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Risco nutricional e sinais e sintomas de alterações da deglutição em idosos hospitalizados

RESUMO

Objetivos:

relacionar risco nutricional e sinais e sintomas de alterações da deglutição referidas por idosos hospitalizados, assim como correlacionar o escore total da Mini avaliação Nutricional (MAN) e o total de sinais e sintomas.

Métodos:

estudo transversal com amostra de 28 indivíduos hospitalizados, selecionados por conveniência, média de 72,18 ± 5,92 anos de idade, sendo 15 (53,6%) do sexo masculino. O risco nutricional foi avaliado pelo escore total da MAN. Sinais e sintomas de alterações da deglutição foram investigados por meio de entrevista com 11 itens. Foram aplicados o teste de correlação de Spearman e o teste de Mann-Whitney. O intervalo de confiança foi de 95%.

Resultados:

metade da amostra referiu pelo menos um sinal ou sintoma de alteração da deglutição, sendo engasgo o mais frequente (32,1%). A mediana do escore total da MAN(19,75) indicou risco nutricional. Idosos que referiram engasgo apresentaram pior desempenho na MAN (p = 0,05). Não houve correlação entre escore total da MAN e o total de sinais e sintomas de alterações da deglutição.

Conclusão:

o risco nutricional foi maior em idosos hospitalizados com queixa de engasgo, mas não foi encontrada correlação entre o total de sinais e sintomas de alterações da deglutição e o escore total da MAN nessa população.

Descritores:
Transtornos de Deglutição; Deglutição; Idosos; Envelhecimento; Desnutrição; Hospital

ABSTRACT

Purpose:

to relate nutritional risk and signs and symptoms of swallowing disorders as reported by hospitalized elderly, as well as to correlate the Mini-Nutritional Assessment (MNA) total score with the total number of signs and symptoms.

Methods:

a cross-sectional study with a convenience sample of 28 hospitalized patients, mean age of 72.18 ± 5.92 years, 15 (53.6%) males. The nutritional risk was evaluated by the MNA total score. Signs and symptoms of alterations in swallowing were investigated by means of an interview with 11 items. The Spearman’s correlation coefficient and the Mann-Whitney test were applied. The confidence interval was of 95%.

Results:

half the sample reported at least one sign or symptom of alteration in swallowing, with choking being the most frequent (32.1%). The MNA total score median (19.75) indicated nutritional risk. Elderly who reported choking presented worse performance in the MNA (p = 0.05). There was no correlation between the MNA total score and the total number of signs and symptoms of alterations in swallowing.

Conclusion:

nutritional risk was higher in hospitalized elderly with complaint of choking, but no correlation was found between the total number of signs and symptoms of alterations in swallowing and the MNA total score in this population.

Keywords:
Swallowing Disorders; Swallowing; Elderly; Aging; Malnutrition; Hospital

Introdução

O envelhecimento é um processo dinâmico, progressivo e comum a todos os seres vivos, sendo influenciado por múltiplos fatores (biológicos, psicológicos, econômicos, sociais, culturais, dentre outros)11. Wirth R, Dziewas R, Beck AM, Clavé P, Hamdy S, Heppner HJ et al. Oropharyngeal dysphagia in older persons - from pathophysiology to adequate intervention: a review and summary of an international expert meeting. Clin Interv Aging. 2016;11:189-208. que, se alterados, podem comprometer a independência funcional do idoso, suas condições de saúde e consequentemente sua qualidade de vida11. Wirth R, Dziewas R, Beck AM, Clavé P, Hamdy S, Heppner HJ et al. Oropharyngeal dysphagia in older persons - from pathophysiology to adequate intervention: a review and summary of an international expert meeting. Clin Interv Aging. 2016;11:189-208.,22. Cunha FCM, Cintra MTG, Cunha LCM, Giacomin KC, Couto EAB. Fatores que predispõem ao declínio funcional em idosos hospitalizados. Rev. bras. geriatr. gerontol. 2009;12(3):475-87..

Nos idosos, a redução da capacidade funcional, o processo de envelhecimento e a carga de afecções crônicas resultam em maior necessidade de serviços de saúde, tanto ambulatoriais quanto hospitalares22. Cunha FCM, Cintra MTG, Cunha LCM, Giacomin KC, Couto EAB. Fatores que predispõem ao declínio funcional em idosos hospitalizados. Rev. bras. geriatr. gerontol. 2009;12(3):475-87.. A hospitalização é um evento complexo e peculiar que retira o indivíduo do seu meio e do convívio familiar e social, além de ser um fator de risco para o declínio funcional das pessoas idosas, devido à perda de dependência e autonomia33. Pereira BEE, Biene A, Rassy CS, Nascimento FSES. Funcionalidade global de idosos hospitalizados. Rev. bras. geriatr. gerontol. 2014;17(1):165-76., sendo vários os fatores que podem influenciar esse resultado, dentro desses, o estado nutricional44. Silva HGV. Evaluación nutricional asociada com la estancia hospitalaria. Nutr. hosp. 2012;(2):542-7..

O estado nutricional traz impactos para condição física e emocional dos idosos, sendo essa população a de maior risco para desnutrição55. Azevedo LC, Fenilli M, Farias MB, Breitkopf T, Silva AA, Esmeraldino R. Principais fatores da mini avaliação nutricional associados a alterações nutricionais de idosos hospitalizados. ACM Arq. Catarin. Med. 2007;36(3):7-14.,66. Silva JL, Marques APO, Leal MCC, Alencar DL, Melo EMA. Fatores associados à desnutrição em idosos institucionalizados. Rev. bras. geriatr. gerontol. 2015;18(2):443-51. devido à redução na ingestão alimentar, alteração do paladar, presença de doenças debilitantes, isolamento social, alterações do estado de saúde, limitações econômicas e múltiplas internações hospitalares, podendo aumentar o tempo e o custo de permanência hospitalar77. Soares ALG, Mussoi TD. Mini nutritional assessment to determine nutritional risk and malnutrition in elderly hospitalized. Rev. bras. nutr. clin. 2014;2(29):105-10..

Um dos fatores que pode causar ou agravar o declínio nutricional dos idosos é a disfagia orofaríngea, condição que se refere ao transtorno nas fases preparatória, oral e/ou faríngea da deglutição, cujos sinais e sintomas incluem engasgo, tosse, sensação de alimento parado na garganta, perda de peso, entre outros88. Rommel N, Hamdy S. Oropharyngeal dysphagia: manifestations and diagnosis. Nat. Rev. Gastroenterol. Hepatol. 2015;13(1):49-59.. A progressão da disfagia orofaríngea pode comprometer aspectos clínicos, nutricionais e/ou sociais do indivíduo, incluindo sequelas como desnutrição, desidratação e complicações respiratórias, inclusive levando à morte88. Rommel N, Hamdy S. Oropharyngeal dysphagia: manifestations and diagnosis. Nat. Rev. Gastroenterol. Hepatol. 2015;13(1):49-59.,99. Wakabayashi H. Presbyphagia and sarcopenic dysphagia: association between aging, sarcopenia, and deglutition disorders. J Frailty Aging. 2014;3(2):97-103.. Dessa forma, é importante detectar precocemente pacientes em risco nutricional e com sinais e sintomas de alterações da deglutição para um melhor prognóstico e intervenção imediata, principalmente nos idosos hospitalizados1010. Raslan M, Gonzalez MC, Dias MCG, Paes-Barbosa FC, Cecconello I, Waitzberg DL. Aplicabilidade dos métodos de triagem nutricional no paciente hospitalizado. Rev. Nutr. 2008;21(5):553-61.

11. Soares ALG, Mussoi TD. Mini nutritional assessment to determine nutritional risk and malnutrition in elderly hospitalized. Rev Bras Nutr Clin. 2014;29(2):105-10.
-1212. Dalpiaz JS, Bertoni VM, Alves ALS, Bertol D. Nutritional status and its evolution during hospitalization in elderly patients. Rev. Bras Nutr Clin. 2015;30(1):34-8..

Do ponto de vista teórico e biológico admite-se que estado nutricional e disfagia orofaríngea são eventos vinculados1313. Andrade PA, Santos CA, Firmino HH, Rosa COB. Importância do rastreamento de disfagia e da avaliação nutricional em pacientes hospitalizados. Einstein. 2018;16(2):eAO4189.,1414. Bomfim FMS, Chiari BM, Roque FP. Factors associated to suggestive signs of oropharyngeal dysphagia in institutionalized elderly women. CoDAS. 2013;25(2):154-63.. No entanto, resta saber se em idosos hospitalizados o risco de desnutrição está relacionado a sinais e sintomas de alterações na deglutição. Portanto, o objetivo deste estudo foi investigar se existe relação entre risco nutricional e sinais e sintomas de alterações da deglutição referidas por idosos hospitalizados, assim como correlacionar os escores totais de instrumentos utilizados para investigar esses eventos.

Métodos

Este estudo é do tipo observacional, analítico, documental e transversal. Foi realizado no Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW/EBSERH/UFPB) e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisas em Seres Humanos do HULW/EBSERH/UFPB,e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisas em Seres Humanos do referido hospital, conforme parecer 2.653.250/18 e CAAE 88742118.7.0000.5183,conforme preconiza a Declaração de Helsinke e a Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Todos os participantes assinaram voluntariamente um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A pesquisa foi realizada com idosos hospitalizados que apresentavam idade igual ou acima de 60 anos, de ambos os sexos, independente do diagnóstico clínico e tipo de tratamento. Foram excluídos pacientes com comprometimento grave do estado cognitivo de acordo com o resultado do Short Portable Mental Status Questionnaire (SPMSQ)1515. Pfeiffer E. A short portable mental status questionnaire for the assessment of organic brain deficit in elderly patients. J Am Geriatr Soc. 1975;23(10):433-41., idosos com dificuldades para compreender e executar ordens simples, com nível de consciência rebaixado, perda auditiva grave sem uso de dispositivo eletrônico bem adaptado, laringectomizados totais ou parciais e traqueostomizados. Os critérios de exclusão foram determinados de acordo com consulta ao prontuário, autorrelato do paciente, relato do cuidador ou percepção do avaliador.

A amostragem foi não probabilística e por conveniência. Aqueles que atenderam os critérios de elegibilidade foram abordados por um integrante da pesquisa, que explicou os objetivos do estudo e apresentou TCLE, assinado voluntariamente pelos que concordaram em participar.

Sendo assim, a amostra foi composta por 28 idosos, com idade igual ou acima de 60 anos (média de 72,18 ± 5,92 anos), sendo 15 (53,6%) do sexo masculino. A maior proporção dos casos foi de idosos com baixa escolaridade (n =15; 53,6%), sem companheiro (n =15; 53,6%), com filhos (n = 26; 92,9%), aposentados (n = 21; 75%) e com baixa renda (n = 22; 78,6%). O tempo de internação variou de um a 48 dias e quatro (14,3%) idosos faziam uso de via alternativa de alimentação.

As características sociodemográficas e clínicas foram obtidas por meio de entrevista com o paciente ou consulta ao prontuário. As variáveis principais do estudo já eram coletadas na rotina dos serviços de Fonoaudiologia e Nutrição do hospital, portanto, esses dados foram extraídos exclusivamente dos prontuários.

O risco nutricional foi avaliado por meio da Miniavaliação Nutricional (MAN)1616. Guigoz Y, Vellas B, Garry PJ. Mini Nutritional Assessment: a practical assessment tool for grading the nutritional state of elderly patients. Fact. Res. Interv. Ger. 1994;2(suppl.):15-59. na sua versão em português brasileiro1717. Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. I Consenso Brasileiro de Nutrição e Disfagia em Idosos Hospitalizados. Barueri: Minha Editora; 2011.. A MAN é um instrumento específico para identificar risco de desnutrição. Trata-se de um protocolo composto por 17 itens, subdividido em quatro domínios: antropometria, dietética, avaliação global e autoavaliação. Os itens podem pontuar entre 0 e 3 e o escore final pode atingir até 30 pontos. O indivíduo pode ser classificado como desnutrido (>17 pontos), em risco nutricional (entre 17 e 23,5 pontos) ou eutrófico (≤24 pontos).

Para investigar sinais e sintomas de alterações da deglutição referidos pelos idosos hospitalizados, foi utilizado um instrumento de entrevista composto por onze itens dicotômicos (sim/não) que abordaram os seguintes aspectos: necessidade de engolir muitas vezes o alimento (deglutições múltiplas), esforço para engolir, deixar de comer algum alimento por achar difícil engolir, perceber nariz escorrer depois de comer (coriza), pigarro depois de engolir, mudança na voz depois de engolir, engasgo ao engolir, história de pneumonia ou perda de peso, dor ao engolir (odinofagia) e cansaço depois de comer. Esses 11 itens foram determinados a partir das 17 questões de uma versão preliminar do instrumento “Rastreamento de Disfagia em Idosos (RADI)”1818. Magalhaes Junior HV, Pernambuco LA, Cavalcanti RVA, Lima KC. Screening for Deglutition Disorders in Older People (RADI): validity evidence based on test content and response process. ESSD 2014 Congress Abstracts. Dysphagia. 2015;30(2):253., cuja elaboração teve participação de dois pesquisadores deste estudo. A versão do RADI utilizada como base para esta pesquisa foi a apresentadaapós obtenção das evidências de validade baseadas no conteúdo e nos processos de resposta1818. Magalhaes Junior HV, Pernambuco LA, Cavalcanti RVA, Lima KC. Screening for Deglutition Disorders in Older People (RADI): validity evidence based on test content and response process. ESSD 2014 Congress Abstracts. Dysphagia. 2015;30(2):253.. Embora o processo de validação do RADI não estivesse concluído na época da coleta, o mesmo foi considerado do ponto de vista psicométrico o instrumento mais consistente em português brasileiro naquele momento. A seleção dos 11 itens foi feita pelos autores deste estudo após ponderação quanto à relevância de cada item para a população de idosos hospitalizados. Para fins de análise, foi calculado o número total de sinais e sintomas referidos (0 a 11) e a distribuição de frequência de cada item separadamente.

As variáveis quantitativas foram analisadas de acordo com medidas de tendência central (média e mediana) e dispersão (desvio padrão e distância interquartílica). As variáveis categóricas foram descritas quanto à sua frequência absoluta e relativa. A correlação entre o escore da MAN e o número total de sinais e sintomas referidos foi analisada por meio do teste de correlação de Spearman. Para análise de distribuição de médias do escore da MAN de acordo com a presença ou ausência de cada sinal ou sintoma foi utilizado o teste não paramétrico de Mann-Whitney. O intervalo de confiança foi de 95%.

Resultados

Na Tabela 1, observa-se que o número total de sinais e sintomas de alterações da deglutição oscilou entre 0 e 7 e metade da amostra referiu pelo menos um sintoma. A mediana do escore da MAN indicou que os idosos hospitalizados se encontravam em risco nutricional. De acordo com a classificação da MAN, 07 (25%) idosos estavam desnutridos e 19 (67,9%) sob risco de desnutrição, enquanto apenas dois (7,1%) foram classificados como eutróficos.

Tabela 1:
Medidas de tendência central e dispersão do total de sinais e sintomas de alterações da deglutição e do escore total da Miniavaliação Nutricional

De acordo com a Figura 1, o engasgo após deglutir (32,1%) foi o sintoma referido com mais frequência, seguido de pigarro após deglutir (21,4%) e deixar de comer por dificuldade de deglutir (21,4%).

Figura 1:
Distribuição percentual dos sinais e sintomas de alterações da deglutição referidos por idosos hospitalizados

Não houve correlação significativa entre o escore total da MAN e o número total de sinais e sintomas de alterações da deglutição (rho = -0,112; p = 0,57) (Figura 2), ou seja, estas variáveis mostraram-se independentes em idosos hospitalizados.

Figura 2:
Correlação entre o escore total da Miniavaliação Nutricional (MAN) e o número total de sinais e sintomas de alterações da deglutição

Na Tabela 2 é possível visualizar a relação entre o escore total da MAN e cada item de alteração da deglutição autorreferida. Nos idosos hospitalizados com queixa de engasgos, a média do escore total médio da MAN foi mais baixa em relação àqueles sem queixa de engasgos, sendo esta a única relação estatisticamente significativa encontrada.

Tabela 2:
Relação entre sinais e sintomas de alterações da deglutição e risco nutricional, representado pelo escore total da Miniavaliação Nutricional (MAN) em idosos hospitalizados

Discussão

Este estudo mostrou que idosos hospitalizados com queixa de engasgos têm piores escores na avaliação do risco nutricional. Contudo, embora as queixas para deglutir e o risco nutricional sejam encontrados na população idosa hospitalizada, o escore total da MAN e o número total de sinais e sintomas de alterações da deglutição não se correlacionam.

Esperava-se que a quantidade média de sinais e sintomas de alterações da deglutição fosse mais elevada, já que durante o envelhecimento ocorrem múltiplas modificações fisiológicas que diminuem a eficácia dos mecanismos de proteção da via aérea e aumentam as chances de alterações na deglutição11. Wirth R, Dziewas R, Beck AM, Clavé P, Hamdy S, Heppner HJ et al. Oropharyngeal dysphagia in older persons - from pathophysiology to adequate intervention: a review and summary of an international expert meeting. Clin Interv Aging. 2016;11:189-208.. Ademais, os idosos estão mais predispostos à ocorrência de doenças de base que trazem como consequência a disfagia11. Wirth R, Dziewas R, Beck AM, Clavé P, Hamdy S, Heppner HJ et al. Oropharyngeal dysphagia in older persons - from pathophysiology to adequate intervention: a review and summary of an international expert meeting. Clin Interv Aging. 2016;11:189-208.,1919. Turley R, Cohen S. Impact of voice and swallowing problems in the elderly. Otolaryngol Head Neck Surg. 2009;140(1):33-6.,2020. Faria KCF, Pessoa ACN, Araújo LI, Paiva MLF. The profile of a patient receiving speech-language therapy assistance at a school hospital emergency unit. Audiol., Commun. Res. 2013;18(4):308-13..

Porém, o resultado aquém do esperado pode ser justificado pelo fato de os idosos não valorizarem sintomas dessa natureza por frequentemente acreditarem que as alterações da deglutição são comuns ao envelhecimento2020. Faria KCF, Pessoa ACN, Araújo LI, Paiva MLF. The profile of a patient receiving speech-language therapy assistance at a school hospital emergency unit. Audiol., Commun. Res. 2013;18(4):308-13. ou porque outras condições de saúde os incomodam com mais frequência e intensidade, principalmente durante a hospitalização. Além disso, a maior parte dos idosos parece conseguir se adaptar às mudanças decorrentes do envelhecimento2121. Tanure CCM, Pinheiro BJ, Paixão AJ, Rodrigues MA. A deglutição no processo normal de envelhecimento. Rev. CEFAC. 2005;7(2):171-7. e isso pode acontecer com a deglutição. Portanto, julga-se que tais situações podem ter interferido na autoavaliação da dificuldade para deglutir.

No caso do risco nutricional, sabe-se que a avaliação do estado nutricional de idosos no âmbito hospitalar é fundamental devido às consequências que a desnutrição pode provocar, como mais chance de infecções, complicações clínicas, redução da função imunológica, aumento do tempo de hospitalização e custos hospitalares, além de maior risco demortalidade1313. Andrade PA, Santos CA, Firmino HH, Rosa COB. Importância do rastreamento de disfagia e da avaliação nutricional em pacientes hospitalizados. Einstein. 2018;16(2):eAO4189.. Embora saiba-se que a taxa de desnutrição em idosos hospitalizados é alta e pode prejudicar o quadro clínico do paciente2222. Panissa CO, Vassimon HS. Risco de desnutrição de idosos hospitalizados: avaliando ingestão alimentar e antropometria. Demetra. 2012;7(1):13-22., chama-se a atenção, neste estudo, para o fato de quase 93% dos idosos estarem desnutridos ou em risco de desnutrição de acordo com a MAN, resultado superior ao encontrado em outros levantamentos realizados no Brasil, nos quais essas proporções oscilaram entre 48% e 68%1111. Soares ALG, Mussoi TD. Mini nutritional assessment to determine nutritional risk and malnutrition in elderly hospitalized. Rev Bras Nutr Clin. 2014;29(2):105-10.,1212. Dalpiaz JS, Bertoni VM, Alves ALS, Bertol D. Nutritional status and its evolution during hospitalization in elderly patients. Rev. Bras Nutr Clin. 2015;30(1):34-8.,2323. Sousa APG, Gallello DC, Silva ALND, Carreira MC, Damasceno NRT. Triagem nutricional utilizando a Mini Avaliação Nutricional versão reduzida: aplicabilidade e desafios. Geriatr. Geronto. Aging. 2015;9(2):49-53..

O sintoma de disfagia orofaríngea mais referido pela amostra desta investigação foi engasgo após deglutir, resultado que se equipara ao de outros estudos com idosos hospitalizados2424. Nogueira SCJ, Carvalho APC, Melo CB, Morais EPG, Chiari BM, Gonçalves MIR. Profile of patients using alternative feeding route in a general hospital. Rev. CEFAC. 2013;15(1):94-104.,2525. Gonçalves MLV, Broglio GAF, Lozano AC, Lamari NM. Perfil dos idosos usuários de via alternativa de alimentação reinternados em hospital público. RBCEH. 2015;12(1):20-7. e não hospitalizados2626. de Lima Alvarenga EH, Dall'Oglio GP, Murano EZ, Abrahão M. Continuum theory: presbyphagia to dysphagia? Functional assessment of swallowing in the elderly. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2018;275(2):443-9.

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-2828. Rozenfeld M, Friedman S. A percepção subjetiva do engasgo em pessoas idosas. Rev. Bra. Ciên. Env. Hum. 2005;2(2):47-56.. O engasgo acontece devido à entrada de saliva, alimento ou corpo estranho na laringe, favorecendo a sensação de sufocação, com dor local e reflexo de tosse2929. Bigal A, Harumi D, Luz M, Luccia G, Bilton T. Disfagia do idoso: estudo videofluoroscópico de idosos com e sem doença de Parkinson. Distúrb. Comun. 2007;19(2):213-23.. Em idosos, as modificações fisiológicas ou patológicas do sistema sensório-motor os tornam mais predispostos a episódios de engasgo e embora eles relatem sofrimento com esse sintoma, não o entendem como algo evitável ou controlável2828. Rozenfeld M, Friedman S. A percepção subjetiva do engasgo em pessoas idosas. Rev. Bra. Ciên. Env. Hum. 2005;2(2):47-56.. Contudo, sabe-se que as limitações impostas pelo engasgo podem repercutir em piora da qualidade de vida e em maior morbimortalidade3030. Kramarow E, Warner M, Chen LH. Food-related choking deaths among the elderly. Inj Prev. 2014;20(3):200-3..

Além disso, sabe-se que a presença de disfagia orofaríngea tem impacto na gestão hospitalar, pois aumenta os custos com o cuidado em saúde e o tempo de internação3131. Attrill S, White S, Murray J, Hammond S, Doeltgen S. Impact of oropharyngeal dysphagia on healthcare cost and length of stay in hospital: a systematic review. BMC Health Serv Res. 2018;18(1):594.. Portanto, presume-se que investigar a ocorrência de engasgo em idosos hospitalizados favorece a identificação precoce da população com disfagia orofaríngea nesse ambiente, o que possibilita e monitorar com mais precisão os problemas de alimentação e deglutição, a fim de minimizar gastos hospitalares e determinar precocemente as condutas fonoaudiológicas, nutricionais e interprofissionais1414. Bomfim FMS, Chiari BM, Roque FP. Factors associated to suggestive signs of oropharyngeal dysphagia in institutionalized elderly women. CoDAS. 2013;25(2):154-63..

Além de ter sido o sintoma mais referido, o engasgo também foi o único dos itens cuja relação com o escore total da MAN foi significativa. Este resultado aponta que a queixa de engasgo pode ser um dos aspectos capazes de discriminar melhor quem tem ou não risco nutricional, hipótese que estudos futuros com desenho metodológico adequado para esse fim poderão investigar.

Não houve correlação significativa entre o escore total da MAN e o total de sinais e sintomas de alterações da deglutição, resultado que não correspondeu à hipótese inicial dos autores deste estudo, na qual supunha-se existir correlação negativa e forte entre esses dois desfechos. É possível que isso tenha ocorrido pela pouca representatividade de indivíduos com quantidade mais expressiva de queixas para deglutir, assim como de idosos sem alterações do estado nutricional. Esse viés pode ter contribuído para a ocorrência de erro tipo II.

Também deve-se considerar que a MAN contempla elementos de avaliação, enquanto o levantamento de sinais e sintomas de alterações da deglutição foi somente por autorreferência. A natureza distinta dos dois instrumentos pode ter interferido no resultado. É possível que instrumentos que considerem elementos da avaliação clínica da deglutição possam ter mais correlação com o resultado da MAN. Ainda assim, a ausência de correlação entre os dois desfechos é importante para confirmar que eles avaliam construtos diferentes. Sendo assim, são complementares e ambos devem ser aplicados na rotina hospitalar.

Este estudo apresentou algumas limitações. O tamanho reduzido e a restrita variabilidade da amostra podem ter interferido nos resultados e intervalos de confiança. Não foi utilizado um instrumento validado para investigar os sinais e sintomas de alterações da deglutição, pois à época da coleta não existiam instrumentos com essa característica disponíveis em português brasileiro. Ainda que não tenha sido objetivo deste estudo, vale salientar que não foram coletados dados de avaliação clínica ou instrumental da deglutição que pudessem confirmar o diagnóstico de disfagia orofaríngea, assim como não foram obtidos dados sobre a evolução do estado nutricional. Estudos futuros devem controlar melhor esses aspectos.

Destaca-se que os resultados mostraram que, no ambiente hospitalar, os idosos possuem um acentuado declínio nutricional e referem queixa para deglutir, especialmente engasgo, cuja presença está relacionada com risco nutricional. Apesar da ausência de correlação entre os desfechos dos instrumentos utilizados neste estudo, eles fornecem informações complementares que devem ser investigadas na rotina hospitalar. Tais situações inspiram atenção e cuidado em função das sequelas que a desnutrição e as alterações da deglutição podem ocasionar no estado clínico geral do paciente e ao aumento de gastos que essas condições representam para os serviços de saúde.

Conclusões

Foi encontrada relação entre risco nutricional e autorreferência de engasgo em idosos hospitalizados. Contudo, a correlação entre o escore total da MAN e o total de sinais e sintomas de alterações da deglutição foi inexistente nessa população.

Agradecimentos

Ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq - PIBIC/CNPq) pela bolsa concedida à Letícia de Carvalho Palhano Travassos e ao Programa Institucional de Voluntários de Iniciação Científica (PIVIC) da UFPB por contemplar a Daniela Xavier de Souza e Jayne de Freitas Bandeira.

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    Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal da Paraíba - UFPB - João Pessoa, Paraíba, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    23 Abr 2019
  • Aceito
    11 Out 2019
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