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Estudo de caso de uma criança vítima de privação social a partir de uma perspectiva dialógica

RESUMO

O objetivo do presente estudo é discutir como a terapia fonoaudiológica baseada em uma perspectiva dialógica pode propiciar o processo de apropriação da linguagem de uma criança vítima de privação social. Neste estudo de caso, de âmbito longitudinal, foram analisados os dados coletados, de fevereiro a novembro de 2016, a partir de sessões de terapia fonoaudiológica realizadas em uma Clínica-Escola de Fonoaudiologia localizada no sul do Brasil. A paciente quando iniciou o trabalho tinha 5 anos e foi vítima de privação social na primeira infância. Para o processo terapêutico e a avaliação de linguagem utilizaram-se atividades elaboradas, contextualizadas e pautadas em uma ou várias funções sociais, tais como brincadeira de casinha, bonecas. Durante o processo avaliativo notou-se, com relação à linguagem, que a criança não demonstrava intenção para iniciar ou responder turnos, não mantinha contato visual, utilizava palavras e enunciados incompletos e, em geral, ininteligíveis. Ao longo do processo terapêutico, notou-se que ela começou a participar mais efetivamente nos diálogos, replicando os enunciados alheios, a se posicionar com relação ao outro, a se perceber como um sujeito dialógico e a iniciar o processo interativo. Por meio das interações dialógicas ocorridas neste período, considera-se que houve a ampliação das possibilidades discursivas e de interação da criança, permitindo uma melhor organização do sujeito com relação à sua fala e ao papel que desempenha em cada interação social.

Descritores:
Fonoaudiologia; Terapia; Linguagem; Criança; Interação

ABSTRACT

This study aims to discuss how Speech-language therapy based on a dialogical perspective can facilitate the language appropriation process of a child, victim of social deprivation.In this longitudinal case study, the collected data, from February to November 2016, were analyzed from therapy sessions conducted at a Speech-Language Clinic located in Southern Brazil. The child was a 5-year old girl, victim of social deprivation in her early childhood. For the language therapeutic and evaluation process, the therapist used contextualized language-based activities, several social functions, such as house playing and dolls. During the evaluation process, it was noted that the child did not show intention to initiate or respond to taking turns, did not maintain visual contact and used incomplete and generally unintelligible statements. Throughout the therapeutic process, it was seen that this child began to participate more effectively in the dialogues, replicating the statements of others, positioning herself in relation to the other, perceiving herself as a dialogical subject and initiating the interactive process. Through the dialogical interactions that occurred in this period, it is considered that there was an expansion of her discursive interactions, allowing a better organization of her speech and the role she plays in each social interaction.

Keywords:
Speech, Language and Hearing Sciences; Therapy; Language; Child; Interaction

Introdução

De acordo com a perspectiva Bakhtiniana adotada neste trabalho11. Fiorin JL. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática; 2006., a constituição da singularidade do sujeito ocorre pelo encontro com o outro, em uma troca constante entre o mundo interno e externo, a qual ocorre no decorrer de toda sua vida pela linguagem11. Fiorin JL. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática; 2006.. Em um primeiro momento, tais trocas acontecem no ambiente familiar com aqueles que assumem o papel materno e paterno, principalmente. Por estarem mais próximos do bebê, são esses outros que irão auxiliá-lo a delinear sua forma de agir perante o mundo e as pessoas, partindo de interações realizadas no próprio núcleo familiar. A partir de tais interações mediadas pela linguagem, as quais influenciam suas relações e o seu agir no mundo, o sujeito as torna únicas e próprias de si, pois nenhum outro jamais vivenciou os mesmos acontecimentos, da mesma maneira única e singular. Dessa forma, a sociedade pode ser entendida como um conjunto de várias unicidades que se influenciam e são influenciadas a todo instante, transformando a si próprias e aos outros22. Narzetti C. A filosofia da linguagem de V. Voloshinov e o conceito de ideologia. Alfa Rev. Linguíst. 2013;57(2):367-88..

Na perspectiva dialógica de linguagem33. Guarinello AC, Massi G, Berberian AP, Tonocchi R, Valentin SML. Speech language group therapy in the context of written language for deaf subjects in Southern Brazil. Deafness & Education Internat. 2017;19(3):1-11., a língua é considerada como um sistema aberto fundamental para o estabelecimento da atividade discursiva, é o produto social da linguagem. É por meio da língua que é possível o diálogo entre ao menos duas pessoas inseridas em uma mesma sociedade/comunidade, pois de outro modo não haveria trocas dialógicas44. Faraco CA. Interação e linguagem: balanço e perspectivas. Calidoscópio. 2005;3(3):214-21.. Assim, tal perspectiva considera a história de cada sujeito e as relações sociais que esse estabelece com o meio ao entrar em contato com outros sujeitos e suas respectivas visões e vozes sociais.

Portanto, a partir do início do infindo processo de apropriação da linguagem, o sujeito passa a tomar consciência do seu papel nos diálogos e, por meio dos diferentes gêneros discursivos55. Signor RCF. Os gêneros do discurso como proposta de ação fonoaudiológica voltada para sujeitos com queixas de dificuldades de leitura e escrita. Bakhtiniana. 2011;1(5):54-71.

6. Signor RCF. A interlocução na clínica fonoaudiológica: ressignificando vivências em práticas de leitura e escrita. Signo. 2012;37(63):2-24.
-77. Signor RCF. Escrever e reescrever: desenvolvendo competências em leitura e escrita na clínica fonoaudiológica. RBLA. 2013;13(1):123-43., insere-se na história percebendo-se a si e aos outros a sua volta, aprendendo a relatar, comentar, argumentar, contar a outrem seus motivos, anseios, acontecimentos, sua história de maneira organizada, logo, compreensível. Nesse sentido, a interação da criança com os meios sociais, e a desses com a criança, é o que permite sua crescente autonomia no discurso, fazendo com que seja possível sua maior participação e interferência em seu meio e com seus pares88. Abe CM, Bretanha AC, Boza A, Ferraro GJK, Lopes-Herrera SA. Verbal communication skills in typical language development: a case series. CoDAS. 2013;25(1):76-83..

Um estudo99. Sacks O. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Editora Companhia das Letras; 2010. a respeito de crianças que passaram por situações de privação social esclarece que a pessoa que cresce em meio a um ambiente sem referências de outros seres humanos não tem quem a auxilie a mediar suas interações. Assim, tal privação social pode limitar a ação do sujeito, primeiro no plano discursivo, e depois, no social99. Sacks O. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Editora Companhia das Letras; 2010.. Por esse motivo, em geral, as crianças privadas do convívio social e interativo apresentam uma série de limitações na apropriação da linguagem, tais como: vocabulário reduzido, falta de interação com o outro, falta de coerência e coesão, etc. Isso ocorre, pois nunca lhes foi dado o papel ativo na construção de si mesmo, já que isto só acontece por intermédio da interação com o outro33. Guarinello AC, Massi G, Berberian AP, Tonocchi R, Valentin SML. Speech language group therapy in the context of written language for deaf subjects in Southern Brazil. Deafness & Education Internat. 2017;19(3):1-11..

Com relação ao trabalho terapêutico fonoaudiológico com crianças vítimas de privação social, percebe-se que esta é uma área pouco explorada na Fonoaudiologia, especialmente no que diz respeito ao processo terapêutico a partir de uma perspectiva dialógica1010. Sarlanis VL. O processo clínico fonoaudiológico de uma criança vítima de privação social: estudo de caso [monografia]. Curitiba (PR): Universidade Tuiuti do Paraná, Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde; 2016.. Em vista disso, sugere-se que as terapias fonoaudiológicas baseadas em uma perspectiva dialógica33. Guarinello AC, Massi G, Berberian AP, Tonocchi R, Valentin SML. Speech language group therapy in the context of written language for deaf subjects in Southern Brazil. Deafness & Education Internat. 2017;19(3):1-11.,1111. Brait B. Uma perspectiva dialógica de teoria, método e análise. Gragoatá. 2006;11(20):47-62.

12. Santana AP, Santos KP. A perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin e a análise da linguagem na clínica fonoaudiológica. Bakhtiniana. 2017;12(2):174-90.
-1313. Signor RCF, Santana AP. Speech therapy plan guided by Bakhtin's speech genres theory: theoretical methodological aspects. Distúrb Comun. 2017;29(2):365-76. podem servir como um meio para a mediação entre o sujeito com atraso de linguagem e o outro, de maneira a reorganizar sua ação sobre a linguagem, fazendo com que consiga se apropriar dessa e interagir. A partir destas explanações, propô-se o objetivo deste trabalho que é discutir como a terapia fonoaudiológica baseada em uma perspectiva dialógica pode propiciar o processo de apropriação da linguagem de uma criança vítima de privação social.

Apresentação do Caso

A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Sociedade Beneficiente Evangélica (CAAE: 8910/11). Além disso, a responsável pela paciente assinou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O estudo foi realizado na Clínica-Escola de Fonoaudiologia de uma Universidade localizada no sul do Brasil, e enfocou o caso de uma criança que frequenta terapias fonoaudiológicas pautadas em uma perspectiva dialógica. O processo clínico fonoaudiólogico, desenvolvido de fevereiro a novembro de 2016, ocorreu durante terapias semanais, com duração de 40 minutos, as quais se basearam nas relações dialógicas entre paciente-terapeuta.

A análise longitudinal dos resultados foi realizada partindo dos dados coletados nos prontuários da paciente durante o seu processo terapêutico, tais como: entrevista inicial, relatórios de avaliação, registros diários, relatórios semestrais e registros filmados e transcritos de diálogos entre a terapeuta e a paciente.

A paciente, que participa deste trabalho, é uma menina nascida em 7 de abril de 2011. Ela tem um histórico de privação de contato e interação com o outro, sendo identificada, ao longo do presente estudo, pelo nome fictício Luana. Além do seu nome próprio, os de seus familiares também são fictícios, preservando a identidade dos mesmos.

A entrevista inicial foi realizada com Lívia, 31 anos, irmã de Luana, por parte do primeiro casamento do pai. Lívia, atualmente possui a guarda de Luana e de sua irmã Milena, com 6 anos. Segundo Lívia, em maio de 2015, Luana, com 4 anos, e sua irmã Milena, com 5 anos, foram retiradas dos pais biológicos após uma denúncia feita por uma agente de saúde do município onde residiam e, com a verificação do conselho tutelar, o caso foi caracterizado como “cárcere privado”. Cabe destacar que seu pai biológico, Bernardo, é caminhoneiro e costumava viajar a maior parte do tempo. A mãe, Jaqueline, segundo dados coletados, não interagia com as filhas, deixando-as, na maior parte do tempo sozinhas no berço em um quarto escuro e com televisão e rádio ligados (sic). O pai as levava em algumas viagens a bordo do caminhão, a trabalho e, ocasionalmente, iam a festas da família, quando a irmã Lívia percebia que as crianças não interagiam com as pessoas ao redor e questionava o pai a respeito de tal fato. Na época, o pai não tomou nenhuma providência. A mãe biológica, diagnosticada como esquizofrênica após a denúncia do Conselho Tutelar, justificou o isolamento das menores pelo medo de machucá-las.

Após a denúncia, Luana e a irmã Milena foram morar com Lívia e seu marido Arnaldo, os quais assumiram os papéis materno e paterno respectivamente. Segundo Lívia, quando Luana e Milena vieram morar em sua casa, ambas não andavam sem ajuda e não tinham coordenação motora para manusear objetos. Elas, também, não sabiam comer ou brincar sozinhas. Luana, inicialmente, apresentava quadros de febre, segundo Lívia por questões emocionais. No decorrer do ano em que passaram a viver com Lívia e Arnaldo, a irmã percebeu mudanças significativas nas meninas, em vários aspectos: motor, social, linguístico, físico, psíquico e emocional.

No momento da primeira entrevista, Lívia explicou que as duas crianças já falavam quando se afastaram dos pais biológicos. Porém, apresentavam uma fala “cantada”, em geral, sem respeitar turnos e de difícil compreensão. Lívia justificou tal fato explicitando que, quando as crianças moravam com os pais biológicos, passavam o dia ouvindo músicas, assistindo desenhos e filmes infantis e comerciais televisivos. Não costumavam interagir com adultos e nem com outras crianças, na maior parte do tempo. Com relação à Luana, sujeito deste estudo, Livia referiu que ela costumava falar muito rápido e embolar as palavras, sendo que, comumente, era preciso pedir para que ela se acalmasse e falasse mais devagar para que fosse entendida.

Atualmente, as duas crianças vão à escola. Inicialmente, frequentaram uma escola especial, mas, no início de 2016, Milena foi transferida para o ensino regular, mas Luana continuou em uma escola especial, pois, segundo a neurologista consultada, ainda não tinha condições de acompanhar uma instituição regular devido ao diagnóstico de atraso severo de linguagem.

Em relação aos acompanhamentos que Luana frequenta, além das terapias na Clínica Escola de Fonoaudiologia, vai a sessões de musicoterapia, psicologia, fisioterapia, além das consultas com a neurologista.

De fevereiro a março de 2016, durante o processo avaliativo, baseado em uma perspectiva sócio-histórica da linguagem, utilizaram-se procedimentos que levaram em conta o uso social da linguagem, ou seja, atividades elaboradas, contextualizadas e pautadas em uma ou várias funções sociais, tais como brincadeira de casinha, bonecas, músicas, salão de beleza etc. Percebeu-se, que em algumas sessões, Luana costumava cantarolar músicas, possivelmente de desenhos animados, vinhetas etc. Após cantarolar, voltava a interagir e continuava a brincadeira como se nada houvesse acontecido. Com relação à linguagem, observou-se que Luana apresentava um comportamento disperso e agitado. Nas interações com a terapeuta, não demonstrava ter intenção de iniciar ou responder turnos e se a terapeuta tentasse chamá-la para a interação, olhava para os lados ao invés de estabelecer contato visual. Quando falava, Luana geralmente utilizava palavras e enunciados incompletos e, em geral, ininteligíveis. Como pode ser visualizado no diálogo abaixo de março de 2016.

DIÁLOGO 11 1 Os diálogos serão apresentados em transcrição ortográfica.

1. T: o que você tá fazendo?

2. L: ((olha para terapeuta e volta a olhar o brinquedo))

3. T: lembra dela ?

4. V: ((sorri e olha para a terapeuta))

5. T: Luana…

6. V: quê? ((olha brinquedos, e desvia o olhar da terapeuta))

A partir de março de 2016, iniciou-se o processo terapêutico, no qual se priorizou o trabalho com a linguagem oral, concebendo a língua enquanto atividade discursiva e resultante de um trabalho coletivo e histórico33. Guarinello AC, Massi G, Berberian AP, Tonocchi R, Valentin SML. Speech language group therapy in the context of written language for deaf subjects in Southern Brazil. Deafness & Education Internat. 2017;19(3):1-11.. Para trabalhar a natureza interativa da linguagem, utilizaram-se diferentes gêneros discursivos1313. Signor RCF, Santana AP. Speech therapy plan guided by Bakhtin's speech genres theory: theoretical methodological aspects. Distúrb Comun. 2017;29(2):365-76., tais como músicas, contos de fada, histórias infantis, desenhos animados. Em todas as terapias, procurou-se enfatizar a linguagem em contextos significativos. As atividades realizadas durante as terapias basearam-se em estratégias nas quais a terapeuta trazia materiais variados, tais como: brinquedos sortidos, bonecas, livros de histórias infantis, massinha de modelar, carrinhos, personagens e bonecos plásticos. As terapias tinham como objetivo, inicialmente, a criação de um vínculo entre a paciente e a terapeuta por meio de situações lúdicas, as quais favoreceriam a troca de turnos e a promoção da ampliação dos processos discursivos da paciente.

Resultados

No início das terapias era comum que, durante as brincadeiras envolvendo diálogos com personagens, Luana excluísse as falas e ações dos bonecos da terapeuta e a ignorasse por completo, enquanto continuava sua própria brincadeira, geralmente com um só boneco, que repetia as mesmas tarefas: acordava, comia e depois dormia. Provavelmente, isso ocorria devido à história pregressa da paciente, uma vez que este comportamento na brincadeira parecia ligado à sua rotina de privação social, que incluía atividades básicas como os momentos de alimentação e sono. Luana também, inicialmente, afastava a terapeuta quando essa tentava se integrar na brincadeira. Porém, notou-se que se a terapeuta imitasse tal atitude, Luana voltava sua atenção para o que ela estava fazendo e queria participar.

A seguir serão apresentados alguns resultados deste estudo que foram organizados em 5 diálogos com falas entre a terapeuta e a paciente coletadas durante o processo terapêutico. Os diálogos serão analisados na discussão deste texto.

No diálogo 2, a seguir, de 26 de abril de 2016, Luana e a terapeuta estavam brincando com bonecos de faz-de-conta.

DIÁLOGO 2

1. L: qué xentá cadeua ((puxa a cadeira))

2. T: senta aí

3. L: abi! ((pede para a terapeuta abrir uma casa da sereia))

4. T: quer que eu abra? senta aí… ((terapeuta pega a casa para abrir))

5. T: ó ((terapeuta mostra a casa aberta para Luana))

6. L: ((vira para outro lado, não olha para a terapeuta))

7. T: ((terapeuta fecha a casa)) você quer que eu abra ou não?

8. L: ((se mexe, mas não vira para olhar a terapeuta))

9. T: o que você tá fazendo?

10. L: ((olha para terapeuta e volta a olhar o brinquedo))

11. T: lembra dela ? ((apontando para a casinha de brinquedo))

12. L: (…) ((faz menção de falar várias vezes, sorri e olha para a terapeuta)) abi xeeua!

13: T: Luana… ((chamando Luana))

14. L: quê? ((olhando brinquedos))

15. T: olha pra mim

16. L: ((não olha e mexe nos brinquedos))

No diálogo 3, ocorrido no mês de abril de 2016, Luana e a terapeuta brincavam de construir uma casa.

DIÁLOGO 3

1. T: vamos construir essa casa?

2. L: amoxi

3. T: pra quem vai ser essa casa? quem vai morar nessa casa?

4. L: Luana

5. T: a Luana

No diálogo 4, abaixo, gravado em junho de 2016, Luana e a terapeuta estavam brincando de preparar comida com a massinha.

DIÁLOGO 4

1. L: ponto (pronto)

2. T: ó, falta isso aqui ainda

3. L: ponto

4. T: isso, muito bem. Você vai usar isso aí também?

5. L: ((afirma sim com a cabeça))

6. L: … abi…

7. T: abre…

8. L: faxi o tomate

9. T: faço o tomate? Tá bom, vou fazer o tomate

10. L: ô faxu xenoua (eu faço a cenoura)

11. L: tome ((dá a massinha laranja para a terapeuta))

12. T: eu também faço a cenoura?

13. L: uhnhum… … faxi o ovo (frase exclamativa) ((dá a massinha branca para a terapeuta))

14. T: o ovo? e o que você vai fazer?

15. L: u vô fajê a cane (eu vou fazer a carne)

No diálogo 5, a seguir, pode-se notar que a terapeuta começou a usar questionamentos, para que o diálogo se desenvolvesse. Nesta terapia de 2 de Agosto de 2016, Luana e a terapeuta estavam decidindo como iria ser a brincadeira.

DIÁLOGO 5

1. T: do que a gente vai brincar?

2. L: de giafa (girafa)

3. T: com a girafa. O que a girafa vai fazer? Onde ela mora?

4. L: ta caja (na casa)

5. T: na casa dela. Aonde? Lá no zoológico ou lá na mata?

6. L: du gológio (no zoológico)

7. T: no zoológico (frase exclamativa)

No diálogo 6, de 11 de outubro de 2016, ao lerem uma história infantil, já contada em outro momento em terapia, pode-se observar que o recontar dessa história, mediada pela terapeuta e norteada por meio de questionamentos, propiciou que Luana pudesse narrar a história de João e Maria.

DIÁLOGO 6

1. T: que história é essa?

2. L: do joão

3. T: joão e de quem mais?

4. L: joão…

5. T: joão, e essa aqui, quem é?

6. L: maía

7. T: a maria (frase exclamativa)

8. T: o que eles são?

9. L: (...) des

10. T: os dois são irmãos, igual você e a M. Vamos ver o que eles fazem? Olha só, quem são esses?

11. L: Maria e João

12. T: isso mesmo (frase exclamativa) E quem é esse aqui, adulto?

13. L: papai

Discussão

Durante todo o trabalho realizado na Clínica Fonoaudiológica foi possível perceber a ampliação da participação de Luana nas atividades dialógicas, especialmente, quando comparados seus discursos em transcrições no início do processo terapêutico em fevereiro com as apresentadas mais no final do ano, em outubro de 2016.

Luana que durante o processo avaliativo, não incluia a terapeuta em suas brincadeiras e interagia muito pouco, a partir do final do primeiro mês frequentando as terapias fonoaudiológicas, passou a incluir a terapeuta nas suas brincadeiras e a falar mais. Pode-se perceber, inicialmente, que na sua fala predominava o uso de enunciados simples e curtos, nos quais geralmente usava um verbo e um objeto, como por exemplo: “binca bóua” (brincar bola) ou designar todo e qualquer brinquedo simplesmente como “binquedo”. Quando não usava enunciados simples, com frequência as produções de Luana eram inintelegíveis para seu interlocutor, já que se utilizava de enunciados fragmentados e de difícil compreensão no contexto da brincadeira. Por vezes, a terapeuta não a entendia, pois não acompanhava a temática da conversa ou porque Luana falava sobre um assunto que parecia ser diferente da atividade que estavam realizando. Além disso, percebeu-se, em sua fala, algumas trocas fonêmicas as quais dificultavam a compreensão da terapeuta.

Apesar de muitas vezes a terapeuta não entender o que Luana dizia, verificou-se que Luana demonstrava estar aberta às novas possibilidades fora do ambiente de privação social, as quais eram mediadas pela nova família. Assim, percebeu-se que houve mudanças na sua postura durante as interações dialógicas a partir do lúdico. Luana passou então a dar nome a determinados objetos nas situações de terapia, como por exemplo, nome dos animais, bonecos e cenários presentes nas brincadeiras desenvolvidas, permitindo uma melhor interpretação do discurso da paciente pela terapeuta.

Nos primeiros meses de terapia, Luana se desinteressava rápido das brincadeiras e mudava de uma atividade para outra constantemente. Em determinados momentos era preciso que a terapeuta utilizasse um gesto corporal, como o toque ou até mesmo pegasse o brinquedo da criança para chamar sua atenção e mostrar que também estava na sala de terapia.

Era comum que, nestas situações, Luana continuasse mudando o foco de brinquedo em brinquedo e não respondesse à terapeuta. Deve-se ressaltar, no entanto, que essa atitude variava entre uma sessão e outra, provavelmente, devido às faltas recorrentes nos atendimentos fonoaudiológicos, segundo Lívia por problemas no carro da família. Quando faltas ocorriam, Lívia ligava para a clínica justificando-as. É preciso esclarecer que as faltas atrapalhavam o andamento do processo terapêutico, pois quando Luana ficava uma semana sem vir demorava mais para interagir durante as terapias.

No diálogo 2 acima é possível notar como Luana agia no início do processo terapêutico, frequentemente, desligando-se do momento presente e não respondendo a nada, como brinquedos, gestos, e/ou toque físico. Percebe-se também que grande parte dos enunciados e da interação partia das intenções da terapeuta. Em seus enunciados, observam-se pedidos, que não necessariamente pareciam esperar por uma réplica, pois, após a criança solicitar à terapeuta para abrir o brinquedo, conforme pode se observar na linha 3, ela na sequência (linhas 6 e 8), não olha, nem responde verbalmente ou toma o objeto para si. Já nas linhas 10, 12, 14 e 16, percebe-se que existe uma tentativa de interlocução entre terapeuta e paciente, porém Luana, por vezes, desvia o olhar e age como se a terapeuta não estivesse presente.

O trabalho realizado com Luana teve como foco, inicialmente, a relação estabelecida entre paciente e terapeuta, ou seja, a posição do sujeito/outro no discurso11. Fiorin JL. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática; 2006.,33. Guarinello AC, Massi G, Berberian AP, Tonocchi R, Valentin SML. Speech language group therapy in the context of written language for deaf subjects in Southern Brazil. Deafness & Education Internat. 2017;19(3):1-11.,44. Faraco CA. Interação e linguagem: balanço e perspectivas. Calidoscópio. 2005;3(3):214-21.. Isto porque desde seu nascimento, Luana viveu em uma situação em que as interações dialógicas não eram partilhadas por outros em seu círculo próximo, mais precisamente por seus pais biológicos. Assim, como mediadora do processo dialógico da paciente foi objetivo da terapeuta interagir com Luana durante as sessões fonoaudiológicas, a partir de diálogo, perguntas, toques corporais e contato visual1414. Guarinello AC, Massi G, Berberian AP, Tonocchi R, Lustosa SS. Speech language therapy bilingual clinic, a written language therapeutical proposal to deaf people: case report. CoDAS. 2015;27(5):498-504.. Foram utilizadas estratégias contextualizadas para desenvolver o processo de apropriação de linguagem de Luana. Assim, trabalhou-se com Luana para que ela fosse capaz de reconhecer a si mesma33. Guarinello AC, Massi G, Berberian AP, Tonocchi R, Valentin SML. Speech language group therapy in the context of written language for deaf subjects in Southern Brazil. Deafness & Education Internat. 2017;19(3):1-11. e ao outro11. Fiorin JL. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática; 2006.,1414. Guarinello AC, Massi G, Berberian AP, Tonocchi R, Lustosa SS. Speech language therapy bilingual clinic, a written language therapeutical proposal to deaf people: case report. CoDAS. 2015;27(5):498-504., como fundamentais em um processo dialógico, percebeu-se que isso, ao longo do processo terapêutico, foi tornando possível a apreensão e o uso de enunciados mais complexos.

Notou-se também que, no início do processo terapêutico, Luana não utilizava os pronomes possessivos “meu”, “seu” e os pessoais “eu” e “você”, quando queria se designar a uma pessoa ou a ela própria, embora entendesse o conceito sobre o que estava em sua posse ou não e sobre seu espaço pessoal físico e o alheio. Isso podia ser percebido quando Luana tirava ou dava objetos para a terapeuta e também quando respondia à partilha de objetos durante as atividades. Se a terapeuta separasse peças ou brinquedos dizendo “estas para você; estas para mim…”, Luana entendia. Verificou-se também que nos momentos de troca de turnos, nos quais a terapeuta dizia ser “minha vez” ou “agora eu”, Luana esperava sua vez.

Em vista disso, inicialmente um dos objetivos terapêuticos trabalhados com a paciente foi a ressignificação de seu papel nas relações, especialmente porque quando chegou a clínica Luana referia-se a si mesma pelo nome da irmã Milena, identificando-se como uma só pessoa. Com o intuito de fazê-la se reconhecer como um indivíduo único, a terapeuta começou a enfatizar continuamente em terapia quem era ela, qual era seu nome.

A partir do processo terapêutico observaram-se mudanças linguísticas em seu discurso, deste modo ela passou a usar verbos na primeira pessoa do singular em seus enunciados e a se referir a si mesma pelo seu nome, não mais pelo nome da irmã. Parece que a partir das interações dialógicas com os outros, Luana começou a se reconhecer como sujeito da linguagem. Tal fato pode ser visualizado no diálogo 3 acima.

Após aproximadamente dois meses de terapias fonoaudiológicas, foi possível interagir de forma mais efetiva com Luana, apesar de ela, em geral, só aceitar brincar de acordo com suas próprias regras. Assim, por exemplo, se brincassem com bonecas, ela escolhia a boneca de cada uma e as duas brincavam do que desejassem, separadamente. Tal fato já havia sido mencionado por Lívia na entrevista inicial, a qual esclareceu que Luana tem uma personalidade forte e gosta de liderar, inclusive em casa e na escola. Ao perceber esta atitude, a terapeuta começou a aparentar que estava brincando sozinha e a “não atender” às exclamações ou possíveis pedidos dela, tentando perceber até que ponto ela seria afetada por seu silêncio. Com isso, Luana começou a querer saber o que se passava com a terapeuta, tirando objetos de sua mão e perguntando sobre os brinquedos usados pela terapeuta “L:o que é isso?”.

A partir disso, a terapeuta ao interagir com Luana, passou a convocá-la persistentemente nas sessões visando ampliar as suas possibilidades discursivas, buscando ressignificar o seu papel no discurso55. Signor RCF. Os gêneros do discurso como proposta de ação fonoaudiológica voltada para sujeitos com queixas de dificuldades de leitura e escrita. Bakhtiniana. 2011;1(5):54-71.,1212. Santana AP, Santos KP. A perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin e a análise da linguagem na clínica fonoaudiológica. Bakhtiniana. 2017;12(2):174-90..

Percebeu-se que, então, Luana começou a assumir uma posição no diálogo e a partir de uma nova relação com a linguagem, colocar-se no discurso ativamente44. Faraco CA. Interação e linguagem: balanço e perspectivas. Calidoscópio. 2005;3(3):214-21.. Assim, ela mudou sua postura de ignorar o interlocutor durante as interações, para se relacionar com o outro. Notou-se, portanto, que nos meses de maio a junho de 2016, Luana começou a fazer réplicas contrárias aos enunciados do outro, negando ou recusando algo feito com e para ela, como uma forma de marcar sua posição no discurso ao invés de ignorá-lo. Tal fato, pode ser observado quando, para manifestar sua vontade (ou a falta dela) em relação à uma proposta de atividade feita pela terapeuta, ela respondia “sim” ou “não”, ou usava seu corpo para bloquear a visão e o contato com a terapeuta, deslocando-se de um lado a outro da sala.

A partir da metade de 2016, percebeu-se que Luana começou a se posicionar a partir da linguagem interagindo mais efetivamente com o outro e reconhecendo seu interlocutor1414. Guarinello AC, Massi G, Berberian AP, Tonocchi R, Lustosa SS. Speech language therapy bilingual clinic, a written language therapeutical proposal to deaf people: case report. CoDAS. 2015;27(5):498-504., iniciando turnos, perguntando, retomando atividades realizadas anteriormente, organizando brinquedos e brincadeiras ao final das sessões, demonstrando ter conhecimento das regras e horários propostos. Passou a se perceber como parte ativa nos diálogos, inclusive, como se pode observar no diálogo 4 acima, especialmente, nas linhas 10 e 15. Luana, pela primeira vez, refere-se a si mesma como “eu”, o que demonstra sua percepção de si e a noção de que entende que seu interlocutor deve ser chamado de “você”. No campo linguístico é visível sua melhora também no que diz respeito ao aumento de seu vocabulário, troca de turnos e consideração pelo outro nas interações dialógicas, além do início de turnos como nas linhas 6 e 8. Na linha 15, percebe-se o uso de um enunciado completo, no qual não foi preciso que a terapeuta o interpretasse.

Cabe ressaltar que quando Luana chegou à Clínica Fonoaudiológica morava com sua irmã Livia e seu marido Arnaldo há um ano. Antes disso, apesar de viver em um ambiente com um convívio social restrito, era falada pelos outros e interagia basicamente com a irmã, um ano mais velha. É preciso esclarecer que antes de iniciar as terapias fonoaudiológicas, as possibilidades dialógicas de Luana puderam ampliar-se, já que passou a conviver com outra família e a frequentar uma escola, o que permitiu mudanças no discurso da e sobre a criança. Assim, as interlocuções e interações estabelecidas após a privação do convívio social deram novas possibilidades 44. Faraco CA. Interação e linguagem: balanço e perspectivas. Calidoscópio. 2005;3(3):214-21. discursivas, afetivas, subjetivas e emocionais para Luana.

Percebe-se, no diálogo 5 acima, que aos poucos Luana começou a organizar melhor os fatos e os personagens no cenário na brincadeira. Luana, na linha 2, propôs do que iriam brincar e a partir disso o diálogo com a terapeuta se desenvolveu. Ao falar para a terapeuta sobre o ambiente da atividade lúdica, Luana estabeleceu um diálogo, organizado pela troca de turnos, voltado ao outro. Ou seja, ela percebeu que para que seu interlocutor a entenda, é preciso conversar, dar explicações, descrever lugares e pessoas, relatar experiências.

Mais adiante, entre os meses de setembro e outubro, Luana passou a fazer relatos, recontar histórias lidas anteriormente nas sessões pela terapeuta, criar as suas próprias situadas em um contexto lúdico, utilizando carrinhos, bonecos, massinha para contextualizar e construir suas enunciações discursivas, como por exemplo, no diálogo 6 acima.

A partir dos diálogos estabelecidos no decorrer de 2016 entre a terapeuta e Luana, pode-se observar que houve uma ampliação de suas possibilidades dialógicas, entendidas como fundamentais para a constituição da linguagem e do sujeito99. Sacks O. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Editora Companhia das Letras; 2010.,1111. Brait B. Uma perspectiva dialógica de teoria, método e análise. Gragoatá. 2006;11(20):47-62.. Portanto, as interações dialógicas permitem que os sujeitos se organizem em relação a si mesmos e ao outro11. Fiorin JL. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática; 2006.; esse último entendido como aquele que media as interações entre o sujeito e o contexto vivido. Assim, ao longo do processo terapêutico percebeu-se que Luana passou a levar o outro em consideração nos seus diálogos, começou a usar outros gêneros discursivos, tais como relatos e contação de histórias. Além disso, começou a cumprir regras, organizar melhor seu discurso, estabelecer seu lugar nos diálogos, delegar funções na brincadeira para si e para a terapeuta.

Ao analisar os diálogos apresentados, pode-se perceber que os aspectos relacionados à coesão textual1414. Guarinello AC, Massi G, Berberian AP, Tonocchi R, Lustosa SS. Speech language therapy bilingual clinic, a written language therapeutical proposal to deaf people: case report. CoDAS. 2015;27(5):498-504. também se ampliaram e que Luana passou a utilizar mais articuladores textuais. Assim, inicialmente suas falas tinham poucos articuladores, alguns enunciados eram desconexos entre si. No final de 2016, Luana passou a usar mais articuladores textuais, o que parece ser um indício de que ela está refletindo sobre esses articuladores.

Com relação à coerência dos textos, a terapeuta pode dar sentido as falas de Luana durante as situações comunicativas. Em alguns momentos, a terapeuta precisou interferir e perguntar o que Luana queria dizer com determinado enunciado, mas como tinham conhecimentos de mundo partilhados, pode atribuir sentidos às falas da criança. O contexto de produção, isto é, diálogos produzidos dentro da clínica fonoaudiológica, a partir de uma perspectiva discursiva, também parece ter sido fator determinante para o entendimento das produções dialógicas33. Guarinello AC, Massi G, Berberian AP, Tonocchi R, Valentin SML. Speech language group therapy in the context of written language for deaf subjects in Southern Brazil. Deafness & Education Internat. 2017;19(3):1-11.,1414. Guarinello AC, Massi G, Berberian AP, Tonocchi R, Lustosa SS. Speech language therapy bilingual clinic, a written language therapeutical proposal to deaf people: case report. CoDAS. 2015;27(5):498-504..

A partir da ampliação de suas relações dialógicas1111. Brait B. Uma perspectiva dialógica de teoria, método e análise. Gragoatá. 2006;11(20):47-62. em várias instâncias e espaços sociais, Luana passou a ter uma postura mais ativa durante as interações. O trabalho fonoaudiológico focado no diálogo, nas interações e na ressignificação da história do sujeito com a linguagem abriu possibilidades para que Luana se relacionasse com os outros, para que estabelecesse outros papéis, ampliasse suas formas de agir e interagir na, com e sobre a linguagem11. Fiorin JL. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática; 2006.,33. Guarinello AC, Massi G, Berberian AP, Tonocchi R, Valentin SML. Speech language group therapy in the context of written language for deaf subjects in Southern Brazil. Deafness & Education Internat. 2017;19(3):1-11.,1414. Guarinello AC, Massi G, Berberian AP, Tonocchi R, Lustosa SS. Speech language therapy bilingual clinic, a written language therapeutical proposal to deaf people: case report. CoDAS. 2015;27(5):498-504.,1515. Signor R. Terapia fonoaudiológica em grupo voltada à linguagem escrita: uma perspectiva dialógica. RBLA. 2012;12(3):585-605..

Considerações Finais

A partir do trabalho fonoaudiológico, baseado em uma perspectiva discursiva dialógica, pode-se apreender que Luana, uma menina que ficou os quatro primeiros anos de vida em situação de privação social, pôde ampliar suas possibilidades dialógicas. Começou, então, a iniciar e completar turnos dialógicos, bem como interagir de forma mais efetiva com os outros, incluindo-os em suas relações dialógicas diárias, em seu círculo familiar e também nos diversos ambientes sociais.

Este estudo aponta que o trabalho clínico fonoaudiológico, a partir de uma perspectiva dialógica oferece a possibilidade da criança e de todos os envolvidos em suas relações sociais refletirem sobre a linguagem em seus vários ambientes de circulação, expandindo seu uso e apropriação.

Essa perspectiva favorece também a aproximação do sujeito com a linguagem, favorecendo inclusive a ressignificação do entendimento singular que cada criança faz da língua. Assim, permite que o fonoaudiólogo compreenda a história de cada sujeito e que, a partir de suas relações sociais e dos discursos que perpassam essas relações, construa novos sentidos às vivências da criança.

References

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    Guarinello AC, Massi G, Berberian AP, Tonocchi R, Lustosa SS. Speech language therapy bilingual clinic, a written language therapeutical proposal to deaf people: case report. CoDAS. 2015;27(5):498-504.
  • 15
    Signor R. Terapia fonoaudiológica em grupo voltada à linguagem escrita: uma perspectiva dialógica. RBLA. 2012;12(3):585-605.
  • 1
    Os diálogos serão apresentados em transcrição ortográfica.
  • 5
    Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação (Mestrado e Doutorado) em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná - UTP - Curitiba (PR), Brasil e no Departamento de Fonoaudiologia, Laboratório de Linguagem, Universidade Tuiuti do Paraná - UTP - Curitiba (PR), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2018

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2018
  • Aceito
    30 Ago 2018
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