Autopercepção do efeito da hidratação direta na qualidade vocal de professores: um estudo de intervenção

RESUMO

Objetivo:

avaliar os efeitos da hidratação da superfície na qualidade vocal, segundo a autopercepção dos professores.

Métodos:

estudo de intervenção pré-teste e pós-teste, cego ao examinador, com grupo único de 27 professores. Foram avaliadas características sociodemográficas e do trabalho, por meio de questionário estruturado, e aplicados os instrumentos Índice de Triagem para Distúrbio de Voz, Escala de Classificação da Severidade Vocal, Efeitos Esperados Pré-intervenção, Efeitos Percebidos Pós-intervenção e Percepção Pós-Intervenção. A intervenção durou quatro semanas e consistiu em cinco minutos de nebulização com soro fisiológico (cloreto de sódio a 0,9%), após 10 minutos de desidratação, antes de lecionar.

Resultados:

Índice de Triagem para Distúrbio de Voz demonstrou redução estatisticamente significativa (p = 0,001). A frequência de distúrbios da voz no Escala de Classificação da Severidade Vocal foi reduzida sem significância estatística (p = 0,172). Efeitos Esperados Pré-intervenção e Efeitos Percebidos Pós-intervenção mostraram melhora na qualidade vocal (40,7%), conforto vocal (40,7%) e hidratação das pregas vocais (37%). Percepção Pós-intervenção demonstrou melhora moderada dos sintomas vocais (59,3%), voz mais clara (55,6%) e facilidade ao falar (48,1%), intensa credibilidade na intervenção (74,1%) e intensa adesão a intervenção (74,1%).

Conclusão:

a hidratação de superfície com soro fisiológico, promoveu melhora autorreferida da qualidade vocal dos professores.

Descritores:
Saúde do Trabalhador; Docentes; Distúrbios da Voz; Autoavaliação; Terapia Respiratória

ABSTRACT

Objective:

to assess the effects of surface hydration on vocal quality according to teachers’ self-perception.

Methods:

an examiner-blinded pre-test and post-test intervention study carried out with a single group of 27 teachers. Sociodemographic characteristics and work questionnaire, Screening Index for Voice Disorder, Vocal Severity Rating Scale, Expected Effects Pre-intervention, Perceived Effects Post-intervention and Post-intervention Perception instruments, were applied. The intervention lasted 4 weeks and consisted of 5 minutes of nebulization with saline solution (sodium chloride 0.9%), after 10 minutes of mouth dehydration, prior to teaching.

Results:

screening Index for Voice Disorder scores demonstrated a statistically significant reduction (p=0.001). Frequency of voice disorders in the Vocal Severity Rating Scale was reduced without a statistical significance (p= 0.172). Expected Effects, Pre-intervention, and Perceived Effects, Post-intervention, showed improvement in vocal quality (40.7%), vocal comfort (40.7%) and vocal folds hydration (37%). Post-intervention perception form showed moderate improvement of the symptoms (59.3%), cleared voice (55.6%) and ease speaking (48.1%) as well as intense belief in the intervention (74.1%) and intense compliance to the intervention (74.1%).

Conclusion:

surface hydration with saline solution promoted self-perceived improvement in vocal quality.

Keywords:
Occupational Health; Faculty; Voice Disorders; Self-Assessment; Respiratory Therapy

Introdução

A comunicação exerce um papel significativo no desempenho profissional dos professores. Como tal, um distúrbio vocal pode ter implicações amplas na qualidade de vida e no trabalho dos professores¹. Problemas vocais são comuns entre os professores^2-5. A maioria dos professores sobrecarrega suas vozes por falar forte por longos períodos, sem tempo suficiente para recuperação vocal³.

A associação entre uso prolongado da voz, fatores relacionados ao trabalho, ambientais e individuais contribuem para a prevalência de queixas vocais^6,7. Uma vez que tais queixas são identificadas como desvios vocais associados à atividade profissional, estas são classificadas como Distúrbio da Voz Relacionado ao Trabalho (DVRT) ^4,8.

Pesquisas demonstraram que a disfonia entre professores pode estar associada ao ambiente e organização do trabalho, questões psicossociais, gênero e fatores individuais^1,5-8.

Em estudos comparando professores e não professores nos Estados Unidos e no Brasil, foi observada maior ocorrência de sintomas vocais entre os professores, além de múltiplos episódios de disfonia, aumento do relato de distúrbio vocal e associação desses sintomas com o uso profissional da voz^2,7. Além disso, observou-se uma maior taxa de afastamento do trabalho ao longo do ano entre os professores devido à disfonia, bem como uma maior tendência de limitações na capacidade de realizar tarefas e redução da interação com os outros².

Embora os professores sejam a categoria de profissionais de voz mais pesquisados no mundo, poucos estudos de intervenção estão disponíveis, principalmente no que se refere à prevenção de lesões vocais nessa população. O número limitado de estudos de intervenção tem sido um grande obstáculo para a fonoterapia e para a elaboração de medidas de promoção da saúde vocal, prevenção e políticas públicas ⁹.

Rouquidão, fadiga vocal e ressecamento laríngeo são os sintomas mais relatados por esses profissionais^4,5,8.

A autoavaliação individual do problema vocal e a análise dos resultados de tratamentos específicos são meios utilizados para verificar a efetividade de uma intervenção e desenvolver procedimentos para a prática clínica e ações preventivas⁷.

Um estudo que avaliou a correlação entre três componentes do diagnóstico de distúrbio vocal em professores (auto-relato, avaliação perceptivo-auditiva e análise acústica) concluiu que o autorrelato foi considerado um excelente preditor de alteração vocal, com bom nível de concordância com a avaliação perceptiva¹⁰. Portanto, as medidas de autopercepção constituem um método válido de desempenho confiável para identificar condições vocais.

A hidratação superficial ou sistêmica pode ser considerada uma boa medida de proteção da voz. A hidratação é responsável por promover a eficiência vocal, reduzindo o esforço de fonação e aliviando os sintomas e desconfortos associados ao ressecamento laríngeo e à secreção viscosa¹¹.

Um estudo que avaliou os efeitos de três tratamentos de nebulização no limiar de pressão fonatória (PTP) e no esforço fonatório percebido (PPE), utilizando substâncias com diferentes propriedades osmóticas - solução salina isotônica ou soro fisiológico (NaCl 0,9%), solução salina hipertônica (NaCl 7%) e água estéril - indicou que a inalação com soro fisiológico apresentou efeitos mais vantajosos do que com as duas últimas citadas. Isso provavelmente ocorreu porque o soro fisiológico facilitou a hidratação laríngea em curto prazo, sem alterar o equilíbrio iônico do sistema e do mecanismo fisiológico de hidratação do tecido superficial em indivíduos saudáveis¹².

Uma pesquisa brasileira que objetivou investigar os efeitos da hidratação de superfície na qualidade vocal de professores com soro fisiológico (NaCl 0,9%) demonstrou melhora em alguns parâmetros acústicos da qualidade vocal de professores, tais como parâmetros de frequência fundamental e intensidade¹³.

Outro estudo brasileiro que objetivou comparar os efeitos de duas estratégias protetoras - amplificação vocal (AV) e hidratação de superfície com soro fisiológico (NaCl a 0,9% )( NEB) - sobre a voz dos professores no ambiente de trabalho, mostrou que a AV e o NEB podem ajudar a atenuar a disfonia em diferentes vias, sendo intervenções potenciais para proteger as vozes dos professores¹⁴.

O objetivo deste artigo é verificar os efeitos da hidratação da superfície com soro fisiológico (NaCl 0,9%) na qualidade vocal de professores segundo sua autopercepção, a fim de avaliar se a hidratação superficial pode afetar positivamente a saúde vocal durante o ensino.

Métodos

Este estudo foi inscrito na Plataforma Brasil sob o CAAE no. 19722913.4.0000.0053 e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS como parte do Projeto “Condições de Trabalho Docente e Saúde: Intervenções para a Construção de Ambientes de Trabalho Saudáveis” sob parecer de nº 423.012, de 30/08/2013. O estudo seguiu criteriosamente a resolução no. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

Delineamento e População

Tratou-se de um estudo de intervenção, pré e pós-teste, com grupo único de sujeitos, cego ao avaliador. Fizeram parte do estudo 27 professores de uma escola da rede pública estadual de ensino da cidade de Salvador, Bahia entre os meses de setembro a novembro de 2014. A amostra do estudo foi definida segundo critério de conveniência.

A escola estudada caracteriza-se por ser uma instituição de grande porte, localizada num bairro da periferia da cidade de Salvador. Possui, no seu quadro de professores, um total de 72 profissionais que são responsáveis pelas atividades de ensino a mais de dois mil alunos, incluindo os níveis do ensino fundamental, médio e técnico.

Todos os professores foram convidados a participar do estudo. Contudo, apenas 36 sujeitos aceitaram participar da pesquisa.

Foram incluídos no estudo docentes com carga horária laboral mínima de 20 horas semanais e que faziam o uso profissional da voz apenas na atividade docente. Excluíram-se do estudo aqueles docentes que estavam em estado gripal ou com infecção em vias áreas superiores nos dias das gravações, que estavam realizando fonoterapia concomitante a intervenção ou que não participaram de todas as etapas da pesquisa.

Ocorreram perdas devido à saída de docentes da instituição ou aposentadoria (2 sujeitos), problemas de saúde ao longo das etapas (2 sujeitos), realização de fonoterapia concomitante a intervenção (1 sujeito) e a não participação em todas as etapas da pesquisa (4 sujeitos).

Etapas do Estudo

Apresentação e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

O trabalho de campo foi iniciado com reuniões em todos os turnos de Atividades Complementares (ACs) dos docentes com a finalidade de apresentar o projeto e convidar os docentes a participar do estudo, após assinatura do termo de anuência por parte da diretora da unidade escolar. Um envelope contendo duas cópias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e um questionário estruturado pela equipe foi entregue aos docentes que demonstraram interesse em participar da intervenção.

O questionário incluía questões sociodemográficas, características gerais do trabalho, ambiente e organização do trabalho, hábitos, estilo de vida, avaliação de agravos vocais, distúrbios musculoesqueléticos e saúde mental, destinando, assim, a caracterizar a população segundo esses aspectos.

Autoavaliação Vocal

A autoavaliação vocal foi realizada a partir da aplicação, nos momentos pré e pós-intervenção, do “Índice de Triagem para Distúrbio de Voz”, desenvolvido e validado por Ghirardi et al.¹⁵ e da “Escala de Classificação da Severidade Vocal” baseada em Roy et al.³. Além disso, foram analisados os “Efeitos Esperados Pré-intervenção”, “Efeitos Percebidos Pós-intervenção” elaborados pela equipe e “Percepção Pós-Intervenção” adaptada de Roy et al.³.

O Índice de Triagem para Distúrbios Vocais (ITDV) é um escore eficiente com alto grau de sensibilidade para triagem de distúrbios da voz em professores.

Esse instrumento é composto por 12 sintomas vocais, sendo eles: rouquidão, perda da voz, falha na voz, voz grossa, pigarro, tosse seca, tosse com secreção, dor ao falar, dor ao engolir, catarro na garganta, garganta seca, e cansaço ao falar. A mensuração da resposta ocorre por meio de uma escala de frequência desses sintomas vocais (nunca, raramente, às vezes e sempre). O escore do ITDV é obtido pela soma do número de sintomas referidos “às vezes” e “sempre”. A cada marcação destas frequências, soma-se um ponto. O ponto de corte que determina nível de suspeição para disfonia é de cinco pontos¹⁵.

A Escala de Classificação da Severidade Vocal (ECSV) classifica a gravidade da alteração vocal resultante da autopercepção dos sujeitos. Este instrumento consiste em uma escala tipo Likert com quatro pontos de avaliação (0=nenhum problema, 1= problema leve, 2= problema moderado e 3= problema intenso)³.

Os formulários “Efeitos Esperados Pré-intervenção” e “Efeitos Percebidos Pós-intervenção” constam, respectivamente, das seguintes questões abertas: “Na sua opinião, quais os efeitos que a intervenção ocasionará?” e “Cite os efeitos que percebeu após a realização da Hidratação de Superfície”.

O instrumento sobre a “Percepção no momento pós-intervenção” possibilitou a avaliação objetiva da percepção dos professores quanto à intervenção e melhorias na comunicação promovidas por esta. Por meio de uma escala do tipo Likert (“Nenhuma/Pouco”, “Moderada” e “Boa/Intensa”), os docentes assinalaram o quanto perceberam melhora na qualidade vocal, voz clara, facilidade ao falar e se acreditavam na intervenção. Além disto, avaliou-se, com a mesma escala de freqüência acima como os professores classificavam sua adesão à intervenção realizada.

Intervenção

Inicialmente, todos os membros da equipe receberam capacitação prévia por meio de oficinas, para garantir a padronização dos procedimentos de preparação, higienização dos equipamentos, assim como monitoramento dos docentes durante todo o período de intervenção de hidratação de superfície com soro fisiológico (cloreto de sódio- NaCl 0,9%).

Da mesma forma, todos os docentes incluídos no estudo passaram por apresentação prévia dos equipamentos e receberam informações sobre os procedimentos de preparação e higienização da intervenção de modo a terem acesso a todas as informações sobre as condutas previstas na intervenção. Todas as nebulizações e os procedimentos relacionados foram realizados e monitorados pela equipe de pesquisa.

Os professores foram submetidos à desidratação da mucosa do trato vocal promovida por 10 minutos de respiração oral, utilizando-se um clipe nasal para ocluir as narinas, conforme procedimentos recomendados pela literatura^12,16,17. A hidratação de superfície consistiu na inalação oral (via máscara) de 5ml de soro fisiológico (NaCl 0,9%), durante cinco minutos, por quatro semanas, utilizando-se o aparelho nebulizador ultrassônico de marca NS Evolusonic, no turno de maior presença do docente da escola.

Ressalta-se que cada participante teve seu próprio equipamento para a intervenção, o qual foi previamente codificado.

Foram previstas duas nebulizações nos docentes dos turnos matutino e vespertino e apenas uma nebulização no turno da noite, já que este último apresentava carga horária reduzida (40 minutos/aula) e não possuía intervalo. Desta forma, nos turnos diurnos, as inalações foram realizadas antes do docente lecionar a primeira aula, sendo a segunda inalação feita durante o intervalo, ou seja, duas horas após a primeira inalação. O tempo médio de inalação foi baseado em estudo de curta duração com hidratação de superfície para recuperação da viscosidade adequada à vibração das pregas vocais¹⁶. Os docentes do turno noturno realizaram nebulização apenas antes de iniciar a primeira aula.

Análise de Dados

Foram analisadas as diferenças entre os valores pré e pós-intervenção do escore total do ITDV, a ECSV, a frequência dos Efeitos Esperados Pré-intervenção e Efeitos Percebidos Pós-intervenção e a percepção pós-intervenção dos sujeitos.

Foi utilizado o software Statistical Package for the Social Sciencies - SPSS versão 19.0 para Windows para armazenamento e análise dos dados.

O teste não-paramétrico signed-rank test de Wilcoxon, foi usado para comparar amostras pré- versus pós-intervenção, e o teste de McNemar para amostras emparelhadas utilizado comparar dados nominais pareados antes e depois da intervenção. Foi adotado para todos os testes o nível de significância de 5% (p≤0,05). Cálculos de frequências absolutas foram também realizados.

Os dados relativos aos “Efeitos Esperados Pré-intervenção” e “Percebidos Pós-intervenção” foram coletados como questão aberta. A avaliação das respostas obtidas foi feita utilizando análise de conteúdo. A análise de conteúdo é uma técnica por meio da qual é possível identificar as unidades de um texto, frases ou palavras, que se repetem, permitindo estabelecer uma categoria que as representem¹⁸. Assim, o material coletado foi submetido à leitura e releitura, procedendo-se à identificação de categorias-chave capazes de expressarem os relatos obtidos. Com base nesta análise, foi possível identificar os diferentes tipos de efeitos relatados e avaliar a sua frequência. Em seguida, os efeitos mais referidos foram relatados, o que possibilitou a comparação entre os principais efeitos mencionados nos momentos pré e pós-intervenção.

Resultados

Caracterização da Amostra e Ambiente de Trabalho

Aplicados os critérios de exclusão, a população deste estudo foi constituída por 27 professores, 15 do gênero feminino e 12 do gênero masculino, com média de idade de 44,9 anos, e média de 18 anos lecionando. A carga horária semanal média de trabalho na escola onde realizou-se a intervenção foi 28,5 horas. A maioria referiu que seu ambiente de trabalho possuía acústica desfavorável (70,4%), salas ruidosas (78,8%), temperatura adequada (55,6%) e sem umidade (77,8%) apresentando uma média de 39,6 alunos por turma.

Com relação aos aspectos da saúde vocal, observou-se que: 55,6% dos docentes referiram ingerir algum tipo de bebida alcoólica; 74,1% referiram falar forte durante a aula e 32% mencionaram gritar ao lecionar; 51,9% relataram que costumavam beber água quando estavam lecionando, sendo 6,3 a média de copos de água por dia. Constatou-se, ainda, que a 29,6% relatou possuir alteração vocal e 11,1% referiram já terem sido afastados por alteração vocal.

Autopercepção Vocal

A comparação entre os momentos pré e pós-intervenção do escore total do ITDV demonstrou redução estatisticamente significante (p≤0,05).

Tabela 1:
Comparação Pré vs. Pós-intervenção das médias e desvios padrões do Índice de Triagem para Distúrbio de Voz (ITDV) de 26 professores de uma escola da rede pública estadual de ensino. Salvador, Bahia, Brasil, 2014

ITDV	Hidratação (NaCl 0,9%) (N = 26)
	Média	DP	p-valor
Pre	3,50	2,97	0,001a
Pos	1,23	2,03

• ^aTeste de Wilcoxon Signed-rank
• *Foram analisados os resultados de 26 professores devido ao preenchimento incompleto do protocolo por um dos professores.
• DP = Desvio-padrão
• NaCl = Cloreto de Sódio

Na Escala de Classificação da Severidade Vocal (ECSV), constatou-se uma redução da frequência autorreferida de disfonia moderada e elevação da disfonia leve sem significância estatística (p = 0.172).

Tabela 2:
Comparação Pré vs. Pós-intervenção das frequências Escala de Classificação da Severidade Vocal (ECSV) de 26 professores de uma escola da rede pública estadual de ensino. Salvador, Bahia, Brasil, 2014

Variável	Hidratação (NaCl 0,9%) (N= 26)
Qualidade Vocal	Pre %(n)	Pos %(n)	p-valor
Normal	52,0(13)	44,4(12)	0,172b
Disfonia Leve	28,0(7)	44,4(12)
Disfonia Moderada	20,0(5)	11,1(3)

• ^bTeste de McNemar para amostras emparelhadas
• *A disfonia severa foi reportada por um sujeito durante pré- intervenção. Este resultado teve que ser removido dos cálculos para que fosse possível aplicação do teste estatístico.
• NaCl = Cloreto de Sódio

“Efeitos Esperados Pré-intervenção”, revelaram que “melhora da qualidade vocal”, “conforto vocal” e “hidratação das pregas vocais” foram os efeitos mais referidos pelos professores. Com relação aos “Efeitos Percebidos Pós-intervenção”, observou-se uma leve redução da “melhora da qualidade vocal” e aumento na frequência de “conforto vocal”, assim como da “hidratação das pregas”.

Tabela 3:
Frequência dos efeitos esperados pré-intervenção, efeitos percebidos pós-intervenção de 27 professores de uma escola da rede pública estadual de ensino. Salvador, Bahia, Brasil, 2014

Variáveis	Efeitos Esperados Pré-intervenção		Efeitos Percebidos Pós-intervenção
	n	%	n	%
Melhora da Qualidade Vocal	14	51,9	11	40,7
Conforto Vocal	8	29,6	11	40,7
Hidratação das Pregas Vocais	8	29,6	10	37
Detecção de Disfonia	3	11,1	-	-
Prevenção de Problemas Vocais	2	7,4	2	7,4
Melhora da Projeção Vocal	2	7,4	2	7,4
Melhora da Respiração	2	7,4	1	3,7
Estabilidade Vocal	1	3,7	3	11,1
Voz Limpa	1	3,7	3	11,1
Eliminação do muco e limpeza das vias aéreas	-	-	4	14,8
Mudança de Pitch	-	-	1	3,7
Flexibilidade Vocal	-	-	1	3,7
Facilidade ao falar	-	-	1	3,7

O formulário de Percepção da Intervenção demonstrou maior frequência de grau moderado para: melhora dos sintomas vocais, voz mais clara e facilidade ao falar. A maioria dos professores referiu acreditar muito no tratamento, relatando muito boa adesão à intervenção.

Tabela 4:
Percepção pós-intervenção de 27 professores de uma escola da rede pública estadual de ensino. Salvador, Bahia, Brasil, 2014.

Variável	Hidratação (NaCl 0,9%) (N=27) %(n)
Melhora dos Sintomas
Nenhuma/Pouca	14,8(4)
Moderada	59,3(16)
Boa/Intensa	25,9(7)
Voz mais Clara
Nenhuma/Pouca	18,5(5)
Moderada	55,6(15)
Boa/Intensa	25,9(7)
Facilidade ao falar
Nenhuma/Pouca	18,5(5)
Moderada	48,1(13)
Boa/Intensa	33,3(9)
Crença na Intervenção
Nenhuma/Pouca	0,00(0)
Moderada	25,9(7)
Boa/Intensa	74,1(20)
Grau de Adesão a Intervenção
Nenhuma/Pouca	3,7(1)
Moderada	22,2(6)
Boa/Intensa	74,1(20)

Discussão

Autoavaliação Vocal

Os dados mostraram que o escore total do Índice de Triagem para Distúrbios Vocais (ITDV) sofreu redução estatisticamente significante, após a intervenção (p≤0,05). Observou-se ainda que as médias do ITDV, situaram-se abaixo da situação de risco para o desenvolvimento de distúrbios vocais. Tal fato corrobora o que foi encontrado no questionário sociodemográfico, no qual a maioria dos professores (70,4%) referiu não possuir alteração vocal.

A redução dos valores dos escores do ITDV sugere que a hidratação de superfície com soro fisiológico (NaCl 0,9%) proporcionou diminuição dos sintomas vocais percebidos pelos professores de forma significativa.

Os procedimentos de hidratação são considerados importantes na prevenção e tratamento de disfonias como, por exemplo, as disfonias causadas pela patologia organofuncional mais comumente encontrada em docentes - os nódulos vocais¹⁹.

Similarmente, constatou-se redução nos resultados da Escala de Severidade Vocal (ECSV) e no formulário de Percepção pós-intervenção respondidos pelos participantes. Embora esses achados não tenham apresentado diferenças estatisticamente significantes, a redução observada aponta também para um efeito benéfico potencial da intervenção. Com base nessa tendência encontrada, acredita-se que em estudo com período maior de acompanhamento seja possível observar alterações mais acentuadas do que as evidenciadas nas quatro semanas de observação.

Com relação à Percepção pós-intervenção, foi evidenciado que 59.3% do sujeitos referiram melhora moderada dos sintomas vocais e mais de 25% referiram melhora intensa. Tais resultados condizem com o que foi observado no ITDV, ratificando a redução de sintomas vocais após hidratação de superfície com soro fisiológico (NaCl 0,9%).

É importante relembrar que, apesar da maioria dos docentes do presente estudo relatarem não fumar, uma porcentagem considerável (51,9%) referiu ingerir quantidade de água aquém do indicado (2 litros/dia), assim como, mais da metade dos profissionais relatou ingerir algum tipo de bebida alcoólica (55.6%).

Dentre as advertências referidas pela literatura para diminuir o ressecamento laríngeo, incluem-se recomendações para aumentar a ingestão de água, melhorar a umidificação ambiental e/ou realizar inalação de vapor, a fim de prevenir ou tratar ressecamento excessivo de pregas vocais¹¹_.

O Protocolo de Percepção pós-intervenção também indicou que a maioria dos professores referia voz moderada ou intensamente mais clara, bem como moderada ou intensa facilidade ao falar. Esses resultados são concordantes com os achados de outros estudos que investigaram “Efeitos Percebidos Pós-intervenção” e os efeitos da hidratação de superfície com soro fisiológico (NaCl 0,9%) na qualidade vocal de indivíduos^12-14,16,17.

A melhora da qualidade vocal, conforto vocal e a hidratação das pregas vocais foram os efeitos mais esperados no momento pré-intervenção e percebidos no pós-hidratação pelos participantes deste estudo.

A hidratação promove otimização das características biomecânicas das pregas vocais, aumentando a eficiência na oscilação, devido ao decréscimo do limiar de pressão fonatória (PTP), o que leva à diminuição da viscosidade, melhorando a qualidade vocal¹⁹. Além disso, o esforço fonatório percebido (PPE), também controlado pela pressão subglótica, tem relação inversa ao nível de hidratação. Ou seja, a hidratação tende a tornar a produção vocal mais fácil, enquanto que a desidratação pode tornar a fonação forçada^19,20. Tal fato ajuda a compreender a relação entre a hidratação de superfície com soro fisiológico e o aumento da percepção de conforto vocal, bem como o relato de moderada a intensa facilidade ao falar após intervenção.

Em estudo que examinou os efeitos da nebulização com solução isotônica (soro fisiológico NaCl 0,9%) e solução hipotônica (água esterilizada) no PTP e PPE de cantoras e em sujeitos com a Síndrome de Sjögren, foi observada uma melhor resposta do soro fisiológico^16,17. Resultado similar foi encontrado também em um estudo prévio realizado com mulheres saudáveis¹³, ratificando os resultados do presente estudo.

No atual estudo, os achados observados sugerem a existência de uma relação entre a “melhora da qualidade vocal” citada como Efeito Percebido Pós-intervenção e a frequência de moderada a intensa da “voz mais clara” no instrumento de Percepção Pós-intervenção. Em adição, o “conforto ao falar” percebido como Efeito Percebido Pós-intervenção pode ser relacionado a moderada a intensa “facilidade ao falar” do formulário de Percepção Pós-intervenção. Esses sintomas estão associados à maior hidratação das pregas vocais, efeito também referido pelos participantes no formulário de Percepção Pós-intervenção. Possivelmente, a hidratação de superfície com soro fisiológico (NaCl 0,9%) diminuiu a viscosidade do muco do trato vocal, como ocorreram em outros importantes estudos de intervenção^20,21.

A presente intervenção realizada por meio da nebulização com soro fisiológico diferenciou-se de outros estudos que investigaram o efeito imediato da hidratação de superfície realizados com a mesma substância^12,16,17. Isto porque, a presente investigação se configurou como uma intervenção de longo prazo, o que torna a adesão mais difícil e por isso requer maior controle e monitoramento. Contudo, corroborou resultados obtidos nos estudos anteriores pelo fato de demonstrar o efeito positivo da hidratação laríngea com soro fisiológico (NaCl 0.9%).

Em intervenção de longo termo, utilizando-se nebulização com soro fisiológico (NaCl 0.9%) em professores, foram observadas melhoras em parâmetros acústicos das suas qualidades vocais tais como: aumento na média da freqüência fundamental da vogal /a/ e redução nos parâmetros de intensidade da fala encadeada e conversa espontânea. Os autores sugeriram que a hidratação de superfície com soro fisiológico (NaCl 0.9%) promoveu tais resultados porque reduziu a viscosidade do muco nas pregas vocais dos professores. Tal fato ocasiona vibração mais suave e rápida, bem como a redução da resistência glótica e esforço fonatorio¹³.

Uma intervenção de quatro semanas, que teve como objetivo comparar os efeitos de duas estratégias de proteção vocal - amplificação de voz (AV) e nebulização de superfície com soro fisiológico (NaCl a 0,9%) (NEB) - na voz dos professores no seu ambiente de trabalho, demonstrou que essas duas estratégias podem proteger a voz dos professores. Ambos os grupos (AV e NEB) mostraram uma diminuição no nível de pressão sonora (NPS) após a intervenção. Segundo os autores, a diminuição do NPS é um dos fatores mais cruciais diretamente relacionados à sobrecarga vocal. Essa diminuição pode proteger as vozes dos professores do efeito cumulativo observado em usuários profissionais de voz¹⁴_.

Assim, os resultados da presente intervenção podem sugerir que a hidratação de superfície com soro fisiológico pode ser uma medida protetora eficaz da qualidade da voz, reduzindo potencialmente a ocorrência de distúrbios da voz em professores.

Em relação à adesão, observou-se que a maioria (74,1%) dos participantes referiu ter tido intensa adesão. Foi constatado, ainda, que a maioria dos professores relatou acreditar muito na intervenção. Tal fato foi evidenciado pelos resultados autorreferidos.

Os resultados encontrados no estudo aumentam a credibilidade na metodologia utilizada e na possibilidade de reproduzir a intervenção em outras escolas, com outros docentes.

É válido ressaltar que poucos têm sido os estudos sobre efeitos de intervenções protetoras na qualidade vocal dos professores em nível nacional e internacional. No Brasil, foi encontrado apenas um estudo de intervenção sobre hidratação com profissionais da voz. Por meio da videoquimografia, os pesquisadores encontraram diferenças positivas nas características vibratórias na onda mucosa das pregas vocais após hidratação combinada (direta e indireta) da laringe²², indo ao encontro também do atual estudo quanto aos efeitos positivos da hidratação.

Dois outros estudos brasileiros de intervenção^13,14 foram desenvolvidos com nebulização de superfície utilizando soro fisiológico (NaCl a 0,9%) nos últimos anos, tendo professores como assunto. Observou-se melhora na qualidade vocal dos professores, bem como que a nebulização com solução salina pode ser uma potencial medida de proteção vocal.

O estudo realizado tem limitações que precisam ser avaliadas, com destaque para o número pequeno de participantes, o que pode ter levado a diferentes tipos de vieses, especialmente ao erro tipo II - falso negativo. Entretanto, foi observado que a maioria dos estudos de intervenção com hidratação laríngea encontrada na literatura também apresentaram números reduzidos de participantes^{11-14,16,17,19,20}. Outra limitação relacionou-se a potenciais vieses que podem ter ocorrido em função das dificuldades decorrentes do processo de amostragem adotado (amostra por conveniência) e ausência de análise de variáveis de confundimento, limitada em função do número reduzido de indivíduos estudados. Destaca-se que este estudo foi realizado na escola em condições cotidianas reais dos professores e não em laboratórios, e não houve um grupo controle para comparação dos resultados. As análises, portanto, basearam-se em um momento pré e pós intervenção.

Por fim, esta pesquisa utilizou apenas a autopercepção para comparar os efeitos da hidratação por meio de protocolos de autorreferência. No entanto, ressalta-se que isto não minimiza sua importância, já que a utilização de protocolos de autoavaliação em pesquisas vem trazendo a perspectiva do professor sobre diversos aspectos centrais ou relacionados ao problema de voz⁹, o que é um fator positivo que pode e deve ser incorporado aos estudos que abordam aspectos mais objetivos das medidas no campo.

Conclusão

A hidratação de superfície com soro fisiológico mostrou benefícios para os docentes, por ter sido constatada melhora dos sintomas vocais autorreferidos na maioria dos sujeitos após quatro semanas de intervenção. Apesar da complexidade, estudos controlados com maior número de professores devem ser realizados para confirmar o efeito protetor observado neste estudo.

REFERENCES

• ¹
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• Fonte de Financiamento: 1- Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - Fapesb. Edital 028/2012: Projeto "condições de trabalho docente e saúde: intervenções para construção de ambientes de trabalho saudáveis.” (Processo 132/2013); 2- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. Edital Universal MCTI #14/2014: Project "Estratégias protetoras de disfonia em professores." (Processo: 458053/2014-7).

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Nov-Dec 2018

Histórico

• Recebido
  09 Jun 2018
• Aceito
  09 Out 2018