Acessibilidade / Reportar erro

Interferência das deformidades dentofaciais nas características acústicas dos sons da fala

RESUMO

Objetivo:

verificar as características da fala quanto a produção dos sons fricativos em indivíduos com deformidades dentofaciais (DDF), por meio da análise acústica, analisando possíveis interferências da variação das bases ósseas na articulação da fala.

Métodos:

participaram 15 indivíduos adultos, ambos os sexos, com idade entre 17 a 42 anos. Distribuídos em 3 grupos: GII (n=5) Classe II esquelética, GIII (n=5) Classe III esquelética e GC (n=5) sem (DDF). Todos tiveram suas vozes gravadas, com “palavras-chave” contendo os sons fricativos do português brasileiro (PB), e analisadas acusticamente, os parâmetros: duração, intensidade, e formantes F1, F2. Para a comparação entre os grupos foi utilizado o Teste de Mann-Whitney.

Resultados:

houve diferenças (p<0,05) ao comparar GII e GIII com GC. Para a variável duração GIII obteve valor maior no som fricativo /z/ (r=0,016; p<0,05). A variável intensidade foi maior para o GII em /z/ (r=0,028; p<0,05), e maior para o GIII em /f/ (r=0,028; p<0,05), /v/ (r=0,028; p<0,05) e /ʃ/ (r=0,036; p<0,05). Para a variável F1, GII obteve valor maior para a sílaba /za/ (r=0,047; p<0,05). Na variável F2 o GII obteve valor mais baixo na sílaba /ʒa/ (r=0,047; p<0,05).

Conclusão:

a desarmonia das bases ósseas maxilomandibulares resulta em interferência nas características acústicas da fala quanto aos sons fricativos.

Descritores:
Acústica da Fala; Anormalidades Maxilofaciais; Cirurgia Ortognática; Transtornos de Articulação; Fonoaudiologia

ABSTRACT

Purpose:

to verify speech characteristics regarding the production of fricative sounds in people with dentofacial deformities (DFD), through acoustic analysis, evaluating possible interferences of the variation of the osseous bases in the articulation of speech.

Methods:

fifteen adults of both genders, aged between 17 and 42, participated in the study. They were distributed in three groups: GII (n = 5) Skeletal Class II, GIII (n = 5) Skeletal Class III, and CG (n = 5) without DFD. All of them had their voices recorded, with key words containing the fricative sounds of Brazilian Portuguese (BP), and acoustically analyzed; the parameters: duration, intensity, and formants F1, F2. The Mann-Whitney test was used to compare the groups.

Results:

there were differences (p <0.05) when comparing GII and GIII with CG. For the variable duration GIII obtained higher value in the fricative sound /z/ (r = 0.016, p <0.05). The variable intensity was higher for GII in /z/ (r = 0.028, p <0.05), and higher for GIII in /f/ (r = 0.028, p <0.05), /v/ (r = 0.028, p<0.05) and /ʃ/ (r = 0.036, p <0.05). For the variable F1, GII obtained a higher value for the syllable /za/ (r = 0.047, p <0.05). In the variable F2, GII obtained the lowest value in the syllable /ʒa/ (r = 0.047, p <0.05).

Conclusion:

the disharmony of the maxillomandibular osseous bases results in interference in speech acoustic characteristics regarding fricative sounds.

Keywords:
Speech Acoustics; Maxillofacial Abnormalities; Orthognathic Surgery; Articulation Disorder; Speech, Language and Hearing Sciences

Introdução

A fala é uma das maneiras que o ser humano utiliza para se comunicar, porém sua produção necessita da correta interação de diferentes estruturas do trato vocal, como bases ósseas maxilo-mandibulares, arcadas dentárias, dentes, palato duro; e de tecido mole: véu palatino, língua, lábios, bochechas e espaços orgânicos11. Farias BUL, Bianchini EMG, Paiva JB, Rino Neto J. Muscular activity in class III dentofacial deformity. Cranio. 2013;31(3):181-9.. Trata-se de uma tarefa complexa e que precisa ser realizada de forma coordenada, organizada e planejada para garantir a compreensão plena do que foi dito pelo seu interlocutor22. Barbarena LS, Keske-Soares M, Berti LC. Description of the articulatory gestures concerned in the production of the sounds /r/ and /l/. Audiol. Commun Res. 2014;19(4):338-44.,33. Bogon J, Eisenbarth H, Landgraf S, Dreisbach G. Shielding voices: the modulation of binding processes between voice features and response features by task representations. QJEP. 2017;70(9):1856-66.. Para entender os ajustes que são realizados durante o processo de produção da fala, faz-se necessária a utilização de alguns recursos, como a análise acústica44. Oliveira RC, Teixeira LC, Gama ACC, Medeiros AM. Análise perceptivo-auditiva, acústica e autopercepção vocal em crianças. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;3(2):158-63.

5. Mendes AP, Ferreira LJL, Castro E. Softwares e hardwares de análise acústica da voz e da fala. Distúrb. Comun. 2012;24(3):421-30.

6. Behlau M. Voz - O livro do especialista. 3ed. São Paulo: Revinter, 2013.
-77. Barbosa P, Madureira S. Manual de fonética acústica experimental: aplicação a dados do português. São Paulo, Cortez, 2015..

A análise acústica é uma ferramenta que vem crescendo na prática clínica, e muitos estudos têm auxiliado a melhor compreensão da produção da fala. Por tratar-se de uma avaliação, de técnica não invasiva, permite a inferência dos movimentos realizados durante a produção da fala resultando em um sinal sonoro. Ao decompor este sinal é possível detalhar os mecanismos que levaram a sua produção. Por meio da análise dos formantes, pode-se verificar o comportamento do trato vocal durante a fala44. Oliveira RC, Teixeira LC, Gama ACC, Medeiros AM. Análise perceptivo-auditiva, acústica e autopercepção vocal em crianças. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;3(2):158-63.,77. Barbosa P, Madureira S. Manual de fonética acústica experimental: aplicação a dados do português. São Paulo, Cortez, 2015..

Os formantes são identificados pelos picos de energia no espectro acústico, ou seja, é um ressoador com resposta em frequência sendo que o pico do formante varia de acordo com os ajustes do trato vocal 44. Oliveira RC, Teixeira LC, Gama ACC, Medeiros AM. Análise perceptivo-auditiva, acústica e autopercepção vocal em crianças. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;3(2):158-63.,55. Mendes AP, Ferreira LJL, Castro E. Softwares e hardwares de análise acústica da voz e da fala. Distúrb. Comun. 2012;24(3):421-30.,77. Barbosa P, Madureira S. Manual de fonética acústica experimental: aplicação a dados do português. São Paulo, Cortez, 2015.,88. Costa-Guarisco LP, Fraga FJ, Iório MCM. Fricative Phonemes Identification Index: proposal for frequency compression evaluation. Audiol. Commun Res. 2016;21:e1728.. Os formantes F1 e F2 são os principais para a fala, pois o formante F1 é influenciado pela altura de língua e abertura de mandíbula e o F2 pelas variações ântero-posterior de língua77. Barbosa P, Madureira S. Manual de fonética acústica experimental: aplicação a dados do português. São Paulo, Cortez, 2015.

8. Costa-Guarisco LP, Fraga FJ, Iório MCM. Fricative Phonemes Identification Index: proposal for frequency compression evaluation. Audiol. Commun Res. 2016;21:e1728.
-99. Pereira JBA, Bianchini EMG. Caracterização das funções estomatognáticas e disfunções temporomandibulares pré e pós cirurgia ortognática e reabilitação fonoaudiológica da deformidade dentofacial classe II esquelética. Rev. CEFAC. 2011;13(6):1086-94..

As modificações das proporções faciais, como as que ocorrem em indivíduos com deformidades dentofaciais (DDF), podem comprometer a articulação da fala proporcionando alterações e distorções1010. Prado DGA, Sovinski SRP, Nary-Filho H, Brasolotto AG, Berretin-Félix G. Oral motor controland orofacial functions in individuals with dentofacial deformity. Audiol. Commun Res. 2015;20(1):76-83.

11. Lima JAS, Luna AHB, Pessoa LSF, Alves GAS. Functional gains measured by MBGR and impact on quality of life in subject submitted to orthognathic surgery: case report. Rev. CEFAC. 2015;17(5):1722-30.

12. Trench JA, Araújo RPC. Dentofacial deformities: orofacial myofunctional ,characteristics. Rev. CEFAC. 2015;17(4):1202-14.

13. Leavy KM, Cisneros GJ, LeBlanc EM. Malocclusion and its relationship to speech sound production: Redefining the effect of malocclusal traits on sound production. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2016;150(1):116-23.
-1414. Dantas JFC, Neto JNN, De Carvalho SHG, Martins IMCLD, De Souza RF, Sarmento VA. Satisfaction of skeletal class III patients treated with different types of orthognathic surgery. Int J of Oral Maxillofac. Surg. 2015;44(2):195-202.. A DDF é caracterizada pela discrepância entre as bases ósseas maxilo-mandibular modificando o espaço intra-oral e originando más oclusões com associação esquelética. Estudos apontam alterações de fala presentes em indivíduos com DDF1414. Dantas JFC, Neto JNN, De Carvalho SHG, Martins IMCLD, De Souza RF, Sarmento VA. Satisfaction of skeletal class III patients treated with different types of orthognathic surgery. Int J of Oral Maxillofac. Surg. 2015;44(2):195-202.

15. Torres KV, Pessoa LS, Luna AHB, Alves GAS. Quality of life after orthognathic surgery: a case report. Rev. CEFAC. 2017;19(5):733-9.
-1616. Migliorucci RR, Sovinski SRP, Passos DCBOF, Bucci AC, Salgado MH, Nary Filho H et al. Orofacial functions and quality of life in oral health in subjects with dentofacial deformity. CoDAS. 2015;27(3):255-9. sendo algumas dessas alterações na produção dos sons fricativos. No padrão facial Classe II esquelética, são citadas adaptações nos fones fricativos alveolares, acompanhando deslize mandibular e/ou língua projetada entre os dentes nos sons /s/ e /z/ 11. Farias BUL, Bianchini EMG, Paiva JB, Rino Neto J. Muscular activity in class III dentofacial deformity. Cranio. 2013;31(3):181-9.,1717. Ahn J, Kim G, Kim YHb, Hong J. Acoustic analysis of vowel sounds before and after orthognathic surgery. J Craniomaxillofac Surg. 2015;43(1):11-6.. No padrão facial classe III esquelético, esses mesmos sons fricativos são produzidos com distorções por elevação de dorso ou da parte média da língua. Os fricativos labiodentais podem aparecer invertidos quanto aos articuladores em que os incisivos inferiores tocam o lábio superior na produção dos sons /f/ e /v/ 1313. Leavy KM, Cisneros GJ, LeBlanc EM. Malocclusion and its relationship to speech sound production: Redefining the effect of malocclusal traits on sound production. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2016;150(1):116-23..

Os sons fricativos são os mais descritos na literatura como alterados em indivíduos com DDF99. Pereira JBA, Bianchini EMG. Caracterização das funções estomatognáticas e disfunções temporomandibulares pré e pós cirurgia ortognática e reabilitação fonoaudiológica da deformidade dentofacial classe II esquelética. Rev. CEFAC. 2011;13(6):1086-94.,1616. Migliorucci RR, Sovinski SRP, Passos DCBOF, Bucci AC, Salgado MH, Nary Filho H et al. Orofacial functions and quality of life in oral health in subjects with dentofacial deformity. CoDAS. 2015;27(3):255-9.,1818. Martinelli RLC, Fornaro EF, Oliveira CJM, Ferreira LMB, Rehder MIBC. Correlações entre alterações de fala, respiração oral, dentição e oclusão. Rev. CEFAC. 2011;13(1):17-26.,1919. Jesus LM, Araujo A, Costa IM. Speech production in two occlusal classes. Onomázein. 2014;29(12):129-51., por este motivo esta pesquisa buscou contemplar a averiguação desses sons.

A produção dos sons fricativos é caracterizada pela fricção, duração, intensidade e seu modo articulatório. A fricção do ar é gerada pelo estreitamento dos articuladores ao longo do trato vocal; desde a glote, passando por palato, língua, dentes até chegar aos lábios. No português brasileiro encontram-se três pontos de articulação para os sons fricativos: labiodental (/f v/), alveolar (/s z/) e pós-alveolar (/ʃ Ʒ/), com a oposição fonológica de vozeamento: desvozeadas e vozeadas77. Barbosa P, Madureira S. Manual de fonética acústica experimental: aplicação a dados do português. São Paulo, Cortez, 2015.,88. Costa-Guarisco LP, Fraga FJ, Iório MCM. Fricative Phonemes Identification Index: proposal for frequency compression evaluation. Audiol. Commun Res. 2016;21:e1728..

A duração da fricção dos fricativos posteriores (/ʃ Ʒ/) é maior que nos fricativos mediais e por último os anteriores. A literatura66. Behlau M. Voz - O livro do especialista. 3ed. São Paulo: Revinter, 2013.,77. Barbosa P, Madureira S. Manual de fonética acústica experimental: aplicação a dados do português. São Paulo, Cortez, 2015. aponta diferença acústica em relação ao traço de sonoridade, sendo as desvozeadas em média 40ms mais longas que as vozeadas. Isso ocorre porque as fricativas desvozeadas são produzidas somente pela ação da fonte friccional, já as vozeadas aliam a fonte glótica a uma fonte friccional.

Os sons fricativos têm também como característica ser o som mais fraco do português brasileiro, ou seja, são os sons com menor intensidade, sendo que as desvozeadas são mais fortes ou intensas que as vozeadas. Isso se dá porque nas vozeadas, para se manter o vozeamento, é gerada uma queda de pressão transglotal, perdendo a força de fechamento glótico66. Behlau M. Voz - O livro do especialista. 3ed. São Paulo: Revinter, 2013.,77. Barbosa P, Madureira S. Manual de fonética acústica experimental: aplicação a dados do português. São Paulo, Cortez, 2015..

Quanto ao modo articulatório de produção dos sons fricativos, existe um articulador considerado ativo e outro passivo99. Pereira JBA, Bianchini EMG. Caracterização das funções estomatognáticas e disfunções temporomandibulares pré e pós cirurgia ortognática e reabilitação fonoaudiológica da deformidade dentofacial classe II esquelética. Rev. CEFAC. 2011;13(6):1086-94.. Nos fricativos /s z/, que são alveolares, o articulador ativo é o ápice da língua e o articulador passivo os alvéolos inferiores. Nos fricativos /f v/, que são labiodentais, o articulador ativo é o lábio inferior e o passivo os dentes incisivos superiores. Nos fricativos pós-alveolares /ʃ ʒ/ o articulador ativo é a parte anterior da língua e o passivo é a parte medial do palato duro2020. Bassi A, Seara IC. A produção das fricativas alveolar, ápico-alveolar e palato-alveolar em de coda silábica no PB e no PE. Letras de Hoje. 2017;52(1):77-86.,2121. Silva TC. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 10 ed. São Paulo, Contexto, 2010..

A produção dos sons fricativos também ocorre de maneira coarticulada com as vogais antecedentes e seguintes, tornando possível analisá-las acusticamente. Essa coprodução modifica o trato vocal, à margem esquerda da vogal seguinte e à direita da vogal antecedente ao som fricativo, que pode ser observada pelo sinal acústico no movimento dos formantes. Desta forma, existem nas vogais pistas acústicas das consoantes fricativas, pois são alteradas pelo ponto articulatório do som precedente e sucessor88. Costa-Guarisco LP, Fraga FJ, Iório MCM. Fricative Phonemes Identification Index: proposal for frequency compression evaluation. Audiol. Commun Res. 2016;21:e1728..

Existem poucos estudos que se dispuseram da análise acústica para verificar a fala de indivíduos com DDF. Lee2121. Silva TC. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 10 ed. São Paulo, Contexto, 2010. utilizou a análise acústica para complementar o julgamento perceptivo da produção da fricativa /s/ no pré e pós cirúrgico, enquanto que Prado1010. Prado DGA, Sovinski SRP, Nary-Filho H, Brasolotto AG, Berretin-Félix G. Oral motor controland orofacial functions in individuals with dentofacial deformity. Audiol. Commun Res. 2015;20(1):76-83. buscou verificar a relação do controle motor oral e as funções orofaciais utilizando a análise acústica para analisar parâmetros de instabilidade em diadococinesia.

A partir do exposto, a presente pesquisa buscou analisar a possível interferência da posição das bases ósseas na articulação dos sons fricativos na fala. Para tanto, foram formuladas as seguintes hipóteses de pesquisa:

  1. Indivíduos com DDF apresentam diferença na execução da duração das fricativas alveolares (/s z/), labiodentais (/f v/) e pós-alveolares (/ʃ Ʒ/), e essa diferença se relaciona com a configuração do trato vocal alterado, quando comparados a indivíduos sem DDF.

  2. Indivíduos com DDF apresentam diferença na execução da intensidade das fricativas alveolares (/s z/), labiodentais (/f v/) e pós-alveolares (/ʃ Ʒ/), e essa diferença se relaciona com a configuração do trato vocal alterado, quando comparados a indivíduos sem DDF.

  3. Indivíduos com DDF apresentam diferenças na configuração de trato vocal na execução das fricativas alveolares (/s z/), labiodentais (/f v/) e pós-alveolares (/ʃ Ʒ/), relacionadas ao primeiro formante (F1) da vogal tônica “a” subsequente aos sons fricativos, quando comparados a indivíduos sem DDF.

  4. Indivíduos com DDF apresentam diferenças na configuração de trato vocal na execução das fricativas alveolares (/s z/), labiodentais (/f v/) e pós-alveolares (/ʃ Ʒ/), relacionadas ao segundo formante (F2) da vogal tônica “a” subsequente aos sons fricativos, em comparação aos indivíduos sem DDF.

  5. A análise acústica dos sons da fala consegue detectar possíveis interferências causadas pelas variações das bases ósseas de indivíduos com DDF, quando comparado a indivíduos sem DDF.

Desta forma, o presente estudo teve como objetivo verificar as características da fala quanto a produção dos sons fricativos em indivíduos com deformidades dentofaciais, por meio da análise acústica, buscando analisar possíveis interferências da variação das bases ósseas na articulação da fala. Esse estudo buscou contribuir na compreensão das possíveis adaptações realizadas nesses casos e com isso definir melhor conduta e prognóstico clínico.

Métodos

Estudo transversal comparativo, previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, CAAE 57943016.7.0000.5482, protocolo: 1.676.819, realizado após processos éticos pertinentes. Todos os participantes (ou seus responsáveis) assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Participaram deste estudo 15 indivíduos adultos, ambos os sexos, média de idade de 29.6 anos com mínimo de 17 e máximo de 42 anos.

O Grupo de Pesquisa (GP) foi formado por 10 indivíduos, 6 mulheres e 4 homens, sendo 5 com Classe II esquelética (GII) e 5 com Classe III esquelética (GIII), após submetidos a documentação ortodôntica e realização de exames complementares (Tomografia computadorizada sistema cone beam), para comprovação da discrepância maxilomandibular. Os sujeitos foram coletados por demanda espontânea a partir do encaminhamento feito por cirurgião buco-maxilo-facial para avaliação fonoaudiológica em uma clínica fonoaudiológica.

Foram critérios de inclusão para GP: apresentar DDF com preparo ortodôntico finalizado, ter indicação imediata de cirurgia ortognática, realizar todas as etapas propostas para essa pesquisa.

O Grupo Controle (GC) foi constituído por 5 indivíduos, sendo 3 mulheres e 2 homens pareados ao GP quanto a idade. Foram critérios de inclusão para GC: apresentar equilíbrio dentofacial com elementos dentários naturais ao menos até segundos pré-molares, relação dos arcos dentários com trespasse vertical e horizontal em torno de 2 a 3mm, não apresentar alterações de tecido mole que possam interferir na fala, não apresentarem disfluência, não realizar trocas, omissões ou distorções na fala, ter como língua nativa e principal o português brasileiro.

Foram critérios de exclusão: síndromes genéticas ou deformidade facial secundária a traumas faciais; alteração morfológica da articulação temporomandibular (ATM) congênita ou adquirida; utilização de prótese dentária removível; apresentar características funcionais de respirador oral crônico; ter realizado cirurgia orofacial e/ou ortognática pregressa, presença de déficits neurológicos e/ou cognitivos.

Todos os participantes realizaram avaliação clínica miofuncional orofacial por fonoaudiólogo capacitado, com o intuito de investigar se os participantes atendiam aos critérios de inclusão e exclusão adotados nesta pesquisa, utilizando-se de protocolo específico da clínica, onde foram analisados: padrão oclusal dentário e esquelético (classificação de Angle e padrão facial), medidas de relação dento-esquelética anterior (sobremordida e sobressaliência) e padrões miofuncionais orofaciais. Toda a documentação foi gravada e fotografada para possibilitar revisão e comprovação do banco de dados, assim como os exames complementares de imagens quanto à presença ou ausência de DDF.

Análise Acústica

Os equipamentos utilizados para a gravação dos dados foram: Notebook Win marca CCE, modelo H125 com Processador Intel® Pentium™, Windows 8, HD de 500GB, placa de som on board Realtek modelo High Definition.Foi utilizado headset e microfone unidirecional modelo PC VoIP SHM1500 da marca Philips, com resposta de frequência 20-15k Hz fone, impedância de fone 32 Ohm e potência máxima de entrada de 100 mW; microfone dinâmico com sensibilidade de 20-11.000 Hz, -42+/-3db Conectividade.

O programa utilizado para a gravação foi o PRAAT na versão 5.3.14, desenvolvido pelos linguistas Paul Boersma e David Weenink, do Departamento de Fonética da Universidade de Amsterdã, adquirido gratuitamente por meio do site: http://www.fonologia.org/acustica_softwares_praat.php. Os áudios coletados foram salvos e armazenados em sistema de nuvem no google drive.

Para o procedimento de gravação dos dados, foram empregados os seguintes critérios: As amostras foram gravadas em monocanal no formato wav, com frequência mínima de 30Hz e a máxima de 24.000Hz para captar as frequências das fricativas, pois essas se apresentam mais altas. O microfone foi posicionado a uma distância fixa da boca, na comissura labial direita do falante (entre 10 e 15 cm) para evitar distorções do som pelo excesso de aproximação do microfone. Todas as amostras foram gravadas em sala silenciosa, por ao menos dois fonoaudiólogos especialistas na área.

O corpus utilizado para as análises foi composto por seis palavras (logatomas) do Português Brasileiro (PB), obedecendo ao seguinte padrão: foi solicitado ao participante que fizesse a leitura de 6 palavras caracterizadas como “palavra-chave” dos fones de interesse do português brasileiro: sassa, zaza, fafa, vava, xaxa e jaja, inseridas na frase veículo “diga (palavra-chave) baixinho”, com a tônica na primeira sílaba das palavras. Após apresentar o modelo, o participante foi instruído a falar uma frase por vez de maneira contínua, sem inserir pausas entre as palavras, no tom e intensidade habituais, iniciando após o comando da pesquisadora.

Análise dos Dados Acústicos

Os sinais de áudio foram analisados por meio do software Praat, sendo utilizado o espectro de banda larga e seguindo os seguintes parâmetros: foram segmentadas e utilizadas as sílabas tônicas das palavras. A definição da duração do som fricativo foi realizada de forma manual, observando as características da onda acústica, marcando-se o início do som da fricativa (pico da onda) e seguindo até a modificação da mesma na transição da consoante para a vogal. A extração das medidas foi realizada de forma automática por meio do próprio programa. Após a definição da duração, foi extraída a intensidade dos sons fricativos também de forma automática pelo programa. Para a extração das medidas dos formantes, foi analisada a vogal sucessora a fricativa da sílaba tônica, procurando-se o ponto estacionário da vogal “a” para a extração automática de F1 e F2 pelo programa. Os dados extraídos dos formantes foram normalizados pelo método de Lobanov por meio do site: http://lingtools.uoregon.edu/norm/norm1.php. Essa normalização é considerada fundamental para a comparação entre falantes distintos, pois minimiza as diferenças de tamanho de trato vocal de cada um deles77. Barbosa P, Madureira S. Manual de fonética acústica experimental: aplicação a dados do português. São Paulo, Cortez, 2015..

Para verificar se indivíduos com DDF apresentam diferença na execução das fricativas alveolares (/s z/), labiodentais (/f v/) e pós-alveolares (/ʃ Ʒ/), foram extraídas as medidas, constituindo as seguintes variáveis de interesse a serem analisadas: duração; intensidade; formantes F1 e F2 das vogais seguintes aos sons fricativos, para verificar as características do trato vocal apresentados por indivíduos com DDF quando comparados ao GC.

Visando analisar possíveis interferências de acordo com o tipo de DDF, as análises dos dados foram realizadas considerando-se: GII: sujeitos com DDF do tipo Classe II esquelética; GIII: sujeitos com DDF do Tipo Classe III esquelética; GC: grupo controle com sujeitos sem DDF.

Para a verificação de diferenças entre os grupos quanto às características acústicas da fala, cada variável foi analisada para os três grupos buscando-se a existência de diferenças estatísticas.

A análise estatística utilizada foi Teste de Mann-Whitney, não paramétrico, utilizado em baixas amostragens quando as amostras são independentes para comparação das variáveis duas-a-duas. Também foi utilizado a mediana como medida de tendência central. Para obtenção do resultado de cada comparação utilizou-se o p-valor<0,05 (5%).

Resultados

Participaram deste estudo 15 indivíduos adultos, ambos os sexos, média de idade de 29.6 anos com mínimo de 17 e máximo de 42 anos.

A partir dos dados obtidos, os resultados referentes à comparação entre os grupos analisados: GII, GIII e GC com análises (teste de Mann-Whitney) em cada uma das sílabas tônicas para as variáveis acústicas estudadas, encontram-se nas Tabelas 1 a 4.

Os dados referentes às análises quanto a duração (em ms) na execução das fricativas alveolares (/s z/), labiodentais (/f v/) e pós-alveolares (/ʃ Ʒ/), encontram-se na Tabela 1. A análise estatística mostrou diferença significante na comparação da duração dos sons fricativos vozeados /z/ com maior duração para GIII quando comparado ao GC e tendência a significância em /ʒ/ (Tabela 1). Pode-se verificar, de maneira geral, que a duração de todos os sons do GII e GIII foram maiores do que a do GC com exceção do som fricativo /f/. Os sons desvozeados se apresentaram com duração maior que os vozeados em todos os grupos.

Tabela 1:
Análise da duração dos fricativos (em ms) na execução das fricativas alveolares (/s z/), labiodentais (/f v/) e pós-alveolares (/ʃ Ʒ/), em sílaba tônica, para os três grupos estudados

Os dados referentes às análises quanto à intensidade (em db) na execução das fricativas alveolares (/s z/), labiodentais (/f v/) e pós-alveolares (/ʃ Ʒ/) em sílaba tônica, encontram-se na Tabela 2.O parâmetro Intensidade mostrou diferenças significantes entre os grupos com DDF em relação ao GC, obtendo-se maior intensidade para GII para o fricativo /z/ e para GIII para /f/, /v/, /ʃ/ . Entretanto, para todos os sons analisados, GII e GIII obtiveram médias de intensidade muito semelhantes. A presença das diferenças significantes e tendências estatísticas à significância aparecem refletidas pela caracterização do desvio-padrão e intervalo de confiança.

Tabela 2:
Análise da intensidade dos fricativos (em db) na execução das fricativas alveolares (/s z/), labiodentais (/f v/) e pós-alveolares (/ʃ Ʒ/), em sílaba tônica, para os três grupos estudados

Os dados referentes às análises quanto ao primeiro Formante (F1) (em Hz) da vogal [a] na execução das fricativas alveolares (/s z/), labiodentais (/f v/) e pós-alveolares (/ʃ Ʒ/), encontram-se na Tabela 3. Verificou-se diferença significante para GII na silaba [za], em que o F1 aparece mais elevado em relação ao CG. O F1 da sílaba [va] aparece mais elevado e com tendência à significância no GIII. Na sílaba [xa] a tendência à significância ocorre para os dois grupos (GII e GIII), em que o F1 aparece com frequência mais baixa em relação ao GC.

Tabela 3:
Análise dos valores de F1, da vogal “a” em posição tônica, na execução das fricativas alveolares (/s z/), labiodentais (/f v/) e pós-alveolares (/ʃ Ʒ/) para os três grupos estudados

Os dados referentes às análises quanto ao segundo formante (F2) (em Hz) da vogal [a] na execução das fricativas alveolares (/s z/), labiodentais (/f v/) e pós-alveolares (/ʃ Ʒ/), encontram-se na Tabela 4. Constatou-se resultado significante somente na sílaba [Ʒa] para o GII e tendência à significância para GIII, em que o F2 se apresenta com frequências mais baixas em relação ao GC.

Tabela 4:
Análise dos valores de F2, da vogal “a” em posição tônica, na execução das fricativas alveolares (/s z/), labiodentais (/f v/) e pós-alveolare (/ʃ Ʒ/) para os três grupos estudados

Discussão

Esta pesquisa se propôs a verificar acusticamente as modificações de fala em indivíduos com DDF já descritas na literatura e contribuir para o aprofundamento e compreensão das mudanças que podem ocorrer na fala em decorrência da modificação estrutural do trato vocal e de adaptação em função dos ajustes vocais.

Na literatura encontram-se referências a mudanças acústicas relacionadas à fala de indivíduos com classe II e classe III 1010. Prado DGA, Sovinski SRP, Nary-Filho H, Brasolotto AG, Berretin-Félix G. Oral motor controland orofacial functions in individuals with dentofacial deformity. Audiol. Commun Res. 2015;20(1):76-83.,2121. Silva TC. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 10 ed. São Paulo, Contexto, 2010.. As mudanças descritas se relacionam com os parâmetros acústicos quanto duração da fricativa, intensidade e formantes das vogais que analisam a posição de língua e o movimento mandibular1010. Prado DGA, Sovinski SRP, Nary-Filho H, Brasolotto AG, Berretin-Félix G. Oral motor controland orofacial functions in individuals with dentofacial deformity. Audiol. Commun Res. 2015;20(1):76-83.,1616. Migliorucci RR, Sovinski SRP, Passos DCBOF, Bucci AC, Salgado MH, Nary Filho H et al. Orofacial functions and quality of life in oral health in subjects with dentofacial deformity. CoDAS. 2015;27(3):255-9.,1717. Ahn J, Kim G, Kim YHb, Hong J. Acoustic analysis of vowel sounds before and after orthognathic surgery. J Craniomaxillofac Surg. 2015;43(1):11-6.,2222. Lee ASY, Whitehill TL, Ciocca V, Samman N. Acoustic and perceptual analysis of the sibilant sound /s/ before and after orthognathic surgery. J Oral Maxillofac. Surg. 2002;60(4):364-72.. A análise acústica auxilia a compreensão das modificações dos ajustes articulatórios de indivíduos com DDF2121. Silva TC. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 10 ed. São Paulo, Contexto, 2010., assim como realizado no presente estudo.

Referente à duração dos sons verificou-se que o GIII apresentou duração maior dos fricativos sonoros alveolar /z/ e pós-alveolar /ʒ/ quando comparado ao GC, indicando diferença na execução desses sons. A literatura aponta que a duração da fricção está relacionada com a localização de articulação do som, sendo os mediais e posteriores com maior duração66. Behlau M. Voz - O livro do especialista. 3ed. São Paulo: Revinter, 2013.,77. Barbosa P, Madureira S. Manual de fonética acústica experimental: aplicação a dados do português. São Paulo, Cortez, 2015.. Constata-se que na DDF Classe III, devido à discrepância ântero-posterior, pode ocorrer maior escape do fluxo aéreo reduzindo a fricção especialmente nesses fricativos originando a necessidade de adaptações na posição da língua para bloquear o escape11. Farias BUL, Bianchini EMG, Paiva JB, Rino Neto J. Muscular activity in class III dentofacial deformity. Cranio. 2013;31(3):181-9.,99. Pereira JBA, Bianchini EMG. Caracterização das funções estomatognáticas e disfunções temporomandibulares pré e pós cirurgia ortognática e reabilitação fonoaudiológica da deformidade dentofacial classe II esquelética. Rev. CEFAC. 2011;13(6):1086-94.,1010. Prado DGA, Sovinski SRP, Nary-Filho H, Brasolotto AG, Berretin-Félix G. Oral motor controland orofacial functions in individuals with dentofacial deformity. Audiol. Commun Res. 2015;20(1):76-83. e possivelmente direcionando maior duração.

De maneira geral constatou-se, no presente estudo, maior duração nas fricativas desvozeadas /f/, /s/, /ʃ/ para os três grupos analisados, de acordo com o encontrado na literatura que define serem esses os sons de maior duração em relação aos vozeados66. Behlau M. Voz - O livro do especialista. 3ed. São Paulo: Revinter, 2013.,77. Barbosa P, Madureira S. Manual de fonética acústica experimental: aplicação a dados do português. São Paulo, Cortez, 2015..

Quanto à variável intensidade parece interessante observar que, para todos os sons analisados, GC teve sempre médias de intensidade dos sons menores que GII e GIII, e nesses últimos constatam-se médias dos resultados intensidade muito semelhantes. De maneira geral, pode-se inferir tratar-se de maior esforço fonatório por parte dos grupos com DDF, tendo em vista a desarmonia da relação maxilo-mandibular1313. Leavy KM, Cisneros GJ, LeBlanc EM. Malocclusion and its relationship to speech sound production: Redefining the effect of malocclusal traits on sound production. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2016;150(1):116-23.,2323. Mezzomo CL, Machado PG, Pacheco AB, Gonçalves BFT, Hoffmann CF. As implicações da classe II de Angle e da desproporção esquelética tipo classe II no aspecto miofuncional. Rev. CEFAC. 2011;13(4):728-34.. Os ajustes necessários em função da discrepância de bases ósseas poderiam desencadear maior esforço e fluxo aéreo e assim aumentar a intensidade dos sons.

Entretanto, as diferenças estatisticamente significantes aparecem apenas para um ou outro tipo de DDF quando comparado ao GC, embora ocorram vários resultados com tendência estatística à presença de diferenças. Essas situações talvez possam ser explicadas pela caracterização do desvio-padrão e intervalo de confiança observados principalmente para GC.

Foi constatada maior intensidade para o GII em relação ao GC apenas para o som /z/ e tendência à diferença para o som /ʃ/. Esse dado talvez possa ser associado à necessidade de protrusão da mandíbula ampliando espaço para a organização da língua e possibilitando a organização do fluxo aéreo99. Pereira JBA, Bianchini EMG. Caracterização das funções estomatognáticas e disfunções temporomandibulares pré e pós cirurgia ortognática e reabilitação fonoaudiológica da deformidade dentofacial classe II esquelética. Rev. CEFAC. 2011;13(6):1086-94.,1212. Trench JA, Araújo RPC. Dentofacial deformities: orofacial myofunctional ,characteristics. Rev. CEFAC. 2015;17(4):1202-14.,1313. Leavy KM, Cisneros GJ, LeBlanc EM. Malocclusion and its relationship to speech sound production: Redefining the effect of malocclusal traits on sound production. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2016;150(1):116-23., levando a intensificação do som.

Também foi constatada maior intensidade para GIII em relação ao GC nos sons /f/, /v/, /ʃ/. A modificação ântero-posterior das bases ósseas, como em GIII, com sobressaliência dento-esquelética negativa leva à necessidade de modificação da posição dos articuladores em que os incisivos inferiores tocam o lábio superior, invertendo o ponto articulatório como descrito na literatura1111. Lima JAS, Luna AHB, Pessoa LSF, Alves GAS. Functional gains measured by MBGR and impact on quality of life in subject submitted to orthognathic surgery: case report. Rev. CEFAC. 2015;17(5):1722-30.,1313. Leavy KM, Cisneros GJ, LeBlanc EM. Malocclusion and its relationship to speech sound production: Redefining the effect of malocclusal traits on sound production. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2016;150(1):116-23.,2424. Gallerano G, Ruoppolo G, Silvestri A. Myofunctional and speech rehabilitation after orthodontic-surgical treatment of dento-maxillofacial dysgnathia. Prog. Orthod. 2011;13(1):57-68., possivelmente desencadeando maior intensidade.

Quanto às análises referentes ao formante F1 verificou-se diferença significante para GII para a sílaba [za], em que o F1 aparece mais elevado em relação ao GC. Considerando-se que o formante F1 é influenciado pela altura de língua e abertura de mandíbula e que produção da sílaba [za] é realizada pelo articulador ativo (ápice da língua) tocando o passivo (alvéolos inferiores), geraria uma produção de F1 com valor baixo2020. Bassi A, Seara IC. A produção das fricativas alveolar, ápico-alveolar e palato-alveolar em de coda silábica no PB e no PE. Letras de Hoje. 2017;52(1):77-86.,2121. Silva TC. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 10 ed. São Paulo, Contexto, 2010. como observado no GC. Como o formante F1 também se relaciona com a abertura ou fechamento de mandíbula66. Behlau M. Voz - O livro do especialista. 3ed. São Paulo: Revinter, 2013.,77. Barbosa P, Madureira S. Manual de fonética acústica experimental: aplicação a dados do português. São Paulo, Cortez, 2015., os resultados de GII sugerem maior abertura da boca para produzir este som, podendo assim interpor a língua entre os dentes66. Behlau M. Voz - O livro do especialista. 3ed. São Paulo: Revinter, 2013.,77. Barbosa P, Madureira S. Manual de fonética acústica experimental: aplicação a dados do português. São Paulo, Cortez, 2015.,2525. Meireles AR, Gambarini VP, Scherre MMP. Análise acústica e sociolinguística das vogais médias pretônicas faladas em Montanha - ES. Letras de Hoje. 2017;52(1):58-67..Dessa forma tal resultado confirma a necessidade de ajuste na posição da língua e mandíbula no GII concordando com a literatura referente à caracterização funcional da fala nesses casos99. Pereira JBA, Bianchini EMG. Caracterização das funções estomatognáticas e disfunções temporomandibulares pré e pós cirurgia ortognática e reabilitação fonoaudiológica da deformidade dentofacial classe II esquelética. Rev. CEFAC. 2011;13(6):1086-94.,1313. Leavy KM, Cisneros GJ, LeBlanc EM. Malocclusion and its relationship to speech sound production: Redefining the effect of malocclusal traits on sound production. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2016;150(1):116-23.,1717. Ahn J, Kim G, Kim YHb, Hong J. Acoustic analysis of vowel sounds before and after orthognathic surgery. J Craniomaxillofac Surg. 2015;43(1):11-6.,1919. Jesus LM, Araujo A, Costa IM. Speech production in two occlusal classes. Onomázein. 2014;29(12):129-51.,2323. Mezzomo CL, Machado PG, Pacheco AB, Gonçalves BFT, Hoffmann CF. As implicações da classe II de Angle e da desproporção esquelética tipo classe II no aspecto miofuncional. Rev. CEFAC. 2011;13(4):728-34..

As análises do formante F1 mostram tendência à diferença significante para a sílaba [va] que aparece mais elevado no GIII em relação ao GC. Na sílaba [xa] a tendência à significância ocorre para os dois grupos (GII e GIII), sendo que o F1 aparece com frequência mais baixa em relação ao GC. Nos indivíduos com classe III esquelética, na qual a mandíbula se encontra anteriorizada em relação à maxila, a articulação do [va] pode ficar comprometida pela inversão dos articuladores e fechamento da mandíbula. Nestes indivíduos a língua se encontra posicionada mais baixa anteriormente, o que pode justificar o valor de F1 nestes dois sons no G III11. Farias BUL, Bianchini EMG, Paiva JB, Rino Neto J. Muscular activity in class III dentofacial deformity. Cranio. 2013;31(3):181-9.,1010. Prado DGA, Sovinski SRP, Nary-Filho H, Brasolotto AG, Berretin-Félix G. Oral motor controland orofacial functions in individuals with dentofacial deformity. Audiol. Commun Res. 2015;20(1):76-83.,1313. Leavy KM, Cisneros GJ, LeBlanc EM. Malocclusion and its relationship to speech sound production: Redefining the effect of malocclusal traits on sound production. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2016;150(1):116-23..

Quanto às análises do formante F2, somente se constatou frequência mais baixa na sílaba [ja] para GII quando comparado à GC, indicando posteriorização da língua. Acredita-se que esta constatação ocorra devido ao menor espaço ântero-posterior na parte inferior11. Farias BUL, Bianchini EMG, Paiva JB, Rino Neto J. Muscular activity in class III dentofacial deformity. Cranio. 2013;31(3):181-9.,99. Pereira JBA, Bianchini EMG. Caracterização das funções estomatognáticas e disfunções temporomandibulares pré e pós cirurgia ortognática e reabilitação fonoaudiológica da deformidade dentofacial classe II esquelética. Rev. CEFAC. 2011;13(6):1086-94.,1313. Leavy KM, Cisneros GJ, LeBlanc EM. Malocclusion and its relationship to speech sound production: Redefining the effect of malocclusal traits on sound production. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2016;150(1):116-23.,1919. Jesus LM, Araujo A, Costa IM. Speech production in two occlusal classes. Onomázein. 2014;29(12):129-51.. Constatou-se ainda tendência à diferença para GIII comparado à GC para o mesmo som. Sugere-se que os indivíduos com DDF realizam ajustes articulatórios que buscam adaptar a configuração e tamanho do seu trato vocal para a produção de determinados sons, indo ao encontro com a literatura que aponta a produção articulatória desses sons mais posteriormente na cavidade oral11. Farias BUL, Bianchini EMG, Paiva JB, Rino Neto J. Muscular activity in class III dentofacial deformity. Cranio. 2013;31(3):181-9.,99. Pereira JBA, Bianchini EMG. Caracterização das funções estomatognáticas e disfunções temporomandibulares pré e pós cirurgia ortognática e reabilitação fonoaudiológica da deformidade dentofacial classe II esquelética. Rev. CEFAC. 2011;13(6):1086-94.

10. Prado DGA, Sovinski SRP, Nary-Filho H, Brasolotto AG, Berretin-Félix G. Oral motor controland orofacial functions in individuals with dentofacial deformity. Audiol. Commun Res. 2015;20(1):76-83.

11. Lima JAS, Luna AHB, Pessoa LSF, Alves GAS. Functional gains measured by MBGR and impact on quality of life in subject submitted to orthognathic surgery: case report. Rev. CEFAC. 2015;17(5):1722-30.
-1212. Trench JA, Araújo RPC. Dentofacial deformities: orofacial myofunctional ,characteristics. Rev. CEFAC. 2015;17(4):1202-14..

Um fato a ser pontuado quanto aos resultados do presente estudo refere-se ao desvio-padrão observado. Em especial na sílaba [ja] os desvios-padrão para os grupos com DDF foram maiores do que aqueles obtidos para o GC, sendo que a diferença significante referente à variável F2 aparece na comparação de GII com GC, mesmo com GII apresentando maior dispersão em torno da média.

Um ponto importante a ser comentado refere-se à limitação do presente estudo quanto ao número de sujeitos. No presente estudo o número de sujeitos apresenta-se reduzido pois buscou-se uniformizar a amostra, em especial dos sujeitos com DDF quanto à possíveis discrepâncias dos padrões verticais, buscando-se evitar viéses quanto à interferência dessa caracterização combinada às discrepâncias ósseas ântero-posteriores (Classe II e III esqueléticas).

De maneira geral, outro item importante como possível limitação do estudo refere-se ao alto desvio-padrão encontrado em algumas das análises, o que justificaria o predomínio de tendências à significância. Pode-se inferir que um maior número de sujeitos em estudos futuros, mantendo-se o rigor da seleção da amostra poderá trazer maior número de resultados significantes.

Conclusão

Esta pesquisa pode verificar as características da fala na produção dos sons fricativos em indivíduos com DDF por meio de análise acústica.

Para a deformidade dentofacial de Classe II esquelética constatou-se maior intensidade para o som fricativo /z/, valores maiores em F1 na sílaba [za] e valores menores em F2 na sílaba [ja].

Para a deformidade dentofacial de Classe III esquelética constatou-se maior duração do som fricativo /z/, maior intensidade nos sons /f/ /v/ e /ʃ/.

O presente estudo conclui que existe interferência nas características acústicas da fala, quanto aos sons fricativos, quando as bases ósseas não estão em harmonia. Os tipos de adaptações associados às deformidades dento-esqueléticas foram descritos contribuindo para melhor compreensão da produção de fala dos sons fricativos do português brasileiro nesses casos.

REFERENCES

  • 1
    Farias BUL, Bianchini EMG, Paiva JB, Rino Neto J. Muscular activity in class III dentofacial deformity. Cranio. 2013;31(3):181-9.
  • 2
    Barbarena LS, Keske-Soares M, Berti LC. Description of the articulatory gestures concerned in the production of the sounds /r/ and /l/. Audiol. Commun Res. 2014;19(4):338-44.
  • 3
    Bogon J, Eisenbarth H, Landgraf S, Dreisbach G. Shielding voices: the modulation of binding processes between voice features and response features by task representations. QJEP. 2017;70(9):1856-66.
  • 4
    Oliveira RC, Teixeira LC, Gama ACC, Medeiros AM. Análise perceptivo-auditiva, acústica e autopercepção vocal em crianças. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;3(2):158-63.
  • 5
    Mendes AP, Ferreira LJL, Castro E. Softwares e hardwares de análise acústica da voz e da fala. Distúrb. Comun. 2012;24(3):421-30.
  • 6
    Behlau M. Voz - O livro do especialista. 3ed. São Paulo: Revinter, 2013.
  • 7
    Barbosa P, Madureira S. Manual de fonética acústica experimental: aplicação a dados do português. São Paulo, Cortez, 2015.
  • 8
    Costa-Guarisco LP, Fraga FJ, Iório MCM. Fricative Phonemes Identification Index: proposal for frequency compression evaluation. Audiol. Commun Res. 2016;21:e1728.
  • 9
    Pereira JBA, Bianchini EMG. Caracterização das funções estomatognáticas e disfunções temporomandibulares pré e pós cirurgia ortognática e reabilitação fonoaudiológica da deformidade dentofacial classe II esquelética. Rev. CEFAC. 2011;13(6):1086-94.
  • 10
    Prado DGA, Sovinski SRP, Nary-Filho H, Brasolotto AG, Berretin-Félix G. Oral motor controland orofacial functions in individuals with dentofacial deformity. Audiol. Commun Res. 2015;20(1):76-83.
  • 11
    Lima JAS, Luna AHB, Pessoa LSF, Alves GAS. Functional gains measured by MBGR and impact on quality of life in subject submitted to orthognathic surgery: case report. Rev. CEFAC. 2015;17(5):1722-30.
  • 12
    Trench JA, Araújo RPC. Dentofacial deformities: orofacial myofunctional ,characteristics. Rev. CEFAC. 2015;17(4):1202-14.
  • 13
    Leavy KM, Cisneros GJ, LeBlanc EM. Malocclusion and its relationship to speech sound production: Redefining the effect of malocclusal traits on sound production. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2016;150(1):116-23.
  • 14
    Dantas JFC, Neto JNN, De Carvalho SHG, Martins IMCLD, De Souza RF, Sarmento VA. Satisfaction of skeletal class III patients treated with different types of orthognathic surgery. Int J of Oral Maxillofac. Surg. 2015;44(2):195-202.
  • 15
    Torres KV, Pessoa LS, Luna AHB, Alves GAS. Quality of life after orthognathic surgery: a case report. Rev. CEFAC. 2017;19(5):733-9.
  • 16
    Migliorucci RR, Sovinski SRP, Passos DCBOF, Bucci AC, Salgado MH, Nary Filho H et al. Orofacial functions and quality of life in oral health in subjects with dentofacial deformity. CoDAS. 2015;27(3):255-9.
  • 17
    Ahn J, Kim G, Kim YHb, Hong J. Acoustic analysis of vowel sounds before and after orthognathic surgery. J Craniomaxillofac Surg. 2015;43(1):11-6.
  • 18
    Martinelli RLC, Fornaro EF, Oliveira CJM, Ferreira LMB, Rehder MIBC. Correlações entre alterações de fala, respiração oral, dentição e oclusão. Rev. CEFAC. 2011;13(1):17-26.
  • 19
    Jesus LM, Araujo A, Costa IM. Speech production in two occlusal classes. Onomázein. 2014;29(12):129-51.
  • 20
    Bassi A, Seara IC. A produção das fricativas alveolar, ápico-alveolar e palato-alveolar em de coda silábica no PB e no PE. Letras de Hoje. 2017;52(1):77-86.
  • 21
    Silva TC. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 10 ed. São Paulo, Contexto, 2010.
  • 22
    Lee ASY, Whitehill TL, Ciocca V, Samman N. Acoustic and perceptual analysis of the sibilant sound /s/ before and after orthognathic surgery. J Oral Maxillofac. Surg. 2002;60(4):364-72.
  • 23
    Mezzomo CL, Machado PG, Pacheco AB, Gonçalves BFT, Hoffmann CF. As implicações da classe II de Angle e da desproporção esquelética tipo classe II no aspecto miofuncional. Rev. CEFAC. 2011;13(4):728-34.
  • 24
    Gallerano G, Ruoppolo G, Silvestri A. Myofunctional and speech rehabilitation after orthodontic-surgical treatment of dento-maxillofacial dysgnathia. Prog. Orthod. 2011;13(1):57-68.
  • 25
    Meireles AR, Gambarini VP, Scherre MMP. Análise acústica e sociolinguística das vogais médias pretônicas faladas em Montanha - ES. Letras de Hoje. 2017;52(1):58-67.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    19 Jan 2019
  • Aceito
    14 Ago 2019
ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistacefac@cefac.br