Acessibilidade / Reportar erro

Efeito do modelo terapêutico de recuperação de palavras em um paciente afásico expressivo: relato de caso

RESUMO

Verificar o efeito da terapia de recuperação de palavras em um indivíduo com afasia expressiva. Participante, 47 anos, 8 anos de escolaridade, com queixa de expressão após dois AVCs isquêmicos no hemisfério cerebral esquerdo. Foi aplicado pré e pós-terapia a Bateria Montreal-Toulouse de Avaliação da Linguagem (MTL-BR), o Instrumento de Avaliação NeuropsicológicaBreve adaptada- (NEUPSILIN-Af), Mini Exame do Estado Mental (MEEM) e Escala de Avaliação Funcional das Habilidades de Comunicação (ASHA-FACS). Foi realizada uma sondagem com 50 palavras, 25 substantivos e 25 verbos para obter dados referentes a nomeação. As sessões ocorreram duas vezes por semana, durante 50 minutos. Nas sessões trabalhou-se com um conjunto de 25 imagens de substantivos e verbos, de forma oral e escrita durante seis sessões cada categoria. Nas três sessões finais, 10 figuras de substantivos e 10 de verbos foram inseridas em sentenças. Na pós-terapia, a sondagem demonstrou aumento do vocabulário em substantivos e verbos. Na Bateria MTL-BR houve melhoras em diferentes tarefas assim como no NEUPSILIN-Af. No ASHA-FACS foram relatadas melhoras nos aspectos de comunicação social e planejamento diário. Conclui-se que a terapia de recuperação de palavras foi efetiva pois houve ampliação do vocabulário e melhora em diversos aspectos linguísticos, comunicativos e cognitivos.

Descritores:
Afasia; Linguagem; Adulto; Acidente Vascular Cerebral; Reabilitação Neuropsicológica

ABSTRACT

To verify the effect of word retrieval therapy on a patient with expressive aphasia. A forty-seven year-old, male, with 8 years of schooling, with complaints about not saying words after two ischemic stroke on the left hemisphere, participated in this study. The Montreal-Toulouse-Language Assessment Battery (MTL-BR), Brief Neuropsychological Assessment Instrument (NEUPSILIN-Af), Mini-Mental State Examination (MMSE) and Functional Assessment Communication Skills scale (ASHA-FACS) were used pre- and post-therapy. A baseline test with 50 words, 25 nouns and 25 verbs was applied to obtain data regarding naming ability. The sessions occurred twice a week, for 50 minutes. The intervention was based on a set of 25 images of nouns and verbs, in oral and written modalities during six sessions, for each category. On the three final sessions, 10 figures of nouns and 10 figures of verbs were added in sentences. In the post-therapy, the final baseline showed an increase in vocabulary of nouns and verbs. In the pos-intervention evaluation, the patient had an improvement in some tasks of MTL-BR battery, NEUPSILIN-Af tasks. Improvement in the social communication and daily planning aspects were reported in the ASHA-FACS. In conclusion, the word retrieval therapy was effective in this case, because there was an increase of the vocabulary and improvement in several linguistic, communicative and cognitive aspects.

Keywords:
Aphasia; Language; Adult; Stroke; Neuropsychological Rehabilitation

Introdução

Mundialmente o acidente vascular cerebral (AVC) atinge cerca de 15 milhões de pessoas, sendo que aproximadamente 30% dos sobreviventes apresentam afasia11. Flowers HL, Skoretz SA, Silver FL, Rochon E, Fang J, Flamand-Roze C et al. Poststroke aphasia frequency, recovery, and outcomes: a systematic review and meta-analysis. Arch Phys Med Rehabil. 2016;97(12):2188-201.. A afasia é o resultado de uma lesão neurológica focal adquirida que ocorre no hemisfério dominante para a linguagem (geralmente esquerdo) e afeta as capacidades linguísticas (ex: recuperação de palavras, produção sintática, compreensão verbal e/ou escrita) e, em alguns casos, cognitivas do indivíduo1. A afasia pode impactar o funcionamento comunicativo e consequentemente a participação do indivíduo em atividades diárias11. Flowers HL, Skoretz SA, Silver FL, Rochon E, Fang J, Flamand-Roze C et al. Poststroke aphasia frequency, recovery, and outcomes: a systematic review and meta-analysis. Arch Phys Med Rehabil. 2016;97(12):2188-201.,22. Meier EL, Johnson JP, Villard S, Kiran S. Does naming therapy make ordering in a restaurant easier? Dynamics of co-occurring change in cognitive-linguistic and functional communication skills in aphasia. Am J Speech Lang Hear Pathol. 2017;26(2):266-80..

Existem diferentes tipos de afasia, as quais são classificadas didaticamente e classicamente por suas manifestações em: afasias fluentes (receptivas) e afasias não fluentes (expressivas). Dentre as afasias fluentes estão a de Wernicke, transcortical sensorial, de condução e anômica. As afasias não fluentes englobam a de Broca, transcortical motora, mista e global. No entanto, na prática clínica muitos pacientes não se encaixam em nenhum desses tipos33. Beber B. Proposta de apresentação da linguagem oral no adulto e no idoso. Distúrb. Comun. 2019;31(1):160-9., sendo classificados de acordo com o desempenho nas habilidades linguísticas. Neste sentido, este artigo tratará de um caso de afasia não fluente (expressiva).

De modo geral, nas afasias expressivas a fluência está prejudicada pela presença de anomias, parafasias fonêmicas, fonéticas, agramatismo, fala lenta, alteração de prosódia, dificuldade de compreensão em frases complexas e até mesmo mutismo33. Beber B. Proposta de apresentação da linguagem oral no adulto e no idoso. Distúrb. Comun. 2019;31(1):160-9.. Tais manifestações, quando detectadas, necessitam de intervenção fonoaudiológica o mais precocemente possível44. Fama ME, Baron CR, Hatfield B, Turkeltaub PE. Group therapy as a social context for aphasia recovery: a pilot, observational study in an acute rehabilitation hospital. Top Stroke Rehabil. 2016;23(4):276-83.. Mesmo em casos crônicos, a mediação terapêutica é de suma importância, pois o processo de neuroplasticidade cerebral não cessa após o acometimento neurológico, o que permite que se restabeleçam algumas funções cerebrais afetadas pela lesão55. Kiran S, Thompson CK. Neuroplasticity of language networks in aphasia: advances, updates, and future challenges. Front Neurol. 2019;10(2):295..

A terapia deve ser precedida por uma avaliação criteriosa que leve em consideração a história clínica e pessoal do paciente, suas necessidades e de seus familiares e cuidadores66. Worral L, Papathanasiou I, Sherratt S. Therapy approaches to aphasia. In: Papathanasiou I, Coppens P, Potagas C (org). Aphasia and related neurogenic communication disorders. Burlington: Jones & Bartlett Learning; 2013. p.93-111.. Além disso, instrumentos de avaliação padronizados são essenciais para verificar as habilidades linguísticas e cognitivas deficitárias e preservadas77. Pagliarin KC, Ortiz KZ, Parente MAM, Nespoulous J, Joanette Y, Fonseca RP. Individual and sociocultural influences on language processing as assessed by the MTL-BR Battery. Aphasiology. 2014;28(10):1244-57..

Na literatura nacional, dos métodos avaliativos a serem utilizados antes da intervenção terapêutica em quadros afásicos, existe a Bateria Montreal-Toulouse de Avaliação da Linguagem (MTL-BR)88. Parente MAMP, Fonseca RP, Pagliarin KC, Barreto SS, Soares-Ishigaki ECS, Hubner LC et al. Bateria Montreal-Toulouse de avaliação da linguagem - Bateria MTL-Brasil. São Paulo: Vetor Editora; 2016. indicada especificamente para casos de distúrbios linguísticos. E o instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve - NEUPSILIN99. Fonseca RP, Salles JF, Parente MAMP. Instrumento de Avaliação Neuropsicoplógica Breve - NEUPSILIN. São Paulo: Vetor; 2009. que foi adaptado para afásicos expressivos - NEUPSILIN-Af1010. Fontoura DR, Rodrigues JC, Parente MAPP, Fonseca R, Salles JF. Adaptação do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN para avaliar pacientes com afasia expressiva: NEUPSILIN-Af. Cien. Cog. 2011;16(3):78-94., justamente pela necessidade de avaliar demais funções cognitivas que podem estar afetadas nestes casos. Ambos instrumentos foram utilizados nesse estudo, além da Escala de Avaliação Funcional das Habilidades de Comunicação (ASHA-FACS) e Mini Exame do Estado Mental (MEEM) com intuito de combinar as medidas formais de testes com medidas de habilidades comunicativas e sociais a fim de determinar o efeito da intervenção proposta. Além disso, estudos que analisem capacidades cognitivas de indivíduos afásicos, que não apenas a linguagem, também são importantes, pois a melhora cognitiva como um todo resulta em benefícios diretos na qualidade de vida do paciente e de seus familiares, possibilitando a melhor socialização do sujeito.

Neste estudo, optou-se por utilizar a abordagem de recuperação de palavras, a qual é indicada para todos os tipos de afasia, principalmente expressivas, devido ao quadro de anomia, geralmente presente. Para tanto, pistas hierárquicas semânticas e fonológicas são utilizadas para estimular a recuperação de verbos e objetos1111. Hillis AE. Efficacy and generalization of treatment for aphasic naming erros. Arch Phys Med Rehabil. 1989;70(8):632-6.. Esse método terapêutico, embora o mais antigo e ainda pouco estudado nacionalmente, é capaz de gerar amplos benefícios nas capacidades de recuperar as palavras, não só as estimuladas na clínica, mas em outros contextos comunicativos1212. Boyle M. Semantic feature analysis treatment for anomia in two fluent aphasia syndromes. Am J Speech Lang Pathol. 2014;13(3):236-49.. Tal abordagem utiliza estimulações auditiva, visual, motora, mnemônica e atencional capazes de contribuir com avanços linguísticos, cognitivos e sociais.

A terapia de recuperação de palavras mostra-se efetiva na maioria dos artigos encontrados1313. Fridriksson J, Moser D, Bonilha L, Morrow-Odom KL, Shaw H, Fridriksson A et al. Neural correlates of phonological and semantic-based anomia treatment in aphasia. Neuropsychol. 2007;45(2007):1812-22.

14. Harnish SM, Morgan J, Lundine JP, Bauer A, Singletary F, Benjamin ML et al. Dosing of a cued picture-naming treatment for anomia. Am J Speech-Language Pathol. 2014;23(2):285-97.
-1515. Kendall DL, Oelke M, Brookshire CE, Nadeau SE. The influence of phonomotor treatment on word retrieval abilities in 26 individuals with chronic aphasia: an open trial diane. J Speech, Lang Hear Res. 2015;58(3):798-812., apresentando benefícios significativos, principalmente na nomeação de figuras, além de melhora no discurso e em itens não tratados. No estudo de Kendall et al.1515. Kendall DL, Oelke M, Brookshire CE, Nadeau SE. The influence of phonomotor treatment on word retrieval abilities in 26 individuals with chronic aphasia: an open trial diane. J Speech, Lang Hear Res. 2015;58(3):798-812. participaram oito afásicos em que para intervenção foram utilizados substantivos distribuídos em seis categorias (roupas, partes do corpo, itens domésticos, animais, transporte e escola). As figuras eram apresentadas e os participantes deveriam nomeá-las. Caso não conseguissem, eram fornecidos pistas semânticas, fonológicas, de repetição e ortográficas. Todos os participantes obtiveram melhora significativa, que se manteve em cinco pacientes após três meses sem intervenção. Outro estudo1313. Fridriksson J, Moser D, Bonilha L, Morrow-Odom KL, Shaw H, Fridriksson A et al. Neural correlates of phonological and semantic-based anomia treatment in aphasia. Neuropsychol. 2007;45(2007):1812-22. com três participantes com diferentes tipos de afasia, mostrou que a terapia de recuperação de palavras foi mais efetiva em pacientes não fluentes, mostrando que há um aumento de número de itens nomeados corretamente. Este estudo utilizou tanto pistas fonológicas como semânticas. No entanto, salienta-se que embora os estudos citados apresentaram resultados importantes para clínica de afasiologia, foram realizados com poucos pacientes e estes não foram expostos a escrita como no presente trabalho.

A hipótese deste estudo é de que a terapia de recuperação de palavras auxiliará não apenas na denominação oral de substantivos e verbos1313. Fridriksson J, Moser D, Bonilha L, Morrow-Odom KL, Shaw H, Fridriksson A et al. Neural correlates of phonological and semantic-based anomia treatment in aphasia. Neuropsychol. 2007;45(2007):1812-22.

14. Harnish SM, Morgan J, Lundine JP, Bauer A, Singletary F, Benjamin ML et al. Dosing of a cued picture-naming treatment for anomia. Am J Speech-Language Pathol. 2014;23(2):285-97.
-1515. Kendall DL, Oelke M, Brookshire CE, Nadeau SE. The influence of phonomotor treatment on word retrieval abilities in 26 individuals with chronic aphasia: an open trial diane. J Speech, Lang Hear Res. 2015;58(3):798-812., como também no discurso, na compreensão, tanto oral como escrita, uma vez que a melhora do vocabulário, poderá auxiliar na sintaxe, análise e construção da linguagem. Espera-se também melhora de domínios cognitivos como memória e atenção, pois o paciente deverá atentar para o que é solicitado e resgatar na memória significados, funções das figuras trabalhadas, por exemplo. Desta forma, esta pesquisa pretende verificar os efeitos do método terapêutico de recuperação de palavras em um caso de afasia expressiva.

Apresentação do Caso Clínico

Este estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Santa Maria sob o número 046225 e segue os Critérios da Ética em Pesquisa institucional conforme a Resolução n° 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. O participante assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Participante do sexo masculino, 47 anos, destro e com oito anos de estudo (ensino fundamental completo). Trabalhava em uma empresa pública com função administrativa. Porém, desde a lesão cerebral, recebe benefício previdenciário. De acordo com o prontuário médico, o paciente apresentou dois AVCs isquêmicos no hemisfério esquerdo, um no mês de junho e outro em julho de 2013. Salienta-se que não foram localizados os exames de imagem realizados na época, apenas exames de sangue com resultados considerados dentro da normalidade pelo médico solicitante.

O indivíduo chegou para atendimento fonoaudiológico em junho de 2017, quatro anos após o evento, acompanhado pela irmã, com queixa de “não falar algumas palavras”, o que dificultava bastante sua interação social. Quando questionado a respeito de sua memória, apontava para cabeça indicando que as palavras estavam lá, mas não conseguia articular. Entretanto, referia compreender tudo o que escutava, mas o mesmo não acontecia com a escrita, pois não entendia o que lia. Logo após o episódio neurológico, não conseguia falar nenhuma palavra e, com o tempo, reaprendeu as “letras”, segundo seu depoimento, isto é, reaprendeu a falar. Por inicialmente apresentar problemas motores, não conseguia escrever com a mão direita e então adaptou a escrita por meio da utilização da mão esquerda. Nega ter feito acompanhamento fonoaudiológico anterior.

Desde o episódio de AVC, demonstra maior dificuldade motora do lado direito do corpo, influenciando na marcha e na escrita. Realizou fisioterapia logo após a alta hospitalar durante três meses. Quanto à saúde em geral, mencionou ser hipertenso e ex-tabagista. Atualmente, utiliza os medicamentos Maleato de Enalapril, Ácido Acetilsalicílico e Varfarina (anticoagulante).

Os critérios de inclusão desta pesquisa foram: apresentar afasia predominantemente expressiva decorrente de AVC; ser falante monolíngue do Português Brasileiro; ser destro, de acordo com o Inventário de Edinburgh1616. Oldfield RC. The assessment and analysis of handedness: the Edinburgh inventory. Neuropsychologia. 1971;9(1):97-113. presente no Questionário sociocultural e de aspectos de saúde para pacientes com AVC1717. Fonseca RP, Zimmermann N, Oliveira CR, Gindri G, Pawlowski J, Scherer LC et al. Métodos em avaliação neuropsicológica: pressupostos gerais, neurocognitivos, neuropsicolinguísticos e psicométricos no uso e desenvolvimento de instrumentos. In: Fukushima S (org). Métodos em psicobiologia, neurociências e comportamento. São Paulo: ANPEPP; 2012. p. 266-96.; não apresentar distúrbios sensoriais (visuais e/ou auditivos), ou caso presentes, estarem corrigidos (uso de óculos e/ou aparelho auditivo); ausência de história atual ou prévia de uso abusivo de substâncias psicoativas1717. Fonseca RP, Zimmermann N, Oliveira CR, Gindri G, Pawlowski J, Scherer LC et al. Métodos em avaliação neuropsicológica: pressupostos gerais, neurocognitivos, neuropsicolinguísticos e psicométricos no uso e desenvolvimento de instrumentos. In: Fukushima S (org). Métodos em psicobiologia, neurociências e comportamento. São Paulo: ANPEPP; 2012. p. 266-96.; apresentar nível de escolaridade acima de 5 anos, dado obtido por meio do Questionário sociocultural e de aspectos de saúde para pacientes com AVC1717. Fonseca RP, Zimmermann N, Oliveira CR, Gindri G, Pawlowski J, Scherer LC et al. Métodos em avaliação neuropsicológica: pressupostos gerais, neurocognitivos, neuropsicolinguísticos e psicométricos no uso e desenvolvimento de instrumentos. In: Fukushima S (org). Métodos em psicobiologia, neurociências e comportamento. São Paulo: ANPEPP; 2012. p. 266-96.; não ter realizado intervenção fonoaudiológica anteriormente.

Os critérios de exclusão foram: apresentar afasia receptiva, caracterizada pela dificuldade de compreensão da fala, com diagnóstico realizado pela fonoaudióloga com experiência em avaliação de afasias; não apresentar anomia; apresentar quaisquer doenças neurológicas degenerativas, traumatismo cranioencefálico ou distúrbios psicológicos; ter menos que seis meses pós-lesão.

Avaliações Pré e Pós-Intervenção

Primeiramente, realizou-se uma entrevista inicial com o participante e seu familiar, sendo aplicado o Questionário sociocultural e de aspectos de saúde para pacientes com AVC1717. Fonseca RP, Zimmermann N, Oliveira CR, Gindri G, Pawlowski J, Scherer LC et al. Métodos em avaliação neuropsicológica: pressupostos gerais, neurocognitivos, neuropsicolinguísticos e psicométricos no uso e desenvolvimento de instrumentos. In: Fukushima S (org). Métodos em psicobiologia, neurociências e comportamento. São Paulo: ANPEPP; 2012. p. 266-96. que visa avaliar as variáveis sociodemográficas e clínicas. Tal questionário foi utilizado a fim de caracterizá-lo.

Posteriormente, foram administrados os seguintes instrumentos:

  • Bateria Montreal-Toulouse de Avaliação da Linguagem - MTL-BR88. Parente MAMP, Fonseca RP, Pagliarin KC, Barreto SS, Soares-Ishigaki ECS, Hubner LC et al. Bateria Montreal-Toulouse de avaliação da linguagem - Bateria MTL-Brasil. São Paulo: Vetor Editora; 2016. que examina, por meio de 22 tarefas, os componentes linguísticos envolvidos na comunicação, compreensão e expressão oral (palavras, frases, texto e discurso), leitura (palavras, frases e textos), escrita (palavras, frases e discurso), repetição, nomeação, praxias e cálculo;

  • Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN99. Fonseca RP, Salles JF, Parente MAMP. Instrumento de Avaliação Neuropsicoplógica Breve - NEUPSILIN. São Paulo: Vetor; 2009. versão adaptada1010. Fontoura DR, Rodrigues JC, Parente MAPP, Fonseca R, Salles JF. Adaptação do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN para avaliar pacientes com afasia expressiva: NEUPSILIN-Af. Cien. Cog. 2011;16(3):78-94. para quadros de afasia expressiva. Consiste em uma bateria de exame abreviado para fornecer um perfil neuropsicológico, quantitativo e qualitativo, de oito principais funções neuropsicológicas - Orientação Têmporo-Espacial, Atenção Concentrada (Auditiva), Percepção (Visual), Memória (de Trabalho, Episódico-Semântica, Semântica, Visual e Prospectiva), Habilidades Aritméticas, Linguagem (Oral e Escrita), Praxias (Ideomotora, Construtiva e Reflexiva) e Funções Executivas (Resolução de Problemas Simples e Fluência Verbal Fonêmica-Ortográfica), esta versão foi aplicada, pois apresenta opções de resposta verbal e motora que são interpretadas da mesma maneira, isto é, recebem a mesmo pontuação independente do tipo de resposta.

  • Mini Exame do Estado Mental (MEEM)1818. Chaves ML, Izquierdo Y. Differential diagnosis between dementia and depression: a study of efficiency increment. Acta Neurol Scand. 1992;85(6):378-82., que tem como objetivo avaliar o comprometimento cognitivo em adultos e identificar sinais de demência em pacientes acima de 60 anos. Para tanto utilizou-se o escore inferior a 23 pontos, para indivíduos com escolaridade entre 6 e 11 anos, como indicativo de demência1919. Kochhann R, Varela JS, Lisboa CSM, Chaves MLF. The Mini Mental State Examination Review of cutoff points adjusted for schooling in a large Southern Brazilian sample. Demen Neuropsychol. 2010;4(1):35-41..

  • Escala de Avaliação Funcional das Habilidades de Comunicação (ASHA-FACS)2020. Fratalli C, Thompson CK, Holland AL, Wohl CB, Ferketic M. Functional Assessment of Communication Skills for Adults (ASHA FACS). Rockville (MD): American Speech-Language-Hearing Association; 1995. com o objetivo de complementar avaliações tradicionais quantitativas e qualitativas de fala, linguagem e déficits cognitivos, por meio de informações do efeito de tais déficits no contexto comunicativo do cotidiano.

A avaliadora na pré e pós-intervenção foi uma fonoaudióloga com 10 anos de experiência em avaliação da afasia, e a intervenção fonoaudiológica foi realizada por outra fonoaudióloga com pós-graduação no assunto. As avaliações foram aplicadas em uma sala silenciosa, durante 60 minutos, divididas em 3 sessões.

Inicialmente, foi realizada pela primeira autora desse trabalho uma sondagem com figuras de 25 substantivos e 25 verbos da Bateria de Nomeação de Objeto e Ação2121. Druks J, Masterson J. An object and action naming battery. Hove (UK): Psychology Press; 2000.. Esta verifica a capacidade de nomeação do paciente. Foram contabilizadas as produções corretas com 1 ponto e, assim, obtido um escore total. As figuras foram selecionadas de acordo com o cotidiano do paciente.

A análise dos dados das avaliações foi realizada por meio do cálculo do escore z com base nas médias e desvios-padrão do grupo normativo correspondente em idade e escolaridade dos instrumentos da Bateria MTL-BR88. Parente MAMP, Fonseca RP, Pagliarin KC, Barreto SS, Soares-Ishigaki ECS, Hubner LC et al. Bateria Montreal-Toulouse de avaliação da linguagem - Bateria MTL-Brasil. São Paulo: Vetor Editora; 2016. e NEUPSLIN-Af99. Fonseca RP, Salles JF, Parente MAMP. Instrumento de Avaliação Neuropsicoplógica Breve - NEUPSILIN. São Paulo: Vetor; 2009., considerando-se deficitário quando o valor era ≤-1,50 e médio quando dentro do esperado conforme o grupo normativo. Além disso, analisaram-se dados subjetivos e qualitativos por meio das respostas do paciente e familiar (ASHA-FACS)2020. Fratalli C, Thompson CK, Holland AL, Wohl CB, Ferketic M. Functional Assessment of Communication Skills for Adults (ASHA FACS). Rockville (MD): American Speech-Language-Hearing Association; 1995., bem como o percentual de acertos obtidos na sondagem. Importante ressaltar que as imagens utilizadas na sondagem inicial foram as mesmas da avaliação final. A partir das avaliações realizadas foi estabelecido o seguinte diagnóstico fonoaudiólogico: “Afasia predominantemente expressiva”.

Intervenção

As sessões tiveram duração de 50 minutos cada, sendo o atendimento realizado individualmente em sala silenciosa e ventilada. A terapia fonoaudiológica ocorreu duas vezes por semana, totalizando 15 sessões (2 meses).

Para intervenção, utilizou-se como base o modelo terapêutico proposto por Hillis1111. Hillis AE. Efficacy and generalization of treatment for aphasic naming erros. Arch Phys Med Rehabil. 1989;70(8):632-6.. Desta forma, na primeira parte da intervenção, 50 figuras coloridas de diferentes categorias semânticas foram apresentadas por meio digital (computador HP Mini 210) e por meio de figuras impressas (material comercializado pela Super Duper). As figuras foram apresentadas ao paciente, com as inquirições: “o que é isso?”, “o que a pessoa está fazendo?” ou “o que está acontecendo?” da mesma forma sugerida pelo modelo de Hillis1111. Hillis AE. Efficacy and generalization of treatment for aphasic naming erros. Arch Phys Med Rehabil. 1989;70(8):632-6..

O paciente deveria responder por meio da nomeação ou descrição do que via na figura. Em cada palavra pronunciada de forma incorreta, a terapeuta fornecia pistas hierárquicas fonêmicas e/ou semânticas acerca do estímulo (ex: a palavra-alvo era “cozinha”, pista fonêmica: começa com [ko]; pista semântica: onde preparamos as refeições/comida) facilitando o acesso lexical e a produção correta. Caso ainda não conseguisse evocar a palavra, era dado o modelo pela fonoaudióloga para que houvesse repetição por imitação, tentando a melhor produção. Para fins de retenção da palavra na memória, era trabalhado o que as palavras significavam, onde encontravam-se os objetos, etc., além de escrever o nome de cada palavra trabalhada e seu significado, função, etc. Alguns exemplos de ações apresentadas nas imagens eram o ato de escovar os dentes, trocar a lâmpada e jogar bola. Nos objetos, havia utensílios de cozinha, ferramentas, móveis da casa e objetos de higiene pessoal, por exemplo.

Primeiramente, durante as seis primeiras sessões, trabalhou-se com um conjunto de 25 imagens de substantivos, de forma oral e escrita. Nas seis sessões seguintes foram trabalhos 25 verbos comuns ao vocabulário do indivíduo. Nas três sessões finais, 10 figuras de substantivos e 10 de verbos foram inseridas em sentenças. Desta forma, no nível de palavras, tanto com os substantivos quanto com os verbos, eram apresentadas 4 figuras por sessão e na última sessão eram apresentadas 5. No nível de sentenças, foram trabalhadas 6 sentenças por duas sessões e 8 na última sessão. O número de palavras era maior na última sessão devido ao paciente já ter maior treino do que nas primeiras sessões, facilitando a melhor produção e fluência verbal.

Durante as sessões cada figura era trabalhada por aproximadamente 10 minutos e no momento que o paciente atingisse a pronúncia oral mais próxima do correto, outra palavra era estimulada. Após 40 minutos de sessão, era realizada uma sondagem com as 4 figuras trabalhadas, para verificar se houve memorização. Caso o paciente não conseguisse evocar as palavras trabalhadas estas eram escritas no caderno junto com a colagem das figuras para que repetisse a mesma tarefa em casa. Na sessão seguinte, estas mesmas palavras eram retomadas e então era iniciada a sessão propriamente dita com outro grupo de palavras.

A estratégia de apresentação dos estímulos era a mesma em todas as sessões, mas para que os estímulos pudessem ser substituídos de categoria era necessário que o paciente atingisse 90% da precisão de nomeação tanto oralmente quanto na escrita dos estímulos trabalhados. Dessa mesma forma, o paciente deveria acertar 90% da nomeação das imagens de cada categoria para que posteriormente pudesse inseri-las em sentenças1111. Hillis AE. Efficacy and generalization of treatment for aphasic naming erros. Arch Phys Med Rehabil. 1989;70(8):632-6.. A partir do momento que ele apresentasse a precisão no nível de palavras, ele era incentivado a elaborar sentenças utilizando as figuras trabalhadas, nas ultimas sessões. Assim, ao completar o nível de sentenças, por meio da mesma análise feita para as palavras produzidas, o processo terapêutico baseado na abordagem de recuperação de palavras foi encerrado. Vale salientar que em todas as sessões eram dadas orientações sobre a continuação da estimulação linguística em casa, por meio do diálogo, leitura e escrita.

Resultados

Na sondagem realizada pré-intervenção2121. Druks J, Masterson J. An object and action naming battery. Hove (UK): Psychology Press; 2000., o paciente nomeou corretamente 32% (oito) figuras de substantivos e nenhum verbo (0%). Pós-intervenção nomeou corretamente 53,28% (13) substantivos e 32% (13) verbos.

Na avaliação qualitativa pré-intervenção da MTL-BR88. Parente MAMP, Fonseca RP, Pagliarin KC, Barreto SS, Soares-Ishigaki ECS, Hubner LC et al. Bateria Montreal-Toulouse de avaliação da linguagem - Bateria MTL-Brasil. São Paulo: Vetor Editora; 2016., o paciente apresentava erros linguísticos como paragrafias grafêmicas e literais, parafasias fonêmicas, fonéticas, formais, semânticas e verbais, anomias, circunlóquios, neologismos, agramatismos e gestos. Na avaliação pós-intervenção, os mesmos processos permaneceram, porém, apresentou também paráfrases e perseverações.

Na Tabela 1 estão expostos os dados quantitativos pré e pós-intervenção da Bateria MTL-BR88. Parente MAMP, Fonseca RP, Pagliarin KC, Barreto SS, Soares-Ishigaki ECS, Hubner LC et al. Bateria Montreal-Toulouse de avaliação da linguagem - Bateria MTL-Brasil. São Paulo: Vetor Editora; 2016..

Tabela 1:
Dados quantitativos pré e pós-intervenção da Bateria Montreal-Toulouse de Avaliação da Linguagem

Conforme a Tabela 1, as tarefas de Compreensão Oral (Frases), Discurso Narrativo Oral e Escrito (total elementos cenas), Fluência Verbal Semântica e Manipulação de Objetos Sob Ordem Verbal estavam deficitárias na avaliação pré-intervenção e evoluíram para a média na avaliação pós-intervenção. As demais tarefas que estavam dentro da média e as que apresentavam déficit na pré-intervenção mantiveram o mesmo nível na avaliação pós-terapia. Porém, houve diminuição nos valores do escore z dessas tarefas.

A Tabela 2 apresenta os dados quantitativos da avaliação pré e pós-intervenção do instrumento NEUPSILIN-Af1010. Fontoura DR, Rodrigues JC, Parente MAPP, Fonseca R, Salles JF. Adaptação do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN para avaliar pacientes com afasia expressiva: NEUPSILIN-Af. Cien. Cog. 2011;16(3):78-94..

Tabela 2:
Dados quantitativos pré e pós-intervenção do NEUPSILIN-Af

Conforme a Tabela 2, as tarefas de memória verbal (evocação imediata) e Linguagem (compreensão escrita) estavam deficitárias. Na avaliação pós-terapia, estas se encontravam na média. As tarefas que estavam deficitárias na avaliação inicial como linguagem (repetição, nomeação oral total, leitura em voz alta, escrita ditada, escrita total) e memória de trabalho (ordenamento inverso dígitos), permaneceram deficitárias na reavaliação. Apesar disso, os valores do escore z demonstraram redução, havendo diminuição na intensidade do déficit presente, porém na tarefa de Percepção de faces houve piora.

Além disso, embora as tarefas de orientação temporo-espacial, atenção, memória, linguagem e resolução de problemas possuírem a opção de Resposta Oral (RO) ou resposta motora (RM), houve preferência por respostas orais pelo paciente e diminutas respostas de forma motora.

A Tabela 3 apresenta os dados quantitativos pré e pós-intervenção do MEEM1818. Chaves ML, Izquierdo Y. Differential diagnosis between dementia and depression: a study of efficiency increment. Acta Neurol Scand. 1992;85(6):378-82..

Tabela 3:
Dados quantitativos pré e pós-intervenção do Mini Exame do Estado Mental

Conforme a Tabela 3, com o resultado do MEEM pré-intervenção, as tarefas que apresentaram melhor desempenho na pós-intervenção foram linguagem, atenção e evocação. A pontuação total obtida foi de 21. Na reavaliação, o paciente apresentou melhora nessas tarefas atingindo 24 pontos.

Na avaliação pré-intervenção do ASHA-FACS, no domínio Comunicação Social houve pontuação máxima, 7 (desempenho adequado, sem auxílio) para 16 itens, sendo que o familiar pontuou os itens 11 (compreende expressões de duplo sentido), 12 (compreende conversas em ambiente barulhento) e 19 (consegue acompanhar a conversa quando outro muda o assunto) como 6 (necessita de assistência mínima) e os itens 18 (muda o tema da conversa) e 21 (corrige seus erros de comunicação) como 5 (necessita de assistência mínima a moderada). No domínio Necessidades Básicas, o familiar referiu que ele apresenta desempenho adequado para todos os itens apresentados, sem necessidade de qualquer auxílio. Quanto ao domínio Leitura, Escrita e Conceitos Numéricos, suas maiores dificuldades estão relacionadas aos itens 34 (preenche pequenos formulários) e 35 (anota recado), pontuados como 5. Por fim, no domínio Planejamento Diário, pontuou 6 nos itens 39 (Sabe dizer as horas) e 40 (disca números no telefone). No entanto, o item 42 (orienta-se por meio de mapas) não foi observado pela informante e os demais estavam adequados. Na reavaliação, no domínio Comunicação Social, apenas o item 21 permaneceu com auxilio mínimo. As Necessidades Básicas permaneceram adequadas. No domínio de Leitura, Escrita e Conceitos Numéricos os itens 34 e 35 ainda necessitam de auxilio mínimo. E o Planejamento Diário, os itens 39, 40 e 42 também necessitam de auxílio mínimo.

Salienta-se, ainda, que conforme relatos do paciente e de sua irmã, ao final do processo terapêutico, houve melhoras de comunicação oral e escrita. Atualmente ele está mais motivado e socialmente inserido na comunidade, pois consegue realizar mais facilmente atividades de vida diária, como fazer compras. Esses dados foram obtidos pela autoavaliação do paciente, notando que está mais comunicativo, conseguindo manter diálogo e ser entendido pelas pessoas.

Discussão

Ao verificar os efeitos da proposta de intervenção de recuperação de palavras em um caso único, a partir dos resultados encontrados, pode-se observar melhora em diversos aspectos linguísticos, comunicativos e cognitivos, conforme é o esperado na reabilitação das afasias55. Kiran S, Thompson CK. Neuroplasticity of language networks in aphasia: advances, updates, and future challenges. Front Neurol. 2019;10(2):295.. Isso acontece quando se compreende a importância dos processos cognitivos na otimização das terapias existentes e é dado enfoque às limitações existentes na linguagem de cada indivíduo22. Meier EL, Johnson JP, Villard S, Kiran S. Does naming therapy make ordering in a restaurant easier? Dynamics of co-occurring change in cognitive-linguistic and functional communication skills in aphasia. Am J Speech Lang Hear Pathol. 2017;26(2):266-80..

O melhor desempenho na sondagem realizada pós-intervenção confirma os resultados obtidos em outro estudo1313. Fridriksson J, Moser D, Bonilha L, Morrow-Odom KL, Shaw H, Fridriksson A et al. Neural correlates of phonological and semantic-based anomia treatment in aphasia. Neuropsychol. 2007;45(2007):1812-22. em que o modelo terapêutico abordado foi efetivo no tratamento do indivíduo com afasia não fluente, uma vez que possibilitou melhora na nomeação dos itens, os quais no início do processo terapêutico não eram evocados. Além disso, esse método de intervenção preconiza a generalização às palavras não treinadas, isto é, vocábulos que não foram diretamente estimulados são adquiridos juntamente com os que foram trabalhados em sessão1111. Hillis AE. Efficacy and generalization of treatment for aphasic naming erros. Arch Phys Med Rehabil. 1989;70(8):632-6., conforme observado na sondagem.

Esperava-se melhora principalmente nas tarefas de nomeação da Bateria MTL-BR, devido ao enfoque principal da terapia ser a recuperação de palavras. No entanto, são poucos itens nesta tarefa e para estarem dentro dos padrões de normalidade, somente um erro é permitido. Desta maneira, a avaliação não proporciona, a partir do escore z, a verificação dos reais avanços obtidos pelo paciente, uma vez que se manteve deficitário mesmo nomeando corretamente 4 itens a mais na pós-avaliação88. Parente MAMP, Fonseca RP, Pagliarin KC, Barreto SS, Soares-Ishigaki ECS, Hubner LC et al. Bateria Montreal-Toulouse de avaliação da linguagem - Bateria MTL-Brasil. São Paulo: Vetor Editora; 2016..

A mesma análise deve ser realizada considerando o NEUPSILIN-Af1010. Fontoura DR, Rodrigues JC, Parente MAPP, Fonseca R, Salles JF. Adaptação do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN para avaliar pacientes com afasia expressiva: NEUPSILIN-Af. Cien. Cog. 2011;16(3):78-94., em que a tarefa de nomeação está dentro dos padrões de normalidade, em contraposição aos resultados obtidos na MTL-BR88. Parente MAMP, Fonseca RP, Pagliarin KC, Barreto SS, Soares-Ishigaki ECS, Hubner LC et al. Bateria Montreal-Toulouse de avaliação da linguagem - Bateria MTL-Brasil. São Paulo: Vetor Editora; 2016.. Neste sentido, a sondagem utilizada permitiu obter dados que complementam tais avaliações e demonstram a evolução do paciente, embora ainda insuficiente conforme o esperado.

As tarefas que envolvem a expressão oral como discurso narrativo e fluência verbal semântica obtiveram resultados positivos ao final do tratamento. Isso se deve ao enfoque dado em terapia, o que possibilitou aumento do léxico do paciente (Tabela 1).

Percebe-se que a escrita, por ter sido bastante estimulada em terapia junto com a oralidade, também contribuiu para a melhora dos resultados na tarefa de discurso narrativo escrito e compreensão escrita do texto, embora esta última tarefa ainda apresenta-se deficitária conforme os padrões de normalidade da bateria (Tabela 1). Tais resultados se justificam pelo enfoque dado em terapia que não compreendiam a escrita de textos ou compreensão textual, mas ainda assim a intervenção contribuiu para ganhos nestes aspectos. Isso se deve ao fato de que fala e escrita estão diretamente relacionadas e são importantes para o processo comunicativo, já que ambas servem para mediar ideias2222. Catts HW, Kahmi AG. Language and reading: convergences and divergences. In: Catts HW, Khami AG (eds). Language and reading disabilities. Boston: Pearson; 2005. p.1-25..

Na pré-intervenção, o paciente não conseguia formar frases e sua fala era por vezes ininteligível, somando-se a isso a presença de anomias e diversos distúrbios linguísticos. Tais distúrbios aumentaram na pós-intervenção. Isso ocorreu devido a um aumento na produção de palavras (substantivos e verbos) que antes eram suprimidas. Ainda, surgiram mais processos linguísticos em sua fala, em que a sintaxe se tornou mais adequada e, em consequência disso, o discurso ficou mais fluente, caracterizando melhora nesses aspectos mesmo que com erros.

Anteriormente à intervenção terapêutica, o discurso do paciente apresentava incoerência, com pausas longas e omissões de sons e palavras, o que dificultava a compreensão do interlocutor. Os déficits discursivos estão relacionados a falta de coerência em frases, diminuição das informações no diálogo quando se quer transmitir algo, dificuldade em compreender inferências e os transtornos no emprego de pistas para que se possa fluir o diálogo2323. Rogalski Y, Altmann LJP, Plummer-D'Amato P, Behrman AL, Marsiske M. Discourse coherence and cognition after stroke: a dual task study. J Commun. Disord. 2010;43(3):212-24., que devem ser considerados em indivíduos afásicos.

De modo geral, houve melhoras não só na linguagem do paciente, como também em outros domínios cognitivos, principalmente relacionados à memória. Isso pode ser observado nas respostas do NEUPSILIN-Af1010. Fontoura DR, Rodrigues JC, Parente MAPP, Fonseca R, Salles JF. Adaptação do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN para avaliar pacientes com afasia expressiva: NEUPSILIN-Af. Cien. Cog. 2011;16(3):78-94. (Tabela 2) e do MEEM1818. Chaves ML, Izquierdo Y. Differential diagnosis between dementia and depression: a study of efficiency increment. Acta Neurol Scand. 1992;85(6):378-82. (Tabela 3). Esses resultados podem ser justificados pelo próprio método de intervenção em que faz com que o paciente evoque as palavras trabalhadas oralmente, de forma escrita e dê significado a elas, o que permite a retenção da palavra na memória1313. Fridriksson J, Moser D, Bonilha L, Morrow-Odom KL, Shaw H, Fridriksson A et al. Neural correlates of phonological and semantic-based anomia treatment in aphasia. Neuropsychol. 2007;45(2007):1812-22.. Além disso, sabe-se que MEEM não é uma avaliação indicada para afásicos uma vez que requer linguagem expressiva. A avaliação pós-intervenção confirma isso uma vez que houve melhoras em diferentes aspectos cognitivos.

O rebaixamento no desempenho na tarefa de percepção de faces do NEUPSILIN-Af1010. Fontoura DR, Rodrigues JC, Parente MAPP, Fonseca R, Salles JF. Adaptação do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN para avaliar pacientes com afasia expressiva: NEUPSILIN-Af. Cien. Cog. 2011;16(3):78-94. pode ter ocorrido devido ao cansaço ou até mesmo desmotivação do participante durante a reavaliação. No entanto, pode-se observar melhor desempenho em tarefas atencionais do NEUPSILIN-Af1010. Fontoura DR, Rodrigues JC, Parente MAPP, Fonseca R, Salles JF. Adaptação do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN para avaliar pacientes com afasia expressiva: NEUPSILIN-Af. Cien. Cog. 2011;16(3):78-94. e do MEEM1818. Chaves ML, Izquierdo Y. Differential diagnosis between dementia and depression: a study of efficiency increment. Acta Neurol Scand. 1992;85(6):378-82.. A atenção é um dos mecanismos cognitivos primordiais para a aprendizagem e armazenamento correto das informações recebidas2424. Scherer L, Gabriel R. Processamento da linguagem: contribuições da neurolinguística. Signo. 2007;32(53):66-81., o que contribui positivamente para o sucesso terapêutico.

Ao melhorar a linguagem expressiva, os resultados do instrumento ASHA-FACS2020. Fratalli C, Thompson CK, Holland AL, Wohl CB, Ferketic M. Functional Assessment of Communication Skills for Adults (ASHA FACS). Rockville (MD): American Speech-Language-Hearing Association; 1995. também evoluíram positivamente. Os itens de Comunicação Social e Planejamento Diário tiveram maior progresso do que as tarefas de cálculos, leitura e escrita. Esses achados foram encontrados na literatura2525. Paul D, Fratalli C, Holland A, Wohl CB, Ferketic M. Functional assessment of communication skills for adults-addendum. Rockville, MD: American Speech-Language Hearing Association; 2004. em um estudo que um paciente com comprometimento linguístico apresentou uma pontuação alta no ASHA-FACS2020. Fratalli C, Thompson CK, Holland AL, Wohl CB, Ferketic M. Functional Assessment of Communication Skills for Adults (ASHA FACS). Rockville (MD): American Speech-Language-Hearing Association; 1995., mais do que seria esperado para alguém com um prejuízo de linguagem tão significativo.

Após o tratamento, houve melhora na expressividade, o participante apresentou melhora na comunicação com o uso correto de palavras e frases, mesmo que, por vezes, de forma limitada quanto à sintaxe, devido à presença de agramatismos em alguns momentos. Estas alterações linguísticas ocorrem como recurso para o aperfeiçoamento das palavras, que antes eram suprimidas. Além desses aspectos, ressalta-se que o tempo entre o episódio de AVC e o início da terapia pode ter limitado alguns ganhos, pois o tempo de lesão é um dos principais influenciadores no progresso linguístico44. Fama ME, Baron CR, Hatfield B, Turkeltaub PE. Group therapy as a social context for aphasia recovery: a pilot, observational study in an acute rehabilitation hospital. Top Stroke Rehabil. 2016;23(4):276-83..

Desta maneira, a terapia com a utilização de figuras representando substantivos e verbos foi capaz de proporcionar a ampliação do vocabulário do paciente, o que auxiliou na comunicação oral, tornando-a mais inteligível. Além da melhora nos substantivos, esses mesmos benefícios foram encontrados em um estudo2626. Zormpa E, Brehm LE, Hoedemaker RS, Meyer AS. The production effect and the generation effect improve memory in picture naming. Memory. 2019;27(3):340-52. que investigou o efeito da terapia de recuperação de palavras (verbos) por meio de diversos níveis de produção de linguagem como características semânticas e pistas. Os resultados exibiram ganhos significantes na nomeação de verbos tratados e de menor efeito em verbos não-tratados, além de constar mudanças favoráveis de verbos em nível de sentenças.

Apesar dos benefícios encontrados a partir do método terapêutico utilizado, há limitações importantes, uma vez que apenas um sujeito foi estudado e, desta forma, a generalização destes resultados não é possível.

Comentários Finais

Após a intervenção terapêutica, foi possível verificar que houve melhoras linguísticas e cognitivas no caso estudado, indicando que o tratamento a partir da recuperação de palavras foi eficaz nesse estudo de caso único.

Devido ao tempo de início ao processo terapêutico ter sido tardio, em um período curto de intervenção e por não ter sido utilizado um modelo terapêutico que englobe todos os aspectos defasados, houve influência negativa na melhora de alguns processos de linguagem e cognição, como repetição, leitura em voz alta, memória e linguagem escrita.

Por fim, sugere-se a continuidade de estudos que utilizem essa abordagem para reafirmar os benefícios encontrados ao aplicá-la em pacientes afásicos expressivos.

Agradecimentos

À CAPES pela bolsa de mestrado; à fonoaudióloga Raira Fernanda Altemann pela colaboração no processo de avaliação do cliente. E ao sujeito desta pesquisa.

REFERENCES

  • 1
    Flowers HL, Skoretz SA, Silver FL, Rochon E, Fang J, Flamand-Roze C et al. Poststroke aphasia frequency, recovery, and outcomes: a systematic review and meta-analysis. Arch Phys Med Rehabil. 2016;97(12):2188-201.
  • 2
    Meier EL, Johnson JP, Villard S, Kiran S. Does naming therapy make ordering in a restaurant easier? Dynamics of co-occurring change in cognitive-linguistic and functional communication skills in aphasia. Am J Speech Lang Hear Pathol. 2017;26(2):266-80.
  • 3
    Beber B. Proposta de apresentação da linguagem oral no adulto e no idoso. Distúrb. Comun. 2019;31(1):160-9.
  • 4
    Fama ME, Baron CR, Hatfield B, Turkeltaub PE. Group therapy as a social context for aphasia recovery: a pilot, observational study in an acute rehabilitation hospital. Top Stroke Rehabil. 2016;23(4):276-83.
  • 5
    Kiran S, Thompson CK. Neuroplasticity of language networks in aphasia: advances, updates, and future challenges. Front Neurol. 2019;10(2):295.
  • 6
    Worral L, Papathanasiou I, Sherratt S. Therapy approaches to aphasia. In: Papathanasiou I, Coppens P, Potagas C (org). Aphasia and related neurogenic communication disorders. Burlington: Jones & Bartlett Learning; 2013. p.93-111.
  • 7
    Pagliarin KC, Ortiz KZ, Parente MAM, Nespoulous J, Joanette Y, Fonseca RP. Individual and sociocultural influences on language processing as assessed by the MTL-BR Battery. Aphasiology. 2014;28(10):1244-57.
  • 8
    Parente MAMP, Fonseca RP, Pagliarin KC, Barreto SS, Soares-Ishigaki ECS, Hubner LC et al. Bateria Montreal-Toulouse de avaliação da linguagem - Bateria MTL-Brasil. São Paulo: Vetor Editora; 2016.
  • 9
    Fonseca RP, Salles JF, Parente MAMP. Instrumento de Avaliação Neuropsicoplógica Breve - NEUPSILIN. São Paulo: Vetor; 2009.
  • 10
    Fontoura DR, Rodrigues JC, Parente MAPP, Fonseca R, Salles JF. Adaptação do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN para avaliar pacientes com afasia expressiva: NEUPSILIN-Af. Cien. Cog. 2011;16(3):78-94.
  • 11
    Hillis AE. Efficacy and generalization of treatment for aphasic naming erros. Arch Phys Med Rehabil. 1989;70(8):632-6.
  • 12
    Boyle M. Semantic feature analysis treatment for anomia in two fluent aphasia syndromes. Am J Speech Lang Pathol. 2014;13(3):236-49.
  • 13
    Fridriksson J, Moser D, Bonilha L, Morrow-Odom KL, Shaw H, Fridriksson A et al. Neural correlates of phonological and semantic-based anomia treatment in aphasia. Neuropsychol. 2007;45(2007):1812-22.
  • 14
    Harnish SM, Morgan J, Lundine JP, Bauer A, Singletary F, Benjamin ML et al. Dosing of a cued picture-naming treatment for anomia. Am J Speech-Language Pathol. 2014;23(2):285-97.
  • 15
    Kendall DL, Oelke M, Brookshire CE, Nadeau SE. The influence of phonomotor treatment on word retrieval abilities in 26 individuals with chronic aphasia: an open trial diane. J Speech, Lang Hear Res. 2015;58(3):798-812.
  • 16
    Oldfield RC. The assessment and analysis of handedness: the Edinburgh inventory. Neuropsychologia. 1971;9(1):97-113.
  • 17
    Fonseca RP, Zimmermann N, Oliveira CR, Gindri G, Pawlowski J, Scherer LC et al. Métodos em avaliação neuropsicológica: pressupostos gerais, neurocognitivos, neuropsicolinguísticos e psicométricos no uso e desenvolvimento de instrumentos. In: Fukushima S (org). Métodos em psicobiologia, neurociências e comportamento. São Paulo: ANPEPP; 2012. p. 266-96.
  • 18
    Chaves ML, Izquierdo Y. Differential diagnosis between dementia and depression: a study of efficiency increment. Acta Neurol Scand. 1992;85(6):378-82.
  • 19
    Kochhann R, Varela JS, Lisboa CSM, Chaves MLF. The Mini Mental State Examination Review of cutoff points adjusted for schooling in a large Southern Brazilian sample. Demen Neuropsychol. 2010;4(1):35-41.
  • 20
    Fratalli C, Thompson CK, Holland AL, Wohl CB, Ferketic M. Functional Assessment of Communication Skills for Adults (ASHA FACS). Rockville (MD): American Speech-Language-Hearing Association; 1995.
  • 21
    Druks J, Masterson J. An object and action naming battery. Hove (UK): Psychology Press; 2000.
  • 22
    Catts HW, Kahmi AG. Language and reading: convergences and divergences. In: Catts HW, Khami AG (eds). Language and reading disabilities. Boston: Pearson; 2005. p.1-25.
  • 23
    Rogalski Y, Altmann LJP, Plummer-D'Amato P, Behrman AL, Marsiske M. Discourse coherence and cognition after stroke: a dual task study. J Commun. Disord. 2010;43(3):212-24.
  • 24
    Scherer L, Gabriel R. Processamento da linguagem: contribuições da neurolinguística. Signo. 2007;32(53):66-81.
  • 25
    Paul D, Fratalli C, Holland A, Wohl CB, Ferketic M. Functional assessment of communication skills for adults-addendum. Rockville, MD: American Speech-Language Hearing Association; 2004.
  • 26
    Zormpa E, Brehm LE, Hoedemaker RS, Meyer AS. The production effect and the generation effect improve memory in picture naming. Memory. 2019;27(3):340-52.
  • Fonte de Auxílio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2019
  • Aceito
    30 Ago 2019
ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistacefac@cefac.br