assumir compromissos com o próprio bem estar. Assim, a partir destes enunciados, é possível afirmar que as atividades dialógicas desenvolvidas junto a essas idosas permitiu-lhes questionar padrões depreciativos impostos pela sociedade capitalista ocidental, que desconsidera o envelhecimento ativo.

Um estudo anuncia que o engajamento em atividades sociais e de lazer, possibilita a ampliação do bem-estar psicológico e maior integração social da pessoa idosa1717. Macêdo CMV, Andrade RGN. Imagem de si e autoestima: a construção da subjetividade no grupo operativo. Psicol Pesq. 2012;6(1):74-82.. Segundo as autoras, nas relações grupais, os sujeitos podem reorganizar a imagem que têm de si ao responderem quem acham que são, como percebem suas características físicas e psicológicas, bem como suas qualidades ou falhas1616. Both JE, Leite MT, Hildebrandt LM, Pilati ACL, Stamm B, Jantsch L. Grupos de convivência: uma estratégia de inserção do idoso na sociedade. Rev Contexto Saúde. 2011;10(20):995-8.. Dessa forma, é possível entender que relações dialógicas estabelecidas durante os encontros do grupo podem ampliar a aceitação da própria velhice, favorecendo o bem estar e promovendo satisfação e autoestima dos idosos.

Com relação ao terceiro eixo, relacionado aos efeitos do dialogismo na participação social de pessoas idosas, os enunciados produzidos pelas participantes indicaram que, na visão delas, o envolvimento em atividades dialógicas pode ampliar sua inserção social, influenciando positivamente nas relações estabelecidas com pessoas de diferentes gerações que fazem parte do seu próprio convívio, conforme indicado em outro estudo voltado ao papel que atividades dialógicas desempenham na reciprocidade intergeracional1818. Massi G, Santos AR, Berberian AP, Ziesemer NB. Impact of dialogic intergenerational activities on the perception of children, adolescents and elderly people. Rev. CEFAC. 2016;18(2):399-407.. Além disso, elas mencionaram que perceberam a importância de defender o próprio ponto de vista, bem como a aceitação das próprias limitações. Esses dados encontram ressonância em outra pesquisa que afirma que práticas grupais significativas com a linguagem permitem (re)elaborações da própria história de vida, gerando maior participação social1919. Lourenço RCC, Massi G, Lima RR. Language and aging: a search for resignifications of life stories. Rev. CEFAC. 2014;16(2):672-8..

Foi possível acompanhar, nos relatos das participantes, que o desenvolvimento de ações discursivas levou-as a valorizar seus saberes e suas histórias de vida. Com isso, puderam superar situações cotidianas limitantes, participando, de forma mais ampla, da comunidade em que vivem. Nessa direção, outro estudo2020. Finger D, Gomes AM, Schröder JD, Germani ARM. Promoção da saúde e prevenção de doenças: idosos como protagonistas desta ação. Revista de Enfermagem FW. 2015;11(11):80-7., focado em aspectos relacionados à promoção de saúde de pessoas idosas, também, discute a importância da valorização do conhecimento da própria pessoa no seu processo de empoderamento.

A participação em atividades com e sobre a linguagem, levou as pessoas idosas, que integraram o presente estudo, a relatarem mudanças positivas nas suas decisões e em seus posicionamentos diante do outro, tanto em âmbito familiar, como em um âmbito social mais profuso. Com isso, permitem afirmar que o uso efetivo da oralidade e da escrita, no processo de envelhecimento, ampliou seu poder decisão e sua integração social. Entretanto, pelo caráter singular que toda pesquisa de cunho dialógico assume e pelo número restrito de participantes, convém explicitar que seus relatos e a discussão suscitada pelos mesmos não podem ser generalizados para outras populações.

Considerações Finais

Os resultados dessa pesquisa indicam que atividades dialógicas tiveram efeitos positivos na participação social e na autonomia de seus participantes idosos. Dentre os efeitos que essas atividades propiciaram na participação social, os idosos ressaltaram maior possibilidade para valorizar suas experiências e para defender o próprio ponto de vista frente ao outro. No que se refere à autonomia, referiram mais segurança para tomar decisões, necessidade de afastar-se do cuidado excessivo da família e de assumir a independência, valorização dos seus direitos e viabilidade de expressá-los sem medo, bem como reconhecimento de que, na velhice, é possível assumir compromissos com o próprio bem estar.

Dessa forma, convém ressaltar a relevância de trabalhos que levem em consideração práticas dialógicas junto a essa parcela da população, as quais podem promover o envelhecimento ativo, conforme proposto pela Organização Mundial da Saúde e pela Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2018

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2017
  • Aceito
    18 Nov 2017
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