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Prumo, Guyton e caminho: polissemia da saúde na perspectiva dos estudantes universitários

RESUMO

Objetivo:

identificar o entendimento de saúde dos universitários vinculados aos cursos da saúde de uma universidade do sul do Brasil.

Métodos:

trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva e exploratória, realizada por um questionário online com acadêmicos dos cursos de saúde. Os dados foram analisados segundo a análise de conteúdo temática com o auxílio do software Atlas.ti.

Resultados:

indicaram a existência de 233 respostas, estruturadas em 20 códigos, 7 subcategorias e 3 categorias: saúde associada a bem-estar, equilíbrio e qualidade de vida; saúde vinculada ao biológico e ausência de doenças; e saúde relacionada a capacidade de ação e a noção de integral.

Conclusão:

o entendimento de saúde dos estudantes universitários expressa-se de forma polissêmica, mas com uma compreensão predominante vinculada a noção de bem-estar e equilíbrio.

Descritores:
Estudantes; Currículo; Saúde; Educação em Saúde

ABSTRACT

Purpose:

to identify the understanding of health of college students enrolled in health programs of a university in the South of Brazil.

Methods:

a qualitative, descriptive and exploratory research conducted by means of an online questionnaire with students of health programs. The data were analyzed according to the thematic content analysis with the aid of Atlas.ti software.

Results:

there were 233 answers, structured in 20 codes, 7 subcategories and 3 categories: health associated with well-being, balance and quality of life; health connected with the biological and absence of diseases; and health related to the capacity to act and the notion of wholesomeness.

Conclusion:

the understanding of health for college students is expressed in a polysemic way, but with a predominating comprehension linked to the notion of well-being and balance.

Keywords:
Students; Curriculum; Health; Health Education

Introdução

O entendimento sobre saúde é tema de intensos debates. A diversidade de compreensão sobre o que significa saúde perpassa por fatores sociais, culturais, econômicos, político e religiosos. Ao longo da história, a concepção de saúde foi relacionada ao conceito de doença11. Scliar M. História do conceito de saúde. Physis. 2007;17(1):29-41.. Alguns pesquisadores, instituições e movimentos sociais contribuíram para a construção da multiplicidade de entendimentos que envolvem o conceito de saúde.

Ao longo do tempo, historiadores, cientistas e filósofos como Hipócrates [400 a. C.], Decartes [1596-1650], François Xavier Bichat [1771-1802], Abraham Flexner Henry [1866-1959], Charles-Edward Winslow [1877-1957], Henry Ernest Sigerist [1891-1957], Michel Foucault [1926-1984], Geoges Canguilhem [1904-1995], Christopher Boorse [1946-atual], destacaram múltiplas abordagens sobre a compreensão do que é saúde, com contribuições de diversas áreas do conhecimento, desde a fisiologia, a estatística, até a filosofia e a antropologia. Assim, saúde já foi compreendida desde concepções mágicas e religiosas, de experiências subjetivas e individuais, como apenas ausência de doença, como um estado de bem-estar, ou como valor social22. Batistella C. Abordagens contemporâneas do conceito de saúde. In: Fonseca AF, Corbo AD (orgs). O território e o processo saúde-doença. Rio de Janeiro: EPSJV, Fiocruz; 2007. p.51-86..

Dentre as concepções sobre saúde, a que mais se perpetuou no campo teórico e nos cenários de práticas é a concebida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que a define como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças e enfermidades33. Organização Mundial Da Saúde (OMS). Constituição da Organização Mundial da Saúde em 1946. Biblioteca virtual de direitos humanos da Universidade de São Paulo. [internet], 1948. [acesso em 17 jun. 2018]. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html.
http://www.direitoshumanos.usp.br/index....
. Tal conceito foi forjado na constituição desta organização, servindo de base para elaboração de políticas governamentais de saúde, e assim institucionalizado por seus países membros33. Organização Mundial Da Saúde (OMS). Constituição da Organização Mundial da Saúde em 1946. Biblioteca virtual de direitos humanos da Universidade de São Paulo. [internet], 1948. [acesso em 17 jun. 2018]. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html.
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.

Essa definição, que expressa o anseio por uma vida plena e sem as privações do pós-guerra44. Brito J. Saúde - uma relação com o meio e os modos de vida. Laboreal. 2017;13(1):100-3., reagrupou diferentes dimensões da vida sobre o conceito de saúde, em contraposição ao modelo biomédico e fisiologicista, até então hegemônico. Contudo, é definido por muitos como utópico, inatingível, ademais de subjetivo, e, portanto, difícil de ser utilizado pelos serviços de saúde.

Além disso, “ao não distinguir saúde e normalidade, patologia e anomalia, essa definição permite que qualquer variabilidade seja considerada como patológica e, consequentemente, como medicável44. Brito J. Saúde - uma relação com o meio e os modos de vida. Laboreal. 2017;13(1):100-3.):(1010. Friese S, Soratto J, Pires D. Carrying out a computer-aided thematic content analysis with ATLAS. MMG Working Paper. 2018;18(2):1-30.)(22. Batistella C. Abordagens contemporâneas do conceito de saúde. In: Fonseca AF, Corbo AD (orgs). O território e o processo saúde-doença. Rio de Janeiro: EPSJV, Fiocruz; 2007. p.51-86.”, principalmente diante dos estudos com foco na doença. Sendo esse, um dos aspectos que gerou críticas ao conceito, por seu caráter utópico, bem como, por possibilitar uma compreensão a partir da necessidade de intervenção medicalizante da vida, visto a saúde plena ser inatingível.

É de conhecimento que os trabalhadores da saúde, são os principais atores que contribuem para a pulverização das concepções de saúde. As profissões de saúde possuem suas competências e atribuições, cujo fazer pressupõe seu entendimento sobre o tema. Contudo, por vezes, não sustentam qual concepção é esta, contemplando-a de maneira “míope”.

Poucos são os estudos que abordam esse tema de modo amplo no momento em que esses profissionais estão em formação. Os estudos que o fazem, remetem o conceito a partir de experiências em programas específicos, como o PET-Saúde55. Caldas JB, Lopes ACS, Mendonça RD, Figueiredo A, Lonts JGA, Ferreira EF et al. A percepção de alunos quanto ao Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET-Saúde. Rev. bras. educ. med. 2012;36(1, supl. 2):33-41.,66. Oliveira ML, Coelho TC. A percepção de acadêmicos de odontologia sobre o PET-Saúde UFMS/ SESAU, Campo Grande/MS, 2009. Revista da ABENO. 2009;11(1):76-80., ou a questões relacionadas ao exercício profissional, como o acolhimento em saúde77. Oliveira ERA, Fiorin BH, Santos MVF, Gomes MJ. Acolhimento em saúde e desafios em sua implementação: percepção do acadêmico de enfermagem. Revista Brasileira de Pesquisa em Saúde. 2010;12(2):46-51. e a educação em saúde88. Mialhe FL, Silva CMC. A educação em saúde e suas representações entre alunos de um curso de odontologia. Ciênc. Saúde Coletiva. 2011;16(supl. 1):1555-61., sem que ocorra aprofundamentos sobre a concepção do que é saúde.

Assim, é importante que a formação nos cursos de graduação em saúde fortaleça o entendimento sobre as definições do conceito de saúde, o processo de saúde e doença e sua implicação na prática. Diante de inúmeros conceitos sobre saúde e das discussões que vêm sendo levantadas a esse respeito, o objetivo do presente estudo foi identificar a compreensão de saúde entre universitários de cursos da área da saúde de uma universidade do Sul do Brasil.

Métodos

O presente estudo trata-se de uma pesquisa do tipo exploratória descritiva com abordagem qualitativa99. Chizzotti A. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. São Paulo: Cortez; 2018.. A coleta de dados ocorreu de 02 de agosto a 13 de setembro de 2017, após a aprovação da pesquisa junto ao Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade do Extremo Sul Catarinense, sob parecer número 2.201.297. O anonimato dos participantes foi preservado por meio de um código alfa numérico composto por duas letras e o número cardinal, assim, a primeira letra é o P e a segunda a inicial do curso a qual o estudante pertence, por exemplo: PB 153, que significa participante da biomedicina e o número de sua resposta é 153.

A pesquisa foi realizada mediante a amostra por conveniência com 233 estudantes dos cursos vinculados as profissões da saúde de uma universidade do sul do estado de Santa Catarina. Somente participaram do estudo estudantes regulares dos cursos, os alunos de outra área de conhecimento, que faziam disciplinas isoladas foram excluídos. A Tabela 1 ilustra o perfil dos participantes:

Tabela 1:
Caracterização dos Participantes da Pesquisa

Houve o predomínio de participantes do gênero feminino, com idade entre 20 e 24 anos e renda entre 3 e 4 salários mínimos. Os cursos de nutrição, psicologia e medicina foram os que tiveram mais adesão na pesquisa, principalmente dos acadêmicos dos primeiros, segundos e oitavos semestres.

O instrumento de coleta de dados foi um questionário composto por sete perguntas fechadas relativas a caracterização dos participantes e três perguntas abertas com vistas a identificar o entendimento dos participantes acerca do tema.

O questionário foi elaborado no google formulários e enviado uma única vez para os(as) acadêmicos(as) via e-mail por meio das coordenações dos cursos. O corpo do e-mail continha uma explicação sobre os objetivos da pesquisa, contato para dúvidas e um link que ao clicar direcionaria para o instrumento. No formulário eletrônico a primeira informação disposta foi o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), com o detalhamento de todo o processo de investigação, bem como um ícone para atestar seu consentimento.

Os dados foram organizados por meio do Software Atlas.ti1010. Friese S, Soratto J, Pires D. Carrying out a computer-aided thematic content analysis with ATLAS. MMG Working Paper. 2018;18(2):1-30., a qual se trata de um programa que auxilia o pesquisador na estruturação da análise, facilitando a armazenagem e o gerenciamento dos dados 1010. Friese S, Soratto J, Pires D. Carrying out a computer-aided thematic content analysis with ATLAS. MMG Working Paper. 2018;18(2):1-30.. A partir da organização, os dados foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo temática1010. Friese S, Soratto J, Pires D. Carrying out a computer-aided thematic content analysis with ATLAS. MMG Working Paper. 2018;18(2):1-30.,1111. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011. composta por três fases: a pré-análise, a exploração do material e por fim, o tratamento dos resultados e interpretação.

A pré-análise foi caracterizada pela sistematização e organização do material colhido, foi extraído o arquivo com os dados da plataforma digital em formato .xls, realizada leitura flutuante, refinamento dos dados, questionamento dos pressupostos e ajustes na redação. Nesta fase foi realizado a pré-análise de 299 respostas, e 66 excluídas, a saber: duas [2] por serem repetidas; quatorze [14] por não clicarem no aceite do TCLE; vinte e sete [27] por não responderem todas questões do formulário; vinte e três [23] possuírem respostas não condizente ao que foi perguntado, por exemplo: só estou vendo o formulário, não quero participar, etc.

A exploração do material consistiu em codificar os dados. O arquivo com os dados coletados e filtrados foi inserido no software Atlas.ti, que permitiu selecionar Os trechos de respostas [quotations], representado por meio de códigos ou subcategorias [codes] e agrupá-los por categorias [codes groups] que refletissem o conteúdo da fala. Para nomeação dos códigos, subcategorias e categorias, levou-se em conta a sustentação teórica das produções relacionadas ao conceito de saúde.

Na etapa de tratamento dos resultados e interpretação foi realizada a inferência dos autores relacionando-os com as quotations, codes e codes groups de acordo com o objetivo da investigação e o suporte teórico. Nesta fase também foi realizado construção de rede de visualização [network] e tabelas com os resultados.

Com vistas a gerar um melhor entendimento do leitor, encadeando teoria e percepção dos pesquisadores, foram destacados os trechos de respostas na seção discussão deste manuscrito.

Resultados

Os dados gerados pelos participantes com relação à definição de saúde foram organizados em 3 categorias, 7 subcategorias e 20 códigos. A rede de visualização a seguir ilustra essa relação:

Figura 1:
Rede de visualização dos resultados

O quantitativo de respostas está descrito na Tabela 2:

Tabela 2:
Número de quotations, vinculadas as subcategorias e categorias sobre a compreensão de saúde de universitários dos cursos da área da saúde

Na grande maioria a saúde compreende o bem-estar, juntamente com a noção de desequilíbrio. Percebe-se ainda que saúde enquanto bem-estar é o mais citado entre os acadêmicos da primeira e décima fase, sendo nas primeiras fases com definições mais fechadas atreladas a ausência de doenças e ao biológico, por seguinte, nas últimas fases circulam visões mais amplas, principalmente vinculadas as definições que remotam uma perpectiva mais integral.

Discussão

No prumo: saúde enquanto busca de equilíbrio, bem-estar e qualidade de vida

O prumo é um instrumento de trabalho utilizado pelos trabalhadores da construção civil para ascensão da edificação em um ângulo reto e sem desníveis, portanto, neste sentido esta categoria agrega definições que convergem para o equilíbrio. Dentro desta categoria encontram-se 3 subcategorias que possuem conexões entre seus conteúdos de falas, sendo elas Bem-estar, Equilíbrio e Qualidade de vida, as quais, em algumas quotations surgiram como integradas nas falas dos participantes, ou seja, co-ocorrência.

A ideia de “equilíbrio” está presente em muitas discussões sobre o conceito de saúde. Para Hipócrates de Cós (460-377 a.C.), considerado pai da medicina, a saúde consistia no equilíbrio dos diferentes humores do corpo: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue11. Scliar M. História do conceito de saúde. Physis. 2007;17(1):29-41.. Para alguns dos referenciais do modelo biomédico, saúde seria a ausência de doença, como expressão do desempenho da função natural de cada parte do corpo22. Batistella C. Abordagens contemporâneas do conceito de saúde. In: Fonseca AF, Corbo AD (orgs). O território e o processo saúde-doença. Rio de Janeiro: EPSJV, Fiocruz; 2007. p.51-86., e a doença, o desequilíbrio dessas funções.

O conceito proposto pela OMS se refere ao completo estado de bem-estar físico, mental e social, também remete a estabilidade. Contudo, ao relacionar bem-estar com normalidade, equilíbrio e saúde, possibilita múltiplas reflexões sobre o que se define como bem-estar (seria esta uma categoria subjetiva, uma autopercepção do sujeito, ou então, um construto relacionado ao que os valores sociais definem como bem-estar, e, portanto, passível de ser normatizado).

Na subcategoria “bem-estar” se encontram as definições que abordam a saúde como o bem-estar do indivíduo, seja no âmbito físico, psicológico, social e/ou espiritual, e subdividem-se em 3 códigos: a saúde como algo subjetivo, a saúde como bem social e a integração entre mente e corpo.

Como exemplo do código “saúde como algo subjetivo”, tem-se: “Saúde é o completo bem-estar físico, mental e psicológico, é individual, ou seja, é relativo de cada pessoa” (PO 79). Czeresnia e Freitas1212. Czeresnia D, Freitas CM. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. 2. ed. 3 reimp. Rio de Janeiro: Editora Fio Cruz; 2014. refletem que muitas vezes, nas práticas de saúde se confundem o conceito de doença (construção mental) e o processo de adoecer (relacionado com a experiência de vida), então é preciso compreender essa diferença para que, enquanto profissionais da saúde não se busque as respostas simples, mas sim desenvolver práticas que contemplem à totalidade no momento de promoção de saúde.

No código “saúde como bem social” surge: “é o bem-estar de todas as pessoas” (PF 31). Pensar saúde como bem social, é algo que remete as discussões ligadas ao movimento de promoção de saúde, bem como as correntes de pensamento que debatem a determinação social da saúde nas décadas de 70 e 80, e se expressam nos princípios do movimento de reforma sanitária no Brasil. Ao pensar em saúde como bem social, não é possível desvincular a ideia de saúde como um direito, pois nesse entendimento busca-se atingir uma perspectiva em que a saúde é adequada a todos, bem como que todos tenham acesso, considerando o impacto social da mesma1313. Saraiva AMP. Acesso à tecnologia em saúde: uma perspectiva bioética [tese]. Porto (Portugal): Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; 2015..

A “interligação entre o bem-estar mental e corporal” aparece como terceiro código: “Saúde é o bem-estar como um todo, pois numa concepção de mente e corpo integrados um afetará o outro. Portanto, para o corpo estar bem, a mente precisa estar bem e vice-versa” (PP 58). Ainda, é possível perceber nesse discurso a correlação com o equilíbrio como fundamental para a saúde.

Dessa forma, a subcategoria “equilíbrio” é formada por 34 trechos de respostas caracterizado por definições que abordam a saúde como o equilíbrio dos diversos fatores influenciadores da vida do indivíduo, seja físico, mental, social, entre outros, sendo gerado a partir de 3 códigos: equilíbrio de aspectos pessoais, influência externa no equilíbrio interno e fragmentação pela busca do equilíbrio.

Como exemplo do código “equilíbrio de aspectos pessoais”, há o seguinte trecho: “Saúde é algo como o equilíbrio entre todos os fatores da vida: físico, mental, psicológico e espiritual” (PM 8). Há ainda falas que amplificam a questão do equilíbrio para além do sujeito, englobando aspectos sociais e ambientais no código “Influência externa no equilíbrio interno”, como: “Saúde é o equilíbrio de todas as esferas da vida: equilíbrio de corpo sadio, mente sadia e equilíbrio harmônico com a sociedade que circunda o ser” (PM 39).

A partir das contribuições do Informe Lalonde de 1974, ampliou-se o conceito de saúde e ressaltou a relação entre os conjuntos de conhecimentos e práticas, considerando o biológico, o estilo de vida, o ambiente e os modelos de serviços de saúde ofertados1414. Carvalho MP, Andrade FP, Baisch ALM, Soares MCF. Saúde para todos: reflexões que permeiam essa meta. Vittalle. 2011;23(2):27-31., incluindo dessa forma, a questão externa, social à concepção de saúde presente inclusive nas falas dos participantes do estudo.

O código seguinte traz em seu discurso a “fragmentação do sujeito para busca do equilíbrio”, que remete ao antigo paradigma médico, dessa forma, saúde “seria aquilo que se proporciona às pessoas por meio do cuidado, que tem como fim chegar a um estado de equilíbrio do corpo, tentando manter todas as partes bem, para o inteiro ficar saudável” (PM 166).

Dessa forma, é possível perceber que essa ideia deriva do modelo proposto por Abraham Flexner, em 1910, pois foi a partir das contribuições desse autor que se estabeleceu o modelo do qual até hoje percebe-se resquícios na área da saúde, em que há a fragmentação do sujeito para que se possibilite a cura, o retorno ao saudável1515. Rocha JA, Rocha JÁ, Mendonça MA. Humanizar o humanizado: Universitário Transformador, aperfeiçoando a ótica acadêmica no contexto familiar. Revista Fluminense de Extensão Universitária. 2017;7(2):4-7..

Por fim, a subcategoria “qualidade de vida” abarcou 7 respostas que definem saúde como a capacidade do sujeito possuir qualidade de vida, proveniente de três códigos: Corpo e mente, Equilíbrio e Social.

O seguinte trecho define o código “corpo e mente”: [...]é qualidade de vida física e mental (PP 57). A definição de qualidade de vida para a OMS1616. Organização Mundial da Saúde. The WHOQOL Group. The World Health Organization quality of life assessment (WHOQOL): position paper from the World Health Organization. Soc. Sci. Med. 1995;41(10):1403-10. contempla a percepção do indivíduo sobre suas condições de vida, crenças, objetivos, expectativas e preocupações. Dessa forma, ao falar em qualidade de vida, fala-se da subjetividade de cada sujeito em perceber o que é melhor para si.

No código “equilíbrio” ocorreu uma correlação com outros códigos, como por exemplo: Saúde não é a mera ausência de doença, mas sim qualidade de vida e vida em equilíbrio (PN 552). Dessa forma, o equilíbrio vai além do equilíbrio do organismo, ele envolve as esferas da vida do sujeito e os papéis que desempenha socialmente, propiciando então, qualidade de vida com base no que o sujeito considera importante para si.

E no código “social” reporta-se: Saúde para mim é ter boa qualidade de vida com um bem-estar social, físico e emocional (PN 51). A qualidade de vida aparece vinculada à promoção de saúde e as condições sociais, sendo muito importante para a superação do modelo biomédico, principalmente por buscar proporcionar a saúde para os indivíduos e não apenas eliminar sintomas e doenças por meio de multidisciplinaridade nas intervenções, sendo alvo de políticas públicas sociais que visam ver o sujeito em sua integralidade1717. Ascef BO, Haddad JPA, Álvares J, Guerra Júnior AA, Costa EA, Acurcio FA et al. Health-related quality of life of patients of Brazilian primary health care. Rev. Saúde Pública. 2017;51(2):1-13..

A ideia de saúde enquanto equilíbrio, de prumo, é persistente nessas falas. Pauta-se como pontos de apoio a relação do sujeito, seu corpo, sua mente seu meio social ou a fragmentação destes aspectos. Por vezes, remete à ideia de compreensão de normalidade pautada no controle, como se as polarizações ou desvios para um dos lados fossem consideradas falta de saúde.

No Guyton: saúde enquanto funcionamento adequado das partes do organismo

Arthur Clifton Guyton foi um médico fisiologista norte americano e, atualmente, é uma das principais literaturas que contemplam a fisiologia humana. É certo que em algum momento os alunos de graduação em saúde tiveram a necessidade de lê-lo. Seus escritos convergem para o bom funcionamento corpóreo, ressaltado sobremaneira os mecanismos fisiológicos normais de um ser humano. E é sobre essa concepção “Guytiana” que a presente categoria discorre.

Para tanto, encontram-se as subcategorias que abordam principalmente a questão do corpo enquanto ausência de doenças e vinculado ao biológico. A compreensão de saúde como ausência de doença é tributária da clínica moderna. Inicialmente sendo expressado por meio de uma perspectiva que atribui ao corpo o sentido de uma máquina, cujo bom funcionamento expressaria sua normalidade, fora entendido enquanto conceito oposto a doença, o desempenho da função natural de cada parte do corpo, com base em uma concepção do normal definido estatística e funcionalmente22. Batistella C. Abordagens contemporâneas do conceito de saúde. In: Fonseca AF, Corbo AD (orgs). O território e o processo saúde-doença. Rio de Janeiro: EPSJV, Fiocruz; 2007. p.51-86..

Por muito tempo o modelo cartesiano restringiu a compreensão do processo de saúde e doença ao biológico, ignorando a sua relação ao conjunto de variáveis que estão ligadas ao processo de adoecimento e de estar saudável, como as variáveis psicológicas, econômicas e sociais1818. Caponi S, Verdi M, Brzozowski FS, Hellmann F. Medicalização da vida: ética, saúde pública e indústria terapêutica. Palhoça: Editora Unisul; 2010..

Este discurso tem sido ressignificado, com o advento da compreensão das alterações neurofisiológicas e genéticas nos últimos anos, tem perpassado pela discussão sobre as possibilidades de vida ou modelos de vida a seguir para a regulação desses padrões1919. Neves TI, Porcaro LA, Curvo DR. Saúde é colocar-se em risco: normatividade vital em Georges Canguilhem. Saude soc. 2017;26(3):626-37.. Saúde, então, “não diz mais respeito apenas à ausência de doenças, mas também [a possibilidade de] consumir determinados produtos, medicamentos, melhor dizendo, consumir um determinado modelo de vida”1919. Neves TI, Porcaro LA, Curvo DR. Saúde é colocar-se em risco: normatividade vital em Georges Canguilhem. Saude soc. 2017;26(3):626-37.):628, que possibilite o bem-estar, a longevidade ou a própria vida.

Nesta categoria, a subcategoria “ausência de Doenças” conta com 21 ocorrências que se dividem em 3 códigos: ausência de doenças que impeçam a qualidade de vida, ausência de doença física e normalidade. Como exemplo de “ausência de doenças”: “ter saúde é apresentar bem-estar físico e psíquico. Ausência de patologias que prejudiquem o funcionamento e qualidade de vida do indivíduo, tanto em seus aspectos biológicos, sociais ou afetivos” (PP 73).

Há ainda definições que abordam saúde especificamente como “ausência de doenças físicas e biológicas”: “Indivíduo sem nenhuma patologia (doença), ausência de sinais e sintomas referente DCNT (doença crônica não transmissível) domínios de suas ações físicas e mentais” (PN 139).

Percebe-se que a ausência de doenças pode ser propiciada pelos medicamentos e relacionada a interesses mercantis. O mercado divulga a “pílula mágica” que alivia sintomas e cura doenças, mas para que haja lucro é necessário que essa ideia de que “se é saudável, quando o corpo está bem” seja aceita, portanto durante muito tempo criou-se uma sustentação em que ser saudável é não estar doente corporalmente, lógica essa que ainda circula socialmente, inclusive entre profissionais (e futuros profissionais) de saúde, que contribuem para que o mercado farmacológico continue lucrando1818. Caponi S, Verdi M, Brzozowski FS, Hellmann F. Medicalização da vida: ética, saúde pública e indústria terapêutica. Palhoça: Editora Unisul; 2010..

Dessa forma, é difundida a ideia de que os indivíduos que tem acesso a medicações têm acesso à saúde, tornando-se saudáveis consequentemente tornam-se capazes de controlar suas ações, pensamentos e desejos. Esse tipo de visão estimula as pessoas para que busquem na medicação e automedicação uma forma de serem donos de si mesmo e então mostrarem que são saudáveis.

A “normalidade” surge como último código desta categoria, abarca definições que abordam que saúde é estar “normal”: “Saúde é quando o organismo está em estado normal, sem patologias” (PN 94). A partir dessa fala, torna-se necessário adentrar a discussão sobre a normalização, que implica um parâmetro normativo corporal, orgânico e biológico, mas também psicológico e social, tentando marcar as identidades à norma. Assim, busca-se enquadrar o indivíduo como saudável ou doente a partir da conformidade ou desvio do considerado padrão1818. Caponi S, Verdi M, Brzozowski FS, Hellmann F. Medicalização da vida: ética, saúde pública e indústria terapêutica. Palhoça: Editora Unisul; 2010..

Esse tipo de visão de saúde não possibilita intervenções terapêuticas com base nas necessidades dos sujeitos, mas sim, com base naquilo que outro considera necessário, a partir de uma norma socialmente imposta e estruturada, sem que ocorra o questionamento sobre o que ou quem define o que é o padrão.

A subcategoria “biológico” contempla discursos que trazem a saúde como derivada do funcionamento adequado do organismo, ou seja, aborda a questão corporal como o único ou mais importante fator influenciador da saúde (ou não) do indivíduo, sendo citado por 20 participantes da pesquisa e dividida em 2 códigos: Funcionamento adequado do organismo e Corpo como máquina.

O código “corpo como máquina” está relacionado aos demais códigos desta categoria, representado pelo seguinte trecho: “[...] é a capacidade que o corpo possui para manter a estabilidade interna (com funcionamento dos órgãos e sistema) diante das inúmeras enfermidades físicas, mentais e ambientais encontradas no meio em que se vive” (PM12). Aparece no discurso o corpo como uma máquina que se adapta às interferências.

A antiga classificação biológica, que consistia na padronização do funcionamento biológico do organismo, sendo esse a base para comparação da norma e do desvio do que é ser saudável1818. Caponi S, Verdi M, Brzozowski FS, Hellmann F. Medicalização da vida: ética, saúde pública e indústria terapêutica. Palhoça: Editora Unisul; 2010.. Essa concepção foi superada e ampliada pelas ciências humanas, acrescentando os aspectos psicológicos e sociais como fundamentais para se definir o que é “normal”, porém, ainda reduzindo as ações do sujeito como saudáveis ou não, a partir de uma norma.

Percebe-se então, a forma como as estruturas de poder são apresentadas por meio do discurso normalizador que se esconde atrás do discurso técnico científico, ou seja, o que é aceito ou não socialmente é apresentado como o que é normal ou não, desde os espaços sociais aos indivíduos, seus corpos, condutas, atividades e relações estabelecidas, trata-se portanto, do exercício de biopoder, em que o exercício de poder ocorre pela incorporação da norma por cada um dos indivíduos2020. Foucault M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 41.ed. Petrópolis, RJ: Vozes; 2013..

Como exemplo do código “funcionamento adequado do organismo” encontra-se o trecho: “Entendo saúde como um estado, em que o organismo funciona de acordo com as suas necessidades, ou seja, em que o corpo funciona da mais correta forma, propiciando bem-estar ao ser” (PN 45). E: “[...] é quando alguém se encontra bem com seu corpo, sem ter nada que fisiologicamente o incomode” (PM 47).

A noção de funcionamento adequado indica que a percepção da saúde está muito associada a compreensão que se tem a solução de problemas, por exemplo, como um automóvel, que basta uma regulagem, um aperto de um determinado parafuso para o ajuste do ruído. Isso na prática da assistência em saúde pode se manifestar na fragmentação do ser, dividindo-o em partes na prestação da atuação profissional e não contemplando a sua inteireza.

Esses trechos de resposta também nos remetem ao “[...] discurso científico, a especialidade e a organização institucional das práticas em saúde que circunscreveram-se a partir de conceitos objetivos não de saúde, mas de doença”88. Mialhe FL, Silva CMC. A educação em saúde e suas representações entre alunos de um curso de odontologia. Ciênc. Saúde Coletiva. 2011;16(supl. 1):1555-61. (p. 45). Esse discurso científico está muito ligado à visão de saúde enquanto a ausência de doenças anatomofisiológicas, sendo então proporcionada à saúde, por meio do tratamento isolado, fragmentado do sujeito, ou seja, diretamente relacionado a subcategoria da ausência de doenças2121. Canguilheim G. O normal e o patológico. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2009..

No caminho: saúde enquanto busca

A última categoria é nomeada “no caminho”, pois possui como conceito de saúde a busca por ela, conta com 2 subcategoria: Integral e Ação, e ambas envolvem certo movimento por parte do sujeito para tornar-se saudável.

Na subcategoria “integral” foram identificadas 15 respostas que tinham uma correlação com outra categoria e subcategorias (bem-estar, equilíbrio e qualidade de vida), porém, com definições mais amplas, ou seja, apresentavam um novo fator influenciador de saúde que não estavam presentes nas respostas. Nesta subcategoria tiveram 3 códigos: Cuidado consigo e com o outro e Exercício de Cidadania. A fala seguinte demonstra bem o código “cuidado consigo e com o outro”:

Saúde para mim é cuidado com o próximo, saúde é fazer uso da integralidade e educação visando um melhor desempenho do aprendizado e equilíbrio mental, pois saúde não é só física, é mental também, psicológica, que é a mais importante no meu ver (PE 1).

Czeresnia e Freitas1212. Czeresnia D, Freitas CM. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. 2. ed. 3 reimp. Rio de Janeiro: Editora Fio Cruz; 2014. analisam que a maioria das conferências e documentos relacionados à promoção de saúde englobam o entendimento dos problemas como importante para a intervenção dos mesmos, valorizando também o conhecimento popular e a participação social.

Dessa forma, passa a ser reconhecida a importância, mas também aceita a participação popular na forma como é produzida a saúde. Ainda, é possível acrescentar que o próprio exercício de cidadania já é saúde a partir do momento em que sujeito se posiciona também como sujeito de saber e passa a ser ativo no seu próprio processo de saúde.

O código “exercício da cidadania” influencia positivamente a saúde dos sujeitos, usufruir de seus direitos também é contemplado como importante para uma saúde integral:

Para que a pessoa tenha boa saúde física, mental e espiritual é indispensável que suas necessidades básicas sejam supridas, como por exemplo: o ambiente apropriado de moradia e trabalho, segurança, estabilidade financeira [emprego], acesso aos serviços de saúde, alimentação, períodos de lazer e saneamento básico (PEF 548).

A própria Lei 8.080 assegura que o acesso à saúde é direito de todos e busca proporcionar que todos tenham suas necessidades sanadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de forma igualitária no Brasil2222. Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, 19 Set 1990.. Dessa forma, acessar e utilizar uma das estruturas da rede é uma forma de exercer cidadania e garantir direitos.

A subcategoria “ação” possui 14 respostas e foram inseridas falas que possuem em seu discurso a sustentação de que a saúde vem de ações realizadas pelo indivíduo, sendo ele o único responsável por sua saúde ou pela ausência dela, como exemplo o código “Exercício e alimentação”: “Saúde é você estar 100% bem com o seu corpo, com sua mente. Ativo com exercícios físicos, se alimentar bem, se cuidar, para que além de ser feliz, seu corpo ficar bem também” (PF 272).

Estudos apontam que a alimentação saudável em longo prazo promove o bem-estar e o bom funcionamento do organismo, inclusive, dependendo da base da alimentação, vai apresentar impacto sobre o envelhecimento, garantindo ou não a saúde. Porém, não se resume ao impacto no organismo, estando também relacionada ao bem-estar psicológico2323. Prata PM, Marques PH. Saúde e alimentação no trabalho. In: Anais do VII Vertentes e desafios da segurança; 2017 out 26-28; Leiria, Portugal. Leiria: ASVDS; 2017. p. 119-26.. A prática de exercícios físicos regulares apresenta impacto na qualidade de vida dos sujeitos, mas não de forma isolada2424. Totoro RJ, Sousa M, Martins R, Chacur E, Sousa F. Avaliação da qualidade de vida dos usuários de um Núcleo de Apoio à Saúde da Família - NASF. Psicologia e Saúde em Debate. 2017; 3 (1):50-7.. Sendo então atrelados à influência na qualidade de vida e bem-estar, contudo, não contemplam a totalidade do significado de saúde.

No código “relações sociais” acrescentam nas falas a importância de se relacionar socialmente para ser um sujeito saudável, como: “para ter uma vida saudável é necessário primeiramente estar bem consigo mesmo, praticar esportes, alimentação saudável, fazer novas amizades, estar aberto a novos conhecimentos, saúde é a união de todos esses fatores” (PE161). E por fim, o código “funcionalidade” surge com a seguinte fala: “condições de saúde apropriadas (integridade física e emocional) para exercer o trabalho diário, cumprir tarefas, realizar objetivos, planejar o futuro” (PN 278).

Nesse contexto, foi elaborada a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) com o objetivo de organizar informações sobre a saúde e seus diferentes estados. A CIF aborda o grau de funcionalidade da capacidade de interação do indivíduo consigo próprio, no trabalho, com a família e com a comunidade, ou seja, leva em consideração a condição sociocultural e a qualidade de vida dos sujeitos2525. Organização Mundial da Saúde. Como usar a CIF: um manual prático para o uso da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Versão preliminar para discussão. Genebra: NOS; 2013.. Assim, percebe-se uma tentativa de sair do modelo focado nas doenças e passar a identificar potencialidades e as diversas faces da saúde, incluindo a capacidade de interagir socialmente.

A abordagem de saúde enquanto busca tem, no âmbito da saúde coletiva, importante contribuição da epistemologia histórica francesa, principalmente de Georges Canguilhem (1904-1995)2626. Ayres JRCM. Georges Canguilhem e a construção do campo da saúde coletiva brasileira. Intelligere. 2016;2(1):139-55. que define saúde como “a plasticidade da vida e suas infinitas possibilidades de ser vivida (...) desenvolve uma perspectiva original para o entendimento sobre as práticas de cuidado”1919. Neves TI, Porcaro LA, Curvo DR. Saúde é colocar-se em risco: normatividade vital em Georges Canguilhem. Saude soc. 2017;26(3):626-37.):633. Seus escritos acompanharam o projeto acadêmico da saúde coletiva no Brasil, influenciando as obras de Arouca (O dilema preventivista - 1975) e Donangello (Medicina e estrutura social - 1976), que também debatem o paradigma biomédico2626. Ayres JRCM. Georges Canguilhem e a construção do campo da saúde coletiva brasileira. Intelligere. 2016;2(1):139-55..

Assim, diferenciando-se da caracterização biomédica da doença, Canguilhem2121. Canguilheim G. O normal e o patológico. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2009. pensa o processo saúde doença também como a potência de criação de novas formas de vida, em vista disso, ser saudável está relacionado à capacidade de superação e criação.

Ainda sobre ressignificar a prática do cuidado em uma perspectiva humanizadora, vem-se discutindo saúde como as condições de busca e de manejo do adoecimento, tendo como finalidade a realização de projetos de felicidade2727. Ayres JRCM. Uma concepção hermenêutica de saúde. Physis. 2007;17(1):43-62.. Nesse sentido, problematiza as práticas de cuidado cujas abordagens se focam na doença, fragmentando o sujeito, não enxergando sua integralidade.

No que se refere da saúde como caminho a ser percorrido, não se trata de um ponto a ser alcançado, um local em que se permanece após chegar, mas sim, algo fluído, que continuamente deve ser pensada, repensada e implementada, logo atenção dispendida ao cuidado consigo e com o outro faz parte desse caminho.

Quanto as limitações do estudo, sugere perceber este fenômeno ainda na graduação tem sua importância à medida em que saúde, sendo o objetivo ou atividade fim destes futuros profissionais, relaciona-se com as perspectivas sobre o sujeito de sua prática. Dessa forma, expressa-se também em práticas de cuidado e percepção sobre seus objetivos e os sujeitos desta relação.

Seria interessante analisar como estes conceitos variam ao longo dos cursos da saúde, e nos profissionais recém graduados, a fim de verificar a influência do conhecimento produzido e difundido na academia nas práticas de cuidado. Desde a perspectiva docente, compreender como se realiza este processo é importante para discutir a estruturação das disciplinas dos cursos, assim como as habilidades e competências a serem desenvolvidas pelos estudantes, de forma a proporcionar uma compreensão do cuidado a partir de uma perspectiva de autonomia e integralidade dos sujeitos.

Conclusão

A compreensão do conceito de saúde para os estudantes universitários de saúde não é uníssono e expressa-se de forma polissêmica, ora convergindo para uma noção de prumo, as vezes focado na normalidade fisiológica e por fim a saúde como um caminho a ser construído.

Houve predomínio substancial de concepções atreladas ao bem-estar e a noção de equilíbrio. E em menores intensidades compreensões pautadas na ausência de doença e também em uma perspectiva mais ampla vinculada a capacidade de ação de cada indivíduo.

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  • Fonte de auxílio: Edital número 15/2017 do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica (PIBIC) da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) em convenio com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2019
  • Aceito
    30 Out 2019
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