Acessibilidade / Reportar erro

Comparação de sons plosivos em crianças monolíngues e bilíngues por meio do parâmetro acústico voice onset time: relato de casos

RESUMO

O objetivo foi comparar as diferenças na produção de fonemas plosivos por meio da medida acústica voice onset time a partir da amostra de fala de três crianças monolíngues do português brasileiro e três bilíngues do português brasileiro e do inglês, na faixa etária de sete anos. Para isso foi gravada uma emissão de fala com a repetição da frase veículo “Diga papa baixinho”, com a gravação posterior da substituição de papa por “baba, tata, dada, caca e gaga”. As medidas do sinal acústico foram realizadas por meio do espectrograma de banda larga e o voice onset time (VOT) analisado de forma descritiva para os sons não vozeados [p, t, k] e para os vozeados [b, d, g]. Como resultados, os valores do VOT de [p, t, k] das crianças monolíngües apresentaram médias superiores em relação aos valores das crianças bilíngues. Para os sons [b, d, g] as crianças monolíngues mostraram valores de VOT com médias inferiores em relação às bilíngues. Concluiu-se que na comparação das medidas de VOT das amostras de fala as crianças monolíngues do português brasileiro apresentaram valores maiores para as não vozeadas e menores para as vozeadas em relação as das crianças bilíngues do português brasileiro e do inglês.

Descritores:
Acústica da Fala; Criança; Bilinguismo: Multilinguismo; Voz

ABSTRACT

The purpose was to compare differences in production of plosive phonemes through the voice onset time (VOT) measurement in the speech of monolingual children, speakers of Brazilian Portuguese and bilingual children, speakers of both Brazilian Portuguese and English. The sample consisted of three monolingual children and three bilingual children; average age was 7 years. A speech emission was recorded for the investigation, which had the following vehicle phrase: “Diga ‘papa’ baixinho” (“Say ‘papa’ quietly”). Papa was then replaced by “baba”, “tata”, “dada”, “caca” and “gaga”. The measurements of the acoustic signals were performed through broadband spectrograms, and VOT was descriptively analyzed for the non-voiced sounds [p, t, k] and voiced [b, d, g] plosive sounds. Monolingual children presented higher average VOT values for [p, t, k] compared to bilingual children. For the [b, d, g] sounds, monolingual children had lower average VOT values, as compared to bilingual children. It was concluded that in the comparison of VOT measures of the speech samples, the monolingual children of Brazilian Portuguese presented higher values for the non voiced ones and lower for the voiced ones in relation to the bilingual children speakers of Brazilian Portuguese and English.

Keywords:
Speech Acoustics; Child; Multilingualism; Voice

Introdução

O traço de vozeamento no português brasileiro (PB) é encontrado nos sons não vozeados como, por exemplo, nos fonemas [p, t, k]. Essas emissões não possuem nenhum modo de vibração das pregas vocais (PPVV). Os sons não vozeados contrastam com os vozeados [b, d, g] que apresentam algum modo de vibração, da fonte glótica, pregas vocais(PPVV) e de ações coordenadas entre elas, com as cartilagens e os outros músculos da laringe11. Ladefoged P, Maddieson I. Stops. In: Blackwell publishers Inc. The sounds of the world's languages. Massachusetts (USA); 1996. p. 47-101.

2. Kent RD, Read C. As características acústicas das consoantes. Correlatos acústicos das carcterísticas do falante. In: Ed Cortez Editora. Análise Acústica da Fala. Tradução: Meireles AR. 1. São Paulo; 2015. p. 229-390.

3. Barbosa PA, Madureira S. Elementos de produção da fala. Oclusivas e africadas In: Cortez Editora. Manual de fonética acústica experimental. Aplicações a dados do português. São Paulo; 2015. p. 314-80.

4. Sundberg J. O que é voz? O sistema fonador. Respiração. A fonte glótica. A diversidade na voz. In: Editora da Universidade de São Paulo. Ciência da Voz Fatos sobre a voz na fala e no canto. Tradução: Salomão GL. São Paulo; 2015. p. 249-83.
-55. Grégio FN, Queiroz RM, Sacco ABF, Camargo Z. O uso da eletroglotografia na investigacão do vozeamento em adultos sem queixa de fala. Rev Intercâmbio. 2011;23:88-105..

O vozeamento é uma propriedade adquirida gradualmente ao longo do desenvolvimento das crianças. Sabe-se que elas utilizam diferentes estratégias para controlar e sincronizar os ajustes necessários para produzir os diversos padrões articulatórios66. Lofredo-Bonatto MTR. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no português brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos. In: XVI Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia Campos do Jordão, São Paulo; 2008.

7. Melo RM, Mota HB, Mezzomo CL, Brasil BC, Lovatto L, Arzeno L. Desvio fonológico e a dificuldade com a distinção do traço [voz] dos fonemas plosivos- dados de produção e percepção do contraste de sonoridade. Rev. CEFAC. 2012;14(1):18-29.

8. Cristofolini C. Gradiência não fala infantil: caracterização acústica de segmentos plosivos e fricativos e evidências de um período de "refinamento articulatório" [tese]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pós- Graduação em Linguística; 2013.

9. McCarthy KM, Macon M, Rosen S, Evans BG. Speech perception and production by sequential bilingual children: a longitudinal study of voice onset time acquisition. Child Development. 2014;85(5):1965-80.
-1010. Kenstowicz M. Phonology in generative grammar. Oxford: Blackwell; 1994. p. 195-249.. Em idiomas como o inglês, japonês e o coreano, por exemplo, encontra-se além do vozeamento a presença ou ausência de aspiração. Vale pontuar que cada idioma tem um traço distinto de vozeamento, assim como a aspiração em determinados sons plosivos1111. Shimizu K. A cross language study of voicing contrasts of stops consonants in asian languages. Seibido Publishing Co. Ltd. Japan, 1996.,1212. Kang Y. Voice onset time merger and development of tonal contrast in Seoul Korean stops: a corpus study. Phonetics. 2014;45:76-90..

O voice onset time (VOT) é definido como o intervalo de tempo entre a liberação da obstrução oral do som plosivo, identificado pelo burst e o início da vibração das pregas vocais identificada no espectrograma de banda larga pela estria vertical1313. Lisker L, Abranson A. A cross language study of voicing in initial stop: acoustical measurements. Word j. Linguistic Circle. 1964;20(3):384-422.

14. Balukas C, Koops C. Spanish - English bilingual voice onset time in Spontaneous code - switching. International Journal of Bilingualism. 2015;19(4):423-43.
-1515. Lofredo-Bonatto MTR. A produção de plosivas por crianças de 3 anos falantes do português brasileiro. Rev. CEFAC. 2007;9(2):199-206..

É uma medida de duração simples que permite verificar, embora não isoladamente, a relação entre a produção e a percepção dos sons da fala99. McCarthy KM, Macon M, Rosen S, Evans BG. Speech perception and production by sequential bilingual children: a longitudinal study of voice onset time acquisition. Child Development. 2014;85(5):1965-80.,1515. Lofredo-Bonatto MTR. A produção de plosivas por crianças de 3 anos falantes do português brasileiro. Rev. CEFAC. 2007;9(2):199-206.

16. Camargo ZA, Madureira S. Dimensões perceptivas das alterações de qualidade vocal e suas correlações aos planos da acústica e da fisiologia. DELTA. 2009;25(2):285-317.

17. Lofredo-Bonatto MTR, Madureira S. Estudo sobre a percepção e a produção do contraste de vozeamento da fala de crianças de 3 anos. Rev. CEFAC. 2009;11(1):67-77.
-1818. Fabiano-Smith L, Buntab F. Voice onset time of voiceless bilabial and velar stops in 3-year-old bilingual children and their age-matched monolingual peers. Clinical Linguistics and Phonetics. 2011;26(2):148-63.. O VOT possibilita também verificar a sincronização entre os gestos articulatórios66. Lofredo-Bonatto MTR. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no português brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos. In: XVI Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia Campos do Jordão, São Paulo; 2008.,1818. Fabiano-Smith L, Buntab F. Voice onset time of voiceless bilabial and velar stops in 3-year-old bilingual children and their age-matched monolingual peers. Clinical Linguistics and Phonetics. 2011;26(2):148-63.

19. Melo RM, Mota HB, Mezzomo CL, Brasil BC, Lovatto L, Arzeno L. Acoustic characterization of the voicing of stop phones in brazilian portuguese. Rev. CEFAC. 2014;16(2):487-99.

20. Stölten K, Abrahamsson N, Hyltenstam K. Effects of age of learning on voice onset time: categorical perception of swedish stops by near-native L2 speakers. Language and Speech. 2014; 57(4):425-50.

21. Piccinini P, Arvaniti A. Voice onset time in spanish-english spontaneous code- switching. J Phonetics. 2015;52:121-37.
-2222. Camargo Z, Madureira S. Análise Acústica: aplicações na Fonoaudiologia In: Fernandes FDM, Mendes BCA, Naves ALPGP (org.). Tratado de Fonoaudiologia, 2ª edição, São Paulo, ROCA. 2015. p.695-9.. Com essa medida é possível averiguar se existe um continuum no desenvolvimento das adequações laríngeas de acordo com a idade e se as especificidades acústicas estão relacionadas à gradiência do gesto articulatório77. Melo RM, Mota HB, Mezzomo CL, Brasil BC, Lovatto L, Arzeno L. Desvio fonológico e a dificuldade com a distinção do traço [voz] dos fonemas plosivos- dados de produção e percepção do contraste de sonoridade. Rev. CEFAC. 2012;14(1):18-29.,88. Cristofolini C. Gradiência não fala infantil: caracterização acústica de segmentos plosivos e fricativos e evidências de um período de "refinamento articulatório" [tese]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pós- Graduação em Linguística; 2013.,1414. Balukas C, Koops C. Spanish - English bilingual voice onset time in Spontaneous code - switching. International Journal of Bilingualism. 2015;19(4):423-43.,1515. Lofredo-Bonatto MTR. A produção de plosivas por crianças de 3 anos falantes do português brasileiro. Rev. CEFAC. 2007;9(2):199-206..

Medidas de VOT foram comparadas na análise da produção de fala de [p, t, k] em indivíduos adultos bilíngues (português e inglês). Nos resultados foram observados que os valores de VOT foram mais baixos no inglês quando comparados com o PB2323. Rocca PA. O desempenho de falantes bilíngue: evidências advindas da investigação do VOT de oclusivas surdas do inglês e do português. DELTA. 2003;19(2):303-28..

Em uma outra pesquisa, com indivíduos adultos2121. Piccinini P, Arvaniti A. Voice onset time in spanish-english spontaneous code- switching. J Phonetics. 2015;52:121-37. foram analisadas as diferenças entre as medidas de duração do VOT das consoantes plosivas [p, t, k] na produção de fala de 14 sujeitos bilíngues (espanhol-inglês), na faixa etária entre 18 e 24 anos. O grupo foi constituído por 11 sujeitos do gênero feminino e 3 do masculino, sendo que 11 deles adquiriram as duas línguas até os 6 (seis) anos e 3 (três) deles adquiriram a segunda após essa idade. Os sujeitos realizaram tarefas de conversação espontânea acerca de datas importantes na cidade do México e de conversa sobre o mesmo tema enquanto montavam quebra cabeças de animais. Os pesquisadores encontraram como resultados valores menores de VOT entre os sujeitos que adquiriram as duas línguas antes dos seis anos, sendo que a diferença foi mais acentuada nos valores VOT do inglês.

Em outro estudo foram analisados os valores das medidas dos VOTs em sons plosivos não vozeados [p, t, k] do PB e do inglês, em cinco crianças bilíngues entre 8 e 9 anos. Nessa pesquisa os autores encontraram os seguintes valores dos VOTs: para o PB [p] = 48ms, para o [t] = 60ms, e para o [k] =70ms e para o inglês [p] = 40ms, para o [t] = 56ms, para o [k] = 65ms2424. Zimmer MC, Bandeira MHT. A dinâmica do multilingüismo na transferência de padrões de aspiração de obstruintes iniciais entre o pomerano (L1), o português (L2) e o inglês (L3). In: X Congresso Nacional de Fonética e Fonologia Niterói; 2008..

Igualmente para a fala infantil, uma outra pesquisa com 40 crianças entre 8 e 10 anos, 20 monolíngues (PB) e 20 bilíngues (PB/inglês) foram encontradas diferenças entre as médias obtidas por monolíngues e bilíngues na produção de plosivos do inglês. Segundo o autor pode ser decorrente da grande influência da primeira língua dos participantes (PB) na produção dos plosivos aspirados do inglês2525. Bandeira MHT. Diferenças entre crianças monolíngues e multilíngues no desempenho de tarefas de funções executivas e na transferência de padrões de VOT (Voice Onset Time) entre as plosivas surdas do pomerano, do português e do inglês [Dissertação]. Pelotas (RS): Universidade Católica de Pelotas; 2010..

Do mesmo modo há na literatura um estudo, também com crianças, que considerou os sons plosivos, em sujeitos bilíngues, falantes do PB e de um dialeto alemão durante a fase de aquisição da linguagem. O corpus foi constituído por 12 entrevistas orais e foram realizadas análises acústicas com medição do VOT dos segmentos plosivos nos dois grupos. Os autores encontraram para o grupo bilíngue índices de VOT maiores que os monolíngues e sugeriram que esse fato pode levá-los a confundir os plosivos não vozeados do PB com os vozeados do alemão2626. Bandeira MH, Zimmer MA. Transferência dos padrões de VOT de plosivas surdas no multilingüismo. Letras de Hoje. 2011;46(2):87-95..

Tendo em vista que o VOT permite investigar se crianças e adultos emitem ou não os sons vozeados e os não vozeados de acordo com os padrões da sua língua 33. Barbosa PA, Madureira S. Elementos de produção da fala. Oclusivas e africadas In: Cortez Editora. Manual de fonética acústica experimental. Aplicações a dados do português. São Paulo; 2015. p. 314-80.,88. Cristofolini C. Gradiência não fala infantil: caracterização acústica de segmentos plosivos e fricativos e evidências de um período de "refinamento articulatório" [tese]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pós- Graduação em Linguística; 2013.,1515. Lofredo-Bonatto MTR. A produção de plosivas por crianças de 3 anos falantes do português brasileiro. Rev. CEFAC. 2007;9(2):199-206.,1717. Lofredo-Bonatto MTR, Madureira S. Estudo sobre a percepção e a produção do contraste de vozeamento da fala de crianças de 3 anos. Rev. CEFAC. 2009;11(1):67-77.,2727. Grégio FN. Análise fonético-acústica do contraste fônico de vozeamento em crianças [tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2013., o interesse pelo tema se baseia na possibilidade de se utilizar uma pista robusta para auxiliar nas avaliações e terapias da clínica fonoaudiológica55. Grégio FN, Queiroz RM, Sacco ABF, Camargo Z. O uso da eletroglotografia na investigacão do vozeamento em adultos sem queixa de fala. Rev Intercâmbio. 2011;23:88-105.

6. Lofredo-Bonatto MTR. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no português brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos. In: XVI Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia Campos do Jordão, São Paulo; 2008.
-77. Melo RM, Mota HB, Mezzomo CL, Brasil BC, Lovatto L, Arzeno L. Desvio fonológico e a dificuldade com a distinção do traço [voz] dos fonemas plosivos- dados de produção e percepção do contraste de sonoridade. Rev. CEFAC. 2012;14(1):18-29.,2121. Piccinini P, Arvaniti A. Voice onset time in spanish-english spontaneous code- switching. J Phonetics. 2015;52:121-37.,2222. Camargo Z, Madureira S. Análise Acústica: aplicações na Fonoaudiologia In: Fernandes FDM, Mendes BCA, Naves ALPGP (org.). Tratado de Fonoaudiologia, 2ª edição, São Paulo, ROCA. 2015. p.695-9.. Os dados de algumas pesquisas realizadas com crianças monolíngues do PB66. Lofredo-Bonatto MTR. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no português brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos. In: XVI Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia Campos do Jordão, São Paulo; 2008.,77. Melo RM, Mota HB, Mezzomo CL, Brasil BC, Lovatto L, Arzeno L. Desvio fonológico e a dificuldade com a distinção do traço [voz] dos fonemas plosivos- dados de produção e percepção do contraste de sonoridade. Rev. CEFAC. 2012;14(1):18-29. e também com crianças bilíngues2424. Zimmer MC, Bandeira MHT. A dinâmica do multilingüismo na transferência de padrões de aspiração de obstruintes iniciais entre o pomerano (L1), o português (L2) e o inglês (L3). In: X Congresso Nacional de Fonética e Fonologia Niterói; 2008.,2525. Bandeira MHT. Diferenças entre crianças monolíngues e multilíngues no desempenho de tarefas de funções executivas e na transferência de padrões de VOT (Voice Onset Time) entre as plosivas surdas do pomerano, do português e do inglês [Dissertação]. Pelotas (RS): Universidade Católica de Pelotas; 2010. e adultos bilíngues2323. Rocca PA. O desempenho de falantes bilíngue: evidências advindas da investigação do VOT de oclusivas surdas do inglês e do português. DELTA. 2003;19(2):303-28.,2626. Bandeira MH, Zimmer MA. Transferência dos padrões de VOT de plosivas surdas no multilingüismo. Letras de Hoje. 2011;46(2):87-95.,2828. Schaeffer SCB, Meireles AR. Padrões de vozeamento de consoantes plosivas em falantes de pomerano (L1) e de português (L2) Anais do VII Congresso Internacional da ABRALIM Curitiba; 2011. foram considerados como parâmetro de normatização.

Conforme o exposto a hipótese da pesquisa é que existe diferença no traço de vozeamento entre crianças que são expostas a uma única língua e crianças bilíngues. Dessa forma, fica claro que o VOT pode apresentar características especificas para cada idioma1111. Shimizu K. A cross language study of voicing contrasts of stops consonants in asian languages. Seibido Publishing Co. Ltd. Japan, 1996.,2929. Lamy DS. A variationist account of voice onset time (VOT) among bilingual West Indians in Panama. Studies in Hispanic and Lusophone Linguistics. 2016;9(1):113-41.. Além disso, a quantidade e a forma de exposição que cada indivíduo recebe de um idioma terá influência na produção do som2323. Rocca PA. O desempenho de falantes bilíngue: evidências advindas da investigação do VOT de oclusivas surdas do inglês e do português. DELTA. 2003;19(2):303-28.,3030. Dmitrieva O, Llanos F, Shultz AA, Francis AL. Phonological status, not voice onset time, determines the acoustic realization of onset f0 as a secondary voicing cue in Spanish and English. J Phonetics. 2015;49:77-95..

É visível o aumento do número de escolas bilingues na sociedade e consequentemente de crianças também bilingues. Considerando a ausência de pesquisas com sons não vozeados e vozeados que compare crianças monolíngues e bilingues essa pesquisa trará muitas contribuições para clínica fonoaudiológica.

Dessa forma, o objetivo desta pesquisa foi comparar os sons plosivos vozeados e não vozeados por meio do parâmetro acústico voice onset time (VOT) em crianças monolíngues do português brasileiro (PB) com crianças bilíngues (PB/inglês).

Apresentação dos Casos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob o processo de número 019/2007. Os pais e/ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e as crianças o Termo de Assentimento (TA).

Foram analisados os dados de seis crianças, três monolíngues falantes nativas do português brasileiro (PB) e três bilíngues do PB e do inglês (I). Todas meninas, as três crianças monolíngues eram meninas com as seguintes idades: CM1 com 7 a e 3 m, CM2 com 7 a e 6 m e CM3 com 7 a e 9m; as meninas bilíngues tinham: CB1 e CB2 com 7 a e 5 m e CB3 com 7 a e 6m. As três meninas monolíngues estudavam em escolas brasileiras e os pais tinham o PB como primeira e única língua. As três meninas bilíngues (PB/I) adquiriram os dois idiomas concomitantemente. As três moraram e estudaram nos Estados Unidos até os 6 anos e um dos pais era brasileiro e o outro americano.

Para a coleta da amostra de fala as crianças foram encaminhadas para uma sala silenciosa da escola, onde foi utilizado o decibelímetro para confirmar que o ruído fosse menos que 30dB. Para a gravação as meninas sentaram-se em uma cadeira sem braço, com os pés apoiados no chão, e com o microfone unidirecional dinâmico Shure SM7A de baixa impedância posicionado a 10 cm de distância da boca66. Lofredo-Bonatto MTR. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no português brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos. In: XVI Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia Campos do Jordão, São Paulo; 2008.. Cada uma das meninas gravou três repetições das seguintes frases veículos: “Diga papa baixinho”; “Diga baba baixinho”; “Diga tata baixinho”; “Diga dada baixinho”; “Diga caca baixinho”; “Diga gaga baixinho”66. Lofredo-Bonatto MTR. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no português brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos. In: XVI Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia Campos do Jordão, São Paulo; 2008.. Essas frases foram repetidas isoladamente e a pesquisadora, sentada ao lado direito da criança constatava perceptivamente a frase reproduzida e o técnico de gravação, posicionado ao lado esquerdo, observava a onda sonora na tela do computador. Como ambos, pesquisadora e técnico, estavam com fones de ouvido, se identificavam alguma “alteração na forma da onda” repetiam a gravação daquela criança em um outro dia. Antes de realizar as medições a pesquisadora ainda escutava um par de frases qualquer com “pata” e “bata”, e avaliava de oitiva, para verificar se a produção estava de acordo com o estímulo33. Barbosa PA, Madureira S. Elementos de produção da fala. Oclusivas e africadas In: Cortez Editora. Manual de fonética acústica experimental. Aplicações a dados do português. São Paulo; 2015. p. 314-80.. Os arquivos de áudio foram convertidos em WAVE e a inspeção do sinal acústico foi realizada manualmente considerando a forma da onda e o espectrograma de banda larga com o programa PRAAT versão 5.2.66. Lofredo-Bonatto MTR. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no português brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos. In: XVI Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia Campos do Jordão, São Paulo; 2008..

O parâmetro acústico do voice onset time (VOT) expresso em milissegundos (ms) é considerado como um intervalo de tempo decisivo na percepção acurada dos sons plosivos não vozeados [p, t, k] e dos vozeadas [b, d, g]. O VOT por ser do âmbito das medidas de duração pode sofrer interferência de fatores externos e por causa disso, geralmente necessita de algum procedimento de normatização44. Sundberg J. O que é voz? O sistema fonador. Respiração. A fonte glótica. A diversidade na voz. In: Editora da Universidade de São Paulo. Ciência da Voz Fatos sobre a voz na fala e no canto. Tradução: Salomão GL. São Paulo; 2015. p. 249-83.,1717. Lofredo-Bonatto MTR, Madureira S. Estudo sobre a percepção e a produção do contraste de vozeamento da fala de crianças de 3 anos. Rev. CEFAC. 2009;11(1):67-77.. Para evitar quaisquer interferências nos valores dos VOTs tomou-se o cuidado de “controlar”, dentre outros fatores, a taxa de elocução das frases - veículo33. Barbosa PA, Madureira S. Elementos de produção da fala. Oclusivas e africadas In: Cortez Editora. Manual de fonética acústica experimental. Aplicações a dados do português. São Paulo; 2015. p. 314-80.,1616. Camargo ZA, Madureira S. Dimensões perceptivas das alterações de qualidade vocal e suas correlações aos planos da acústica e da fisiologia. DELTA. 2009;25(2):285-317..

Foram calculadas as medidas do VOT (ms) positivo dos sons plosivos não vozeados [p / t / k], considerado do burst até o onset da vogal e o negativo dos sons vozeados [b / d / g], desde o pré vozeamento até o burst33. Barbosa PA, Madureira S. Elementos de produção da fala. Oclusivas e africadas In: Cortez Editora. Manual de fonética acústica experimental. Aplicações a dados do português. São Paulo; 2015. p. 314-80.,1313. Lisker L, Abranson A. A cross language study of voicing in initial stop: acoustical measurements. Word j. Linguistic Circle. 1964;20(3):384-422.,1616. Camargo ZA, Madureira S. Dimensões perceptivas das alterações de qualidade vocal e suas correlações aos planos da acústica e da fisiologia. DELTA. 2009;25(2):285-317..

Resultados

Na Tabela 1 foram descritas e comparadas as medidas dos valores dos VOTs (ms) obtidas para as amostras de fala das três crianças monolíngues (CM1, CM2 e CM3) e das três bilíngues (CB1, CB2 e CB3). Pode-se observar que as medidas encontradas para as plosivas não vozeadas [p, t, k] para as crianças monolíngues (CM1, CM2 e CM3) tiveram valores superiores que nas amostras das bilíngues (CB1, CB2 e CB3) com exceção de CM3 e CB3 que apresentaram para a plosiva /k/ valores equivalentes.

Tabela 1:
Descrição das medidas dos valores do voice onset time(ms) dos fonemas plosivos não vozeados /p/, /t/, /k/ das três crianças monolíngues (CM1, CM2, CM3) e para as três crianças bilíngues (CB1, CB2, CB3)

No gráfico da Figura 1 foram apresentadas a comparação entre as médias das três crianças monolíngues e das bilíngues para o parâmetro do VOT (ms) para os sons plosivos não vozeados [p, t, k], possibilitando observar que as crianças monolíngues apresentaram valores superiores que os das crianças bilíngues.

Figura 1:
Comparação entre as médias obtidas para as crianças monolíngues (mono)e as bilíngues (bi) para o parâmetro do voice onset time (ms) para os sons plosivos não vozeados /p/, / t / e / k/

Na Tabela 2 foram descritas e comparadas as medidas dos valores dos VOTs (ms) obtidas das amostras de fala das três crianças monolíngues (CM1, CM2 e CM3) e das três bilíngues (CB1, CB2 e CB3) e pode-se observar que as três crianças monolíngues (CM1, CM2 e CM3) apresentaram valores inferiores para os plosivos vozeados /b/, /d/ e /g/ em relação às três crianças bilíngues (CB1, CB2 e CB3).

Tabela 2:
Descrição das medidas dos valores do voice onset time(ms) dos sons plosivos vozeados /b /, /d /, /g / das três crianças monolíngues (CM1, CM2, CM3) e para as três crianças bilíngues (CB1, CB2, CB3)

Figura 2:
Comparação entre as médias obtidas para as crianças monolíngues (mono) e as bilíngues (bi) para o parâmetro do voice onset time (ms) para os sons plosivos vozeados /b/, / d / e / g/

No gráfico da Figura 2 foram apresentadas a comparação entre as médias obtidas para as crianças monolíngues e bilíngues para o parâmetro do VOT (ms) para os plosivos vozeados [b, d, g], e observado que as crianças monolíngues, apresentaram valores inferiores que as médias obtidas pelas três crianças bilíngue

Discussão

As inúmeras línguas encontradas no mundo apresentam sons que são decorrentes da combinação de muitos mecanismos que envolvem o uso da corrente de ar e das câmaras que as iniciam, como os pulmões, a laringe e o véu palatino11. Ladefoged P, Maddieson I. Stops. In: Blackwell publishers Inc. The sounds of the world's languages. Massachusetts (USA); 1996. p. 47-101.

2. Kent RD, Read C. As características acústicas das consoantes. Correlatos acústicos das carcterísticas do falante. In: Ed Cortez Editora. Análise Acústica da Fala. Tradução: Meireles AR. 1. São Paulo; 2015. p. 229-390.
-33. Barbosa PA, Madureira S. Elementos de produção da fala. Oclusivas e africadas In: Cortez Editora. Manual de fonética acústica experimental. Aplicações a dados do português. São Paulo; 2015. p. 314-80.. A laringe não é a única responsável em modular o fluxo de ar e produzir os sons, que são encadeados e articulados em sequências características de cada idioma33. Barbosa PA, Madureira S. Elementos de produção da fala. Oclusivas e africadas In: Cortez Editora. Manual de fonética acústica experimental. Aplicações a dados do português. São Paulo; 2015. p. 314-80.,44. Sundberg J. O que é voz? O sistema fonador. Respiração. A fonte glótica. A diversidade na voz. In: Editora da Universidade de São Paulo. Ciência da Voz Fatos sobre a voz na fala e no canto. Tradução: Salomão GL. São Paulo; 2015. p. 249-83.. A produção dos sons da fala depende também da plasticidade de certos órgãos do aparelho fonador, que formam diferentes configurações no trato vocal, o que incluem as pregas vocais11. Ladefoged P, Maddieson I. Stops. In: Blackwell publishers Inc. The sounds of the world's languages. Massachusetts (USA); 1996. p. 47-101.

2. Kent RD, Read C. As características acústicas das consoantes. Correlatos acústicos das carcterísticas do falante. In: Ed Cortez Editora. Análise Acústica da Fala. Tradução: Meireles AR. 1. São Paulo; 2015. p. 229-390.

3. Barbosa PA, Madureira S. Elementos de produção da fala. Oclusivas e africadas In: Cortez Editora. Manual de fonética acústica experimental. Aplicações a dados do português. São Paulo; 2015. p. 314-80.
-44. Sundberg J. O que é voz? O sistema fonador. Respiração. A fonte glótica. A diversidade na voz. In: Editora da Universidade de São Paulo. Ciência da Voz Fatos sobre a voz na fala e no canto. Tradução: Salomão GL. São Paulo; 2015. p. 249-83..

As características do vozeamento são decorrentes da sincronização entre o ajuste da atividade laríngea com a articulação oral 11. Ladefoged P, Maddieson I. Stops. In: Blackwell publishers Inc. The sounds of the world's languages. Massachusetts (USA); 1996. p. 47-101.

2. Kent RD, Read C. As características acústicas das consoantes. Correlatos acústicos das carcterísticas do falante. In: Ed Cortez Editora. Análise Acústica da Fala. Tradução: Meireles AR. 1. São Paulo; 2015. p. 229-390.
-33. Barbosa PA, Madureira S. Elementos de produção da fala. Oclusivas e africadas In: Cortez Editora. Manual de fonética acústica experimental. Aplicações a dados do português. São Paulo; 2015. p. 314-80.,1010. Kenstowicz M. Phonology in generative grammar. Oxford: Blackwell; 1994. p. 195-249. e podem ser detectadas por meio de julgamento perceptivo auditivo ou pela análise de diversas pistas acústicas66. Lofredo-Bonatto MTR. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no português brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos. In: XVI Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia Campos do Jordão, São Paulo; 2008.,88. Cristofolini C. Gradiência não fala infantil: caracterização acústica de segmentos plosivos e fricativos e evidências de um período de "refinamento articulatório" [tese]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pós- Graduação em Linguística; 2013.,2323. Rocca PA. O desempenho de falantes bilíngue: evidências advindas da investigação do VOT de oclusivas surdas do inglês e do português. DELTA. 2003;19(2):303-28.,2727. Grégio FN. Análise fonético-acústica do contraste fônico de vozeamento em crianças [tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2013.. Essas questões são essências para o aprendizado de uma língua, assim como para a diferenciação entre os idiomas2525. Bandeira MHT. Diferenças entre crianças monolíngues e multilíngues no desempenho de tarefas de funções executivas e na transferência de padrões de VOT (Voice Onset Time) entre as plosivas surdas do pomerano, do português e do inglês [Dissertação]. Pelotas (RS): Universidade Católica de Pelotas; 2010..

Estudos indicam que na fala infantil podem ser encontradas particularidades como aspiração, soprosidade, interrupções ou ausência de vozeamento, quando estuda-se características da produção de fala em crianças mono e bilíngues do PB, inglês, espanhol e pomerano66. Lofredo-Bonatto MTR. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no português brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos. In: XVI Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia Campos do Jordão, São Paulo; 2008.,1515. Lofredo-Bonatto MTR. A produção de plosivas por crianças de 3 anos falantes do português brasileiro. Rev. CEFAC. 2007;9(2):199-206.,1717. Lofredo-Bonatto MTR, Madureira S. Estudo sobre a percepção e a produção do contraste de vozeamento da fala de crianças de 3 anos. Rev. CEFAC. 2009;11(1):67-77.,2424. Zimmer MC, Bandeira MHT. A dinâmica do multilingüismo na transferência de padrões de aspiração de obstruintes iniciais entre o pomerano (L1), o português (L2) e o inglês (L3). In: X Congresso Nacional de Fonética e Fonologia Niterói; 2008.,2929. Lamy DS. A variationist account of voice onset time (VOT) among bilingual West Indians in Panama. Studies in Hispanic and Lusophone Linguistics. 2016;9(1):113-41..

Ao se comparar dados de produções de fala entre crianças mono e bilíngues do PB e do inglês verificou-se a diferenciação nos valores dos VOTs, conforme visto nas Figuras 1 e 2 como ressaltado por alguns pesquisadores para a fala infantil88. Cristofolini C. Gradiência não fala infantil: caracterização acústica de segmentos plosivos e fricativos e evidências de um período de "refinamento articulatório" [tese]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pós- Graduação em Linguística; 2013.,2525. Bandeira MHT. Diferenças entre crianças monolíngues e multilíngues no desempenho de tarefas de funções executivas e na transferência de padrões de VOT (Voice Onset Time) entre as plosivas surdas do pomerano, do português e do inglês [Dissertação]. Pelotas (RS): Universidade Católica de Pelotas; 2010. e para a fala adulta2323. Rocca PA. O desempenho de falantes bilíngue: evidências advindas da investigação do VOT de oclusivas surdas do inglês e do português. DELTA. 2003;19(2):303-28.,2626. Bandeira MH, Zimmer MA. Transferência dos padrões de VOT de plosivas surdas no multilingüismo. Letras de Hoje. 2011;46(2):87-95.,2828. Schaeffer SCB, Meireles AR. Padrões de vozeamento de consoantes plosivas em falantes de pomerano (L1) e de português (L2) Anais do VII Congresso Internacional da ABRALIM Curitiba; 2011..

Alguns autores pontuaram que para a produção dos sons plosivos vozeados existe algum modo de vibração das pregas vocais e muitas vezes são necessários a utilização de alguns recursos para permitir a ocorrência do vozeamento. Esse vozeamento pode ser identificado na barra de sonoridade antes do evento do burst. Os sons plosivos não vozeados, por sua vez, não apresentam nenhum modo de vibração das pregas vocais e são produzidos com intervalo curto e sem a presença de aspiração, pois após o burst existe uma discreta soltura de ar33. Barbosa PA, Madureira S. Elementos de produção da fala. Oclusivas e africadas In: Cortez Editora. Manual de fonética acústica experimental. Aplicações a dados do português. São Paulo; 2015. p. 314-80.,1010. Kenstowicz M. Phonology in generative grammar. Oxford: Blackwell; 1994. p. 195-249.,2222. Camargo Z, Madureira S. Análise Acústica: aplicações na Fonoaudiologia In: Fernandes FDM, Mendes BCA, Naves ALPGP (org.). Tratado de Fonoaudiologia, 2ª edição, São Paulo, ROCA. 2015. p.695-9..

Encontrou-se nos valores de VOT das plosivas não vozeadas para as três meninas monolíngues médias de VOT (Tabela 1) que são compatíveis aos encontrados na literatura 22. Kent RD, Read C. As características acústicas das consoantes. Correlatos acústicos das carcterísticas do falante. In: Ed Cortez Editora. Análise Acústica da Fala. Tradução: Meireles AR. 1. São Paulo; 2015. p. 229-390.,33. Barbosa PA, Madureira S. Elementos de produção da fala. Oclusivas e africadas In: Cortez Editora. Manual de fonética acústica experimental. Aplicações a dados do português. São Paulo; 2015. p. 314-80.,1313. Lisker L, Abranson A. A cross language study of voicing in initial stop: acoustical measurements. Word j. Linguistic Circle. 1964;20(3):384-422. e também em alguns estudos realizados por outros pesquisadores2323. Rocca PA. O desempenho de falantes bilíngue: evidências advindas da investigação do VOT de oclusivas surdas do inglês e do português. DELTA. 2003;19(2):303-28.,2525. Bandeira MHT. Diferenças entre crianças monolíngues e multilíngues no desempenho de tarefas de funções executivas e na transferência de padrões de VOT (Voice Onset Time) entre as plosivas surdas do pomerano, do português e do inglês [Dissertação]. Pelotas (RS): Universidade Católica de Pelotas; 2010..

Na língua inglesa, a presença ou ausência de aspiração é o que geralmente determina o contraste de vozeamento, os valores dos plosivos [p, t, k] não aspirados apresentam um VOT mais curto e os aspirados um VOT mais longo que variam entre 25 ms até 100 ms. Para os vozeados [b, d, g] o VOT é negativo, mas apresenta valores mais curtos, com uma pequena variação ao redor de zero, pois a soltura da obstrução da plosiva e o início do vozeamento são praticamente simultâneos22. Kent RD, Read C. As características acústicas das consoantes. Correlatos acústicos das carcterísticas do falante. In: Ed Cortez Editora. Análise Acústica da Fala. Tradução: Meireles AR. 1. São Paulo; 2015. p. 229-390.,33. Barbosa PA, Madureira S. Elementos de produção da fala. Oclusivas e africadas In: Cortez Editora. Manual de fonética acústica experimental. Aplicações a dados do português. São Paulo; 2015. p. 314-80.,1111. Shimizu K. A cross language study of voicing contrasts of stops consonants in asian languages. Seibido Publishing Co. Ltd. Japan, 1996.,1313. Lisker L, Abranson A. A cross language study of voicing in initial stop: acoustical measurements. Word j. Linguistic Circle. 1964;20(3):384-422.. Ao considerar essas características da literatura pode-se verificar para as crianças bilíngues do presente trabalho, valores de VOTs, compatíveis aos encontrados por outros pesquisadores2323. Rocca PA. O desempenho de falantes bilíngue: evidências advindas da investigação do VOT de oclusivas surdas do inglês e do português. DELTA. 2003;19(2):303-28.,2424. Zimmer MC, Bandeira MHT. A dinâmica do multilingüismo na transferência de padrões de aspiração de obstruintes iniciais entre o pomerano (L1), o português (L2) e o inglês (L3). In: X Congresso Nacional de Fonética e Fonologia Niterói; 2008., como podem ser constatados nas Tabelas 1 e 2.

Os dados obtidos para as crianças bilíngues (Figura 2) são concordantes aos resultados de um estudo realizado com bilíngues adultos ( PB/I) que apresentaram valores maiores das medidas VOTs pela presença de aspiração 2323. Rocca PA. O desempenho de falantes bilíngue: evidências advindas da investigação do VOT de oclusivas surdas do inglês e do português. DELTA. 2003;19(2):303-28.. Para a fala infantil, os dados obtidos por outros autores2626. Bandeira MH, Zimmer MA. Transferência dos padrões de VOT de plosivas surdas no multilingüismo. Letras de Hoje. 2011;46(2):87-95. também tiveram semelhança com o presente estudo uma vez que constataram a presença de leve aspiração em VOTs de crianças bilíngues entre as idades de 8 e 9 anos diferentemente dos valores encontrados para as monolíngues2424. Zimmer MC, Bandeira MHT. A dinâmica do multilingüismo na transferência de padrões de aspiração de obstruintes iniciais entre o pomerano (L1), o português (L2) e o inglês (L3). In: X Congresso Nacional de Fonética e Fonologia Niterói; 2008..

Os valores de VOT das crianças monolíngues da presente pesquisa (Figura 1) também são concordantes aos apresentados pelas crianças bilíngues de uma pesquisa que investigou as diferenças relativas aos padrões de VOT em sons não vozeados produzidos por crianças monolíngues (PB) e bilíngues (PB /inglês). Os autores da pesquisa2525. Bandeira MHT. Diferenças entre crianças monolíngues e multilíngues no desempenho de tarefas de funções executivas e na transferência de padrões de VOT (Voice Onset Time) entre as plosivas surdas do pomerano, do português e do inglês [Dissertação]. Pelotas (RS): Universidade Católica de Pelotas; 2010. como no presente estudo encontraram diferenças entre as médias obtidas por monolíngues e bilíngues na produção de plosivos do inglês, e sugeriram que poderia haver influência da primeira língua dos participantes na produção dos plosivos aspirados do inglês2525. Bandeira MHT. Diferenças entre crianças monolíngues e multilíngues no desempenho de tarefas de funções executivas e na transferência de padrões de VOT (Voice Onset Time) entre as plosivas surdas do pomerano, do português e do inglês [Dissertação]. Pelotas (RS): Universidade Católica de Pelotas; 2010..

No grupo de crianças investigado, nas meninas monolíngues foram encontrados valores de VOT superiores (Tabela 1) para os plosivos não vozeados e valores inferiores para os vozeados (Tabela 2) quando comparados aos achados nas crianças bilíngues.

Com base nos resultados obtidos, mesmo analisando um número pequeno de sujeitos, fica evidente que quando a criança é exposta a uma única língua o traço de vozeamento fica mais evidente e por essa razão o valor mais elevado. No caso das crianças bilíngues o valor foi menor, mas de qualquer forma a identidade do som plosivo foi mantida.

Assim, com base na literatura33. Barbosa PA, Madureira S. Elementos de produção da fala. Oclusivas e africadas In: Cortez Editora. Manual de fonética acústica experimental. Aplicações a dados do português. São Paulo; 2015. p. 314-80.,1010. Kenstowicz M. Phonology in generative grammar. Oxford: Blackwell; 1994. p. 195-249.,2222. Camargo Z, Madureira S. Análise Acústica: aplicações na Fonoaudiologia In: Fernandes FDM, Mendes BCA, Naves ALPGP (org.). Tratado de Fonoaudiologia, 2ª edição, São Paulo, ROCA. 2015. p.695-9. vale destacar que os valores distintos de VOTs observados nos resultados (Tabelas 1 e 2 e Figuras 1 e 2) provavelmente são decorrentes de diferentes ajustes laríngeos e de mudanças sutis na realização fonética de um contraste fonológico em monolíngues e bilíngues desde a infância33. Barbosa PA, Madureira S. Elementos de produção da fala. Oclusivas e africadas In: Cortez Editora. Manual de fonética acústica experimental. Aplicações a dados do português. São Paulo; 2015. p. 314-80.,1010. Kenstowicz M. Phonology in generative grammar. Oxford: Blackwell; 1994. p. 195-249.,2222. Camargo Z, Madureira S. Análise Acústica: aplicações na Fonoaudiologia In: Fernandes FDM, Mendes BCA, Naves ALPGP (org.). Tratado de Fonoaudiologia, 2ª edição, São Paulo, ROCA. 2015. p.695-9..

Apesar do número reduzido de sujeitos não ter permitido a aplicação de testes estatísticos, pode-se constatar que a análise dos dados acústicos do VOT, que foi escolhida para o presente estudo, foi válida na medida em que mostrou diferenças nos valores dos sons plosivos vozeados e não vozeados em crianças expostas a uma outra língua. Ainda com base na literatura entendeu-se que a aspiração pode ter sido responsável pelas diferenças nos valores de VOT, principalmente para as plosivas vozeadas.

Sendo assim, vale pontuar que o VOT pode ser uma ferramenta complementar, na clínica fonoaudiológica, com crianças monolíngues e bilíngues, em avaliações e terapias dos distúrbios da linguagem, em análises em crianças que são expostas a mais de uma língua, tanto para trocas na fala quanto para dificuldades com escrita, e consequentemente auxiliar e facilitar os processos de diagnóstico, consequentemente na intervenção fonoaudiológica e no planejamento terapêutico.

Conclusão

Na comparação o valor do voice onset time (VOT) das crianças monolíngues do português brasileiro foi maior quando confrontado com o das crianças bilíngues do português brasileiro e do inglês.

References

  • 1
    Ladefoged P, Maddieson I. Stops. In: Blackwell publishers Inc. The sounds of the world's languages. Massachusetts (USA); 1996. p. 47-101.
  • 2
    Kent RD, Read C. As características acústicas das consoantes. Correlatos acústicos das carcterísticas do falante. In: Ed Cortez Editora. Análise Acústica da Fala. Tradução: Meireles AR. 1. São Paulo; 2015. p. 229-390.
  • 3
    Barbosa PA, Madureira S. Elementos de produção da fala. Oclusivas e africadas In: Cortez Editora. Manual de fonética acústica experimental. Aplicações a dados do português. São Paulo; 2015. p. 314-80.
  • 4
    Sundberg J. O que é voz? O sistema fonador. Respiração. A fonte glótica. A diversidade na voz. In: Editora da Universidade de São Paulo. Ciência da Voz Fatos sobre a voz na fala e no canto. Tradução: Salomão GL. São Paulo; 2015. p. 249-83.
  • 5
    Grégio FN, Queiroz RM, Sacco ABF, Camargo Z. O uso da eletroglotografia na investigacão do vozeamento em adultos sem queixa de fala. Rev Intercâmbio. 2011;23:88-105.
  • 6
    Lofredo-Bonatto MTR. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no português brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos. In: XVI Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia Campos do Jordão, São Paulo; 2008.
  • 7
    Melo RM, Mota HB, Mezzomo CL, Brasil BC, Lovatto L, Arzeno L. Desvio fonológico e a dificuldade com a distinção do traço [voz] dos fonemas plosivos- dados de produção e percepção do contraste de sonoridade. Rev. CEFAC. 2012;14(1):18-29.
  • 8
    Cristofolini C. Gradiência não fala infantil: caracterização acústica de segmentos plosivos e fricativos e evidências de um período de "refinamento articulatório" [tese]. Florianópolis (SC): Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pós- Graduação em Linguística; 2013.
  • 9
    McCarthy KM, Macon M, Rosen S, Evans BG. Speech perception and production by sequential bilingual children: a longitudinal study of voice onset time acquisition. Child Development. 2014;85(5):1965-80.
  • 10
    Kenstowicz M. Phonology in generative grammar. Oxford: Blackwell; 1994. p. 195-249.
  • 11
    Shimizu K. A cross language study of voicing contrasts of stops consonants in asian languages. Seibido Publishing Co. Ltd. Japan, 1996.
  • 12
    Kang Y. Voice onset time merger and development of tonal contrast in Seoul Korean stops: a corpus study. Phonetics. 2014;45:76-90.
  • 13
    Lisker L, Abranson A. A cross language study of voicing in initial stop: acoustical measurements. Word j. Linguistic Circle. 1964;20(3):384-422.
  • 14
    Balukas C, Koops C. Spanish - English bilingual voice onset time in Spontaneous code - switching. International Journal of Bilingualism. 2015;19(4):423-43.
  • 15
    Lofredo-Bonatto MTR. A produção de plosivas por crianças de 3 anos falantes do português brasileiro. Rev. CEFAC. 2007;9(2):199-206.
  • 16
    Camargo ZA, Madureira S. Dimensões perceptivas das alterações de qualidade vocal e suas correlações aos planos da acústica e da fisiologia. DELTA. 2009;25(2):285-317.
  • 17
    Lofredo-Bonatto MTR, Madureira S. Estudo sobre a percepção e a produção do contraste de vozeamento da fala de crianças de 3 anos. Rev. CEFAC. 2009;11(1):67-77.
  • 18
    Fabiano-Smith L, Buntab F. Voice onset time of voiceless bilabial and velar stops in 3-year-old bilingual children and their age-matched monolingual peers. Clinical Linguistics and Phonetics. 2011;26(2):148-63.
  • 19
    Melo RM, Mota HB, Mezzomo CL, Brasil BC, Lovatto L, Arzeno L. Acoustic characterization of the voicing of stop phones in brazilian portuguese. Rev. CEFAC. 2014;16(2):487-99.
  • 20
    Stölten K, Abrahamsson N, Hyltenstam K. Effects of age of learning on voice onset time: categorical perception of swedish stops by near-native L2 speakers. Language and Speech. 2014; 57(4):425-50.
  • 21
    Piccinini P, Arvaniti A. Voice onset time in spanish-english spontaneous code- switching. J Phonetics. 2015;52:121-37.
  • 22
    Camargo Z, Madureira S. Análise Acústica: aplicações na Fonoaudiologia In: Fernandes FDM, Mendes BCA, Naves ALPGP (org.). Tratado de Fonoaudiologia, 2ª edição, São Paulo, ROCA. 2015. p.695-9.
  • 23
    Rocca PA. O desempenho de falantes bilíngue: evidências advindas da investigação do VOT de oclusivas surdas do inglês e do português. DELTA. 2003;19(2):303-28.
  • 24
    Zimmer MC, Bandeira MHT. A dinâmica do multilingüismo na transferência de padrões de aspiração de obstruintes iniciais entre o pomerano (L1), o português (L2) e o inglês (L3). In: X Congresso Nacional de Fonética e Fonologia Niterói; 2008.
  • 25
    Bandeira MHT. Diferenças entre crianças monolíngues e multilíngues no desempenho de tarefas de funções executivas e na transferência de padrões de VOT (Voice Onset Time) entre as plosivas surdas do pomerano, do português e do inglês [Dissertação]. Pelotas (RS): Universidade Católica de Pelotas; 2010.
  • 26
    Bandeira MH, Zimmer MA. Transferência dos padrões de VOT de plosivas surdas no multilingüismo. Letras de Hoje. 2011;46(2):87-95.
  • 27
    Grégio FN. Análise fonético-acústica do contraste fônico de vozeamento em crianças [tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2013.
  • 28
    Schaeffer SCB, Meireles AR. Padrões de vozeamento de consoantes plosivas em falantes de pomerano (L1) e de português (L2) Anais do VII Congresso Internacional da ABRALIM Curitiba; 2011.
  • 29
    Lamy DS. A variationist account of voice onset time (VOT) among bilingual West Indians in Panama. Studies in Hispanic and Lusophone Linguistics. 2016;9(1):113-41.
  • 30
    Dmitrieva O, Llanos F, Shultz AA, Francis AL. Phonological status, not voice onset time, determines the acoustic realization of onset f0 as a secondary voicing cue in Spanish and English. J Phonetics. 2015;49:77-95.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2018

Histórico

  • Recebido
    05 Mar 2018
  • Aceito
    31 Ago 2018
ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistacefac@cefac.br