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Ensino de Língua Portuguesa para surdos: uma revisão integrativa da literatura

RESUMO

Objetivo:

identificar as contribuições das pesquisas científicas com vistas à superação das barreiras no processo de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa escrita para estudantes surdos.

Métodos:

foi realizada uma revisão integrativa da literatura considerando os artigos publicados entre 2012 e 2017, nas bases eletrônicas de dados: Capes e Scielo. Para realizar a busca, os seguintes descritores foram combinados: ensino, “Língua Portuguesa,” português, surdos e surdez. Os estudos foram selecionados utilizando como critérios de exclusão: artigos presentes nas duas bases de dados; pesquisas com surdos universitários; artigos que não abordavam o ensino de língua portuguesa para surdos; artigos indisponíveis em língua portuguesa. Como critério de inclusão: artigos que abordavam o ensino de língua portuguesa para surdos, completos e publicados nos últimos cinco anos.

Resultados:

foram encontrados 133 artigos e, após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, selecionados 16 artigos. Tais estudos, para efeito de análise, foram categorizados em tipos, sendo eles: experimental, bibliográfico, documental, etnográfico, pesquisa-ação, entre outros.

Conclusão:

os surdos ainda enfrentam barreiras para aquisição da língua portuguesa escrita, entretanto, os estudiosos, a partir de seu campo de atuação, trazem algumas reflexões que podem contribuir para superá-las, como por exemplo: revisão das políticas, aquisição temprana da Libras, uso das tecnologias digitais em sala de aula.

Descritores:
Surdez; Linguagem; Ensino

ABSTRACT

Purpose:

to identify the contributions of scientific research with a view to overcoming the barriers in the teaching and learning process of the written Portuguese Language for deaf students.

Methods:

an integrative literature review of the articles published between 2012 and 2017 available in the electronic databases: Capes and Scielo, was conducted. To select the articles, descriptors were combined: Teaching, "Portuguese Language", Portuguese, deaf and deafness. Articles present in both databases, research whose focus was the teaching of Portuguese to higher education deaf students, articles that did not deal with Portuguese language teaching to the deaf, articles unavailable in Portuguese, were the exclusion criteria. Articles that addressed, somehow, Portuguese language teaching to the deaf, complete and published between the years of 2012 and 2017 were included.

Results:

133 articles were found, 16 being selected after applying the inclusion and exclusion criteria. These studies, for the purpose of analysis, were categorized into types, being: experimental, bibliographic, documentary, ethnographic, action research, among others.

Conclusion:

the deaf still face several barriers for acquiring the written Portuguese language, however, the scholars, from their field of action, propose some strategies which can contribute to overcome them, such as: policy review, early acquisition of Libras, use of digital technologies in the classroom.

Keywords:
Deafness; Language; Teaching

Introdução

O processo de aquisição da Língua Portuguesa escrita por estudantes surdos ainda se configura um campo de pesquisa muito fértil, uma vez que, mesmo após a garantia legal11. Brasil. Lei 10.436/02, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. Brasília, DF, 2002. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm,22. Brasil. Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei 10.436/2002 e o art. 18 da Lei 10.098/2000. Brasília, DF, 2005.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5626.htm da educação bilíngue, esses estudantes continuam encontrando dificuldades para alcançar a proficiência no uso da escrita.

Nesse sentido, muitos estudiosos, a partir de suas correntes teóricas, buscam encontrar os motivos que levam os estudantes surdos a não se apropriarem plenamente dessa língua escrita. Diante disso, foram implementadas diversas pesquisas que se dedicaram a investigar as barreiras linguísticas presentes em suas vidas e que acabam dificultando o processo de escolarização, como por exemplo, crianças surdas que, por serem filhas de pais ouvintes, não iniciam o processo de aquisição de uma primeira língua nos anos iniciais de sua vida e, por isso, têm mais dificuldades para aprender uma segunda língua no processo escolar33. Silva SGL. Consequências da aquisição tardia da língua brasileira de sinais na compreensão leitora da língua portuguesa, como segunda língua, em sujeitos surdos. Rev Bras Educ Esp. 2015;21(2):275-88. ou, até mesmo, a necessidade de os professores, assim como das escolas repensarem suas práticas no intuito de ofertar a educação bilíngue a qual eles têm direito44. Nogueira A, Cabello J. Considerações sobre educação de surdos e tecnologias a partir da análise das estratégias de ensino de professor surdo. Text Liv Ling Tec. 2017;0(1):242-56.

5. Pires VOD. A aprendizagem coletiva de língua portuguesa para surdos através das interações em língua de sinais. Rev Bras Ling Aplic. 2014;14(4):987-1014.

6. Pereira MMGDPN. Práticas pedagógicas: língua escrita e surdez. J. Res Spec Educ Needs. 2016;16(1):889-93.

7. Rodrigues MGG, Abdo AGR, Cárnio MS. Influência do tipo de estímulo visual na produção escrita de surdos sinalizadores sem queixas de alterações na escrita. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(2):208-15.

8. Ribeiro HM, Nascimento AP. A língua brasileira de sinais e o ensino do aluno surdo. Nucleus. 2013;10(2):27-37.

9. Martins ALB. Essencialização da surdez em discursivizações do status linguístico da Libras e implicações educacionais. Dom Ling. 2015;9(1):217-40.

10. Silva GM. O processo de ensino-aprendizagem da leitura em uma turma de alunos surdos: uma análise das interações mediadas pela Libras. Rev Bras Ling Aplic. 2014;14(4):905-34.

11. Lodi ACB. Educação bilíngue para surdos e inclusão segundo a Política Nacional de Educação Especial e o Decreto nº 5.626/05. Educ Pesq. 2013;39(1):49-63.
-1212. Streiechen EM, Krause-Lemke C, Oliveira JP, Cruz GC. Pedagogia surda e bilinguismo: pontos e contrapontos na perspectiva de uma educação inclusiva. Acta Scient Educ. 2017;39(1):91-101..

Cada filosofia educacional adotada pelos sistemas de ensino possui em seu bojo concepções de língua, de sujeito e, por consequência, de ensino. Na filosofia educacional bilíngue, a língua é concebida dentro de uma perspectiva interacionista, dialógica e funcional na qual os sujeitos são vistos como autores/construtores sociais, sujeitos ativos que, dialogicamente, constroem-se e são construídos no texto, considerado o próprio lugar de interação e de constituição dos interlocutores1313. Koch IV, Elias VM. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2009.,1414. Antunes I. Textualidade: noções básicas e implicações pedagógicas. São Paulo: Parábola, 2017.. Nessa concepção, o sujeito surdo deixa de ser visto como alguém que necessita ser corrigido para ter acesso à língua majoritária, passando a ser concebido dentro de uma visão socioantropológica1515. Skliar C. A localização política da educação bilíngue para surdos. In: Skliar C. (Org). Atualidade da educação bilíngue para surdos: processos e projetos pedagógicos. Vol. (2). Porto Alegre: Mediação, 1999. p. 7-14.,1616. Pereira MCC (org). Libras conhecimento além dos sinais. São Paulo: Pearson, 2011., na qual o que lhes falta, a audição, não se caracteriza como um empecilho para a aquisição de uma língua, tendo em vista que podem adquirir uma língua de sinais. A surdez, nesse contexto, passa a ser compreendida como uma diferença linguística sociocultural, uma vez que, diante do déficit auditivo, não adquirirem naturalmente uma língua oral-auditiva compartilhada pelos ouvintes. Desse modo, construirão sua identidade/subjetividade por meio de experiências visuais, sendo a língua de sinais o sistema simbólico que permite a mediação1717. Vygotsky LS. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 7ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. desses sujeitos com o mundo que os circunda.

O uso da língua de sinais se constitui como o principal meio de interação social para a pessoa surda e desempenha um papel de suma importância no ambiente escolar bilíngue, tendo em vista ocupar o espaço de língua de instrução. Tal constatação ocorre pelo fato de ser a língua que os surdos podem aprender naturalmente, no caso de filhos de pais surdos, e/ou em contato com outros surdos adultos, no caso de filhos de pais ouvintes.

O ensino da Língua Portuguesa, preferencialmente na modalidade escrita, como segunda língua, justifica-se por ser aquela que circula no país e está presente em todas as esferas sociais, tornando-se necessária para que os surdos, entre outros aspectos tenham acesso aos conhecimentos historicamente construídos pela humanidade que se encontram preservados por meio da escrita.

Considerando as garantias legais e os benefícios indicados pelos estudiosos da área de aquisição de linguagem em relação à oferta da educação bilíngue para surdos, assim como a constatação de que eles, em sua maioria, ainda continuam apresentando dificuldades para apropriar-se da língua portuguesa escrita, o presente estudo traz como questionamento: o que os estudos científicos sobre a temática, nos últimos cinco anos, têm indicado em termos de propostas ou intervenções no que se refere à superação dessas dificuldades?

Para responder a tal indagação, foi realizada uma revisão integrativa da literatura, pelo fato de que essa metodologia possibilita aos autores a sumarização de estudos prévios com o intuito de informar aos leitores o estado em que se encontra determinada área de investigação. Também identifica relações, contradições, lacunas e inconsistências na literatura, além de indicar sugestões para a resolução de problemas1818. Hohendorff JV. Como escrever um artigo de revisão de literatura. In: Koller SH, Couto MCPP, Hohendorff JV (orgs). Manual de produção científica. Porto Alegre: Penso, 2014. p.39-54.

O desenvolvimento deste estudo foi motivado em razão dessa temática fazer parte do campo de estudos teórico-práticos da linha de pesquisa Aquisição, Desenvolvimento e Distúrbios da Linguagem em suas Diversas Manifestações do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem da UNICAP - a qual as pesquisadoras estão vinculadas. Nesse sentido, é de suma importância ampliar as reflexões sobre a temática, de modo a avançar em direção à superação de barreiras ainda existentes no processo de aquisição da escrita em Língua Portuguesa por estudantes surdos.

Nesse contexto, o presente artigo tem por objetivo principal identificar as contribuições das pesquisas científicas com vistas à superação de barreiras no processo de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa (LP) escrita para estudantes surdos.

Métodos

Para realizar o levantamento dos estudos que abordam a temática do ensino de Língua Portuguesa (LP) para surdos, foram eleitas as bases eletrônicas de dados Portal de Periódicos da Capes e Scielo - Scientific Eletronic Library Online, uma vez que as referidas bases indexam periódicos que disponibilizam artigos de qualidade científica.

Inicialmente realizou-se a seleção dos artigos por meio de uma busca avançada na qual foram combinados dos descritores: ensino, “Língua Portuguesa”, português, surdos e surdez com o operador booleano and. Nesse momento, também foi utilizado como filtro para selecionar os artigos a serem analisados os anos de 2012 a 2017. Vale salientar que as publicações do ano de 2012 fizeram parte deste estudo devido às buscas terem sido realizadas entre os meses de outubro e novembro de 2017.

Na fase inicial da pesquisa, utilizando os descritores, bem como o filtro, foram selecionados 107 artigos no Portal de periódicos da Capes e 26 na Scielo, totalizando 133 artigos. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, permaneceram 16 artigos para realizar a presente revisão.

Para selecionar os artigos foram utilizados como critérios de exclusão: 1. artigos presentes em ambas as bases de dados; 2. pesquisas cujo foco fora o ensino de LP para estudantes surdos no ensino superior; 3. artigos que não versavam sobre o ensino de Língua Portuguesa para surdos e; 4. artigos indisponíveis em Língua Portuguesa. E, como de inclusão: artigos que abordavam, de alguma maneira, o ensino de Língua Portuguesa para surdos, completos e publicados entre os anos de 2012 e 2017.

Para aplicar os critérios de inclusão e exclusão, inicialmente, foram selecionados os trabalhos disponíveis em Língua Portuguesa. Assim, uma pesquisa não atendia ao critério elencado. Posteriormente, foi realizada a leitura exploratória55. Pires VOD. A aprendizagem coletiva de língua portuguesa para surdos através das interações em língua de sinais. Rev Bras Ling Aplic. 2014;14(4):987-1014. dos títulos dos artigos de modo a identificar os que estavam presentes em ambas as bases de dados. Durante essa etapa, foram excluídos 64 artigos, visto que constavam nas duas bases. Em seguida, também por meio de uma leitura exploratória dos resumos verificou-se quais estudos atendiam à temática da pesquisa. Sendo assim, 51 trabalhos foram excluídos.

No momento seguinte, foram observados aqueles cujo foco tenha sido o ensino de Língua Portuguesa para estudantes do Ensino Superior. Nesse momento, foi encontrado 01 trabalho com esse perfil. Após essa etapa, foi realizada a leitura completa dos 16 últimos artigos no intuito de verificar quais deles realmente contemplavam os objetivos da pesquisa, sendo verificado que esses deveriam fazer parte da revisão por atenderem aos critérios elencados incialmente.

Após essa seleção, os artigos foram lidos analiticamente para identificar o foco adotado pelos autores acerca da temática. Em seguida, por meio de uma leitura interpretativa, identificaram-se as contribuições das pesquisas científicas com vistas à superação das barreiras no processo de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa (LP) escrita para estudantes surdos.

Para fins de análise, as pesquisas foram categorizadas de acordo com a quantidade de publicações por ano (Figura 1), o tipo de pesquisa (Figura 2), o eixo temático (Figura 3), os periódicos e o a área de atuação/formação dos pesquisadores (Figura 4). Outros critérios de categorização poderiam ter sido utilizados, no entanto, devido ao espaço limitado de um artigo, não há como esgotar todas as possibilidades, nem seria essa a intenção deste estudo.

Em relação à classificação dos tipos1919. Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 6ª. ed. São Paulo: GEN/Atlas, 2017. das pesquisas, foi adotado o sistema que leva em consideração o ambiente da pesquisa, a abordagem teórica e as técnicas de coleta de dados. Nesse sentido, as produções científicas podem ser: bibliográficas, que são elaboradas com base no material já publicado; documentais quando se valem de toda a sorte de documentos, elaborados com finalidades diversas, internos às organizações; experimentais, que consistem em determinar um objeto de estudo, selecionar as variáveis capazes de influenciá-lo e definir as formas de controle e observação dos efeitos que as variáveis produzem no objeto; pesquisas-ação2020. Thiollente M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1985, Apud Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 6ª. ed. São Paulo: GEN/Atlas, 2017., que têm base empírica, concebidas e realizadas em estrita associação com uma ação ou ainda, com a resolução de um problema coletivo no qual todos os pesquisadores e participantes estão envolvidos de modo cooperativo e participativo, etnográficas1919. Gil AC. Como elaborar projetos de pesquisa. 6ª. ed. São Paulo: GEN/Atlas, 2017., que têm como propósito o estudo das pessoas em seu próprio ambiente mediante a utilização de procedimentos como entrevistas em profundidade e observação participante.

As pesquisas que compõem o corpus deste estudo também foram agrupadas em quatro eixos temáticos de acordo com os seus objetivos, sendo eles: 1. Discutem o processo de ensino e aprendizagem da LP escrita para surdos; 2. Analisam as produções escritas dos estudantes surdos; 3. Refletem sobre o papel da língua de sinais, sinalizada ou escrita no processo de aquisição da Língua Portuguesa escrita; 4. Analisam criticamente o ensino de LP para surdos, tomando por base a filosofia educacional bilíngue e os documentos legais que regem a educação desses estudantes.

É importante salientar que também foi possível encontrar estudos que transitavam em mais de um eixo temático, no entanto, optou-se por levar em considerar o foco principal de cada estudo.

Figura 1:
Quantidade de estudos científicos que abordam o ensino de Língua Portuguesa para surdos, publicados no período de 2012 a 2017

Figura 2:
Distribuição de estudos científicos que abordam o ensino de Língua Portuguesa para surdos, por tipos, publicados entre 2012 e 2017

Figura 3:
Quantidade de estudos científicos que abordam o ensino de Língua Portuguesa para surdos, publicados no período de 2012 a 2017, categorizados por eixo temático

Figura 4:
Síntese dos estudos que abordam o ensino de Língua Portuguesa para surdos, publicados entre 2012 e 2017

Revisão da Literatura

A educação bilíngue para surdos se caracteriza, na atualidade, como a filosofia educacional mais adequada, tendo em vista que respeita a condição da pessoa surda e sua experiência visual como constituidora de cultura singular, sem, contudo, desconsiderar a necessária aprendizagem escolar do português. Demanda o desenho de uma política linguística que defina a participação das duas línguas na escola em todo o processo de escolarização de forma a conferir legitimidade e prestígio da Libras como língua curricular e constituidora da pessoa surda2121. Brasil, MEC/SECADI. Relatório sobre a política linguística de educação bilíngue: Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa. Brasília, DF, 2014.. A apropriação desse artefato cultural se faz importante para esses sujeitos, uma vez que possibilita o acesso aos saberes historicamente construídos pela humanidade.

Nessa perspectiva, a língua de sinais ocupa o espaço de primeira língua (L1), visto que se configura como a língua mais acessível aos surdos, pois seu processo de aquisição acontece sem impedimentos fisiológicos e sua apropriação também contribui para o desenvolvimento cognitivo das crianças surdas.

A LP ocupa o espaço de segunda língua, tendo em vista que é geralmente adquirida após a língua de sinais, por meio de um processo sistemático vivenciado em instituições de ensino. Nesse sentido, é importante destacar que a aprendizagem dessa língua (LP) ocorre, preferencialmente, em sua modalidade escrita. Diante disso, as pesquisas científicas se dedicam a esclarecer os aspectos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem de LP escrita para surdos e, dessa forma, contribuir para diminuir as barreiras linguísticas existentes.

A revisão integrativa da literatura foi iniciada com o levantamento da quantidade de publicações em cada ano, dentro do espaço temporal determinado, entre 2012 e 2017 (Figura 1). Tal ação nos permitiu identificar o período em que a temática gerou mais interesse aos pesquisadores, ano de 2014, bem como verificar que, no ano de 2017, apesar de não se ter os dados referentes ao ano completo, o interesse pelo assunto voltou a crescer.

Em relação ao tipo de estudo (Figura 2), foi identificado que a maioria dos pesquisadores optou por utilizar a pesquisa experimental, uma vez que possibilita uma maior aproximação de seu objeto. Isso não implica dizer que os demais métodos não sejam utilizados ou até mesmo adequados ao estudo da temática, mas o que pode ser inferido é que o método experimental fornece um maior número de dados ao pesquisador e, consequentemente, uma maior contribuição para o avanço na compreensão do fenômeno.

A identificação da área da formação acadêmica dos pesquisadores (Figura 4) nos permitiu visualizar as áreas que se interessam pela temática do ensino de Língua Portuguesa para surdos, evidenciando que educação e linguística são as que mais se dedicam a encontrar respostas para essa problemática, sem desconsiderar as contribuições da fonoaudiologia e da psicologia.

Passando o foco desta revisão para os eixos temáticos (Figura 3), os seis estudos que compõem o primeiro grupo possuem o viés que aponta para a discussão do processo de ensino e aprendizagem da LP escrita para surdos44. Nogueira A, Cabello J. Considerações sobre educação de surdos e tecnologias a partir da análise das estratégias de ensino de professor surdo. Text Liv Ling Tec. 2017;0(1):242-56.

5. Pires VOD. A aprendizagem coletiva de língua portuguesa para surdos através das interações em língua de sinais. Rev Bras Ling Aplic. 2014;14(4):987-1014.
-66. Pereira MMGDPN. Práticas pedagógicas: língua escrita e surdez. J. Res Spec Educ Needs. 2016;16(1):889-93.,2222. Castro FGAS, Calixto HRS. Português para surdos e as tecnologias digitais. J. Res Spec Educ Needs. 2016;16(1):870-5.

23. Carvalho D, Manzini EJ. Aplicação de um programa de ensino de palavras em Libras utilizando tecnologia de realidade aumentada. Rev Bras Educ Esp. 2017;23(2):215-32.
-2424. Resende AAC, Elias NC, Goyos C. Transferência de funções ordinais através de classes de estímulos equivalentes em surdos. Acta comport: Rev lat anal comport. 2012;20(3):317-28.. Nesse agrupamento, foram identificados alguns estudos que buscavam apresentar estratégias didáticas que objetivavam facilitar o acesso dos surdos à LP escrita. Dentre eles, três pesquisas44. Nogueira A, Cabello J. Considerações sobre educação de surdos e tecnologias a partir da análise das estratégias de ensino de professor surdo. Text Liv Ling Tec. 2017;0(1):242-56.,2222. Castro FGAS, Calixto HRS. Português para surdos e as tecnologias digitais. J. Res Spec Educ Needs. 2016;16(1):870-5.,2323. Carvalho D, Manzini EJ. Aplicação de um programa de ensino de palavras em Libras utilizando tecnologia de realidade aumentada. Rev Bras Educ Esp. 2017;23(2):215-32. se valeram das tecnologias digitais da informação e comunicação para alcançar esse fim, a saber: Livro digital44. Nogueira A, Cabello J. Considerações sobre educação de surdos e tecnologias a partir da análise das estratégias de ensino de professor surdo. Text Liv Ling Tec. 2017;0(1):242-56., transposição2222. Castro FGAS, Calixto HRS. Português para surdos e as tecnologias digitais. J. Res Spec Educ Needs. 2016;16(1):870-5. de algumas atividades propostas em uma publicação MEC2525. Quadros RM, Schmiedt MLP. Ideias para ensinar português para surdos. Brasília: MEC, SEESP, 2006. para a esfera digital e realidade aumentada2323. Carvalho D, Manzini EJ. Aplicação de um programa de ensino de palavras em Libras utilizando tecnologia de realidade aumentada. Rev Bras Educ Esp. 2017;23(2):215-32. para o ensino de palavras. Na pesquisa44. Nogueira A, Cabello J. Considerações sobre educação de surdos e tecnologias a partir da análise das estratégias de ensino de professor surdo. Text Liv Ling Tec. 2017;0(1):242-56. que utilizou um livro digital, as autoras concluíram que, a partir das potencialidades advindas com as tecnologias, acredita-se que seja possível a produção de novos significados no trabalho com as mais diversas práticas de linguagem no contexto escolar; em contrapartida, as práticas escolarizadas já consideradas canônicas (e amplamente difundidas e questionadas) que, em muitos casos, acabam sendo meramente reproduzidas em suportes digitais e evidenciam fazeres escolarizados que muito se diferenciam dos modos como as crianças e jovens (e os próprios professores) vêm lendo e escrevendo em contextos não-escolarizados pela apropriação dos mais diversos recursos digitais44. Nogueira A, Cabello J. Considerações sobre educação de surdos e tecnologias a partir da análise das estratégias de ensino de professor surdo. Text Liv Ling Tec. 2017;0(1):242-56..

Ainda utilizando as tecnologias digitais, foi realizado um estudo2222. Castro FGAS, Calixto HRS. Português para surdos e as tecnologias digitais. J. Res Spec Educ Needs. 2016;16(1):870-5. que refletiu sobre a possibilidade de transpor para o meio digital, jogo da memória e palavras cruzadas, com o intuito de facilitar o ensino de palavras. Com essa transposição, os estudiosos compreendem que as atividades (jogo da memória e palavras cruzadas), sendo utilizadas concomitantemente com tecnologias digitais da informação e comunicação, auxiliam na aplicação desses recursos durante as aulas, visto que esses são instrumentos facilitadores do ensino de LP para surdos2222. Castro FGAS, Calixto HRS. Português para surdos e as tecnologias digitais. J. Res Spec Educ Needs. 2016;16(1):870-5.. Nesse estudo, apesar de a proposta restringir-se ao ensino de palavras isoladas, os pesquisadores destacam a importância de se trabalhar a ampliação do vocabulário dos estudantes a partir de textos, assumindo uma perspectiva interacionista de língua.

Ainda nesse eixo, um estudo55. Pires VOD. A aprendizagem coletiva de língua portuguesa para surdos através das interações em língua de sinais. Rev Bras Ling Aplic. 2014;14(4):987-1014. investigou, a partir da teoria do andaimento2626. Wood D, Bruner J, Roos G. The role of tutoring in problem solving. J Child Psyc. 1976;17:89-100., a aprendizagem coletiva de LP intermediada pela língua de sinais. Nessa pesquisa, considerando que a LP possibilita o acesso aos bens culturais (literatura e educação), informações por meio da mídia, preparação para o exercício da cidadania, possibilitando ao indivíduo participar politicamente de uma sociedade onde tudo é expresso e regulamentado em LP55. Pires VOD. A aprendizagem coletiva de língua portuguesa para surdos através das interações em língua de sinais. Rev Bras Ling Aplic. 2014;14(4):987-1014., os estudiosos acreditam que os surdos, durante o processo de produção coletiva de textos escritos, interagindo por meio da língua de sinais, constroem os conhecimentos acerca dessa língua a partir de um andamento coletivo. Nesse processo, o que cada um sabe é somado e esse conhecimento se dinamiza, soluciona problemas, constrói novas possibilidades coletivamente e confere mais autonomia a cada indivíduo55. Pires VOD. A aprendizagem coletiva de língua portuguesa para surdos através das interações em língua de sinais. Rev Bras Ling Aplic. 2014;14(4):987-1014..

Em suma, fica evidente nesse eixo que, as reflexões sobre o ensino de LP para surdos podem seguir caminhos distintos. No entanto, as contribuições desses estudos podem auxiliar os educadores a compreenderem melhor o fenômeno e, por consequência, fortalecer a sua prática.

O segundo eixo é composto por dois trabalhos77. Rodrigues MGG, Abdo AGR, Cárnio MS. Influência do tipo de estímulo visual na produção escrita de surdos sinalizadores sem queixas de alterações na escrita. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(2):208-15.,2727. Pereira MCC. O ensino de português como segunda língua: princípios teóricos e metodológicos. Educ Rev. 2014;edição especial(2):143-57. que investigam as produções escritas dos estudantes surdos. Esses estudos analisaram textos/produções oriundas de imagens. O primeiro77. Rodrigues MGG, Abdo AGR, Cárnio MS. Influência do tipo de estímulo visual na produção escrita de surdos sinalizadores sem queixas de alterações na escrita. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(2):208-15. analisou os textos produzidos por estudantes surdos a partir de dois estímulos visuais, figura de ação e sequência de figuras. Os estudiosos concluíram que nenhum dos dois tipos de estímulos, seja figura de ação ou sequência de figuras, propiciam melhores desempenhos de produção escrita de surdos sinalizadores sem queixas de alterações na escrita para a maior parte dos aspectos analisados77. Rodrigues MGG, Abdo AGR, Cárnio MS. Influência do tipo de estímulo visual na produção escrita de surdos sinalizadores sem queixas de alterações na escrita. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(2):208-15.. Já no segundo2222. Castro FGAS, Calixto HRS. Português para surdos e as tecnologias digitais. J. Res Spec Educ Needs. 2016;16(1):870-5., também foram analisadas as produções de estudantes a partir de uma figura. No entanto, nesse caso, a professora regente realizou produções coletivas e individuais durante o processo de construção das produções.

O que chamou a atenção nesse eixo, foi a estratégia utilizada para levar os estudantes a produzirem textos a partir de figuras, tendo em vista que tal estratégia desconsidera os aspectos implicados em uma produção textual, ou seja, as condições de produção. Isso implica dizer que, fora da escola, as produções de textos acontecem a partir da necessidade de interação entre as pessoas. É importante ressaltar que a escola não deve desconsiderar esse fato nas aulas de produção textual. Nesse sentido, é possível afirmar que o resultado obtido, nenhum dos dois tipos de estímulos propiciou um melhor desempenho77. Rodrigues MGG, Abdo AGR, Cárnio MS. Influência do tipo de estímulo visual na produção escrita de surdos sinalizadores sem queixas de alterações na escrita. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(2):208-15., pode ter acontecido devido à escolha inapropriada dos instrumentos para a coleta dos dados, uma vez que esse tipo de produção textual limita as potencialidades dos estudantes, fazendo com que não se tenha um retrato fiel dos seus conhecimentos em relação à escrita.

O terceiro eixo temático foi composto por cinco estudos33. Silva SGL. Consequências da aquisição tardia da língua brasileira de sinais na compreensão leitora da língua portuguesa, como segunda língua, em sujeitos surdos. Rev Bras Educ Esp. 2015;21(2):275-88.,88. Ribeiro HM, Nascimento AP. A língua brasileira de sinais e o ensino do aluno surdo. Nucleus. 2013;10(2):27-37.

9. Martins ALB. Essencialização da surdez em discursivizações do status linguístico da Libras e implicações educacionais. Dom Ling. 2015;9(1):217-40.
-1010. Silva GM. O processo de ensino-aprendizagem da leitura em uma turma de alunos surdos: uma análise das interações mediadas pela Libras. Rev Bras Ling Aplic. 2014;14(4):905-34.,2828. Silva TSA, Bolsanello MA. Atribuição de significado à escrita, por crianças surdas usuárias de língua de sinais. Educ Rev. 2014;edição especial(2):129-42. que se propuseram a refletir sobre o papel da língua de sinais (sinalizada ou escrita) no processo de aquisição da LP escrita. De acordo com os autores, a aquisição da língua de sinais como primeira língua dará base linguística e cognitiva para os estudantes surdos aprenderem a LP escrita como segunda língua. No entanto, o fato de os surdos adquirirem a língua de sinais tardiamente pode dificultar o aprendizado dessa segunda língua.

A partir do estudo das consequências da aquisição tardia da língua de sinais, a estudiosa33. Silva SGL. Consequências da aquisição tardia da língua brasileira de sinais na compreensão leitora da língua portuguesa, como segunda língua, em sujeitos surdos. Rev Bras Educ Esp. 2015;21(2):275-88. considera que o fator idade de aquisição da língua brasileira de sinais por surdos mostrou interferir bastante na compreensão leitora da LP como segunda língua. Contudo, há outros fatores a serem considerados como: o contato com outros surdos que sejam fluentes, apoio e motivação da família no uso das duas línguas (Libras e LP), a presença da língua de sinais durante a sua trajetória escolar, metodologias de ensino de LP que auxiliem os surdos a descobrir suas próprias estratégias de construção de sentido, detectar as diferenças de modalidade das línguas produzidas, as particularidades próprias da língua portuguesa quanto às da língua de sinais e o que é comum a ambas33. Silva SGL. Consequências da aquisição tardia da língua brasileira de sinais na compreensão leitora da língua portuguesa, como segunda língua, em sujeitos surdos. Rev Bras Educ Esp. 2015;21(2):275-88..

Em a relação à metodologia de ensino, os pesquisadores88. Ribeiro HM, Nascimento AP. A língua brasileira de sinais e o ensino do aluno surdo. Nucleus. 2013;10(2):27-37. defendem que o procedimento para um surdo aprender a LP na modalidade escrita é o mesmo pelo qual um ouvinte passa ao aprender uma segunda língua. Antes que o aprendizado dessa se efetive, deve ser garantido ao surdo, de acordo com o objetivo da abordagem bilíngue, primeiro a aquisição da Língua de Sinais como primeira língua, que lhe possibilitará construir sua subjetividade e prover um suporte linguístico para que ele aprenda a Língua Portuguesa.

Um ponto que merece destaque é que apenas dois estudos99. Martins ALB. Essencialização da surdez em discursivizações do status linguístico da Libras e implicações educacionais. Dom Ling. 2015;9(1):217-40.,2828. Silva TSA, Bolsanello MA. Atribuição de significado à escrita, por crianças surdas usuárias de língua de sinais. Educ Rev. 2014;edição especial(2):129-42. desse eixo apontaram para a existência da escrita em sinais (SignWriting) ou escrita visual direta. Um deles2828. Silva TSA, Bolsanello MA. Atribuição de significado à escrita, por crianças surdas usuárias de língua de sinais. Educ Rev. 2014;edição especial(2):129-42. defende que a escrita de sinais, enquanto sistema repleto de significados, parece constituir-se em uma possibilidade a mais, de conferir ao surdo condições maximizadas de desenvolvimento de suas funções superiores do pensamento, bem como de fornecer meios de aproximação com o sistema de escrita majoritário de seu país, que é a escrita alfabética2828. Silva TSA, Bolsanello MA. Atribuição de significado à escrita, por crianças surdas usuárias de língua de sinais. Educ Rev. 2014;edição especial(2):129-42.. No entanto, o segundo99. Martins ALB. Essencialização da surdez em discursivizações do status linguístico da Libras e implicações educacionais. Dom Ling. 2015;9(1):217-40. assume uma visão pouco otimista em relação a essa escrita afirmando que ainda é incipiente e pouco promissora a expectativa de que um código escrito aplicado às línguas de sinais (SignWriting) “pegue” entre os “falantes” das línguas de sinais. Seria como “inventar a roda” para alfabetizar os surdos em “sua própria língua”.

O que fica claro a partir do posicionamento desses estudiosos em relação à escrita em sinais é que ainda não há um consenso sobre sua importância no processo de apropriação da escrita em Língua Portuguesa, indicando a necessidade da realização de novas pesquisas que versem sobre essa temática de modo a validar ou não a sua importância frente a essa construção.

Também houve divergências no que diz respeito à função da escola diante da construção da identidade linguística desses estudantes, uma vez que há pesquisadores2727. Pereira MCC. O ensino de português como segunda língua: princípios teóricos e metodológicos. Educ Rev. 2014;edição especial(2):143-57. que defendem que a escola deve possibilitar, principalmente no caso de filhos de pais ouvintes, a aquisição da Língua Brasileira de Sinais, o que vai se dar na interação com usuários fluentes dessa língua, preferencialmente surdos, os quais, ao usarem e interpretarem os movimentos e enunciados das crianças surdas na língua de sinais, insiram-nas no funcionamento linguístico-discursivo dessa língua. E, indo de encontro a essa perspectiva altamente difundida entre os pesquisadores da educação de surdos, um pesquisador99. Martins ALB. Essencialização da surdez em discursivizações do status linguístico da Libras e implicações educacionais. Dom Ling. 2015;9(1):217-40. afirma que, ultimamente, a escola tem assumido responsabilidades que vão além do trabalho com os saberes associados a uma produção escrita de caráter erudito. O compromisso linguístico dela, contudo, mesmo em se tratando de alunos surdos, está vinculado, principal e prioritariamente, com a Língua Portuguesa. O que o autor enfatiza é que não caberia à escola, por excelência, a promoção e a preocupação com a identidade linguística de crianças surdas.

Isso implica dizer que ainda não há um consenso em relação à função da escola mediante a singularidade linguística desses estudantes, uma vez que, em sua maioria, por serem filhos de pais ouvintes, chegam à escola sem uma língua constituída, dificultando uma melhor atuação da escola em relação ao ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa. Situação essa que ainda necessita ser alvo de reflexões por parte dos estudiosos da área.

Em relação ao eixo quatro, composto por estudos1111. Lodi ACB. Educação bilíngue para surdos e inclusão segundo a Política Nacional de Educação Especial e o Decreto nº 5.626/05. Educ Pesq. 2013;39(1):49-63.,1212. Streiechen EM, Krause-Lemke C, Oliveira JP, Cruz GC. Pedagogia surda e bilinguismo: pontos e contrapontos na perspectiva de uma educação inclusiva. Acta Scient Educ. 2017;39(1):91-101.,2929. Preuss EO, Álvares MR. Biliguismo e políticas linguísticas no Brasil: da ilusão monolíngue à realidade plurilíngue. Acta Scient Lang Cult. 2014;36(4):403-14. nos quais os pesquisadores analisam, criticamente, o ensino de língua portuguesa para surdos, tomando por base a filosofia educacional bilíngue e os principais documentos legais11. Brasil. Lei 10.436/02, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. Brasília, DF, 2002. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm-22. Brasil. Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei 10.436/2002 e o art. 18 da Lei 10.098/2000. Brasília, DF, 2005.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5626.htm,2121. Brasil, MEC/SECADI. Relatório sobre a política linguística de educação bilíngue: Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa. Brasília, DF, 2014.,3030. Brasil. Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, DF, 2008. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=16690-politica-nacional-de-educacao-especial-na-perspectiva-da-educacao-inclusiva-05122014&Itemid=30192 que regem a educação desses estudantes, foi possível identificar que as três propostas que compõem esse eixo são unânimes quando afirmam que não há consonância entre as políticas de inclusão escolar e as políticas linguísticas voltadas para estudantes surdos. Tal situação fica evidente na definição do papel das línguas envolvidas no seu processo educacional. Enquanto nas políticas linguísticas a Libras deverá ser a língua de instrução e o português a segunda língua, na política inclusiva a língua de instrução é a Língua Portuguesa e a Libras se configura como um instrumento para o acesso à língua majoritária.

De acordo com os pesquisadores, existe uma diferença significativa nos sentidos da educação bilíngue para surdos na constituição dos textos da política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e do Decreto 5626/05 que regulamenta as leis que dispõem sobre a Língua Brasileira de Sinais (Lei 10.436/2002 e Lei 10.098/2000 - art. 18). Enquanto neste último documento a Libras adquire papel central em toda a educação das pessoas surdas e o português, em sua modalidade escrita, é tratado como segunda língua, a política desloca a Libras de seu status de primeira língua para as pessoas surdas, marcando a hegemonia da língua portuguesa durante todo o processo educacional1111. Lodi ACB. Educação bilíngue para surdos e inclusão segundo a Política Nacional de Educação Especial e o Decreto nº 5.626/05. Educ Pesq. 2013;39(1):49-63..

Outro ponto destacado nos estudos desse eixo é o fato de a política inclusiva desconsiderar as barreiras linguísticas existentes entre surdos e ouvintes, visto que a política do MEC preconiza que os alunos surdos estudem junto com alunos ouvintes, porém as barreiras comunicativas encontradas por toda a comunidade escolar impede que o processo de ensino/aprendizagem, de fato, ocorra. E se há barreiras, não há inclusão1212. Streiechen EM, Krause-Lemke C, Oliveira JP, Cruz GC. Pedagogia surda e bilinguismo: pontos e contrapontos na perspectiva de uma educação inclusiva. Acta Scient Educ. 2017;39(1):91-101..

Em suma, a partir dos estudos desse eixo, fica claro que as políticas para a educação inclusiva3030. Brasil. Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, DF, 2008. http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=16690-politica-nacional-de-educacao-especial-na-perspectiva-da-educacao-inclusiva-05122014&Itemid=30192 de estudantes com deficiência, incluindo os surdos, impedem a consolidação das políticas linguísticas que garantem a eles uma educação bilíngue, sendo a Libras como L1 e a Língua Portuguesa como L2, uma vez que no sistema inclusivo, apesar de conceber a presença da língua de sinais, a língua portuguesa ganha um lugar de destaque em todo o processo educativo, gerando uma assimetria entre as línguas. Isso leva a crer que há uma dissonância entre os preceitos dessas políticas e que a maioria das escolas inclusivistas1515. Skliar C. A localização política da educação bilíngue para surdos. In: Skliar C. (Org). Atualidade da educação bilíngue para surdos: processos e projetos pedagógicos. Vol. (2). Porto Alegre: Mediação, 1999. p. 7-14. brasileiras pode estar vivenciando uma prática pseudobilíngue3131. Guedes BS. A língua de sinais na escola inclusiva: estratégias de normalização da comunidade surda. In: Lopes MC, Hattge MD (orgs). Inclusão escolar: conjunto de práticas que governam. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. p. 33-49..

A importância da figura do professor nas reflexões sobre o processo de aquisição da escrita por estudantes surdos, assim como da necessidade de um maior investimento na formação desses profissionais, não ficou restrito apenas a um dos eixos, uma vez que nove estudos fazem menção a esse assunto. Por conseguinte, apesar das orientações legais acerca da formação dos professores para atuação com estudantes surdos, contidas no decreto 5626/05, ainda foi encontrado um cotidiano escolar com práticas empobrecidas, em que as atividades de compreensão do texto foram reduzidas a uma leitura mecânica sem reflexão66. Pereira MMGDPN. Práticas pedagógicas: língua escrita e surdez. J. Res Spec Educ Needs. 2016;16(1):889-93..

Essa problemática também foi identificada em outro estudo que, após a análise da extensão dos textos produzidos por esses estudantes, levou os estudiosos1818. Hohendorff JV. Como escrever um artigo de revisão de literatura. In: Koller SH, Couto MCPP, Hohendorff JV (orgs). Manual de produção científica. Porto Alegre: Penso, 2014. p.39-54 a afirmarem que a produção de textos curtos e com frases isoladas corrobora a discussão a respeito da dificuldade do surdo em construir textos em português escrito, tanto pelo distanciamento da língua, quanto pelo despreparo dos professores em trabalhar com os surdos em sala de aula77. Rodrigues MGG, Abdo AGR, Cárnio MS. Influência do tipo de estímulo visual na produção escrita de surdos sinalizadores sem queixas de alterações na escrita. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(2):208-15..

Desse modo, o que se pode apreender após este trabalho é que, apesar dos estudos abordarem a temática por óticas diferentes, todos se propuseram a refletir sobre as principais barreiras existentes no processo de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa escrita por surdos, assim como propor desfechos para superá-las, de modo a garantir que os surdos possam apropriar-se desse bem cultural que pertence a todos os brasileiros, a Língua Portuguesa escrita.

Conclusão

O presente estudo teve como propósito principal identificar as contribuições das pesquisas científicas com vistas à superação de barreiras identificadas no processo de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa (LP) escrita para estudantes surdos. Para tanto, foi realizada uma revisão integrativa da literatura dos artigos publicados, nos últimos cinco anos, nas bases de dados da Capes e Scielo.

Após a análise dos artigos que compuseram esta revisão de literatura, foi constatado que os surdos, apesar terem garantido por lei o acesso à educação bilíngue, na qual a Libras se configura como L1 e a Língua Portuguesa escrita como L2, ainda encontram muitas barreiras para a aquisição da L2, o que lhes permitiria o acesso aos conhecimentos historicamente construídos pela humanidade, como também interagir na sociedade ouvinte, exercendo seus direitos de forma autônoma, manifestando, assim, sua subjetividade.

Nessa perspectiva, foi identificado, à luz de tais estudos, que a aquisição tardia de uma língua, a falta de uma formação docente adequada, a dificuldade de comunicação entre surdos e ouvintes nas escolas inclusivas, bem como as divergências entre as políticas educacionais e linguísticas que orientam educação para esses sujeitos, configuram-se como os principais obstáculos ainda existentes para o ensino e aprendizagem da língua portuguesa escrita.

Diante disso, os estudiosos indicam alguns desfechos para garantir a superação das barreiras apresentadas, tais como: a produção coletiva de textos, mediada pela Libras, o uso de recursos digitais nas aulas de Língua Portuguesa, a revisão das políticas educacionais, aquisição temprana da Língua de Sinais pelos surdos, o ensino da Libras em sua modalidade escrita (SignWriting), assim como o investimento em uma formação docente que contemple as especificidades do ensino da escrita para surdos como segunda língua.

Em síntese, conclui-se que as pesquisas analisadas, de alguma forma, ofereceram valiosas contribuições para repensar o ensino de LP para surdos, uma vez que permitiram visualizar a temática por diferentes ângulos e, por conseguinte, ter ideia mais clara da dimensão dos aspectos que envolvem esse cenário.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2018
  • Aceito
    26 Fev 2019
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