Acessibilidade / Reportar erro

Teste de Fala Comprimida em adultos com e sem transtorno do processamento auditivo central

RESUMO

Objetivo:

analisar e comparar o desempenho no Teste de Fala Comprimida e o comportamento auditivo de adultos com e sem alteração do Processamento Auditivo Central.

Métodos:

estudo observacional, transversal e analítico. Participaram do estudo 40 indivíduos, com idade de 18 a 35 anos, de ambos os sexos. Os participantes foram submetidos à anamnese, avaliação audiológica básica, e bateria mínima do Processamento Auditivo Central, incluindo o Teste Dicótico de Dígitos (integração binaural), Teste Padrão de Frequência e o Teste de Fala Comprimida. A partir do resultado dos Testes Dicótico de Dígitos e Padrão de Frequência foram distribuídos em grupos de indivíduos sem e com alteração de Processamento Auditivo Central. O comportamento auditivo foi avaliado por meio do questionário Scale of Auditory Behaviors(SAB). Para análise estatística foram utilizados os testes Mann-Whitney e Fisher’s Exact test, considerando o nível de significância p<0,05.

Resultados:

em relação à variável orelha não foi encontrada diferença de desempenho entre os grupos. Houve diferença entre os grupos apenas no Teste Fala Comprimida monossílabos da orelha esquerda (p=0,026). As palavras com maior ocorrência de erros foram as monossílabas.

Conclusão:

verificou-se que apenas a lista de estímulos influenciou no desempenho entre os indivíduos com e sem alteração de Processamento Auditivo Central. Houve associação do comportamento auditivo analisado pelo questionário SAB com o desempenho do TFC na lista de monossílabos. Sugere-se que esta lista seja utilizada na avaliação do teste fala comprimida em adultos.

Descritores:
Percepção Auditiva; Testes Auditivos; Audição; Adulto; Transtorno da Audição

ABSTRACT

Purpose:

to analyze and compare the performance in the time-compressed speech test and the auditory behavior of adults with and without central auditory processing disorders.

Methods:

an observational, analytical, cross-sectional study with a total of 40 people of both genders aged 18 to 35 years participating in the study. They were submitted to anamnesis, basic audiological assessment, and a core battery of tests for central auditory processing - including the dichotic digits test (binaural integration), frequency pattern test, and time-compressed speech test (TCST). Based on the results of the dichotic digits and frequency pattern tests, the subjects were divided into two groups, with and without central auditory processing disorders. The auditory behavior was assessed with the Scale of Auditory Behavior (SAB) questionnaire. The Mann-Whitney and Fisher’s exact tests were used for the statistical analysis, setting the significance level at p < 0.05.

Results:

no difference in performance was found between the groups regarding the ears. There was a difference between the groups only in the time-compressed speech test with monosyllable stimuli in the left ear (p = 0.026). Monosyllables were the words that resulted in most errors.

Conclusion:

it was verified that only the list of stimuli influenced the performance, differing the individuals with and without central auditory processing disorders. There was an association of auditory behavior, analyzed with the SAB questionnaire, with the performance in the TCST with the list of monosyllables. It is suggested that this list be used when assessing adults by the time-compressed speech test.

Keywords:
Auditory Perception; Auditory Tests; Hearing; Adult; Hearing Disorder

Introdução

O Processamento Auditivo Central (PAC) é a capacidade que o Sistema Nervoso tem de reconhecer, interpretar e processar os estímulos auditivos, ou seja, compreender a informação sonora11. Pereira LD, Frota S. Avaliação do processamento auditivo: testes comportamentais. In: Boéchat EM, Menezes PL, Couto CM, Frizzo ACF, Scharlach RC, Anastacio ART (orgs). Tratado de Audiologia. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan Ltda; 2015, p. 489-97.. Há uma série de habilidades auditivas que colaboram para a compreensão da informação acústica. Essas habilidades são: localização e lateralização sonora, discriminação auditiva, atenção seletiva, figura-fundo, fechamento auditivo, resolução, ordenação e mascaramento temporal 22. American Speech-Language-Hearing Association (ASHA). (central) auditory processing disorders [Technical Report]. 2005. Disponível em: http://www.asha.org/policy/TR2005-00043/ acessado em: 19 de outubro de 2019.
http://www.asha.org/policy/TR2005-00043/...
.

Nem sempre a dificuldade do indivíduo em compreender a informação auditiva é ocasionada por perda auditiva, tal situação pode ser consequência do Transtorno do PAC (TPAC), que ocorre quando a pessoa possui algum déficit em uma ou mais das habilidades auditivas acima citadas. Em geral, pessoas que possuem TPAC apresentam queixas como: dificuldades de memória, ouvir no ruído e de compreensão da informação sonora, seja ela verbal ou não verbal; desatenção e problemas de aprendizagem, envolvendo leitura e escrita33. Carvalho NG, Ubiali T, Amaral MIR, Colella-Santos MF. Procedures for central auditory processing screening in schoolchildren. Braz J Otorhinolaryngol. 2019;85(3):319-28..

Os testes especiais comportamentais que avaliam as habilidades auditivas do PAC são separados por grupos: Testes Monoaurais de Baixa Redundância, Interação Binaural, Escuta Dicótica e de Processamento Temporal. A bateria mínima de testes empregados para avaliar o PAC deve ser composta de um teste de cada um destes grupos e ao menos um destes deve ter estímulo não-verbal11. Pereira LD, Frota S. Avaliação do processamento auditivo: testes comportamentais. In: Boéchat EM, Menezes PL, Couto CM, Frizzo ACF, Scharlach RC, Anastacio ART (orgs). Tratado de Audiologia. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan Ltda; 2015, p. 489-97.,22. American Speech-Language-Hearing Association (ASHA). (central) auditory processing disorders [Technical Report]. 2005. Disponível em: http://www.asha.org/policy/TR2005-00043/ acessado em: 19 de outubro de 2019.
http://www.asha.org/policy/TR2005-00043/...
.

Os testes monoaurais de baixa redundância se caracterizam por serem compostos de estímulos verbais que sofrem modificações de tempo, frequência ou duração. Essas manipulações fazem com que os estímulos apresentados fiquem degradados. Em alguns testes, os estímulos podem ser apresentados junto a um ruído competitivo44. Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. Ed. Pró-Fono; 2011..São testes sensíveis a alterações de tronco encefálico55. Bellis TJ. Interpretation of central auditory assessment results. In: Bellis TJ (ed). Assessment and management of central auditory processing disorders in the education setting: form Science to practice. 2 ª ed. San Diego: Singular Publisching Group; 2003. p.267-478., sendo o complexo olivar superior, a estrutura importante do arco reflexo estapediano envolvido nas habilidades auditivas66. Carvalho RMM. O efeito do reflexo estapediano no controle da passagem da informação sonora. In: Schochat E (org). Processamento auditivo - série atualidades em Fonoaudiologia. Lovise Ed.; 1996. p. 57-73., como, atenção auditiva para sons contínuos, separação de um sinal auditivo do ruído de fundo77. Simmons FB. Perceptual theories of middle ear muscle function. J Acoust Soc. 1962;34:1524-24. e da localização sonora 66. Carvalho RMM. O efeito do reflexo estapediano no controle da passagem da informação sonora. In: Schochat E (org). Processamento auditivo - série atualidades em Fonoaudiologia. Lovise Ed.; 1996. p. 57-73.

7. Simmons FB. Perceptual theories of middle ear muscle function. J Acoust Soc. 1962;34:1524-24.
-88. Iguchi Y, Ogawa Y, Tada Y, Kodoma N. Binaural interaction of stapedius reflex. Acta Otolaryngol (Stockh). 1996;116(524):33-5..

Na bateria atual de testes comportamentais para adultos, existem os seguintes testes monoaurais de baixa redundância: Fala no ruído, Fala Filtrada e Teste Fala Comprimida (TFC). Todos estes testes avaliam a habilidade de fechamento auditivo. Esta habilidade permite que o indivíduo compreenda a informação sonora mesmo quando faltam partes do estímulo, ou seja, quando há degradação do sinal 11. Pereira LD, Frota S. Avaliação do processamento auditivo: testes comportamentais. In: Boéchat EM, Menezes PL, Couto CM, Frizzo ACF, Scharlach RC, Anastacio ART (orgs). Tratado de Audiologia. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan Ltda; 2015, p. 489-97.,44. Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. Ed. Pró-Fono; 2011..

O TFC possui o parâmetro de duração modificado, ou seja, as palavras apresentadas (monossílabas e dissílabas) são comprimidas em um espaço de tempo, dificultando o entendimento da mensagem99. Folgearini J, Goulart L, Silva D, Vellozo F, Mezzomo C, Garcia M. Time-compressed speech test: adaptation and validation. Rev. CEFAC. 2016;18(6):1294-301.,1010. Prabhu P, Rasheed M, Dinesh T. The factors affecting the perception of malayalam time compressed speech in children and young adults. J Phonet and Audiol. 2016;2(1):1-5.. As características espectrais do sinal original são preservadas, mas as informações fonéticas são apresentadas em um intervalo temporal mais curto1111. Dias JW, McClaskey CM, Harris KC. Time-Compressed Speech Identification is predicted by auditory neural processing, Perceptuomotor speed, and executive functioning in younger and older listeners. JARO. 2019;20(1):73-88.. Esse teste foi proposto inicialmente em 19721212. Beasley D, Schwimmer S, Rintelmann W. Intelligibilty of timecompressed CNC monosyllables. J Speech Hear Res. 1972;15(2):340-50. e foi padronizado e normatizado para adultos, falantes do português do Brasil, no ano de 20071313. Rabelo CM, Schochat E. Time - compressed speech test in brazilian portuguese. Clinics. 2007;63(3):261-72.. Os autores tinham como objetivo desenvolver um teste para o português do Brasil que fosse monoaural de baixa redundância e possuísse o padrão de duração alterado.

Já foram realizadas pesquisas utilizando este teste em crianças e idosos1010. Prabhu P, Rasheed M, Dinesh T. The factors affecting the perception of malayalam time compressed speech in children and young adults. J Phonet and Audiol. 2016;2(1):1-5.,1111. Dias JW, McClaskey CM, Harris KC. Time-Compressed Speech Identification is predicted by auditory neural processing, Perceptuomotor speed, and executive functioning in younger and older listeners. JARO. 2019;20(1):73-88.,1414. Padilha FYOMM, Pinheiro MMC. Study on the application of the time-compressed speech in children. CoDAS. 2017;29(5):1-7.,1515. Arceno RS, Scharlach RC. Time-compressed speech test in the elderly. CoDAS. 2017;29(5):218-25.. No entanto, há poucos estudos no Brasil 99. Folgearini J, Goulart L, Silva D, Vellozo F, Mezzomo C, Garcia M. Time-compressed speech test: adaptation and validation. Rev. CEFAC. 2016;18(6):1294-301.,1313. Rabelo CM, Schochat E. Time - compressed speech test in brazilian portuguese. Clinics. 2007;63(3):261-72.,1616. Rabelo CM, Rocha-Muniz CN, Schochat E. Ongoing maturation in the time-compressed speech test. Clinics. 2018;73(8)1-8. que envolvam a aplicação e observação do TFC em adultos. O presente estudo se fez necessário a fim de contribuir e agregar conhecimentos, acerca da utilização deste instrumento, para a prática clínica. Portanto, a presente pesquisa objetivou analisar e comparar o desempenho no Teste de Fala Comprimida e o comportamento auditivo de adultos com e sem alteração do Processamento Auditivo Central.

Métodos

Trata-se de um estudo observacional, transversal, descritivo e comparativo. O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina sob o número de parecer 2.008.562.

A população do estudo foi constituída por 40 indivíduos de ambos os sexos, na faixa etária entre 18 e 35 anos. Os indivíduos foram recrutados no ambulatório de avaliação de PAC e os demais eram acadêmicos do Curso de Fonoaudiologia de uma Universidade.

Como critérios de inclusão foram elencados os seguintes aspectos: faixa etária entre 18 a 49 anos; limiares auditivos dentro dos padrões de normalidade bilateralmente1717. Lloyd LL, Kaplan H. Audiometric interpretation: a manual of basic audiometry. 2 th ed. Baltimore: University Park Press; 1978. curva timpanométrica do tipo A bilateralmente1818. Jerger J. Clinical experience with impedance audiometry. Arch Otolaryngol. 1970;92(4):311-24.; ter o português falado no Brasil como primeira língua; ausência de alterações na linguagem oral e comprometimentos neurológicos relatados pelos indivíduos e sem experiência musical prévia.

Após os indivíduos assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e foram submetidos a anamnese, avaliação audiológica básica, responderam o questionário SAB e a três testes comportamentais especiais da bateria mínima do PAC: Teste Dicótico de Dígitos (TDD) na tarefa de integração binaural, TPF e o TFC. Foram utilizados para separar os grupos os testes especiais TDD e o TPF por serem citados em estudos como os testes maior sensibilidade e especificidade1919. Musiek FE, Chermak GD, Weihing J, Zappulla M, Nagle S. Diagnostic accuracy of established central auditory processing test batteries in patients with documented brain lesions. J Am Acad Audiol. 2011;22(6):342-58. e utilizados em estudos nacionais como testes para triagem auditiva 2020. Carvalho NG, Novelli CVL, Colella-Santos MF. Performance of school-aged children in the basic audiological evaluation and the binaural integration task. Audiol., Commun. Res. 2018;23:e2016.

21. Matos GGO, Frota S. A influência das perdas auditivas sensorioneurais na ordenação temporal. Rev. CEFAC. 2013;15(6):1435-40.
-2222. Mendes SC, Branco-Barreiro FCA, Frota S. Masking level difference: reference values in adults. Audiol., Commun. Res. 2017;22:e1746..

A partir dos resultados dos testes especiais (TDD e TPF) os indivíduos foram distribuídos em dois grupos:

Grupo 1- constituído por 20 indivíduos com resultados normais no TDD e no TPF e reflexos acústicos presentes 1818. Jerger J. Clinical experience with impedance audiometry. Arch Otolaryngol. 1970;92(4):311-24. em todas as frequências testadas.

Grupo 2- constituído por 20 indivíduos com resultados alterado no TDD na tarefa de integração binaural e /ou no TPF, podendo apresentar ausência dos reflexos acústicos1818. Jerger J. Clinical experience with impedance audiometry. Arch Otolaryngol. 1970;92(4):311-24..

Cabe ressaltar que ambos os grupos apresentavam a mesma escolaridade, sendo que tanto o G1 como o G2, apresentavam 19 indivíduos com superior incompleto e um com superior completo em cada grupo.

A avaliação audiológica básica foi composta por anamnese, meatoscopia, audiometria tonal liminar, logoaudiometria e imitanciometria. Na meatoscopia foi utilizado o otoscópio da marca Heine modelo 3000.

A Audiometria Tonal Limiar e Logoaudiometria, foram realizadas por meio do audiômetro modelo AC 40, da marca Interacoustics. O paciente permaneceu em uma cabine acusticamente tratada, com fones de ouvido TDH39. Na audiometria foram testadas as frequências de 250 Hz a 8000 Hz. Na logoaudiometria2323. Jerger S, Jerger J. Alterações auditivas: um manual para avaliação clínica. São Paulo: Atheneu; 1989. foi pesquisado o Limiar de Reconhecimento de Fala (LRF) e Índice de Reconhecimento de fala (IRF) a fim de avaliar a habilidade do indivíduos para detectar e reconhecer a fala2323. Jerger S, Jerger J. Alterações auditivas: um manual para avaliação clínica. São Paulo: Atheneu; 1989..

Para as medidas de Imitância Acústica, foi utilizado o imitânciometro modelo AT235 da marca Interacoustics, com tom de sonda de 226 Hz. Foram traçadas as curvas timpanométricas e testados os reflexos acústicos contralaterais nas frequências de 500 Hz, 1000 Hz, 2000 Hz e 4000 Hz. Os indivíduos que apresentaram alteração nos reflexos acústicos não poderiam participar do G1.

Após esses procedimentos foi aplicado o questionário o SAB, o qual possuí 12 questões relacionadas a comportamentos auditivos. O participante leu e assinalou as respostas que mais se encaixavam com a sua realidade. Este questionário é constituído por 12 questões relacionadas ao PAC, sua pontuação pode variar de 12 a 60 pontos. Após aplicado, as respostas dadas por cada participante foram somadas para se obter um desempenho total. O padrão de normalidade seguido foi o que considera o comportamento auditivo típico de 46 pontos e que a presença de valores inferiores a este indique uma situação de risco para o TPAC2424. Nunes C, Pereira L, Carvalho G. Scale of Auditory Behaviors and auditory behavior tests for auditory processing assessment in portuguese children. CoDAS. 2013;25(3):209-15..

O TDD é um teste de escuta Dicótica que avalia a habilidade de figura fundo para sons verbais. A tarefa realizada nesta pesquisa foi de integração binaural. Foram apresentadas 20 sequências de quatro números cada, após o participante ouvir dez sequências de números, inverteram-se os fones. O participante repetia os números ouvidos sem necessidade de ser em ordem. O padrão de normalidade para o TDD foi de 95% ou mais de acertos44. Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. Ed. Pró-Fono; 2011..

Já o TPF é um teste que avalia a habilidade auditiva de ordenação temporal para sons não verbais44. Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. Ed. Pró-Fono; 2011.. Foi utilizado a versão Musiek2525. Musiek F. Frequency (pitch) and duration patterns tests. J Am Acad Audiol. 1994;5(4):265-8., composto por 30 itens, apresentados de forma binaural, sendo que o tom grave é de 880 Hz e 1122 Hz o agudo. Cada item do teste é composto por três tons de frequência, com duração de 150 ms e os intervalos entre os tons são de 200 ms. Foi realizada a tarefa de nomeação, na qual cada participante reproduzia a ordem da sequência ouvida. O padrão de normalidade adotado era que os indivíduos deveriam ter desempenho igual ou maior de 76% de acertos44. Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. Ed. Pró-Fono; 2011..

O TFC é um teste monoaural de baixa redundância que avalia a habilidade auditiva de fechamento. É composto por quatro listas de estímulos, cada uma com 50 palavras foneticamente balanceadas, sendo essas, duas listas de estímulos com palavras monossílabas (lista um e dois) e duas de palavras dissílabas (lista três e quatro). As listas um e dois possuíam 33 palavras iguais e 17 palavras diferentes; as listas três e quatro possuíam as mesmas palavras dispostas em ordens diferentes. A aplicação do teste respeitou a ordem das listas de estímulos e orelhas para a sua apresentação, ou seja, primeiramente foi apresentada a lista um na orelha direita, lista dois na orelha esquerda, em seguida lista três na orelha direita e lista quatro na orelha esquerda. Todas as palavras passaram por compressão de 60%. A normalidade sugerida pelos autores foi de desempenho maior ou igual a 90% de acertos1313. Rabelo CM, Schochat E. Time - compressed speech test in brazilian portuguese. Clinics. 2007;63(3):261-72..

Para aplicar o TDD na tarefa de integração binaural e o TFC foi utilizado o material do manual de avaliação do PAC44. Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. Ed. Pró-Fono; 2011. que apresentam os testes comportamentais gravados em Moving Picture Experts Group 1 Audio Layer 3 (MP3). Foram utilizadas as faixas seis, sete oito e nove (TFC) e 12 (TDD). Para o TPF foi utilizado o teste proposto por Musiek2525. Musiek F. Frequency (pitch) and duration patterns tests. J Am Acad Audiol. 1994;5(4):265-8..

Os três testes aplicados foram apresentados por meio de fones supra-aurais TDH39 a 50 dBNS da média tritonal de 500, 1000 e 2000Hz, em cabina acusticamente tratada, com a utilização de e audiômetro de dois canais modelo AC 40, da marca Interacoustics acoplado ao notebook da marca Dell, modelo Inspiron 15 5000.

Depois de coletados os dados, estes foram tabulados em uma planilha do Excel Office 2016, para posterior análise descritiva inferencial/analítica por meio do software SPSS para Windows versão 13.0 com aplicação dos testes Mann-Whitney e Fisher’s Exact test. Foi realizado uma estatística descritiva do questionário SAB e testes TDD e TPF. Posteriormente foi analisado o desempenho do TFC segundo a variável orelha e lista de estímulos de acordo com grupo. Em seguida os grupos foram comparados por lista de estímulo e variável orelha. Analisou-se ainda as palavras com maior ocorrência de erros por orelha e lista de estímulo sem distribuição de grupo. Contabilizou-se as palavras com mais de dez de erros no TFC tanto na lista de monossílabos e dissílabos. Por fim, foi verificado se havia associação entre o TFC com o SAB com todos os participantes. Para esta análise o TFC monossílabos da orelha direta foi somado ao da esquerda, o mesmo ocorreu com os dissílabos.

O teste Mann-Whitney foi utilizado para verificar associação entre orelhas, lista de estímulos e entre grupos. Foi considerada associação entre as variáveis estudadas, quando houve valor de p igual ou menor que 0,05 (p≤0,05).

O Fisher’s Exact test, foi utilizado para verificar associação entre as variáveis categóricas (normal e alterado) do SAB com TFC monossílabos e dissílabos (direita mais esquerda), com o TFC também por lista de estímulo. Cabe ressaltar que no TFC quando o paciente possuía alteração em uma orelha, já era considerado alterado. Foi considerado associação quando o valor de p foi igual ou menor que 0,05 (p≤0,05).

Em todos os testes estatístico, quando houve valor de p dentro dos critérios descritos utilizou-se asteriscos ao lado do número (*).

Resultados

A população estudada foi constituída por 40 pessoas, dois indivíduos do sexo masculino (5%) e 38 do sexo feminino (95%), na faixa etária entre 18 e 35 anos e com média de idade de 21 anos e 6 meses.

Na Tabela 1 será apresentada a análise estatística descritiva dos dados encontrados no questionário SAB e nos testes auditivos comportamentais TDD e TPF, por grupo e considerando a amostra total.

Tabela 1:
Estatística descritiva do questionário Scale of Auditory Behaviors, teste dicótico de dígitos e teste padrão de frequência segundo a variável grupo

Observou-se na Tabela 1 que a mediana da pontuação do questionário SAB foi superior para o G1, padrão observado também nos resultados obtidos no TPF. Já o contrário ocorreu com o desempenho no TDD que teve a mesma mediana entre os grupos.

Observa-se na Tabela 2 a análise estatística descritiva dos achados encontrados no TFC por orelha e lista de palavras e na Figura 1 é apresentado o número de indivíduos por grupo que apresentaram alteração no TFC por lista de estímulos.

Tabela 2:
Estatística descritiva do teste fala comprimida nos grupos de acordo com a lista de estímulos e variável orelha

Figura 1:
Distribuição numérica dos indivíduos com alteração no Teste Fala Comprimida segundo o grupo e lista de estímulos

Analisando a Tabela 2, verificou-se que não há diferença de desempenho do TFC segundo a variável orelha e observou-se na Figura 1 que em ambos os grupos as palavras monossílabas foram as que tiveram pior desempenho.

A seguir será apresentada a Tabela 3 que demonstra associação entre os grupos de acordo com as variáveis orelha e lista de palavras monossílabas e dissílabas.

Tabela 3:
Associação entre grupos segundo as variáveis orelha e listas de estímulo do Teste Fala Comprimida

Verificou-se na Tabela 3 que houve diferença entre os grupos apenas na lista de estímulos monossílabos da orelha esquerda.

Na Figura 2 é possível verificar o demonstrativo das palavras monossílabas e dissílabas com maior acometimento de erros realizados pelos participantes, expresso separadamente por orelhas.

Figura 2:
Distribuição numérica das palavras monossílabas e dissílabas com maior ocorrência de erros no Teste Fala Comprimida

No TFC monossílabos da orelha direita, as palavras com maior ocorrência de erros foram “pau” (90% de erros), “cru” (70% de erros) e “grão” (65.4% de erros). Já na orelha esquerda foram as palavras “pau” (72,5% de erros), “pé” (57,7% de erros) e “traz” (57,7% de erros). Nas palavras dissílabas da orelha direita, verificou-se a maior ocorrência de erros de “cravo” (42,5% de erros) e “grito” (47,5% de erros). Na orelha esquerda as palavras mais erradas foram “caro” (52,5% de erros) e “grito” (37,5% de erros).

Por fim foi aplicada o Teste de Fisher’s para verificar associação entre o TFC segundo a orelha e lista de aplicação com o questionário SAB, independente do grupo que pertenciam os indivíduos. Verificou-se que houve associação entre o desempenho do SAB com o TFC na lista de estímulos monossílabos (p-0,026*).

Discussão

No presente estudo a maior parte da população foi do sexo feminino. A literatura pesquisada não relatou relação entre sexo e melhor desempenho no TFC com isso o maior número de participantes femininos não se tornou uma problemática para a análise 2626. Sartori AATK, Delecrode CR, Cardoso ACV. (Central) auditory processing in schoolers in initial literacy grades. CoDAS. 2019;31(1):1-8.,2727. Santos TS, Mancini PC, Sancio LP, Castro AR, Labanca L, Resende LM. Findings in behavioral and electrophysiological assessment of auditory processing. Audiol., Commun. Res. 2015;20(3):225-32.).

A literatura recomenda que além dos testes comportamentais, sejam utilizados questionários para complementar o diagnóstico do TPAC2828. Bamiou D, Iliadou V, Zanchetta S, Spyridakou C. What can we learn about auditory processing from Adult Hearing Questionnaires? J Am Acad Audiol. 2015;26(10):824-37.

29. Souza IMP, Carvalho NG, Plotegher SDCB, Colella-Santos MF, Amaral MIR. Auditory processing screening: contributions of the combined use of questionnaire and auditory tasks. Audiol., Commun. Res. 2018;23(8):1-8.
-3030. Barry J, Tomlin D, Moore D, Dillon H. Use of Questionnaire-Based Measures in the assessment of listening difficulties in school-aged children. Ear and Hear. 2015;36(6):300-13.. Uma pesquisa realizada em adultos verificou correlações significantes entre os testes comportamentais do PAC e questionário aplicado2828. Bamiou D, Iliadou V, Zanchetta S, Spyridakou C. What can we learn about auditory processing from Adult Hearing Questionnaires? J Am Acad Audiol. 2015;26(10):824-37.. Estudo2929. Souza IMP, Carvalho NG, Plotegher SDCB, Colella-Santos MF, Amaral MIR. Auditory processing screening: contributions of the combined use of questionnaire and auditory tasks. Audiol., Commun. Res. 2018;23(8):1-8. que aplicou um questionário baseado no SAB e triagem do PAC, afirma que o uso de questionários de auto percepção aplicado nos escolares foi um instrumento adequado na diferenciação dos grupos estudados, encontrando score de risco para TPAC em 85,2% dos participantes que possuíam dificuldades escolares. Em outro estudo,3030. Barry J, Tomlin D, Moore D, Dillon H. Use of Questionnaire-Based Measures in the assessment of listening difficulties in school-aged children. Ear and Hear. 2015;36(6):300-13. que foram aplicados questionários e cinco testes comportamentais do PAC, os autores verificaram que o uso de questionários auxilia na tomada de decisão. Além dos mesmos serem sensíveis para detectar problemas e auxiliar na avaliação clínica do PAC. No mesmo estudo, entre os testes comportamentais utilizados, o TPF e o TDD foram os que mais contribuíram para a distribuição dos grupos, classificando corretamente 59,3% das crianças participantes.

O questionário SAB tem sido utilizado para complementar à avaliação do PAC e mensurar o funcionamento auditivo de forma simples e rápida. Por meio desse instrumento é possível inferir se o indivíduo possui dificuldades relativas ao TPAC2424. Nunes C, Pereira L, Carvalho G. Scale of Auditory Behaviors and auditory behavior tests for auditory processing assessment in portuguese children. CoDAS. 2013;25(3):209-15..Na presente pesquisa a pontuação alcançada pelo grupo 1 no SAB, encontra-se de acordo com os achados da literatura2424. Nunes C, Pereira L, Carvalho G. Scale of Auditory Behaviors and auditory behavior tests for auditory processing assessment in portuguese children. CoDAS. 2013;25(3):209-15., que referencia que resultados acima de 45 pontos nesse questionário indica possível normalidade nos testes do PAC. A mediana mostra a pontuação de 44 pontos para o grupo 2, que indica risco para TPAC e/ou alterações de linguagem. Apesar do estudo ter sido realizado com adultos e o trabalho referenciado ter normatização para crianças, os dados do presente estudo corroboram com esta literatura. Desta forma quanto menor a pontuação total no SAB, maior a chance de o indivíduo possuir alterações nas habilidades auditivas (Tabela 1).

Na presente pesquisa o desempenho do TDD do grupo 2 apresentou uma pequena desvantagem se comparado ao grupo 1, mesmo assim ambos os grupos apresentam valores médios dentro do padrão de normalidade sugerido para o teste44. Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. Ed. Pró-Fono; 2011. (Tabela 1). Acredita-se que isto tenha ocorrido pelos estímulos do TDD serem de alta previsibilidade e os adultos já apresentam maturação do corpo caloso3131. Aghazadeh J, Mahdavi ME, Tahaei AA, Tabatabaee SM. Inter-list equivalency and reliability of the Persian randomized dichotic digits test. Aud Vest Res. 2015;24(2):71-9..

Já o TPF foi o teste usado como critério de distribuição de grupos, que mais detectou alterações, sendo a diferença de desempenho entre os grupos bem expressiva. Um estudo utilizando uma bateria mínima de testes comportamentais (TPF, TDD, Fala Filtrada e Teste com Sentenças Competitivas) para avaliar a sensibilidade e especificidade dos testes isoladamente e em conjunto, mostrou que o TPF foi o que apresentou melhores respostas isoladamente para a maior sensibilidade da avaliação do PAC, sendo seguido do TDD. Em conjunto o TDD e TPF são os que aumentam a sensibilidade1919. Musiek FE, Chermak GD, Weihing J, Zappulla M, Nagle S. Diagnostic accuracy of established central auditory processing test batteries in patients with documented brain lesions. J Am Acad Audiol. 2011;22(6):342-58.. Diante dos achados desse estudo, observa-se que o emprego dos testes que definiram a distribuição dos grupos, na população estudada estão de acordo com o indicado pela literatura.

O teste fala comprimida apesar de ter sido criado em 19721212. Beasley D, Schwimmer S, Rintelmann W. Intelligibilty of timecompressed CNC monosyllables. J Speech Hear Res. 1972;15(2):340-50., no Brasil foi traduzido em 20071313. Rabelo CM, Schochat E. Time - compressed speech test in brazilian portuguese. Clinics. 2007;63(3):261-72. e disponibilizado para a prática clínica em 201144. Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. Ed. Pró-Fono; 2011.. Desta forma há poucos estudos na literatura nacional com este teste. O estudo que normatizou o TFC para adultos no Brasil1313. Rabelo CM, Schochat E. Time - compressed speech test in brazilian portuguese. Clinics. 2007;63(3):261-72. apesar de sugerir como padrão de normalidade 90% de acertos em todas as listas de estímulos, ao observar a média de desempenho no TFC monossílabos na compressão de 60%, encontra-se com média de 88% de acertos nas duas orelhas. No presente estudo a média do desempenho do grupo 1 para a lista de monossílabos da orelha direita e em ambas as orelhas do grupo 2 esteve abaixo de 90%. Já para a lista de dissílabos o desempenho de ambos os grupos corrobora com os achados em indivíduos normouvintes sem queixa de TPAC1313. Rabelo CM, Schochat E. Time - compressed speech test in brazilian portuguese. Clinics. 2007;63(3):261-72. (Tabela 2). É possível verificar na Figura 1 que independente do grupo a lista de monossílabos foi a mais difícil para os indivíduos.

Na língua malaiala, do sul da Índia falada por 38 milhões de pessoas, realizou-se um estudo encontrou a média de desempenho do TFC monossílabos e dissílabos entre 85-90% de acertos, tanto para adultos, quanto para crianças normouvintes1010. Prabhu P, Rasheed M, Dinesh T. The factors affecting the perception of malayalam time compressed speech in children and young adults. J Phonet and Audiol. 2016;2(1):1-5.. Na língua Americana, a normalidade para monossílabos e dissílabos é de 82% de acertos3232. Musiek FE, Baran JA, Pinheiro ML. Behavioral and electrophysiological test procedures. In: Musiek FE, Baran JA, Pinheiro ML (orgs). Neuroaudiology: case studies. San Diego: Singular Publishing Group; 1994. p. 7-28.. É importante observar que nas outras línguas, o padrão de normalidade admite desempenho inferior a 90% de acertos.

No presente estudo o desempenho dos indivíduos, no TFC com estímulos dissílabos, se mostrou melhor que com estímulos monossílabos, independente do grupo que pertenciam. As palavras com maior acometimento de erros foram as monossílabas (Tabela 2). Este achado também foi encontrado em um estudo realizado com adultos jovens que verificou pior desempenho para estímulos monossílabos tanto na orelha direita como na esquerda1515. Arceno RS, Scharlach RC. Time-compressed speech test in the elderly. CoDAS. 2017;29(5):218-25..

Nos estudos do TFC em outras línguas, há relatos de que o contrário aconteceu, as palavras monossílabas, obtiveram maiores acertos em relação as dissílabos, por isso é importante conhecer as características linguísticas de cada língua que o teste foi padronizado1010. Prabhu P, Rasheed M, Dinesh T. The factors affecting the perception of malayalam time compressed speech in children and young adults. J Phonet and Audiol. 2016;2(1):1-5.,3333. Prabhu P, Seshadri D, Ganeshan A, Babu L. Test-retest reliability of Kannada time-compressed speech test and time-compressed monosyllables test. Hearing, Balance and Communication. 2016;14(3):111-6.,3434. Prabhu P, Sujan M, Rakshith S. Effect of compression ratio on perception of time compressed phonemically balanced words in Kannada and monosyllables. Audiology Research. 2015;5(1):34-7..

Esses achados anteriormente citados no presente estudo podem ser explicados pelo fato de que muitos monossílabos se diferenciam em apenas um fonema, exemplo: “pau” e “tau”, essa semelhança na sonoridade e no modo articulatório, pode contribuir para que o indivíduo apresente erros. Apesar de existirem muitas palavras dissílabas que também se diferem em apenas um fonema, essas, são vocábulos de maior extensão, possuem mais informações sonoras e semânticas, podendo ocasionar maior compreensão do estímulo e por fim maior número de acertos.

Não foi encontrada, na presente pesquisa, diferença no desempenho do TFC entre as orelhas, tanto no TFC com estímulos monossílabos, quanto no TFC com estímulos dissílabos dos grupos 1,2 e total de participantes (Tabela 2). Esses achados corroboram com outros estudos que também aplicaram o TFC 99. Folgearini J, Goulart L, Silva D, Vellozo F, Mezzomo C, Garcia M. Time-compressed speech test: adaptation and validation. Rev. CEFAC. 2016;18(6):1294-301.,1313. Rabelo CM, Schochat E. Time - compressed speech test in brazilian portuguese. Clinics. 2007;63(3):261-72.,1515. Arceno RS, Scharlach RC. Time-compressed speech test in the elderly. CoDAS. 2017;29(5):218-25.. Já um estudo com adultos jovens1616. Rabelo CM, Rocha-Muniz CN, Schochat E. Ongoing maturation in the time-compressed speech test. Clinics. 2018;73(8)1-8. não verificou diferença no desempenho do TFC para estímulos monossílabos, porém nos estímulos dissílabos a orelha direita teve melhor desempenho. Os autores relatam que esse resultado não era esperado, pois as diferenças hemisféricas ocorrem no processamento dos sons de fala para a escuta dicótica. Nos testes monóticos tanto as vias ipsilaterais e contralaterais do sistema auditivo são ativadas. Esse mecanismo neutraliza o efeito da lateralidade e promove um desempenho semelhante entre as orelhas.

Na associação entre grupos, só se encontrou diferença entre os grupos no TFC monossílabos da orelha esquerda (Tabela 3). Uma vez que também houve associação apenas da lista de monossílabos com o desempenho do SAB, reforça-se a ideia que na prática clínica seja utilizado apenas a lista de monossílabos por ser a que teve mais erros no grupo alterado além de ter resultado compatível com o questionário e outros testes da bateria. O TFC é um teste muito extenso que acaba se tornando pouco viável na prática clínica. Utilizar apenas a lista de monossílabos pode reduzir o tempo de aplicação do mesmo e garantir um resultado mais confiável.

Nos adultos os testes monoaurais de baixa redundância não costumam ser os mais alterados da bateria de avaliação por avaliarem regiões nas quais a maturação ocorre nos dois primeiros anos de vida3535. Braga OH, Fernandes L, Estrela RH, Aragão-Dantas AC. Auditory evoked potentials in individuals with congenital hypothyroidism: a systematic review of scientific literature. Rev Ciênc Méd Biol. 2013;12(4):486-91..

Os testes monoaurais de baixa redundância, como o TFC, avaliam a compreensão de fala degradada na região do tronco encefálico. Quando há alteração do processamento do sinal no tronco encefálico, espera-se ter outras habilidades auditivas acometidas, como figura- fundo e ordenação temporal, que são analisadas em regiões superiores da via auditiva55. Bellis TJ. Interpretation of central auditory assessment results. In: Bellis TJ (ed). Assessment and management of central auditory processing disorders in the education setting: form Science to practice. 2 ª ed. San Diego: Singular Publisching Group; 2003. p.267-478.

Ao analisar todas as palavras erradas tanto nos monossílabos quanto nos dissílabos, foi observado que algumas delas tinham características semelhantes (Figura 2). Dentre as 20 palavras com maior acometimento de erros na execução dos testes TFC monossílabos e dissílabos, 14 palavras iniciavam com fonemas surdos, sendo esses, cinco com o som [t] (tom, teu, traz, tombo e tela), cinco com [p] (pá pau, pai, pé e pago), quatro com [k] (que, cru, cravo e caro), uma com [f] (flauta). Apenas cinco palavras iniciavam com fonemas sonoros, dentre essas duas tinham em comum o fonema inicial com ponto de articulação palatal [ʒ] (giz) e [ɲ] (nhô), duas com fonema inicial velar [g] (grão e grito) e uma com fonema de modo de articulação linguodental inicial e [z] (zebra). A maioria dos erros aconteceu quando as palavras começavam com fonemas surdos, que são aqueles sons que ao serem produzidos não há vibração das pregas vocais3636. Masip V. Fonética e fonologia portuguesas: um modelo didático latoratorial. Linha D'Água. 2015;28(1)173-92., por não obterem traço de sonoridade, podem ter afetado na compreensão dos vocábulos.

Outro fator que chamou a atenção em relação às palavras com maior ocorrência de erro, foi que sete delas possuíam encontro consonantal, ou seja, onset complexo (cru, grão, traz, cravo, zebra, grito e flauta), seis com líquidas vibrantes e uma com liquida lateral. Os encontros consonantais possuem estruturação silábica complexa3737. Silva CS. Consonant cluster acquisition: a comparative study. Porto das Letras. 2016;2(1):7-21., nesses casos, Consoante-Consoante-Vogal (CCV). Nessas estruturas complexas, algumas vezes as líquidas podem ter sido imperceptíveis auditivamente, ao ponto de ser um fator de dificuldade na compreensão dos vocábulos. Estes achados corroboram com um estudo que aplicou o TFC em com idosos1515. Arceno RS, Scharlach RC. Time-compressed speech test in the elderly. CoDAS. 2017;29(5):218-25. que verificou que os fonemas plosivos e os encontros consonantais com /r/ e /l/ são mais difíceis de serem reconhecidos com o aumento da velocidade da fala.

É importante conhecer as palavras que são constantemente erradas pelos indivíduos durante a execução do TFC, pois pode auxiliar na escolha de palavras para novas adaptações e validações do teste. No Brasil, um estudo99. Folgearini J, Goulart L, Silva D, Vellozo F, Mezzomo C, Garcia M. Time-compressed speech test: adaptation and validation. Rev. CEFAC. 2016;18(6):1294-301. adaptou e validou uma nova versão reduzida do TFC dissílabos, com listas de 25 palavras em cada orelha. Os autores relatam que houve menor ocorrência de erros na versão reduzida do que a original, porém não são citadas as palavras mais acometidas. No entanto observou-se que na versão reduzida foram incluídas as palavras “pago”, “flauta”, “zebra” e “tela”, a quais foram as que apresentaram maior ocorrência de erros no presente estudo. Estes dados reforçam a importância de mais estudos com o TFC.

Nesta pesquisa os participantes eram acadêmicos de uma universidade e o nível socioeconômico desses indivíduos não foi pesquisado. No entanto, um estudo encontrou diferença no desempenho de um teste de processamento temporal devido ao nível socioeconômico3838. Aguiar LB, Souza EK, Evangelista CKS, Nunes ADS, Lima KRA, Balen SA. Influence of the socieconomic level on the temporal resolution hearing skills in adults. Rev. CEFAC. 2019;21(4):1-8.. Desta forma sugere-se que futuras pesquisas investiguem esta variável.

O presente estudo forneceu conhecimentos acerca do TFC em indivíduos com e sem TPAC. Verificou-se que ao utilizar a lista de dissílabos o mesmo não foi bom preditor de normalidade ou alteração na população estudada. Indicando-se apenas a lista de monossílabos para a prática clínica. Sugere-se que além da bateria de testes comportamentais seja utilizado um questionário padronizado para um melhor diagnóstico.

Como tema de futuras pesquisas recomenda-se que seja aplicado o TFC em conjunto com outros testes monoaurais de baixa redundância para verificar qual tem maior sensibilidade.

Conclusão

Comparando os indivíduos com e sem alteração do PAC verificou-se que apenas a lista de estímulos monossílabos do TFC diferenciou os grupos, especialmente a lista da orelha esquerda. Não houve diferença em relação a variável orelha nos grupos. A lista de monossílabos apresentou maior acometimento de erros, sendo que as palavras com maior número de erros, iniciavam com fonemas surdos. Houve associação do comportamento auditivo, analisado pelo questionário SAB, com o desempenho do TFC na lista de monossílabos. Sugere-se que esta lista seja utilizada na avaliação do teste fala comprimida em adultos.

REFERENCES

  • 1
    Pereira LD, Frota S. Avaliação do processamento auditivo: testes comportamentais. In: Boéchat EM, Menezes PL, Couto CM, Frizzo ACF, Scharlach RC, Anastacio ART (orgs). Tratado de Audiologia. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan Ltda; 2015, p. 489-97.
  • 2
    American Speech-Language-Hearing Association (ASHA). (central) auditory processing disorders [Technical Report]. 2005. Disponível em: http://www.asha.org/policy/TR2005-00043/ acessado em: 19 de outubro de 2019.
    » http://www.asha.org/policy/TR2005-00043/
  • 3
    Carvalho NG, Ubiali T, Amaral MIR, Colella-Santos MF. Procedures for central auditory processing screening in schoolchildren. Braz J Otorhinolaryngol. 2019;85(3):319-28.
  • 4
    Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. Ed. Pró-Fono; 2011.
  • 5
    Bellis TJ. Interpretation of central auditory assessment results. In: Bellis TJ (ed). Assessment and management of central auditory processing disorders in the education setting: form Science to practice. 2 ª ed. San Diego: Singular Publisching Group; 2003. p.267-478.
  • 6
    Carvalho RMM. O efeito do reflexo estapediano no controle da passagem da informação sonora. In: Schochat E (org). Processamento auditivo - série atualidades em Fonoaudiologia. Lovise Ed.; 1996. p. 57-73.
  • 7
    Simmons FB. Perceptual theories of middle ear muscle function. J Acoust Soc. 1962;34:1524-24.
  • 8
    Iguchi Y, Ogawa Y, Tada Y, Kodoma N. Binaural interaction of stapedius reflex. Acta Otolaryngol (Stockh). 1996;116(524):33-5.
  • 9
    Folgearini J, Goulart L, Silva D, Vellozo F, Mezzomo C, Garcia M. Time-compressed speech test: adaptation and validation. Rev. CEFAC. 2016;18(6):1294-301.
  • 10
    Prabhu P, Rasheed M, Dinesh T. The factors affecting the perception of malayalam time compressed speech in children and young adults. J Phonet and Audiol. 2016;2(1):1-5.
  • 11
    Dias JW, McClaskey CM, Harris KC. Time-Compressed Speech Identification is predicted by auditory neural processing, Perceptuomotor speed, and executive functioning in younger and older listeners. JARO. 2019;20(1):73-88.
  • 12
    Beasley D, Schwimmer S, Rintelmann W. Intelligibilty of timecompressed CNC monosyllables. J Speech Hear Res. 1972;15(2):340-50.
  • 13
    Rabelo CM, Schochat E. Time - compressed speech test in brazilian portuguese. Clinics. 2007;63(3):261-72.
  • 14
    Padilha FYOMM, Pinheiro MMC. Study on the application of the time-compressed speech in children. CoDAS. 2017;29(5):1-7.
  • 15
    Arceno RS, Scharlach RC. Time-compressed speech test in the elderly. CoDAS. 2017;29(5):218-25.
  • 16
    Rabelo CM, Rocha-Muniz CN, Schochat E. Ongoing maturation in the time-compressed speech test. Clinics. 2018;73(8)1-8.
  • 17
    Lloyd LL, Kaplan H. Audiometric interpretation: a manual of basic audiometry. 2 th ed. Baltimore: University Park Press; 1978.
  • 18
    Jerger J. Clinical experience with impedance audiometry. Arch Otolaryngol. 1970;92(4):311-24.
  • 19
    Musiek FE, Chermak GD, Weihing J, Zappulla M, Nagle S. Diagnostic accuracy of established central auditory processing test batteries in patients with documented brain lesions. J Am Acad Audiol. 2011;22(6):342-58.
  • 20
    Carvalho NG, Novelli CVL, Colella-Santos MF. Performance of school-aged children in the basic audiological evaluation and the binaural integration task. Audiol., Commun. Res. 2018;23:e2016.
  • 21
    Matos GGO, Frota S. A influência das perdas auditivas sensorioneurais na ordenação temporal. Rev. CEFAC. 2013;15(6):1435-40.
  • 22
    Mendes SC, Branco-Barreiro FCA, Frota S. Masking level difference: reference values in adults. Audiol., Commun. Res. 2017;22:e1746.
  • 23
    Jerger S, Jerger J. Alterações auditivas: um manual para avaliação clínica. São Paulo: Atheneu; 1989.
  • 24
    Nunes C, Pereira L, Carvalho G. Scale of Auditory Behaviors and auditory behavior tests for auditory processing assessment in portuguese children. CoDAS. 2013;25(3):209-15.
  • 25
    Musiek F. Frequency (pitch) and duration patterns tests. J Am Acad Audiol. 1994;5(4):265-8.
  • 26
    Sartori AATK, Delecrode CR, Cardoso ACV. (Central) auditory processing in schoolers in initial literacy grades. CoDAS. 2019;31(1):1-8.
  • 27
    Santos TS, Mancini PC, Sancio LP, Castro AR, Labanca L, Resende LM. Findings in behavioral and electrophysiological assessment of auditory processing. Audiol., Commun. Res. 2015;20(3):225-32.
  • 28
    Bamiou D, Iliadou V, Zanchetta S, Spyridakou C. What can we learn about auditory processing from Adult Hearing Questionnaires? J Am Acad Audiol. 2015;26(10):824-37.
  • 29
    Souza IMP, Carvalho NG, Plotegher SDCB, Colella-Santos MF, Amaral MIR. Auditory processing screening: contributions of the combined use of questionnaire and auditory tasks. Audiol., Commun. Res. 2018;23(8):1-8.
  • 30
    Barry J, Tomlin D, Moore D, Dillon H. Use of Questionnaire-Based Measures in the assessment of listening difficulties in school-aged children. Ear and Hear. 2015;36(6):300-13.
  • 31
    Aghazadeh J, Mahdavi ME, Tahaei AA, Tabatabaee SM. Inter-list equivalency and reliability of the Persian randomized dichotic digits test. Aud Vest Res. 2015;24(2):71-9.
  • 32
    Musiek FE, Baran JA, Pinheiro ML. Behavioral and electrophysiological test procedures. In: Musiek FE, Baran JA, Pinheiro ML (orgs). Neuroaudiology: case studies. San Diego: Singular Publishing Group; 1994. p. 7-28.
  • 33
    Prabhu P, Seshadri D, Ganeshan A, Babu L. Test-retest reliability of Kannada time-compressed speech test and time-compressed monosyllables test. Hearing, Balance and Communication. 2016;14(3):111-6.
  • 34
    Prabhu P, Sujan M, Rakshith S. Effect of compression ratio on perception of time compressed phonemically balanced words in Kannada and monosyllables. Audiology Research. 2015;5(1):34-7.
  • 35
    Braga OH, Fernandes L, Estrela RH, Aragão-Dantas AC. Auditory evoked potentials in individuals with congenital hypothyroidism: a systematic review of scientific literature. Rev Ciênc Méd Biol. 2013;12(4):486-91.
  • 36
    Masip V. Fonética e fonologia portuguesas: um modelo didático latoratorial. Linha D'Água. 2015;28(1)173-92.
  • 37
    Silva CS. Consonant cluster acquisition: a comparative study. Porto das Letras. 2016;2(1):7-21.
  • 38
    Aguiar LB, Souza EK, Evangelista CKS, Nunes ADS, Lima KRA, Balen SA. Influence of the socieconomic level on the temporal resolution hearing skills in adults. Rev. CEFAC. 2019;21(4):1-8.
  • Trabalho realizado no Curso de Fonoaudiologia, Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2020
  • Aceito
    23 Jun 2020
ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistacefac@cefac.br