Acessibilidade / Reportar erro

Dificuldade de deglutição de medicamentos em pessoas sem disfagia

RESUMO

Objetivo:

analisar dificuldade de deglutição de medicamentos e a relacionar com idade e gênero de adultos e idosos saudáveis.

Métodos:

por meio do instrumento EAT-10, traduzido para o português, foram avaliados, quanto à ocorrência de disfagia,439 voluntários (270 mulheres e 169 homens) com idades entre 20 e 84 anos sem doenças, sem sintomas, e que não ingeriam medicamentos regularmente. A questão de número cinco do EAT-10, especificamente, questionou sobre a dificuldade de deglutição de medicamentos, considerando zero como ausência de dificuldade e 1 a 4 como algum grau de dificuldade (4 como dificuldade intensa). Para análise estatística foi utilizado o teste qui-quadrado (x(2)).

Resultados:

trezentos e sessenta e cinco (83%) voluntários referiram não apresentar dificuldades para ingerir medicamentos (89% dos homens e 80% das mulheres),e 74 (17%) relataram algum grau de dificuldade,11% dos homens e 20% das mulheres (p=0,01), 20% daqueles com idades entre 20 e 49 anos e 9% daqueles com idades iguais ou acima de 50 anos (p=0,02).

Conclusão:

neste trabalho foi observado que idade e gênero têm influência na dificuldade de deglutição de medicamentos, a qual é mais freqüente em mulheres e nos adultos jovens. Algum grau de dificuldade foi referido por 17% dos voluntários.

Descritores:
Deglutição; Transtornos de Deglutição; Administração Oral; Envelhecimento

ABSTRACT

Objective:

to assess the difficulty in swallowing medications and correlate it with age and gender in healthy adults and elderly.

Methods:

a total of 439 asymptomatic healthy volunteers (270 females and 169 males), who were not taking any medication on a regular basis, aged from 20 to 84 years, were questioned as for dysphagia, by using the Eating Assessment Tool (EAT-10). Question number five of the EAT-10, specifically, approached the difficulty in swallowing drugs, considering zero as “no swallowing problem” and 1 to 4 as “some degree of difficulty” (4 as great difficulty).The chi-square test (x2) was used for the statistical analysis.

Results:

a total of 365 (83%) volunteers reported having no difficulty in swallowing medications (89% of men and 80% of women), whereas 74 (17%) reported some degree of difficulty (11% of men and 20% of women)(p = 0.01). These represented 20% of those aged between 20 and 49, and 9% of those aged 50 and over (p = 0.02).

Conclusion:

in this study, it was observed that both age and gender influence on medication swallowing, a difficulty more frequent among women and young adults. Some degree of difficulty was reported by 17% of the volunteers.

Keywords:
Swallowing; Swallowing Disorders; Oral Administration; Aging

Introdução

A deglutição é um processo complexo e dinâmico, no qual estão envolvidos músculos da respiração e do trato gastrointestinal, coordenados pelo córtex, tronco e nervos cerebrais11. Shaw SM, Martino R. The normal swallow. Muscular and neurophysiological control. OtolaringolClin N Am. 2013;46(6):937-56.,22. Lang IM. Brain stem control of the phases of swallowing. Dysphagia. 2009;24(3):333-48..Alguns fatores, além de doenças, podem modificar o processo da deglutição, tais como volume e consistência do bolo alimentar33. Dantas RO, Kern MK, Massey BT, Dodds WJ, Kahrilas PJ, Brasseur JG et al. Effect of swallowed bolus variables on oral and pharyngeal phases of swallowing. Am J Physiol. 1990;258(5):G675-81.,44. Nascimento WV, Cassiani RA, Santos CM, Dantas RO. Effect of bolus volume and consistency on swallowing events duration in healthy subjects. J Neurogastroenterol Motil. 2015;21(1):78-82., além de gênero55. Dantas RO, Cassiani RA, Santos CM, Gonzaga GC, Alves LMT, Mazin SC. Effect of gender on swallow event duration assessed by videofluoroscopy. Dysphagia. 2009;24(3):280-4.

6. Pearlman AL, Schultz PG, Van Daele DJ. Effect of age, gender, bolus volume, and bolus viscosity on oropharyngeal pressure during swallowing. J Appl Physiol. 1993;75(1):33-7.
-77. Alves LMT, Cassiani RA, Santos CM, Dantas RO. Gender effect on the clinical measurement of swallowing. ArqGastroenterol. 2007;44(3):227-9.e idade do indivíduo88. Clavé P, Shaker R. Dysphagia: current reality and scope of the problem. Nat Rev GastroenterolHepatol. 2015;12(5):259-70.,99. Namasivayam-McDonald AM, Barbon CEA, Steele CM. A review of swallow timing in the elderly. PhysiolBehav. 2018;184:12-26..

A população idosa apresenta risco para alterações na dinâmica da deglutição, devido às alterações estruturais e funcionais próprias do processo de envelhecimento88. Clavé P, Shaker R. Dysphagia: current reality and scope of the problem. Nat Rev GastroenterolHepatol. 2015;12(5):259-70.,1010. Cook IJ. Oropharyngeal dysphagia. GastroenterolClin North Am. 2009;38(3):411-31.,1111. Humbert IA, Robbins J. Dysphagia in the elderly. Phys Med ReabilClin North Am. 2008;19(4):853-66., e maior prevalência de doenças que causam disfagia, como acidente vascular cerebral, doença de Parkinson e doença de Alzheimer88. Clavé P, Shaker R. Dysphagia: current reality and scope of the problem. Nat Rev GastroenterolHepatol. 2015;12(5):259-70.,1010. Cook IJ. Oropharyngeal dysphagia. GastroenterolClin North Am. 2009;38(3):411-31..

Apesar dos diversos estudos que relatam as dificuldades de deglutição de alimentos, não foram encontrados estudos realizados no Brasil com dados sobre as dificuldades para a deglutição de medicamentos. Em um estudo realizado na Alemanha 37,4% dos participantes relataram já ter tido problemas, em algum momento, com a ingestão de comprimidos, cápsulas ou drágeas, sendo que 24,2% informaram que tal dificuldade ocorria frequentemente, e em 70,4% desses casos a dificuldade não foi detectada pelo médico assistente1212. Schiele JT, Quinzler R, Klimm H, Pruszydlo MG, Haefeli WE. Difficulties swallowing solid oral dosage forms in a general practice population: prevalence, causes, andrelationship todosageforms. Eur J ClinPharmacol. 2013;69(4):937-48.. Resultado similar foi encontrado em estudo realizado nos Estados Unidos, no qual metade da população fazia, regularmente, esforço ao deglutir comprimidos1313. Fields J, Go JT, Schulze KS. Pill properties that cause dysphagia and treatment failure. CurrTher Res Clin Exp.2015;77:79-82..

Os medicamentos são frequentemente modificados, macerados, partidos ou abertos (cápsulas) para auxiliar a administração. Tais alterações, quando não ocorrem sob orientação médica e/ou farmacêutica, podem limitar a eficácia do medicamento e causar danos à saúde1313. Fields J, Go JT, Schulze KS. Pill properties that cause dysphagia and treatment failure. CurrTher Res Clin Exp.2015;77:79-82.,1414. Oad MA, Miles A, Lee A, Lambie A. Medicine administration in people with Parkinson's disease in New Zealand: aninterprofessional, stakeholder-driven online survey. Dysphagia. 2019;34(1):119-28..

A aceitabilidade de medicamentos sólidos orais está relacionada à suas características físicas1515. Liu F, Ghaffur A, Bains J, Hamdy S. Acceptabilityof oral solid medicines in olderadultswithand without dysphagia: a nested pilot validation questionnaire based observational study. Int J Pharm. 2016;512(2):374-81.. As razões apontadas para a dificuldade de ingerir estes medicamentos estão relacionadas ao tamanho (74,6%), à superfície (70,5%), à forma (43,5%) e ao sabor (22,1%) dos comprimidos e cápsulas1616. Schiele JT, Penner H, Schneider H, Quinzler R, Reich G, Wezler N et al. Swallowing tablets and capsules increases the risk of penetration and aspiration in patients with stroke-induced dysphagia. Dysphagia. 2015;30(5):571-82..

Pesquisas sobre a deglutição de comprimidos, cápsulas e drágeas são primordiais, tanto para a população idosa quanto para a população mais jovem, que muitas vezes também são alvos dessa dificuldade.

O Eating Assessment Tool (EAT-10) é um instrumento de auto-avaliação com 10 questões sobre funcionalidade, impacto emocional e sintomas físicos relacionados à dificuldade de deglutição1717. Belafsky PC, Mouadeb DA, Rees CJ, Pryor JC, Postma GN, Allen J et al. Validity and reliability of the Eating Assessment Tool (EAT-10). Ann Otol Rhinol Laryngol. 2008;117(12):919-24., e auxilia na identificação do risco e de sintomas de disfagia para alimentos ou medicamentos1818. Gonçalves MIR, Remaili CB, Behlau M. Cross cultural adaptation of Brazilian version of the Eating Assessment Tool - EAT-10. CoDAS. 2013;25(6):601-4..

O objetivo deste estudo foi avaliar o grau de dificuldade de deglutição de medicamentos e relacioná-lo com a idade e gênero de adultos jovens e idosos sem diagnóstico de disfagia e sem doenças que pudessem causar disfagia, utilizando o EAT-10. A hipótese é que, na população incluída na investigação, tanto a idade como o gênero possam ter influência sobre a frequência de disfagia para medicamentos.

Métodos

Este foi um estudo observacional realizado em cinco cidades do Estado de São Paulo entre 2015 e 2017, com os resultados centralizados e coordenados no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP. A investigação recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, processo 9635/2013. Os voluntários foram esclarecidos quanto aos objetivos e método da pesquisa, e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Foram avaliados 439 voluntários, sendo 270 mulheres (61.5%) e 169 homens (38.5%), com idades entre 20 e 84 anos (média 40 anos), todos sem doenças ou sintomas e que não ingeriam medicamentos regularmente. Foram excluídas pessoas com doenças agudas ou crônicas e que ingeriam medicamentos regularmente. Trezentos e quinze voluntários (72%) tinham idades entre 20 e 49 anos, 99 (22%) tinham idades entre 50 e 69 anos e 25 (6%) tinham idades entre 70 e 84 anos. As pessoas entrevistadas não eram pacientes de hospitais ou clínicas, e foram avaliadas em locais públicos, locais de trabalho ou de lazer, realizavam suas tarefas diárias de maneira independente, viviam fora do ambiente hospitalar, sem restrição de atividade física e sem restrição quanto à ingestão de qualquer consistência alimentar.

O instrumento EAT-10 foi aplicado a todos os voluntários, que foram orientados a responderem todas as questões. As questões do questionário EAT-101717. Belafsky PC, Mouadeb DA, Rees CJ, Pryor JC, Postma GN, Allen J et al. Validity and reliability of the Eating Assessment Tool (EAT-10). Ann Otol Rhinol Laryngol. 2008;117(12):919-24. foram traduzidas do original e validadas1818. Gonçalves MIR, Remaili CB, Behlau M. Cross cultural adaptation of Brazilian version of the Eating Assessment Tool - EAT-10. CoDAS. 2013;25(6):601-4.: 1) Meu problema para engolir me faz perder peso (My swallowing problem has caused me to loose weight); 2) Meu problema para engolir não me deixa comer fora (Myswallowingproblem interferes withmyabilityto go out for meals); 3) Preciso fazer força para beber liquidos(Swallowingliquidstakes extra effort); 4) Preciso fazer força para engolir comida sólida (Swallowingsolidstakes extra effort); 5) Preciso fazer força para engolir remédios (Swallowingpillstakes extra effort); 6) Dói para engolir (Swallowingispainful); 7) Meu problema para engolir me tira o prazer de comer (The pleasureofeatingisaffectedbymyswallowing); 8) Fico com comida presa/entalada na garganta (When I swallowfoodsticks in mythroat); 9) Eu tusso quando como (I coughwhen I eat); 10) Engolir me deixa estressado (Swallowingisstressful).O teste tem boa sensibilidade e especificidade para detectar disfagia1919. Rofes L, Arreola V, Mukherjee R, Clave P. Sensitivity and specificity of the eating assessment tool and the volume-viscosity swallow test for clinical evaluation of oropharyngeal dysphagia. NeurogastroenterolMotil. 2014;26(9):1256-65., e tem sido utilizado em várias línguas.

A questão de número cinco questiona especificamente sobre a dificuldade de deglutição de medicamentos. Os sujeitos foram orientados a responderem de acordo com dificuldades vivenciadas e assinalar a assertiva que melhor definiria sua dificuldade, em uma escala de zero (não é um problema) a quatro (é um problema muito grave). As questões, quando preciso, foram esclarecidas aos voluntários, que marcavam a sua resposta no questionário ou respondiam após leitura pela(o) pesquisadora(o).

Foram consideradas dificuldade para deglutir medicamentos as respostas de 1 a 4. Para análise estatística foi utilizado o teste qui quadrado (x22. Lang IM. Brain stem control of the phases of swallowing. Dysphagia. 2009;24(3):333-48.), para correlacionar o grau de dificuldade com gênero e idade dos sujeitos da pesquisa.

Resultados

Para a questão referente à dificuldade em ingerir medicamentos,365 (83%) responderam 0, e 74 (17%) relataram algum grau de dificuldade (respostas de 1 a 4).

Entre os que relataram algum grau de dificuldade 55 (20%) eram mulheres e 19 (11%) homens (p=0,01), e 63 (20%) tinham idades entre 20 e 49 anos e 11 (9%) tinham idades iguais ou acima de 50 anos (p=0,02). Ainda,45 (61%) indicaram a opção1, 15 (20%) indicaram a opção 2, 12 (16%) indicaram a opção 3 e 2 (3%), indicaram a opção 4. A opção zero (sem dificuldade) foi indicada por 80% das mulheres e 89% dos homens, 80% daqueles com idades entre 20 e 49 anos, 90% daqueles com idades entre 50 e 69 anos, e por 96% dos indivíduos com idades entre 70 e 84 anos.

Figura 1:
Resultados das respostas à questão cinco (dificuldade para ingerir medicamento) do instrumento Eating Assessment Tool (EAT-10) em percentagem de homens e mulheres

Não houve diferença estatística (p= 0,12) na frequência de dificuldade de deglutição nos graus 1 a 4 entre homens e mulheres, ou entre as faixas etárias (p= 0,12). Porém, ao considerar as respostas zero (sem dificuldade) e 1 a 4 (com dificuldade) houve diferença significante tanto quanto ao gênero, dificuldade mais frequente entre as mulheres (p=0,01) (Figura 1), quanto para o fator idade, dificuldade mais frequente naqueles com idades entre 20 e 49 anos (p=0,02) (Figura 2).

Figura 2:
Resultados das respostas à questão cinco (dificuldade para ingerir medicamento) do instrumento Eating Assessment Tool (EAT-10) em percentagem de indivíduos segundo a idade

Analisando o escore total do instrumento, 400 sujeitos apresentaram escore <3, valor considerado como ausência de disfagia, e 39 apresentaram escore ≥ 3, valor indicativo da possibilidade de disfagia, segundo apercepção dos participantes. Dentre os que apresentaram escore do EAT-10 compatível com disfagia, 28 (72%) relataram algum grau de dificuldade de deglutição de medicamentos, 7 (18%) relataram grau 1, 7 (18%) grau 2, 12 (31%) grau 3 e 2 (5%) grau 4. Onze (28%) tiveram escore indicativo de dificuldade de deglutição (≥3), porém sem comprometimento para deglutição de medicamentos (escore zero na questão 5).

Discussão

A deglutição de medicamentos sólidos necessita de controle neuromotor que permita a organização e coordenação entre o medicamento e o alimento líquido ou sólido que facilita a deglutição2020. Uchimura EMT, Barcelos IHK, Paiva DB, Mourão LF, Crespo AN. Evaluation of the location of capsules swallowed with food during the pharyngeal phase triggering in asymptomatic adults. CoDAS. 2014;26(6):476-80..

Neste estudo 17% dos sujeitos considerados saudáveis relataram algum grau de dificuldade para a deglutição de medicamentos, resultados semelhantes aos estudos conduzidos em outros países (Tabela 1),16,5% em estudo realizado na Austrália2121. Lau TLL, Steadman KJ, Mak M, Cichero JAY, Nissen LM. Prevalence of swallowing difficulties and medication modification in customers of community pharmacists. J PharmPract Res. 2015;45(1):18-23., 14,8 % na Bélgica2222. Mehuys E, Dupond L, Petrovic M, Christiaens T, Van Bortel L, Adriaens E et al. Medication management among home-dwelling older patients with chronic diseases: possible roles for community pharmacists. J Nutr Health Aging. 2012;16(8):721-6., 14,0% na Nova Zelândia2323. Tordoff JM, Bagge ML, Gray AR, Campbell AJ, Norris PT. Medicine-takingpractices in community-dwelling people aged = 75 years in New Zealand. Age Ageing. 2010;39(5):574-80., 10,4% na Jordânia2424. Tahaineh L, Wazaify M. Difficulties in swallowing oral medications in Jordan. Int J ClinPharm. 2017;39(2):373-9. e 7,8% na Inglaterra2020. Uchimura EMT, Barcelos IHK, Paiva DB, Mourão LF, Crespo AN. Evaluation of the location of capsules swallowed with food during the pharyngeal phase triggering in asymptomatic adults. CoDAS. 2014;26(6):476-80.. Marquis et al.2525. Marquis J, Schneider M, Payot V, Cordonier A, Bugnon O, Hersberger KE et al. Swallowing difficulties with oral drugs among polypharmacy patients attending community pharmacies. Int J ClinPharm. 2013;35(6):1130-6., em estudo conduzido na Suiça descreveram que 9% dos participantes relataram dificuldade contínua na deglutição de medicamento, e 13,4% relataram tal dificuldade em algum momento durante sua vida. Em pesquisa realizada nos Estados Unidos, 40 % dos sujeitos adultos relataram o desconforto2626. Llorca PM. Discussion of prevalence and management of discomfort when swallowing pills: orodispersible tablets expand treatment options in patients with depression. TherDeliv. 2011;2(5):611-22.. Diferenças nos resultados podems ser relacionadas a diferenças entre populações e metodologias utilizadas. Um trabalho avaliou pacientes com doença de Parkinson1414. Oad MA, Miles A, Lee A, Lambie A. Medicine administration in people with Parkinson's disease in New Zealand: aninterprofessional, stakeholder-driven online survey. Dysphagia. 2019;34(1):119-28., cinco trabalhos avaliaram pessoas que iam à farmácia para obter ou comprar medicamentos1515. Liu F, Ghaffur A, Bains J, Hamdy S. Acceptabilityof oral solid medicines in olderadultswithand without dysphagia: a nested pilot validation questionnaire based observational study. Int J Pharm. 2016;512(2):374-81.,2121. Lau TLL, Steadman KJ, Mak M, Cichero JAY, Nissen LM. Prevalence of swallowing difficulties and medication modification in customers of community pharmacists. J PharmPract Res. 2015;45(1):18-23.,2222. Mehuys E, Dupond L, Petrovic M, Christiaens T, Van Bortel L, Adriaens E et al. Medication management among home-dwelling older patients with chronic diseases: possible roles for community pharmacists. J Nutr Health Aging. 2012;16(8):721-6.,2424. Tahaineh L, Wazaify M. Difficulties in swallowing oral medications in Jordan. Int J ClinPharm. 2017;39(2):373-9.,2525. Marquis J, Schneider M, Payot V, Cordonier A, Bugnon O, Hersberger KE et al. Swallowing difficulties with oral drugs among polypharmacy patients attending community pharmacies. Int J ClinPharm. 2013;35(6):1130-6.,um estudo incluiu pacientes em atendimento primário1414. Oad MA, Miles A, Lee A, Lambie A. Medicine administration in people with Parkinson's disease in New Zealand: aninterprofessional, stakeholder-driven online survey. Dysphagia. 2019;34(1):119-28.,outro incluiu pessoas em salas de espera aguardando atendimento médico1313. Fields J, Go JT, Schulze KS. Pill properties that cause dysphagia and treatment failure. CurrTher Res Clin Exp.2015;77:79-82., e em um estudo populacional a amostra foi composta por sorteio a partir de uma lista de eleitores2323. Tordoff JM, Bagge ML, Gray AR, Campbell AJ, Norris PT. Medicine-takingpractices in community-dwelling people aged = 75 years in New Zealand. Age Ageing. 2010;39(5):574-80.. Ainda, as avaliações foram feitas por questionários preparados por cada grupo de pesquisa. Os resultados encontrados nesta investigação sugerem que a dificuldade de ingestão de medicamentos na população estudada é mais alta que a observada em outras populações, talvez como consequência de diferentes instrumentos utilizados na avaliação, ou a diferença de sensibilidade em diferentes populações.

Tabela 1:
Trabalhos sobre dificuldade na deglutição de medicamentos

Neste estudo, ao comparar a graduação de dificuldade de deglutição entre homens e mulheres, não houve diferença significante. Porém, ao comparar a ausência e a presença de dificuldade, independentemente do grau mencionado pelo sujeito, houve diferença significante, demonstrando que mais mulheres tiveram dificuldades. Descrição similar foi encontrada no estudo de Llorca publicado em 20112626. Llorca PM. Discussion of prevalence and management of discomfort when swallowing pills: orodispersible tablets expand treatment options in patients with depression. TherDeliv. 2011;2(5):611-22., no qual duas vezes mais mulheres informaram desconforto em ingerir comprimidos em comparação aos homens. Nos estudos realizados na Alemanha1212. Schiele JT, Quinzler R, Klimm H, Pruszydlo MG, Haefeli WE. Difficulties swallowing solid oral dosage forms in a general practice population: prevalence, causes, andrelationship todosageforms. Eur J ClinPharmacol. 2013;69(4):937-48. e Noruega2727. Andersen O, Zweidorff OK, Hjelde T, Rodland EA. Problems when swallowing tablets. A questionnaire study from general practice. Tidsskr Nor Laegeforen. 1995;115(8):947-9. a dificuldade também foi mais frequente em mulheres e nos mais jovens. Uma possível explicação para esses resultados seria a diferença de sensibilidade relacionada ao gênero e ao envelhecimento. Trabalhos avaliando a sensibilidade em outras situações demonstraram efeitos do gênero e da idade2828. Bassett JF. Disgust sensitivity accounts for some but not all gender differences in death attitudes. Omega (Westport). 2017;75(1):26-46.,2929. Chen Z, Han J, Waddington G, Adams R, Witchalls J. Somatosensory perception sensitivity in voluntary postural sway movements: age, gender and sway effects magnitudes. Exp Gerontol. 2019;122(1):53-9., sendo ela mais intensa nas mulheres e nos mais jovens. O esclarecimento dessa hipótese em relação à disfagia requer estudos mais específicos.

Dificuldade na deglutição torna-se mais comum com o aumento da idade88. Clavé P, Shaker R. Dysphagia: current reality and scope of the problem. Nat Rev GastroenterolHepatol. 2015;12(5):259-70.,1111. Humbert IA, Robbins J. Dysphagia in the elderly. Phys Med ReabilClin North Am. 2008;19(4):853-66. e, por isso, esperava-se que a dificuldade em ingerir medicação também fosse mais frequente nos indivíduos com idades mais avançadas. No entanto, 14% daqueles com idades entre 50 e 69 anos, e 20% daqueles com idades entre 20 e 49 anos relataram algum grau de dificuldade de deglutição de medicamentos, similar ao descrito em outros estudos1616. Schiele JT, Penner H, Schneider H, Quinzler R, Reich G, Wezler N et al. Swallowing tablets and capsules increases the risk of penetration and aspiration in patients with stroke-induced dysphagia. Dysphagia. 2015;30(5):571-82.,2626. Llorca PM. Discussion of prevalence and management of discomfort when swallowing pills: orodispersible tablets expand treatment options in patients with depression. TherDeliv. 2011;2(5):611-22..Em uma investigação realizada na Dinamarca, com adolescentes, foi descrito que a incapacidade de deglutir medicamentos estava relacionada ao sabor e ao tamanho do medicamento, levando-os a esmagá-lo, dividi-lo, ou tomá-lo com alimentos3030. Hansen DL, Tulinius D, Hansen EH. Adolescents' struggles with swallowing tablets: barriers, strategiesand learning. Pharm World Sci. 2008;30(1):65-9..Tais adaptações são comumente feitas pelos pacientes e cuidadores, a fim de facilitar o processo de deglutição2121. Lau TLL, Steadman KJ, Mak M, Cichero JAY, Nissen LM. Prevalence of swallowing difficulties and medication modification in customers of community pharmacists. J PharmPract Res. 2015;45(1):18-23.,2222. Mehuys E, Dupond L, Petrovic M, Christiaens T, Van Bortel L, Adriaens E et al. Medication management among home-dwelling older patients with chronic diseases: possible roles for community pharmacists. J Nutr Health Aging. 2012;16(8):721-6.,2424. Tahaineh L, Wazaify M. Difficulties in swallowing oral medications in Jordan. Int J ClinPharm. 2017;39(2):373-9.,3030. Hansen DL, Tulinius D, Hansen EH. Adolescents' struggles with swallowing tablets: barriers, strategiesand learning. Pharm World Sci. 2008;30(1):65-9..

Com o processo do envelhecimento ocorrem as alterações fisiológicas que podem trazer impactos no processo de deglutição, porém acredita-se que o processo de deglutição de medicamentos é aprimorado pela experiência repetida e, portanto pela aprendizagem do ato2626. Llorca PM. Discussion of prevalence and management of discomfort when swallowing pills: orodispersible tablets expand treatment options in patients with depression. TherDeliv. 2011;2(5):611-22.,3030. Hansen DL, Tulinius D, Hansen EH. Adolescents' struggles with swallowing tablets: barriers, strategiesand learning. Pharm World Sci. 2008;30(1):65-9.,3131. Lau TLL, Steadman KJ, Cichero JAY, Nissen LM. Dosage form modification and oral drug delivery in older people. Adv Drug Deliv Rev. 2018;135:75-84.. Estudo realizado na Noruega, abrangendo todas as faixas etárias, mostrou que as dificuldades dos pacientes em engolir comprimidos diminuem acentuadamente com a idade2727. Andersen O, Zweidorff OK, Hjelde T, Rodland EA. Problems when swallowing tablets. A questionnaire study from general practice. Tidsskr Nor Laegeforen. 1995;115(8):947-9..

Dos pacientes que relataram dificuldade de deglutição de medicamentos, 72% apresentaram sintomas compatíveis com o diagnóstico de disfagia, segundo o EAT-10. Esses sujeitos são mais propensos a ter dificuldades em engolir medicamentos sólidos e relataram maior grau de dificuldade em comparação com aqueles sem disfagia. Há descrição de resultados semelhantes, no qual 34,6% dos pacientes relataram dificuldades em engolir alimentos sólidos e líquidos, e uma proporção semelhante (36,5%) descreveu dificuldades em engolir medicamentos sólidos, mesmo quando ingeridos com alimentos com a consistência de pudim ou líquidos1212. Schiele JT, Quinzler R, Klimm H, Pruszydlo MG, Haefeli WE. Difficulties swallowing solid oral dosage forms in a general practice population: prevalence, causes, andrelationship todosageforms. Eur J ClinPharmacol. 2013;69(4):937-48..

Vale lembrar que a maioria dos pacientes que relatam dificuldade de ingerir medicamentos não tem queixa espontânea de disfagia. Sendo assim, não é possível correlacionar com segurança estes dois processos. Tal fato enfatiza a importância de identificar esses sujeitos sintomáticos, bem como conscientizar os pacientes, cuidadores e familiares quanto aos cuidados e manejos de como tomar ou ofertar os remédios1414. Oad MA, Miles A, Lee A, Lambie A. Medicine administration in people with Parkinson's disease in New Zealand: aninterprofessional, stakeholder-driven online survey. Dysphagia. 2019;34(1):119-28.,3131. Lau TLL, Steadman KJ, Cichero JAY, Nissen LM. Dosage form modification and oral drug delivery in older people. Adv Drug Deliv Rev. 2018;135:75-84.. A limitação desta investigação é o número de voluntários com idades acima de 70 anos. Nesta faixa etária é mais difícil encontrar pessoas totalmente assintomáticas e que não utilizem nenhum medicamento. No entanto é possível considerar que pessoas aparentemente saudáveis nesta fase da vida têm menos dificuldades para ingerir medicamentos em comparação aos mais jovens. Também é importante considerar que 72% daqueles com EAT-10 ≥ 3 tinham algum grau de dificuldade em ingerir medicamentos. Este dado sugere que indivíduos que referirem dificuldade na ingestão de remédios devem ser avaliados pelo EAT-10, uma avaliação da possibilidade de disfagia que é simples, rápida, não invasiva e de baixo custo.

A limitação desta investigação é a inclusão na amostra de maior número de mulheres (61,5%) do que de homens (38,5%), o que pode ter tido influência nos resultados.

Conclusão

Algum grau de dificuldade de deglutição de medicamentos foi referido por 17% da população estudada (pessoas sem doenças e sem queixa espontânea de disfagia), com maior frequência entre mulheres que em homens, e entre os mais jovens que nos mais idosos.

REFERENCES

  • 1
    Shaw SM, Martino R. The normal swallow. Muscular and neurophysiological control. OtolaringolClin N Am. 2013;46(6):937-56.
  • 2
    Lang IM. Brain stem control of the phases of swallowing. Dysphagia. 2009;24(3):333-48.
  • 3
    Dantas RO, Kern MK, Massey BT, Dodds WJ, Kahrilas PJ, Brasseur JG et al. Effect of swallowed bolus variables on oral and pharyngeal phases of swallowing. Am J Physiol. 1990;258(5):G675-81.
  • 4
    Nascimento WV, Cassiani RA, Santos CM, Dantas RO. Effect of bolus volume and consistency on swallowing events duration in healthy subjects. J Neurogastroenterol Motil. 2015;21(1):78-82.
  • 5
    Dantas RO, Cassiani RA, Santos CM, Gonzaga GC, Alves LMT, Mazin SC. Effect of gender on swallow event duration assessed by videofluoroscopy. Dysphagia. 2009;24(3):280-4.
  • 6
    Pearlman AL, Schultz PG, Van Daele DJ. Effect of age, gender, bolus volume, and bolus viscosity on oropharyngeal pressure during swallowing. J Appl Physiol. 1993;75(1):33-7.
  • 7
    Alves LMT, Cassiani RA, Santos CM, Dantas RO. Gender effect on the clinical measurement of swallowing. ArqGastroenterol. 2007;44(3):227-9.
  • 8
    Clavé P, Shaker R. Dysphagia: current reality and scope of the problem. Nat Rev GastroenterolHepatol. 2015;12(5):259-70.
  • 9
    Namasivayam-McDonald AM, Barbon CEA, Steele CM. A review of swallow timing in the elderly. PhysiolBehav. 2018;184:12-26.
  • 10
    Cook IJ. Oropharyngeal dysphagia. GastroenterolClin North Am. 2009;38(3):411-31.
  • 11
    Humbert IA, Robbins J. Dysphagia in the elderly. Phys Med ReabilClin North Am. 2008;19(4):853-66.
  • 12
    Schiele JT, Quinzler R, Klimm H, Pruszydlo MG, Haefeli WE. Difficulties swallowing solid oral dosage forms in a general practice population: prevalence, causes, andrelationship todosageforms. Eur J ClinPharmacol. 2013;69(4):937-48.
  • 13
    Fields J, Go JT, Schulze KS. Pill properties that cause dysphagia and treatment failure. CurrTher Res Clin Exp.2015;77:79-82.
  • 14
    Oad MA, Miles A, Lee A, Lambie A. Medicine administration in people with Parkinson's disease in New Zealand: aninterprofessional, stakeholder-driven online survey. Dysphagia. 2019;34(1):119-28.
  • 15
    Liu F, Ghaffur A, Bains J, Hamdy S. Acceptabilityof oral solid medicines in olderadultswithand without dysphagia: a nested pilot validation questionnaire based observational study. Int J Pharm. 2016;512(2):374-81.
  • 16
    Schiele JT, Penner H, Schneider H, Quinzler R, Reich G, Wezler N et al. Swallowing tablets and capsules increases the risk of penetration and aspiration in patients with stroke-induced dysphagia. Dysphagia. 2015;30(5):571-82.
  • 17
    Belafsky PC, Mouadeb DA, Rees CJ, Pryor JC, Postma GN, Allen J et al. Validity and reliability of the Eating Assessment Tool (EAT-10). Ann Otol Rhinol Laryngol. 2008;117(12):919-24.
  • 18
    Gonçalves MIR, Remaili CB, Behlau M. Cross cultural adaptation of Brazilian version of the Eating Assessment Tool - EAT-10. CoDAS. 2013;25(6):601-4.
  • 19
    Rofes L, Arreola V, Mukherjee R, Clave P. Sensitivity and specificity of the eating assessment tool and the volume-viscosity swallow test for clinical evaluation of oropharyngeal dysphagia. NeurogastroenterolMotil. 2014;26(9):1256-65.
  • 20
    Uchimura EMT, Barcelos IHK, Paiva DB, Mourão LF, Crespo AN. Evaluation of the location of capsules swallowed with food during the pharyngeal phase triggering in asymptomatic adults. CoDAS. 2014;26(6):476-80.
  • 21
    Lau TLL, Steadman KJ, Mak M, Cichero JAY, Nissen LM. Prevalence of swallowing difficulties and medication modification in customers of community pharmacists. J PharmPract Res. 2015;45(1):18-23.
  • 22
    Mehuys E, Dupond L, Petrovic M, Christiaens T, Van Bortel L, Adriaens E et al. Medication management among home-dwelling older patients with chronic diseases: possible roles for community pharmacists. J Nutr Health Aging. 2012;16(8):721-6.
  • 23
    Tordoff JM, Bagge ML, Gray AR, Campbell AJ, Norris PT. Medicine-takingpractices in community-dwelling people aged = 75 years in New Zealand. Age Ageing. 2010;39(5):574-80.
  • 24
    Tahaineh L, Wazaify M. Difficulties in swallowing oral medications in Jordan. Int J ClinPharm. 2017;39(2):373-9.
  • 25
    Marquis J, Schneider M, Payot V, Cordonier A, Bugnon O, Hersberger KE et al. Swallowing difficulties with oral drugs among polypharmacy patients attending community pharmacies. Int J ClinPharm. 2013;35(6):1130-6.
  • 26
    Llorca PM. Discussion of prevalence and management of discomfort when swallowing pills: orodispersible tablets expand treatment options in patients with depression. TherDeliv. 2011;2(5):611-22.
  • 27
    Andersen O, Zweidorff OK, Hjelde T, Rodland EA. Problems when swallowing tablets. A questionnaire study from general practice. Tidsskr Nor Laegeforen. 1995;115(8):947-9.
  • 28
    Bassett JF. Disgust sensitivity accounts for some but not all gender differences in death attitudes. Omega (Westport). 2017;75(1):26-46.
  • 29
    Chen Z, Han J, Waddington G, Adams R, Witchalls J. Somatosensory perception sensitivity in voluntary postural sway movements: age, gender and sway effects magnitudes. Exp Gerontol. 2019;122(1):53-9.
  • 30
    Hansen DL, Tulinius D, Hansen EH. Adolescents' struggles with swallowing tablets: barriers, strategiesand learning. Pharm World Sci. 2008;30(1):65-9.
  • 31
    Lau TLL, Steadman KJ, Cichero JAY, Nissen LM. Dosage form modification and oral drug delivery in older people. Adv Drug Deliv Rev. 2018;135:75-84.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2019
  • Aceito
    05 Set 2019
ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistacefac@cefac.br