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Avaliação miofuncional orofacial na fissura labiopalatina: revisão integrativa da literatura

RESUMO

Objetivo:

identificar o enfoque das publicações científicas na área de motricidade orofacial em indivíduos com fissura labiopalatina, bem como os protocolos validados utilizados na avaliação fonoaudiológica.

Métodos:

estudo realizado a partir das bases de dados: Medline, Scielo, Lilacs e ferramenta Google Acadêmico, por meio dos descritores: fissura palatina + fenda labial + avaliação + fonoaudiologia + sistema estomatognático + fala + mastigação + respiração + estudos de validação, em português e inglês.

Resultados:

foram selecionados 572 artigos, no período de 2012 e 2017, que abordassem a avaliação dos aspectos do sistema estomatognático, segundo as categorias: ano de publicação, área temática, casuística, instrumento utilizado para avaliação e tipo de estudo. Dentre esses, 90 artigos atenderam aos critérios de inclusão, mas somente cinco deles utilizaram protocolos validados. Verificou-se que 2014 foi o ano com maiores publicações. Os estudos contemplaram ampla faixa etária, utilizando métodos subjetivos e objetivos, e instrumentos muitas vezes não padronizados.

Conclusão:

a fala foi tema prevalente e as outras funções orofaciais pouco investigadas, demonstrando que são escassos estudos com outros enfoques.

Descritores:
Fenda Labial; Fissura Palatina; Sistema Estomatognático; Avaliação; Fonoaudiologia; Estudos de Validação

ABSTRACT

Purpose:

to identify the focus of scientific publications in the field of orofacial motricity in individuals with cleft lip and palate, as well as validated protocols used in speech and language evaluation.

Methods:

a study conducted using the following databases: Medline, SciELO, Lilacs and Google Scholar, through keywords including: cleft palate + cleft lip + evaluation + speech therapy + stomatognathic system + speech + phonation + chewing + swallowing + breathing + validation studies, in Portuguese and English.

Results:

a total of 572 articles that addressed the evaluation of the stomatognathic system was selected. The articles were published between 2012 and 2017, and examined for year of publication, subject area, focus, instrument used for evaluation, and type of study. Of these, 90 articles met the inclusion criteria, but only 5 used validated protocols. The greatest number of articles was published in 2014. The studies covered broad age groups, using subjective and objective methods, and instruments were often non-standardized.

Conclusion:

speech was the prevalent theme, while other orofacial functions were poorly investigated, demonstrating that studies with other approaches were lacking.

Keywords:
Cleft Lip; Cleft Palate; Stomatognathic System; Evaluation; Speech, Language and Hearing Sciences; Validation Studies

Introdução

O sistema estomatognático é constituído por estruturas orais e realiza várias funções essenciais aos seres vivos, pode-se dizer que forma e função se inter-relacionam. Assim, qualquer influência que ocorra nesse processo resultará em processos adaptativos11. Gonçalves LPV, Toledo OA, Otero SAM. Relação entre bruxismo, fatores oclusais e hábitos bucais. Dental Press J Orthod. 2010;15(2):97-104.. A fissura labiopalatina (FLP) acomete o sistema estomatognático e consequentemente o desempenho das funções orofaciais.

Observa-se, nesses casos, que mesmo após as correções cirúrgicas os indivíduos podem apresentar alterações oromiofuncionais, e necessitar do tratamento fonoaudiológico22. Lohmander A, Persson C. A longitudinal study of speech production in swedish children with unilateral cleft lip and palate and two-stage palatal repair. Cleft Palate Craniofac J. 2008;45(1):32-41., o que justifica uma avaliação detalhada do sistema estomatognático33. Silva RN, Santos EMNG. Ocorrência de alterações de motricidade oral e fala em indivíduosportadores de fissuralabiopalatinas. RBPS. 2004;17(1):27-30.,44. Figueiredo MC, Pinto NF, Faustino-Silva DD, Oliveira M. Fissura bilateral completa de lábio e palato: alteraçõesdentárias de máoclusão - relato de caso clínico. UEPG: Ciências Biológicas e da Saúde. 2008;14(1):7-14. para que o fonoaudiólogo possa diagnosticar e tratar as disfunções. Assim, há necessidade de uma coleta e registro de dados bem estruturada e protocolos padronizados de avaliação55. Sell D, John A, Harding-Bell A, Sweeney T, Hegarty F, Freeman J. Cleft Audit Protocol for Speech (CAPS-A): a comprehensive training package for speech analysis. Int J Lang Commun Disord. 2009;44(4):529-48..

Dentre as funções desempenhadas pelo sistema estomatognático, a fala encontra-se alterada diante da fissura labiopalatina e contribui para estigmatizar ainda mais os indivíduos comprometidos por essa malformação. Por essa razão é um aspecto muito estudado na literatura. Contudo, uma vez que as demais funções desse sistema também são importantes para alcançar o equilíbrio morfofuncional e, por conseguinte, a finalização do tratamento, é questionada se as funções de respiração, mastigação e deglutição são abordadas nos estudos. Nesse sentido, os indivíduos que apresentam fissura labiopalatina estão sendo avaliados em todos os seus aspectos oromiofuncionais?

A Fonoaudiologia tem ressaltado a importância da Prática Baseada em Evidências (PBE), e a revisão integrativa é um método que vai de encontro a esse propósito, uma vez que analisa e sintetiza os resultados dos estudos selecionados, com o objetivo de que esses possam ser úteis à prática clínica e à comunidade científica. Este tipo de revisão tem vários propósitos: definição de conceitos, revisão de teorias e evidências, e análise de problemas metodológicos de um tópico particular que permite a inclusão de estudos experimentais e não experimentais para uma compreensão do assunto abordado66. Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Revisão integrativa: o que é e como fazer? Einstein. 2010;8(1):102-6..

Assim, o objetivo desse estudo é identificar o enfoque das publicações científicas na área de Motricidade Orofacial em indivíduos com fissura labiopalatina, bem como os protocolos validados utilizados na avaliação fonoaudiológica.

Métodos

O estudo foi realizado a partir das bases de dados: Medline, Scielo, Lilacs e ferramenta Google Acadêmico, por meio dos descritores: fissura palatina + fenda labial + avaliação + fonoaudiologia + sistema estomatognático + fala + mastigação + deglutição + respiração + estudos de validação, em português e inglês: cleft palate + cleft lip + assessment + stomatognatic system + speech + phonation + chewing + swallowing + breathing + validation studies.

Foram selecionados artigos publicados entre 2012 e 2017, que abordassem a avaliação fonoaudiológica dos aspectos do sistema estomatognático em indivíduos com fissura labiopalatina, não associada a síndromes, e categorizados aqueles que utilizaram na sua avaliação algum protocolo validado e análise quanto ao nível de evidência científica. Para tanto, realizou-se a leitura do título, resumo, e do artigo na íntegra para aqueles que atenderam aos critérios de inclusão.

Como critérios de seleção foram excluídos todos os artigos de revisão de literatura, casos clínicos, monografias, teses e livros. Os artigos incluídos no estudo foram analisados por uma única pesquisadora e tabelados segundo as categorias: ano de publicação, área temática, casuística, instrumento utilizado para avaliação, tipo de estudo, objetivo do estudo e resultado.

Revisão da Literatura

Em pesquisa às bases de dados, foram selecionados 572 artigos por meio da leitura do título e resumo dos estudos. Foram excluídos 482, dos quais 405 não atendiam aos critérios de inclusão e/ou não envolviam a avaliação fonoaudiológica em Motricidade Orofacial e 77 era duplicidade. Restaram, portanto, 90 artigos que foram incluídos e analisados na íntegra (Figura 1).

Figura1: Etapas
do processo de análise da Revisão da Literatura

Os artigos selecionados foram divididos e tabelados por categoria: ano de publicação, área temática, casuística, instrumento utilizado para avaliação, tipo de estudo, objetivo do estudo e resultado. Posteriormente, foram agrupados de acordo com o enfoque do estudo: 90% (80 artigos) enfoque na avaliação do aspecto Fala, 1% (um artigo) na Mastigação, 1% (um artigo) na Deglutição, 1% (um artigo) nas Estruturas Orofaciais, 4% (quatro artigos) na Respiração e 3% (três artigos) envolveram a avaliação das Estruturas Orofaciais e a avaliação de alguma Função Orofacial (Figura 2). Na Figura 3 está a distribuição dos artigos segundo a área temática, ou seja, o enfoque das publicações por período.

Figura 2:
Distribuição dos artigos segundo a Área Temática

Figura 3:
Distribuição dos artigos de pesquisa de acordo com área temática e período

Dos 80 estudos (100%) que abordavam a temática Fala, 26 (32%) referiam-se a articulação da fala, 21 (26%) aos resultados de fala após procedimento cirúrgico, 2 (3%) resultados de fala e diferentes técnicas cirúrgicas, 4 (5%) fala e linguagem, 2 (3%) resultados de fala após tratamento fonoaudiológico e 25 (31%) fala e avaliação da função velofaríngea.

Nessa revisão, fica evidente que a Fala foi o tema mais abordado nos estudos, fato justificado uma vez que os indivíduos com comprometimento nessa função podem ser desvalorizados pela sociedade, devido ao seu discurso alterado. Além disso, as dificuldades de fala podem influenciar os indivíduos globalmente, e estarem associadas a problemas emocionais e/ou psicológicos, como baixa autoestima, ansiedade, depressão, entre outras77. Dzioba A, Skarakis-Doyle E, Doyle PC, Campbell W, Dykstra AD. A comprehensive description of functioning and disability in children with velopharyngeal insufficiency. J Commun Disord. 2013;46(4):388-400., e assim afetar a qualidade de vida dos indivíduos com fissura labiopalatina88. Tsangaris E, Riff KWYW, Goodacre T, Forrest CR, Dreise M, Sykes J et al. Establishing content validity of the CLEFT-Q: a new patient-reported outcome instrument for cleft lip/palate. Plast Reconstr Surg Glob Open. 2017;5(4):e1305..

Cabe ressaltar, que os indivíduos com fissura labiopalatina necessitam de cirurgias reparadoras visando à correção anatômica e funcional, e os estudos buscam uma padronização da idade ideal para realizar a cirurgia, bem como definir a melhor técnica cirúrgica a ser empregada99. Sommerlad BC. International confederation for cleft lip and palateand related craniofacial anomalies task force report: palatoplasty in the speaking individual with unrepairedcleftpalate. Cleft Palate Craniofac J. 2014;51(6):e122-8.,1010. Dissaux C,Grollemund B, Bodin F, Picard A, Vazquez MP, Morand B et al. Evaluation of 5-year-old children with complete cleft lip and palate: Multicenter study. Part 2: Functional results. J Craniomaxillofac Surg. 2016;44(2):94-103.. Contudo, insucessos cirúrgicos podem ocorrer, fato justificado por fatores como: técnicas cirúrgicas, amplitude da fissura palatina, habilidade do cirurgião e/ou inépcia dos cuidados pós-operatórios1111. Smith DM, Losee JE. Cleft palate repair. Clin Plast Surg. 2014;41(2):189-210.. Especificamente em relação ao palato, são necessários procedimentos cirúrgicos secundários, principalmente para propiciar a adequada da função velofaríngea. Quando há falha no mecanismo velofaríngeo ocorre um gap, ou seja, uma comunicação entre a cavidade nasal e oral, que caracteriza a disfunção velofaríngea (DVF); esta pode ser ocasionada por falta de tecido (insuficiência velofaríngea) ou por alteração na mobilidade das estruturas (incompetência velofaríngea)1212. Kummer AW. Speech evaluation for patients with cleft palate. Clin Plast Surg. 2014;41(2):241-51.. Independente do fator que gerou a DVF, as manifestações da fala decorrentes são: articulação compensatória, hipernasalidade, escape de ar nasal, fraca pressão intraoral e turbulência nasal1313. Sie KCY, Tampakopoulou DA, Sorom JBA, Gruss JS, Eblen LE. Results with Furlow palatoplasty in management of velopharyngeal insufficiency. Plast Reconstr Surg. 2001;108(1):17-25..

Deste modo, tais resultados explicam a prevalência da temática Fala nos artigos analisados. Dentre os estudos selecionados, 74 utilizaram a avaliação perceptivo auditiva na análise da Fala. A literatura refere que esse método é o mais utilizado pelos fonoaudiólogos para análise da Fala e considerado padrão-ouro1414. Kuehn D, Moller K. Speech and language issues in the cleft palate population: the state of the art. Cleft Palate Craniofac J. 2000;37(4):348-83.,1515. Kummer AW, Clark SL, Redle EE, Thomsen LL, Billmire DA. Current practice in assessing and reporting speech outcomes of cleft palate and velopharyngeal surgery: a survey of cleft palate/ craniofacial professionals. Cleft Palate Craniofac J. 2012;49(2):146-52.. No entanto, trata-se de um método subjetivo que depende da experiência de ouvintes e treinamento1616. Lewis KE, Watterson TL, Houghton SM. The influence of listener experience and academic training on ratings of nasality. J Commun Disord. 2003;36(1):49-58.. Assim, exames complementares são sugeridos para verificar a confiabilidade dos resultados. Os exames instrumentais complementares como a Nasometria, Nasoendoscopia, Rinomamometria, Rinometria Acústica, Videofluoroscopia e Eletromiografia foram encontrados nessa revisão.

Na revisão apresentada, apenas cinco artigos utilizaram protocolos de avaliação validados, dos quais um refere-se à proposta de protocolo de avaliação oromiofuncional, enquanto os demais utilizaram roteiros de avaliação do próprio serviço. Os outros quatro estudos utilizaram o mesmo protocolo de avaliação de fala, denominado Cleft Audit Protocol for Speech- Augmented (CAPS-A)1717. John A, Sell D, Sweeney T, Harding-Bell A, Williams A. The cleft audit protocol for speech-augmented: a validated and reliable measure for auditing cleft speech. Cleft Palate Craniofac J. 2006;43(3):272-88., considerado um protocolo confiável, válido e aceitável para os registros de fala de indivíduos com fissura labiopalatina. Utilizado no Reino Unido e na Irlanda, e ultimamente pelo grupo Americleft1818. Chapman KL, Baylis A, Trost-Cardamone J, Cordero KN, Dixon A, Dobbelsteyn C et al. The Americleft Speech Project: a training and reliability study. Cleft Palate Craniofac J. 2016;53(1):93-108., o qual avalia oito parâmetros da fala: Inteligibilidade, Hipernasalidade, Hiponasalidade, Voz, Emissão de ar nasal, Turbulência nasal, Mímica facial e Alterações articulatórias características da fissura labiopalatina, com o objetivo de padronizar as avaliações e permitir a discussão dos resultados com outros centros1919. Castick S, Knight RA, Sell D. Perceptual judgments of resonance, nasal airflow, understandability, and acceptability in speakers with cleft palate: ordinal versus visual analogue scaling. Cleft Palate Craniofacial J. 2017;54(1):19-31..

Dos artigos selecionados foram analisadas as características dos estudos que apresentaram protocolos de avaliação validados em sua metodologia (Tabela 1).

Tabela 1:
Apresentação dos artigos selecionados que apresentaram protocolo de avaliação em sua metodologia

A seguir, informações sobre os artigos apresentados na Tabela 1.

Britton, Albery, Bowden et al.2020. Britton L, Albery L, Bowden M, Harding-Bell A, Phippen G, Sell D. A cross-sectional cohort study of speech in five-year-olds with cleft palate +/- lip to support development of national audit standards: benchmarking speech standards in the United Kingdom. Cleft Palate Craniofacial J. 2014;51(4):431-51.:

Estabeleceram parâmetros para a análise dos resultados de fala e de tratamento, em 12 centros da Grã- Bretanha e Irlanda, visando um processo de auditoria nacional a fim de padronizar os registros dos indivíduos com fissura labiopalatina e melhorar o tratamento. Refere-se a um estudo observacional, coorte, prospectivo, qualitativo, com nível de evidência 3. Foi dividido em duas fases e, foram selecionadas 1.110 amostras de fala de crianças com fissura labiopalatina, nascidas entre 2001 e 2006. As amostras foram analisadas por fonoaudiólogos experientes na aplicação do protocolo CAPS-A1717. John A, Sell D, Sweeney T, Harding-Bell A, Williams A. The cleft audit protocol for speech-augmented: a validated and reliable measure for auditing cleft speech. Cleft Palate Craniofac J. 2006;43(3):272-88., para definir qual a melhor data de avaliação e registro de fala e, posteriormente, comparar os resultados de fala intercentros conforme os parâmetros estabelecidos: avaliação da fala (2 e 5 anos de idade), fala e cirurgia, cirurgia e audição. Os resultados demonstraram falhas na padronização das avaliações e registros dos dados. Contudo, observaram que 48% das crianças apresentavam fala normal, 66% não apresentaram dificuldades no desenvolvimento de fala e 60% não apresentaram articulação compensatória. Esse estudo permitiu a revisão dos resultados nacionais de fala, como também a modificação de parâmetros para a avaliação e tratamento desses indivíduos, e assim melhora da comparação dos resultados, prática clínica e qualidade vida dessa população.

Chapman, Baylis, Trost-Cardamone1818. Chapman KL, Baylis A, Trost-Cardamone J, Cordero KN, Dixon A, Dobbelsteyn C et al. The Americleft Speech Project: a training and reliability study. Cleft Palate Craniofac J. 2016;53(1):93-108.:

Compararam a confiabilidade dos resultados de fala inter e intraexaminadores de dois estudos que utilizaram o protocolo CAPS-A1717. John A, Sell D, Sweeney T, Harding-Bell A, Williams A. The cleft audit protocol for speech-augmented: a validated and reliable measure for auditing cleft speech. Cleft Palate Craniofac J. 2006;43(3):272-88., em inglês britânico e americano-canadense. Trata-se de pesquisa observacional, transversal, prospectiva, qualitativa, com nível de evidência 4. Foram selecionadas 10 amostras de fala de crianças de 5 e 10 anos de idade com fissura labiopalatina, e convidados 9 examinadores para as analisá-las. As amostras britânicas foram analisadas em três fases: 1) antes de receber o treinamento, 2) imediatamente após o treinamento, e 3) um mês após o treinamento, e as amostras americanas passado 4/5 meses das avaliações, para posteriormente os estudos serem comparados. Os resultados sugeriram que as classificações dos resultados de fala foram confiáveis, contudo o estudo demonstrou falta de uniformidade para todos os parâmetros analisados; o que justifica a realização de um treinamento prévio e sistemático para a obtenção de níveis aceitáveis de confiabilidade.

Graziani, Fukushiro e Genaro2121. Graziani AF, Fukushiro AP, Genaro KF. Proposal and content validation of an orofacial myofunctional assessment protocol for individuals with cleft lip and palate. CoDAS. 2015;27(2):193-200.:

Realizaram uma pesquisa observacional, transversal, prospectiva, qualitativa, com nível de evidência 4. Os autores elaboraram e validaram o conteúdo de um protocolo de “Avaliação Miofuncional Orofacial para Indivíduos com Fissura Labiopalatina”. Participaram do estudo, 75 indivíduos com fissura labiopalatina, de ambos os gêneros, e faixa etária de 7 a 29 anos de idade, que foram divididos em três fases da vida: infância, adolescência e adulta, a fim de verificar a aplicabilidade do protocolo. A validação do conteúdo foi realizada pela opinião de especialistas, bem como pelo Índice de Validação de Conteúdo, e desenvolvida uma proposta de avaliação envolvendo aspectos estruturais e funcionais do sistema estomatognático; contudo, o estudo não apresentou um grupo controle para caracterizar as alterações oromiofuncionais, bem como os resultados de tratamento após intervenções realizadas. O protocolo também não foi validado na sua totalidade.

Sell et al.2222. Sell D, Southby L, Wren Y, Wills AK, Hall A, Mahmoud O et al. Centre-level variation in speech outcome and interventions, and factors associated with poor speech outcomes in 5-year-old children with non-syndromic unilateral cleft lip and palate: The Cleft Care UK study. Part 4. Orthod Craniofac Res. 2017;20(2):27-39.:

Avaliaram os resultados de fala e as intervenções realizadas em crianças com fissura labiopalatina na faixa etária de 5 anos de idade, atendidos em centros especializados do Reino Unido. Foi utilizado o protocolo CAPS-A1717. John A, Sell D, Sweeney T, Harding-Bell A, Williams A. The cleft audit protocol for speech-augmented: a validated and reliable measure for auditing cleft speech. Cleft Palate Craniofac J. 2006;43(3):272-88. para a avaliação dos parâmetros: articulação, inteligibilidade, função velofaríngea e presença de fístula, e esses associados a fatores como: perda de audição, fonoterapia, cirurgia secundária, fatores sócios demográficos e parentais. Tratou-se de um estudo observacional, transversal, prospectivo, quantitativo, com nível de evidência 2. Os resultados demonstraram variações nos resultados de fala entre os diferentes centros no Reino Unido. Os autores observaram variabilidade no tratamento da insuficiência velofaríngea, que indica a importância da gestão do tratamento e intervenção fonoaudiológica precoce. Por se tratar de um estudo multicêntrico, houve muita variabilidade nas associações realizadas, e falta de padronização nas avaliações apesar de terem utilizado o mesmo protocolo, o que provavelmente tenha impactado nos resultados de fala. Alguns fatores também não foram controlados, como a escolha de um único cirurgião, idade das cirurgias reparadoras e técnica cirúrgica.

Castick, Knight, Sell1919. Castick S, Knight RA, Sell D. Perceptual judgments of resonance, nasal airflow, understandability, and acceptability in speakers with cleft palate: ordinal versus visual analogue scaling. Cleft Palate Craniofacial J. 2017;54(1):19-31.:

Investigaram a confiabilidade da escala visual analógica- VAS quando comparada a uma escala ordinal, a fim de classificar julgamentos perceptivos de seis parâmetros de fala de indivíduos com fissura labiopalatina: hipernasalidade, hiponasalidade, emissão nasal, turbulência nasal, inteligibilidade e aceitabilidade. Refere-se a um estudo observacional, transversal, prospectivo, quantitativo, com nível de evidência 3. Fonoaudiólogos treinados na utilização da escala ordinal, roteiro do protocolo CAPS-A1717. John A, Sell D, Sweeney T, Harding-Bell A, Williams A. The cleft audit protocol for speech-augmented: a validated and reliable measure for auditing cleft speech. Cleft Palate Craniofac J. 2006;43(3):272-88. e Parâmetros Universais2323. Henningsson G, Kuehn DP, Sell D, Sweeney T, Trost-Cardamone JE, Whitehall TL. Universal parameters for reporting speech outcomesin individuals with cleft palate. Cleft Palate Craniofac J. 2008;45(1):1-17. foram convidados a analisar 25 amostras de fala de indivíduos com fissura labiopalatina. Após ouvirem as amostras, classificaram-nas separadamente, por meio de uma escala ordinal e da escala visual analógica. Os resultados demonstraram que ambas escalas são instrumentos confiáveis para todos os parâmetros avaliados, todavia para o uso dessas escalas, é necessário um treinamento prévio, e o intervalo dos valores da escala visual analógica podem gerar mais subjetividade comparada à escala ordinal.

Apesar de não usarem protocolo padronizado e validado para a avaliação da fala, de forma geral, dos 75 artigos restantes, 78% (58 artigos) utilizaram a avaliação perceptivo auditiva como método de avaliação, 9% (7 artigos) propostas de avaliação do próprio serviço e 13% (10 artigos) não deixaram claro o método de avaliação utilizado. Observou-se que 50% (40 artigos) utilizaram em sua metodologia exames instrumentais complementares para a avaliação da fala.

Os 90 artigos incluídos no estudo tinham como objetivo principal obter diagnóstico em 37% dos casos analisados e prognóstico em 63%. Um dos estudos2424. Andreoli ML, Yamashita RP, Trindade-Suedam IK, Fukushiro AP. Speech intelligibility after primary palatoplasty: listener perception. Audiol Commun Res. 2016;21:e1650. avaliou a inteligibilidade de fala após a palatoplastia primária em crianças com fissura labiopalatina e 12 meses de idade, e verificaram que a intervenção cirúrgica demonstrou resultados satisfatórios para a fala; das amostras de fala analisadas, 76% apresentaram boa inteligibilidade, 14% regular e 10% ruim. Outro estudo2525. Yamashita RP, Silva ASC, Fukushiro AP, Trindade IEK. Perceptual and nasometric assessment of hypernasality after intravelarveloplasty for surgical management of velopharyngeal insufficiency: long-term effects. Rev. CEFAC. 2014;16(3):899-906. avaliou a presença de hipernasalidade após a correção cirúrgica do palato secundária e os resultados demonstraram redução da hipernasalidade em 75% dos casos e eliminação em 32%. Dos estudos selecionados, 90% utilizaram o julgamento de examinadores experientes e 7% examinadores leigos. Segundo a literatura1919. Castick S, Knight RA, Sell D. Perceptual judgments of resonance, nasal airflow, understandability, and acceptability in speakers with cleft palate: ordinal versus visual analogue scaling. Cleft Palate Craniofacial J. 2017;54(1):19-31.,2626. Oliveira ACASF, Scarmagnani RH, Fukushiro AP, Yamashita RP. The influence of listener training on the perceptual assessment of hypernasality. CoDAS. 2016;28(2):141-8., a utilização de modelos de referência e treinamento melhoram a confiabilidade dos resultados das análises pelos examinadores. O modelo de estudo transversal foi o prevalente (95%) e apenas um artigo2727. Ganesh P, Murthy J, Ulaghanathan N, Savitha VH. A randomized controlled trial comparing two techniques for unilateral cleft lip and palate: growth and speech outcomes during mixed dentition. J Craniomaxillofac Surg. 2015;43(6):790-5. apresentou estudo clínico randomizado para verificar resultados de crescimento facial e de fala durante a fase de dentadura mista, em indivíduos submetidos a dois protocolos de tratamento diferentes para correção da fissura labiopalatina unilateral; os resultados demonstraram pequenas diferenças entre os dois protocolos (Técnica de Millard associada à correção nasal e Técnica de Millard associada à correção nasal e fechamento do palato anterior) e o resultado da fala. Um dos grupos apresentou crescimento potencialmente melhor, enquanto o outro evidenciou melhor resultado de fala, mesmo assim um protocolo não foi considerado superior ao outro. Verificou-se que em 33% das publicações a metodologia bem como o delineamento do estudo não estavam bem definidos, o que salienta a necessidade de aperfeiçoamento do método científico, a fim de possibilitar a sua reprodutibilidade. Os artigos contemplaram amplas faixas etárias e a fissura completa de lábio e palato foi a mais estudada. O tema Fala foi o enfoque das publicações nesse período, e as outras funções orofaciais: mastigação, deglutição e respiração, assim como as estruturas orofaciais: lábios, língua, bochechas, dentes, palato duro, palato mole, úvula e paredes faríngeas, foram pouco investigadas.

Assim, sugerem-se estudos que envolvam a avaliação desses aspectos e das demais funções orofaciais, uma vez que a morfologia do sistema estomatognático mostra-se alterada, com manifestações funcionas. Observa-se uma preocupação para melhorar os padrões de atendimento a essa população, como a necessidade de padronizar as coletas e os registros dos resultados das avaliações, além da importância de protocolos validados e treinamentos sistemáticos para a sua utilização. Deste modo, novos estudos que contemplem todos os aspectos da avaliação miofuncional orofacial são necessários, com maior rigor metodológico.

Conclusão

Nos últimos cinco anos, houve um importante aumento da produção científica no campo da Motricidade Orofacial em casos com fissura labiopalatina; contudo, a fala é o tema prevalente, provavelmente por ser o maior estigma desses indivíduos. Por outro lado, a avaliação das demais funções orofaciais ainda é pouco estudada, apesar de sua importância no diagnóstico e definição de conduta para o processo de reabilitação global dessa população, bem como são pouco utilizados protocolos padronizados.

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  • Fonte de auxílio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Fev 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    14 Maio 2018
  • Aceito
    28 Set 2018
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