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Métodos de treinamento auditivo em crianças com diagnóstico psiquiátrico: revisão integrativa da literatura

RESUMO

Objetivo:

identificar as abordagens de treinamento auditivo utilizadas na população infantil com diagnósticos psiquiátricos, caracterizar os contextos de intervenção, protocolos e discernimento dos desfechos.

Métodos:

busca realizada em quatro bases de dados, utilizando as expressões fixas “auditory training” OR “auditory rehabilitation” e, quanto à amostragem, variaram-se aos mais comuns diagnósticos, sinais e sintomas. Foram selecionados artigos publicados até agosto de 2018, com população sem perda auditiva e excluídos artigos com amostra com uso de dispositivos de amplificação sonora, otites ou diagnóstico isolado de Transtorno do Processamento Auditivo.

Resultados:

foram identificadas 103 referências, dentre as quais 16 preencheram os critérios de inclusão. As amostragens estudadas foram de crianças e adolescentes com distúrbios de aprendizagem, linguagem e leitura, dislexia, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, transtorno do espectro autista e esquizofrenia. As intervenções com a abordagem bottom-up e combinada (bottom-up e top-down), no contexto formal, foram as mais frequentes, cujos resultados direcionaram a melhora em habilidades auditivas, linguísticas e metalinguísticas. O número e frequência de sessões, assim como, a duração (tempo) foram diversificadas.

Conclusão:

a heterogeneidade das técnicas de treinamento auditivo diversificou os resultados, entretanto, parece existir um potencial para recomendação do treinamento auditivo na população abordada.

Descritores:
Psiquiatria Infantil; Diagnósticos Psiquiátricos; Sinais e Sintomas; Treinamento Auditivo; Processamento Auditivo

ABSTRACT

Purpose:

to identify auditory training approaches used in the pediatric population with psychiatric diagnoses and to characterize the contexts in which the intervention took place, as well as protocols and discernment of the results.

Methods:

a search was carried out in four databases, using the fixed terms "auditory training" OR "auditory rehabilitation". Regarding the sampling, there was a considerable range of diagnoses, signs and symptoms, including the most common ones. Articles published until August 2018 whose population did not present hearing loss were selected; articles whose subjects had made use of any personal sound amplification products, presented otitis or had any isolated diagnosis of auditory processing disorder, were excluded.

Results:

16 articles out of the 103 references found, met the inclusion criteria. The samplings studied were children and adolescents with learning, language or reading disorders, dyslexia, attention deficit hyperactivity disorder, autism spectrum disorder and schizophrenia. The bottom-up intervention and the combined approach (bottom-up and top-down), in the formal context, were the most frequent approaches, whose results led to the improvement in linguistic, metalinguistic and auditory skills. The amount and frequency of sessions, as well as their duration varied.

Conclusion:

the heterogeneity of auditory training techniques diversified the results. However, it seems there is a potential for recommending auditory training in the reviewed population.

Keywords:
Child Psychiatry; Psychiatric Diagnoses; Signs and Symptoms; Auditory Training; Auditory Processing

Introdução

O processamento auditivo, em sua definição clássica, diz respeito àquilo que fazemos com o que ouvimos11. Katz J, Stecker N, Henderson D. Central auditory processing: a transdisciplinary view. St. Louis, MO: Mosby Year Book; 1992.. É uma função necessária tanto para o desenvolvimento de habilidade de interação social, aspectos de aprendizagem, como para de fala e de linguagem22. Musiek F, Chermak G. Handbook of (central) auditory processing disorder, volume 1: auditory neuroscience and diagnosis. Vol. 1. 2 ed. San Diego, CA: Plural Publishing Inc.; 2013..

Dentro da perspectiva das alterações auditivas comportamentais do processamento auditivo, o treinamento das habilidades auditivas (TA) necessárias para o processamento da informação acústica, que quando alteradas podem caracterizar o Transtorno do Processamento Auditivo Central, é definido como sendo um conjunto de estratégias que possuem o objetivo de ativar o sistema auditivo e suas associações, alterando de forma benéfica o comportamento auditivo e o sistema nervoso auditivo central (SNAC)33. Musiek FE, Baran JA, Shinn JB, Guenette L, Zaidan E, Weihing J. Central deafness: an audiological case study. Int J Audiol. 2007;46(8):433-41.

4. Kraus N, McGee T, Carrell TD, King C, Tremblay K, Nicol T. Central auditory system plasticity associated with speech discrimination training. J Cogn Neurosci. 1995;7(1):25-32.
-55. Musiek F, Shinn J, Hare C. Plasticity, auditory training, and auditory processing disorders. Seminars in Hearing. 2002;23(4):263-76.. Deve-se considerar que o processamento auditivo engloba não apenas mecanismos do sistema auditivo, periférico ou central, mas também é influenciado por mecanismos top-down, como linguagem, atenção, memória e funções executivas66. Bellis T. Assessment and management of central auditory processing disorders in the educational setting from science to practice. 2nd ed. San Diego, CA Plural Publishing Inc.; 2003..

Os principais componentes da abordagem de intervenção terapêutica no TA propõem o treinamento por meio de mecanismos bottom-up e top-down77. American Academy of Audiology (AAA). Clinical practice guidelines: diagnosis, treatment and management of children and adults with central auditory processing disorder. In: 2010: https://audiology-web.s3.amazonaws.com/migrated/CAPD%20Guidelines%208-2010.pdf_539952af956c79.73897613.pdf.
https://audiology-web.s3.amazonaws.com/m...
. O bottom-up trata da codificação neurofisiológica dos estímulos auditivos, em direção centrípeta, do nervo auditivo até áreas corticais, com abordagens que aumentam a clareza do sinal acústico e/ou melhoram o ambiente sonoro, incluindo sistemas de escuta assistida, discurso claro e acústica de sala aprimorada66. Bellis T. Assessment and management of central auditory processing disorders in the educational setting from science to practice. 2nd ed. San Diego, CA Plural Publishing Inc.; 2003.

7. American Academy of Audiology (AAA). Clinical practice guidelines: diagnosis, treatment and management of children and adults with central auditory processing disorder. In: 2010: https://audiology-web.s3.amazonaws.com/migrated/CAPD%20Guidelines%208-2010.pdf_539952af956c79.73897613.pdf.
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-88. Chermak G, Musiek F. Auditory training: principles and approaches for remediating and managing auditory processing disorders. Seminars in Hearing. 2002;23(4):297-308.. Ainda segundo os autores, no top-down os processos supra modais à audição (e.g., memória, atenção e linguagem) atuam diretamente nas análises dos códigos acústicos, abordando estratégias de linguagem, cognitivas e metacognitivas, assim como, intervenções educacionais com estratégias de aprendizagem e ou facilitadoras para ambiente de trabalho/domiciliar, concedendo métodos compensatórios para minimizar déficits de escuta funcionais.

Pode-se identificar dois contextos de realização do TA, ou seja, a instrumentalização que será utilizada88. Chermak G, Musiek F. Auditory training: principles and approaches for remediating and managing auditory processing disorders. Seminars in Hearing. 2002;23(4):297-308.,99. Purdy SC, Kelly AS, Thorne PR. Auditory evoked potentials as measures of plasticity in humans. Audiol Neurootol. 2001;6(4):211-5.. O primeiro é denominado de TA formal, quando executado de forma acusticamente controlada com uso de equipamentos eletroacústicos ou programas de computador. O segundo de TA informal, definido como um programa de intervenção realizado em sala de terapia ou sob a tutela de responsáveis ou professores, sem a necessidade de equipamentos sofisticados.

Independente do mecanismo recrutado para o TA e do contexto de sua realização, ao final deste, torna-se indispensável saber a efetividade do programa utilizado55. Musiek F, Shinn J, Hare C. Plasticity, auditory training, and auditory processing disorders. Seminars in Hearing. 2002;23(4):263-76., seja por meio de testes comportamentais ou eletrofisiológicos auditivos. A efetividade se refere a capacidade de produzir e manter um efeito, ou seja, de ser eficiente e eficaz. Nesta direção os estudos com potenciais evocados corticais, pré e pós TA, mostraram mudanças na morfologia, latência e amplitude, e foram atribuídos a nova reorganização do sistema nervoso auditivo central e interpretadas como evidência da plasticidade do sistema neural44. Kraus N, McGee T, Carrell TD, King C, Tremblay K, Nicol T. Central auditory system plasticity associated with speech discrimination training. J Cogn Neurosci. 1995;7(1):25-32.,55. Musiek F, Shinn J, Hare C. Plasticity, auditory training, and auditory processing disorders. Seminars in Hearing. 2002;23(4):263-76.,99. Purdy SC, Kelly AS, Thorne PR. Auditory evoked potentials as measures of plasticity in humans. Audiol Neurootol. 2001;6(4):211-5.

10. Hayes EA, Warrier CM, Nicol TG, Zecker SG, Kraus N. Neural plasticity following auditory training in children with learning problems. Clin Neurophysiol. 2003;114(4):673-84.

11. Santos A, Joly-Pottuz B, Moreno S, Habib M, Besson M. Behavioural and event-related potentials evidence for pitch discrimination deficits in dyslexic children: improvement after intensive phonic intervention. Neuropsychologia. 2007;45(5):1080-90.

12. Russo NM, Hornickel J, Nicol T, Zecker S, Kraus N. Biological changes in auditory function following training in children with autism spectrum disorders. Behav Brain Funct. 2010;6:60.
-1313. Filippini R, Befi-Lopes DM, Schochat E. Efficacy of auditory training using the auditory brainstem response to complex sounds: auditory processing disorder and specific language impairment. Folia Phoniatr Logop. 2012;64(5):217-26..

Na perspectiva dos diagnósticos psiquiátricos em crianças e adolescentes, a estimativa atual destes é de 13,4%, a partir de estudos comunitários em 27 países, de todos os continentes1414. Polanczyk GV, Salum GA, Sugaya LS, Caye A, Rohde LA. Annual research review: A meta-analysis of the worldwide prevalence of mental disorders in children and adolescents. J Child Psychol Psychiatry. 2015;56(3):345-65.. Segundo os dados do U.S. Census Bureau, que em 2014 aferiu aproximadamente 1,8 bilhões de pessoas em todo o mundo, na faixa de 5 a 19 anos, calculou-se que 241 milhões deles apresentam algum tipo de transtorno mental. No Brasil, a literatura não converge para uma estimativa epidemiológica que represente todo o território nacional, mas apontam que de 7 a 14% das crianças e adolescentes brasileiros apresentam algum distúrbio psiquiátrico1515. Paula CS, Duarte CS, Bordin IAS. Prevalence of mental health problems in children and adolescents from the outskirts of Sao Paulo City: treatment needs and service capacity evaluation. Brazilian J Psychiatry. 2007;29(1):11-7..

Os diagnósticos psiquiátricos de crianças e adolescentes, em sua maioria, envolvem a combinação de sinais e sintomas entre quatro domínios: sintomas emocionais, problemas comportamentais, atrasos no desenvolvimento e dificuldades de relacionamento; sendo as exceções desta, a esquizofrenia e a anorexia nervosa1616. Goodman R, Scott S. Childand adolescent psychiatry. 3 ed. London, UK: Wiley-Blackwell; 2012..

O atual número de diagnósticos de transtornos mentais infanto-juvenis desencadeou o aumento de requisições para recursos de tratamento, como uso de fármacos e/ou os alternativos, como por exemplo, psicoterápicos, serviços educacionais e serviços especiais1717. Atladottir HO, Gyllenberg D, Langridge A, Sandin S, Hansen SN, Leonard H et al. The increasing prevalence of reported diagnoses of childhood psychiatric disorders: a descriptive multinational comparison. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2015;24(2):173-83.,1818. Olfson M, Blanco C, Wang S, Laje G, Correll CU. National trends in the mental health care of children, adolescents, and adults by office-based physicians. JAMA Psychiatry. 2014;71(1):81-90..

Estudos mostram que na perspectiva da problemática psiquiátrica infanto-juvenil, muitas das amostras nas quais os sujeitos apresentam distúrbios de linguagem oral e ou escrita, Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e esquizofrenia, os mesmos estão direcionados a alguma alteração no processamento da informação auditiva1010. Hayes EA, Warrier CM, Nicol TG, Zecker SG, Kraus N. Neural plasticity following auditory training in children with learning problems. Clin Neurophysiol. 2003;114(4):673-84.,1313. Filippini R, Befi-Lopes DM, Schochat E. Efficacy of auditory training using the auditory brainstem response to complex sounds: auditory processing disorder and specific language impairment. Folia Phoniatr Logop. 2012;64(5):217-26.,1919. Feldmann SC, Schmidt DE, Deutsch CP. Effect of auditory training on reading skills of retarded readers. Percept Mot Skills. 1968;26(2):467-80.

20. Bettison S. The long-term effects of auditory training on children with autism. J Autism Dev Disord. 1996;26(3):361-74.

21. Joly-Pottuz B, Mercier M, Leynaud A, Habib M. Combined auditory and articulatory training improves phonological deficit in children with dyslexia. Neuropsychol Rehabil. 2008;18(4):402-29.

22. Gray L, Miller BS, Evans SW. Training children with ADHD to minimize impulsivity in auditory contralateral masking. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2012;76(4):483-7.

23. Fisher M, Loewy R, Carter C, Lee A, Ragland JD, Niendam T et al. Neuroplasticity-based auditory training via laptop computer improves cognition in young individuals with recent onset schizophrenia. Schizophr Bull. 2015;41(1):250-8.
-2424. Kozou H, Azouz HG, Abdou RM, Shaltout A. Evaluation and remediation of central auditory processing disorders in children with autism spectrum disorders. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2018;104:36-42..

Com o objetivo de identificar os métodos de TA adotados para a população infantil com diagnósticos psiquiátricos, a presente revisão também se propõe a caracterizar os tipos de intervenção, seus protocolos incluindo, mas não se limitando ao instrumento adotado para o controle da efetividade, bem como o discernimento de seus desfechos.

Metodos

Estratégia de Busca

A revisão integrativa da literatura foi conduzida de modo que a pesquisa foi realizada em quatro bases de dados, com vasta abrangência de indexações de periódicos nacionais e internacionais, sendo elas: PubMed, SciELO, LILACS e PsycINFO. Todas as referências de todos os artigos foram averiguadas para inclusão nos critérios propostos.

Após algumas tentativas e revisões dos resultados de cada uma das bases de dados, considerando as perdas obtidas com o uso dos termos completos MESH e DECS, optou-se pela utilização de expressões mais abrangentes para os termos que se referiam aos tipos de participantes e ao tipo de intervenção, os quais foram usados em todas as interfaces de busca.

As buscas realizadas nas bases de dados supracitadas foram feitas com os termos fixos “auditory training” OR “auditory rehabilitation”, a fim de se localizar maior número de artigos com a temática proposta. As demais palavras-chave de diagnósticos, sinais e sintomas psiquiátricos na população infantil, utilizadas para cruzamento, tiveram como base principal metanálises publicadas com a temática de prevalência de distúrbios mentais em crianças e adolescentes1414. Polanczyk GV, Salum GA, Sugaya LS, Caye A, Rohde LA. Annual research review: A meta-analysis of the worldwide prevalence of mental disorders in children and adolescents. J Child Psychol Psychiatry. 2015;56(3):345-65., seguindo os padrões de diagnóstico da International Classification of Diseases (IDC) e o Diagnostic and Statical manual of Mental Disorders (DSM). As palavras utilizadas foram: autism; ADHD; attention deficit hyperactivity disorders; attention deficit; hyperactivity disorder; language disorders; dyslexia; depression; anxiety disorders; schizophrenia; obsessive compulsive disorder; posttraumatic stress disorder; separation anxyety disorder; social anxiety disorder; selective mutism; conduct disorder; eating disorder; anorexia; bulimia; psychosis; alcohol; drug; encoprese; enuresis; disruptive disorder; Rett Syndrome; Asperger Syndrome; tic disorder; phobia e mental retardation. Em todas as bases de dados, as palavras-chave foram utilizadas em língua inglesa.

Foram adotados como critérios de inclusão, para a leitura dos resumos e artigos completos, a saber: a) estudo em humanos cuja população seja de crianças e adolescentes (menores de 18 anos), associado a pelo menos um diagnóstico psiquiátrico infantil; b) treinamento auditivo como processo de reabilitação; c) publicações sem limite inferior até a data de 15 de agosto do ano de 2018; d) publicações em língua portuguesa, inglesa ou espanhola; e) estudos do tipo série de casos, longitudinais, transversais, caso-controle, coorte e ensaios clínicos.

Para a exclusão dos artigos, foram adotados os seguintes critérios: a) estudos com animais e com população adulta ou idosa (maiores de 18 anos de idade); b) crianças ou adolescentes sem diagnóstico ou sinais e sintomas psiquiátricos infantis; c) estudos do tipo revisões narrativas, sistemáticas e metanálises; dissertações ou teses; cartas; editoriais; comentários e relatos de casos; d) estudos realizados em sujeitos crianças ou adolescentes com perda auditiva de qualquer grau ou tipo, uso de qualquer dispositivo de amplificação sonora (Aparelho de Amplificação Sonora Individual, Implante Coclear, Próteses Auditivas Óstero-Ancoradas e ou Sistema Frequência Modulada), infecções de ouvido (otites) e diagnóstico de Transtorno do Processamento Auditivo Central (TPAC) isolado;

Análise dos Dados

Os artigos científicos selecionados foram estudados por dois fonoaudiólogos que deveriam preencher uma planilha com as seguintes informações: a) autor e ano; b) nível de evidência e grau de recomendação; c) descrição da casuística; d) descrição do método de treinamento auditivo (tipo, número de sessões; periodicidade; abordagem e contexto); e) mensuração da efetividade da intervenção; f) principais desfechos.

Para nortear a interpretação, quanto ao desenho metodológico de cada um dos artigos, foi adotado o critério de classificação em função dos níveis de evidência, de 1 a 5, segundo a proposta do Oxford Centre for Evidence-based Medicine - Levels of Evidence2525. Howick J. Oxford Centre for Evidence-based Medicine - Levels of Evidence. 2009; http://www.cebm.net/index.aspx?o=1025.
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. Posteriormente, para identificar a possibilidade ou não de generalização dos resultados encontrados, cada texto foi ainda classificado quanto ao grau de recomendação; cabe ressaltar que, neste sistema de classificação, foi utilizado a coluna “Therapy/Prevention, Aetiology/Harm”. As planilhas dos dois fonoaudiólogos foram então comparadas. Na presença de divergência entre qualquer um dos itens, o artigo foi lido na íntegra em conjunto. No caso de a divergência permanecer, um terceiro profissional da área da saúde foi elencado.

Revisão da Literatura

Principais Achados

A partir dos termos selecionados, foram identificadas 103 referências; sendo que a partir destas, foram examinados 58 resumos. Durante a leitura foram excluídos 17 (30,3%) pois a casuística possuía perda auditiva, uso de dispositivos de amplificação sonora, otites e/ou diagnóstico de Transtorno do Processamento Auditivo isolado; outros 14 resumos (25,0%) por não enfocar os diagnósticos ou sinais e sintomas psiquiátricos infantis. Ao final restaram 18 (17,6%) artigos selecionados para leitura integral, foram ainda excluídos dois artigos, um por ser um comunicado breve e outro por não possuir em sua metodologia informações do tipo de treinamento auditivo, finalizando a seleção com 16 artigos elegidos.

O fluxograma da triagem de referências nas bases de dados até a seleção final dos artigos científicos está exposto na Figura 1.

Figura 1:
Fluxograma de coleta nas bases de dados

O ano de publicação dos trabalhos variou desde 1968 até o ano de 2018, não foi possível observar maior predomínio de publicações em um ano específico.

Das palavras-chave que compuseram a busca de dados para as combinações do diagnóstico ou sinais e sintomas psiquiátricos infantis, prevaleceu o maior número de artigos encontrados com “dyslexia”, “autism” e “learning disorders”, respectivamente. Resultaram em busca nula, em todas as bases de dados, as palavras-chave: “obsessive compulsive disorder”, “oppositional defiant disorder”, “posttraumatic stress disorder”, “separation anxiety disorder”, “social anxiety disorder”, “selective mutism”, “eating disorders”, “anorexia”, “bulimia”, “alcohol”, “encoprese”, “emuresis”, “disruptive disorder”, “Rett Syndrome”, “tic disorder” e “phobia”.

Na amostragem dos artigos, os autores trabalharam com quatro composições diferentes de grupos, sendo estes, grupos estudo com determinada condição e grupo determinado como controle (com desenvolvimento típico ou com alguma condição), com ou sem intervenção realizada, que se alterou conforme o delineamento proposto. As variações do delineamento da amostragem foram: grupo com condição que recebeu intervenção vs. grupo com desenvolvimento típico sem intervenção (n = 7, 43,75%); apenas o grupo com condição que recebeu intervenção (n = 5, 31,25%); grupo com condição que recebeu intervenção vs. grupo controle com condição, mas sem intervenção, vs. grupo desenvolvimento típico sem intervenção (n= 2, 12,5%); grupo com condição e que recebeu intervenção vs. grupo controle com determinada condição, que, contudo não recebeu intervenção (n = 1; 6,25%); grupo com condição e que recebeu intervenção vs. grupo controle com condição psiquiátrica que recebeu intervenção placebo (n= 1; 6,25%).

As idades variaram desde crianças com 3 anos de idade a grupos que incluíram adolescentes e adultos, com mais de 18 anos. Os diagnósticos da casuística utilizados pelos autores nos artigos estudados variaram, porém com predomínio de crianças com distúrbio de aprendizagem (n= 4) e dislexia (n=4), além de distúrbio de leitura (n= 2), transtorno do espectro do autismo (n= 3), esquizofrenia (n= 1), distúrbio específico de linguagem (n= 1) e TDAH (n= 1).

O grau de recomendação e nível de evidência dos artigos, segundo a classificação adotada, variou entre B/2B (n= 1; 6,25%), B/2C (n= 14; 87,5%) e C/4 (n= 1; 6,25%). A relação dos diagnósticos e sinais e sintomas por nível de evidência e grau de recomendação dos artigos selecionados pode ser visualizada na Figura 2.

Figura 2:
Diagnósticos e sinais e sintomas por nível de evidência e grau de recomendação dos artigos selecionados (n= 16)

A abordagem do treinamento auditivo, o número de sessões, duração das sessões e periodicidade foram heterogêneos e em alguns dos artigos, algumas destas variáveis não foram descritas; houve sete artigos que utilizaram a abordagem de TA bottom-up (37,5%), quatro top-down (25,0%), cinco mista - bottom-up e top-down - (31,25%) e apenas um artigo no qual não foi possível identificar (6,25%). O contexto formal de aplicação do TA prevaleceu (n= 14, 87,5%), em um artigo apenas foi identificado o contexto informal (6,25%) e em outro não foi possível especificar, devido à ausência de descrição em sua metodologia (6,25%).

Em todos os artigos houve um controle da efetividade do treinamento auditivo adotado, por meio de monitorização pré e pós-intervenção. Os diferentes meios de controle foram por meio de questionários, testes de habilidades linguísticas e testes comportamentais e eletrofisiológicos do processamento auditivo, que em sua maioria se diferiram do momento de avaliação.

Ao se associar as características do diagnóstico ou sinais e sintomas psiquiátricos infantis dos artigos à abordagem e contexto de treinamento auditivo adotado, percebe-se uma alternância destes. Nas condições do distúrbio de aprendizagem e dislexia, utilizou-se tanto a abordagem bottom-up quanto top-down em separado e conjuntas no contexto de treino formal; para o diagnóstico de TEA as abordagens bottom-up e top-down, separadas, porém todas em contexto formal; o distúrbio de leitura foi treinado nas abordagens bottom-up e top-down simultaneamente, em contexto informal e formal; para o diagnóstico de TDAH foi utilizado o treinamento pela abordagem bottom-up com contexto formal, assim como para o Distúrbio Específico de Linguagem; por último, para o diagnóstico de Esquizofrenia, a abordagem bottom-up em contexto formal.

Para os desfechos principais dos artigos, os trabalhos com escolares com distúrbio de aprendizagem e ou de leitura frente à proposta de um programa de TA afeta tanto a percepção do som quanto sua representação cortical, bem como se mostraram com uma plasticidade de codificação neural dos sons da fala no córtex, com melhor desempenho em habilidades fonêmicas e de consciência fonológica; a melhora na performance comportamental auditiva pode ser atribuída à plasticidade1010. Hayes EA, Warrier CM, Nicol TG, Zecker SG, Kraus N. Neural plasticity following auditory training in children with learning problems. Clin Neurophysiol. 2003;114(4):673-84.,2626. Warrier CM, Johnson KL, Hayes EA, Nicol T, Kraus N. Learning impaired children exhibit timing deficits and training-related improvements in auditory cortical responses to speech in noise. Exp Brain Res. 2004;157(4):431-41.

27. Pinheiro FH, Capellini SA. Treinamento auditivo em escolares com distúrbio de aprendizagem. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2010;22(1):49-54.
-2828. Vatanabe TY, Navas ALGP, Mariano SPB, Murphy CB, Durante AS. Performance of children with reading difficulties after auditory training. Audiol., Commun. Res. 2014;19(1):7-12.. Nos trabalhos com sujeitos disléxicos, as melhorias observadas são maior agilidade na realização de tarefas, rapidez e precisão na identificação de palavras, melhora no desempenho em testes de leitura, consciência fonológica e evolução na decodificação fonológica, assim como nos testes auditivos comportamentais1111. Santos A, Joly-Pottuz B, Moreno S, Habib M, Besson M. Behavioural and event-related potentials evidence for pitch discrimination deficits in dyslexic children: improvement after intensive phonic intervention. Neuropsychologia. 2007;45(5):1080-90.,2929. Schaffler T, Sonntag J, Hartnegg K, Fischer B. The effect of practice on low-level auditory discrimination, phonological skills, and spelling in dyslexia. Dyslexia. 2004;10(2):119-30.,3030. Murphy CF, Schochat E. Effect of nonlinguistic auditory training on phonological and reading skills. Folia Phoniatr Logop. 2011;63(3):147-53..

Nas amostras dos três estudos1212. Russo NM, Hornickel J, Nicol T, Zecker S, Kraus N. Biological changes in auditory function following training in children with autism spectrum disorders. Behav Brain Funct. 2010;6:60.,2020. Bettison S. The long-term effects of auditory training on children with autism. J Autism Dev Disord. 1996;26(3):361-74.,2424. Kozou H, Azouz HG, Abdou RM, Shaltout A. Evaluation and remediation of central auditory processing disorders in children with autism spectrum disorders. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2018;104:36-42. com crianças diagnosticadas com TEA, elas apresentaram melhora após intervenção para sensibilidade auditiva, escuta dicótica, processamento cortical e diminuição da latência do Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico para sons de fala. Para o diagnóstico de TDAH2222. Gray L, Miller BS, Evans SW. Training children with ADHD to minimize impulsivity in auditory contralateral masking. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2012;76(4):483-7., o único estudo encontrado aponta para uma diminuição da impulsividade em tarefas de detecção auditiva.

No estudo que trabalhou com o diagnóstico de esquizofrenia2323. Fisher M, Loewy R, Carter C, Lee A, Ragland JD, Niendam T et al. Neuroplasticity-based auditory training via laptop computer improves cognition in young individuals with recent onset schizophrenia. Schizophr Bull. 2015;41(1):250-8., o desfecho dos sujeitos frente ao TA, mostrou melhora na cognição global, memória verbal e resolução de problemas, bem como do funcionamento do sistema motivacional, mostrando ainda serem mais eficientes no processamento rápido de estímulos verbais.

A identificação e descrição dos 15 artigos, de acordo com as perguntas de pesquisa, podem ser consultadas na Tabela 1.

Tabela 1:
Súmula dos principais detalhamentos metodológicos e resultados dos estudos selecionados (n= 16 artigos)

Verificou-se a presença de poucos estudos na literatura que utilizassem o TA como forma de intervenção em crianças com diagnóstico ou sinais e sintomas psiquiátricos. Mas os artigos que relacionam esta metodologia à população relatam melhoras em habilidades auditivas, de linguagem, aprendizagem e cognitivas.

O propósito inicial das buscas realizadas para o levantamento bibliográfico desta revisão integrativa da literatura era apenas o diagnóstico psiquiátrico infantil associado ao treinamento auditivo. Porém, notou-se que a grande maioria das referências fazia associação a sinais e sintomas, o que foi levado em consideração a partir de então. Torna-se um desafio o diagnóstico psiquiátrico infantil, uma vez que grande parte dos transtornos psiquiátricos é diagnosticado com a combinação e intensidade de sinais, ou achados objetivos caracterizados pelo clínico examinador, de sintomas, por meio das queixas colhidas, e prejuízo funcional3131. D'Abreu L. O desafio do diagnóstico psiquiátrico na criança. Contextos clínicos. 2012;5(1):2-9.,3232. American Psychiatric Association (APA). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. In. 5th ed. Washington, DC: American Psychiatric Association; 2013.. Mesmo com o apoio de sistemas de classificação, como o DSM e a CID, os sintomas se sobrepõem e há sempre aspectos subjetivos e individuais que agem sobre o desfecho clínico e o diagnóstico do paciente3131. D'Abreu L. O desafio do diagnóstico psiquiátrico na criança. Contextos clínicos. 2012;5(1):2-9..

Nos trabalhos incluídos nesta revisão, a variabilidade da composição dos grupos de estudo mostra que, para a população estudada ainda não há um consenso nas pesquisas para uniformização destes quanto ao grupo controle. Com o objetivo de ser um parâmetro para controle da evolução no grupo com determinado diagnóstico ou sinais e sintomas psiquiátricos, o grupo controle se divide em sujeitos com a mesma condição, porém que não receberam intervenção, receberam intervenção placebo, ou com desenvolvimento típico, podendo ou não ter sofrido intervenção. A literatura não contempla uma recomendação para estudos com TA quanto à composição de grupos, porém estas características não se estendem exclusivamente a esta população, mas também à pesquisa cuja amostra é de sujeitos com TPAC, usuários de IC, AASI e ou sujeitos afásicos3333. Wilson WJ, Arnott W, Henning C. A systematic review of electrophysiological outcomes following auditory training in school-age children with auditory processing deficits. Int J Audiol. 2013;52(11):721-30.

34. Barker F, MacKenzie E, Elliott L, de Lusignan S. Outcome measurement in adult auditory rehabilitation: a scoping review of measures used in randomized controlled trials. Ear Hear. 2015;36(5):567-73.
-3535. Woodhead ZV, Crinion J, Teki S, Penny W, Price CJ, Leff AP. Auditory training changes temporal lobe connectivity in 'Wernicke's aphasia': a randomised trial. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2017;88(7):586-94..

O delineamento metodológico com maior prevalência possui nível de evidência “2C”, seguido de outros dois artigos com nível de evidência “2B” e “C”, extremos na classificação dos selecionados. Para o grau de recomendação, prevaleceu o grau “B”. O importante nessa análise é identificar que em 93,75% (15/16) dos artigos, os que possuem grau de recomendação “B”1010. Hayes EA, Warrier CM, Nicol TG, Zecker SG, Kraus N. Neural plasticity following auditory training in children with learning problems. Clin Neurophysiol. 2003;114(4):673-84.,1111. Santos A, Joly-Pottuz B, Moreno S, Habib M, Besson M. Behavioural and event-related potentials evidence for pitch discrimination deficits in dyslexic children: improvement after intensive phonic intervention. Neuropsychologia. 2007;45(5):1080-90.,1313. Filippini R, Befi-Lopes DM, Schochat E. Efficacy of auditory training using the auditory brainstem response to complex sounds: auditory processing disorder and specific language impairment. Folia Phoniatr Logop. 2012;64(5):217-26.,1919. Feldmann SC, Schmidt DE, Deutsch CP. Effect of auditory training on reading skills of retarded readers. Percept Mot Skills. 1968;26(2):467-80.

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-2424. Kozou H, Azouz HG, Abdou RM, Shaltout A. Evaluation and remediation of central auditory processing disorders in children with autism spectrum disorders. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2018;104:36-42.,2626. Warrier CM, Johnson KL, Hayes EA, Nicol T, Kraus N. Learning impaired children exhibit timing deficits and training-related improvements in auditory cortical responses to speech in noise. Exp Brain Res. 2004;157(4):431-41.

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28. Vatanabe TY, Navas ALGP, Mariano SPB, Murphy CB, Durante AS. Performance of children with reading difficulties after auditory training. Audiol., Commun. Res. 2014;19(1):7-12.

29. Schaffler T, Sonntag J, Hartnegg K, Fischer B. The effect of practice on low-level auditory discrimination, phonological skills, and spelling in dyslexia. Dyslexia. 2004;10(2):119-30.
-3030. Murphy CF, Schochat E. Effect of nonlinguistic auditory training on phonological and reading skills. Folia Phoniatr Logop. 2011;63(3):147-53.,3636. Wharry RE, Kirkpatrick SW, Stokes KD. Auditory training: effect on auditory retention with the learning disabled. Percept Mot Skills. 1987;65(3):1000., apresentaram resultados críveis, ou seja, seus resultados podem ser generalizados para as condições estudadas e se tornam utilizáveis para decisões clínicas.

O estudo de menor recomendação, classificado como “C”1212. Russo NM, Hornickel J, Nicol T, Zecker S, Kraus N. Biological changes in auditory function following training in children with autism spectrum disorders. Behav Brain Funct. 2010;6:60., sugere haver mínimas evidências satisfatórias na análise dos desfechos, de forma que os benefícios apontados não justificam a generalização da recomendação, uma vez que não há força de evidencia suficientemente favorável2525. Howick J. Oxford Centre for Evidence-based Medicine - Levels of Evidence. 2009; http://www.cebm.net/index.aspx?o=1025.
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. Cabe uma observação, uma vez que se optou por este sistema classificatório por sua abrangência a diferentes estudos, como no caso específico, para a temática terapêutica; porém, observa-se que o mesmo não diferencia estudos com ou sem grupo controle e, utiliza como critério de maior nível de significância a randomização na distribuição amostral, no qual apenas um estudo contemplou este requisito para maior pontuação. Ainda, a escolha do referido sistema ocorreu em função do mesmo ser um dos mais empregados nas diferentes condições da saúde humana.

As abordagens de treinamento auditivo mais adotadas foram do tipo bottom-up ou a combinação mista, entre bottom-up e top-down, respectivamente com 37,5% e 31,25% de ocorrência entre os artigos selecionados. Isso nos mostra que a intervenção bottom-up, tem sido frequentemente empregada nesta população, podendo ou não estar associada à estimulação de mecanismos top-down para melhor abordagem e resultados mais abrangentes, no âmbito não só da estimulação sensorial, mas também conjunto a estratégias metalinguísticas e metacognitivas.

Ambas as abordagens são beneficiadas pelo que embasa a teoria do TA, a plasticidade neural, sendo o SNAC capaz de reorganizar a nível cortical por meio de experiências, estimulação88. Chermak G, Musiek F. Auditory training: principles and approaches for remediating and managing auditory processing disorders. Seminars in Hearing. 2002;23(4):297-308.. A plasticidade no âmbito do sistema auditivo, que se refere a alterações das células nervosas à partir de influencias ambientais, capaz de apresentar mudanças comportamentais, se distingue em três diferentes tipos, são elas: 1) plasticidade do desenvolvimento; 2) plasticidade compensada, decorrente de uma lesão no sistema auditivo; 3) plasticidade referente a aprendizagem55. Musiek F, Shinn J, Hare C. Plasticity, auditory training, and auditory processing disorders. Seminars in Hearing. 2002;23(4):263-76.,3737. Musiek F, Berge B. A neuroscience view of auditory training/stimulation and central auditory processing disorders. In: Masters MG, Stecker NA, Katz J (eds). Central auditory processing disorders - mostly management. Boston: Allyn & Bacon; 1998. p. 15-32..

Esta reorganização neural, em geral, ocorre de duas formas, podendo ativar neurônios ou conexões anteriormente inativas ou, incitar o surgimento de novas conexões neurais55. Musiek F, Shinn J, Hare C. Plasticity, auditory training, and auditory processing disorders. Seminars in Hearing. 2002;23(4):263-76.. Ainda segundo os autores, estas mudanças podem ser lentas, com maior requisição de tempo e treinamento, ou rápidas, sem intervenção, apenas por meio do desenvolvimento e/ou maturação. A literatura relata ainda, que a plasticidade cortical auditiva, com o aprimoramento de células nervosas a partir de influências do meio ambiente, acarreta em mudanças comportamentais1010. Hayes EA, Warrier CM, Nicol TG, Zecker SG, Kraus N. Neural plasticity following auditory training in children with learning problems. Clin Neurophysiol. 2003;114(4):673-84.,3838. Berlau KM, Weinberger NM. Learning strategy determines auditory cortical plasticity. Neurobiol Learn Mem. 2008;89(2):153-66..

As propostas de TA realizadas nas abordagens citadas podem ainda se diferir quanto ao contexto de sua aplicação, formal ou informal, que divergem quanto a utilização de recursos tecnológicos a fim de controlar acusticamente os estímulos apresentados durante o treinamento88. Chermak G, Musiek F. Auditory training: principles and approaches for remediating and managing auditory processing disorders. Seminars in Hearing. 2002;23(4):297-308.,3939. Schochat E. Insights for management of processing disorders. Hear J. 2004;57(10):58.. Nos artigos desta revisão, foi possível identificar que 87,5% se apropriaram da aplicação do TA em contexto formal, o que evidencia maior zelo pelas propriedades e características acústicas dos estímulos utilizados para a melhor efetividade da proposta de TA adotada.

Embora seja necessário que a intervenção seja personalizada para cada indivíduo, as abordagens de treinamento bottom-up e top-down são complementares e devem ser incorporadas para maximizar a efetividade do tratamento77. American Academy of Audiology (AAA). Clinical practice guidelines: diagnosis, treatment and management of children and adults with central auditory processing disorder. In: 2010: https://audiology-web.s3.amazonaws.com/migrated/CAPD%20Guidelines%208-2010.pdf_539952af956c79.73897613.pdf.
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.

A observação da evolução do paciente é possível de ser realizada por meio do registro e comparação de dados qualitativos ou quantitativos antes e após a estimulação auditiva, via TA3333. Wilson WJ, Arnott W, Henning C. A systematic review of electrophysiological outcomes following auditory training in school-age children with auditory processing deficits. Int J Audiol. 2013;52(11):721-30.,4040. Tawfik S, Mohamed Hassan D, Mesallamy R. Evaluation of long term outcome of auditory training programs in children with auditory processing disorders. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2015;79(12):2404-10.. Considerado elemento chave de para mensurar os efeitos de qualquer programa de TA, efetividade deste se torna imprescindível55. Musiek F, Shinn J, Hare C. Plasticity, auditory training, and auditory processing disorders. Seminars in Hearing. 2002;23(4):263-76.. Nos estudos selecionados, esta foi monitorada por meio de uma metodologia de análise pré e pós-intervenção, que em grande parte foi monitorada pela avaliação comportamental do processamento auditivo. Houve uma variação, ainda, entre aplicação de questionários, avaliação de caráter linguístico e eletrofisiológico do processamento auditivo. Revelar a maturidade do sistema auditivo e o nível de neuroplasticidade que ocorreu durante o treinamento auditivo são objetivos principais do controle de efetividade do TA55. Musiek F, Shinn J, Hare C. Plasticity, auditory training, and auditory processing disorders. Seminars in Hearing. 2002;23(4):263-76.,4141. Chermak G. Neurobiological connections are key to APD. Hear J. 2004;57(4):58-9.. Além do mais, é considerada como verdadeira mensuração da efetividade de um programa de TA, a evolução em habilidades funcionais (e.g., compreensão auditiva, processamento linguístico oral e progresso em atividades educacionais)3939. Schochat E. Insights for management of processing disorders. Hear J. 2004;57(10):58..

Os artigos analisados nesta revisão integrativa da literatura, assim como a maioria dos artigos que se propõem a estudar os efeitos do TA com reavaliação após o mesmo, mensuram-na de forma imediata. Esta tem sido uma lacuna a preencher, com novas pesquisas, em estudos que avaliem efetividade de programas de treinamento dos TPAC, principalmente a longo prazo.

O número de sessões, periodicidade e duração, foram variáveis que oscilaram conforme a população, de modo que a proposta de TA melhor se adequasse ao objetivo do estudo. Muito embora seja aceito que para aumentar a neuroplasticidade, a intervenção deva ser frequente, intensa e desafiadora, é justificável que o clinico pense em minimizar o tempo e esforços necessários a fim de promover a mesma escala evolutiva do paciente, mesmo que ainda não haja uma recomendação com evidência científica para determinar a frequência e intensidade dos processos de intervenção com TA3939. Schochat E. Insights for management of processing disorders. Hear J. 2004;57(10):58..

Em súmula, nos principais desfechos dos estudos, independente da casuística e da metodologia empregada para TA pelos autores, os sujeitos que compuseram as amostras de grupo estudo treinados apresentaram melhora em habilidades linguísticas e auditivas, comparadas à avaliação anterior a intervenção, bem como em habilidades cognitivas. Apenas no estudo de Feldmann; Schmidt; Deutsch1919. Feldmann SC, Schmidt DE, Deutsch CP. Effect of auditory training on reading skills of retarded readers. Percept Mot Skills. 1968;26(2):467-80. os resultados apresentados mostram poucas evidências para apoiar a hipótese inicial dos autores, cujo programa de desenvolvimento de habilidades auditivas, optado pelo estudo, funcionaria como medida corretiva para crianças socialmente desfavorecidas com distúrbio de leitura.

Ainda que nos estudos selecionados, os desfechos sejam dessemelhantes, porém congruentes ao modelo de intervenção e objetivo propostos para a população estudada, é notório o registro dos autores quanto às evoluções observáveis, sejam elas significativas ou apenas qualitativamente descritas. As conclusões dos autores tangenciam ao objetivo do TA aplicado, uma vez que a estimulação auditiva, a fim de reestruturar as atividades sinápticas e provocar a plasticidade no SNAC3636. Wharry RE, Kirkpatrick SW, Stokes KD. Auditory training: effect on auditory retention with the learning disabled. Percept Mot Skills. 1987;65(3):1000., refletiram em melhorias nas atividades comportamentais dos sujeitos. É importante ressaltar que estes desfechos foram observados em uma população com diagnósticos psiquiátricos, de condições que afetam o desenvolvimento, assim, o processo de intervenção auditiva é uma estratégia a ser somada, nunca exclusiva, nos casos em que há recomendação médica do tratamento medicamentoso.

Conclusão

O TA com abordagens bottom-up ou mista (bottom-up e top-down) foram utilizadas na maioria dos estudos e o contexto formal do treinamento o mais frequente. Os protocolos são heterogêneos em relação ao número de sessões e duração, bem como a periodicidade. Avaliações comportamentais foram o instrumento de maior ocorrência para o controle da efetividade, seguido do uso em conjunto de avaliações comportamentais e eletrofisiológicas. A proposta de intervenção terapêutica por meio do TA, na população com o diagnóstico e sinais e sintomas psiquiátricos infantis, mostrou-se capaz de provocar benefícios comportamentais, auditivos, cognitivos e linguísticos, nas condições como dislexia, TEA, esquizofrenia, TDAH, distúrbio de aprendizagem e transtorno do desenvolvimento da linguagem.

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  • Fonte de auxílio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -CAPES.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2019
  • Aceito
    24 Jun 2019
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