Acessibilidade / Reportar erro

Tipologia de letra e sinais sugestivos de disgrafia em crianças e adolescentes com dificuldade de aprendizagem

RESUMO

Objetivo:

caracterizar aspectos da escrita de crianças e adolescentes com queixa de dificuldades de aprendizagem a partir do tipo de letra utilizada.

Métodos:

participaram 32 crianças e adolescentes, ambos os sexos, faixa etária entre sete e quinze anos, entre o primeiro e o oitavo ano do ensino fundamental com queixa de dificuldade de aprendizagem. Os participantes foram divididos conforme o tipo de letra: GE1 (letra bastão), GE2 (letra cursiva) e GE3 (letra mista). Analisou-se a escrita temática a partir da adaptação de uma Escala de Disgrafia. Posteriormente, foi realizada a análise estatística da pontuação obtida nos itens da Escala de Disgrafia, comparando os resultados entre os três grupos, GE1 e GE2, GE1 e GE3, GE2 e GE3. Foram aplicados testes estatísticos pertinentes, considerado significante valor de p<0,05.

Resultados:

não foi encontrada diferença quanto a idade e escolaridade dos grupos. Com relação aos itens da Escala, houve diferença entre os três grupos para o espaçamento irregular de palavras, colisões e aderências e na pontuação total. Observou-se presença de sinais de disgrafia nos três grupos, conforme critérios da escala.

Conclusão:

alterações de escrita são comuns em crianças com dificuldade de aprendizagem, principalmente quando utilizada a escrita de letras cursiva e mista.

Descritores:
Desenvolvimento Infantil; Escrita Manual; Avaliação

ABSTRACT

Purpose:

to characterize handwriting aspects of children and adolescents with complaints of learning difficulties, based on the type of handwriting they used.

Methods:

thirty-two children and adolescents participated in the study. They were first to eighth graders of both sexes, aged 7 to 15 years, with complaints of learning difficulties. The participants were divided according to the type of letter they used: SG1 (block letters), SG2 (cursive letters), and SG3 (mixed letters). A themed composition was analyzed with an adapted Dysgraphia Scale. Afterwards, the score obtained in the items of the Dysgraphia Scale was statistically analyzed, comparing the results between the three groups, between SG1 and SG2, SG1 and SG3, and SG2 and SG3. Appropriate statistical tests were applied, considering as significant the p-value < 0.05.

Results:

no difference was found regarding the groups’ age and schooling level. As for the items in the Scale, there was a difference between the three groups regarding irregular spacing in between words, collisions and adhesions, and total score. Signs of dysgraphia were observed in the three groups, according to the Scale’s criteria.

Conclusion:

changes in handwriting are common in children with learning difficulties, especially when they write using cursive and mixed letters.

Keywords:
Child Development; Handwriting; Assessment

Introdução

Escrever é um processo complexo que envolve a aprendizagem prévia da leitura, o que o torna mais complicado do que ler11. Döhla D, Heim S. Developmental dyslexia and dysgraphia: what can we learn from the one about the other? Front Psychol. 2016;6(2045):1-12.. É uma aquisição longa e exigente que começa cedo, por volta dos dois anos de idade, quando os primeiros movimentos gráficos são produzidos e se consolida mais tarde na adolescência. Contudo, as mudanças mais substanciais nas características da escrita ocorrem entre os 5 e 10 anos de idade22. Palmis S, Danna J, Velay J, Longcamp M. Motor control of handwriting in the developing brain: A review. Cogn Neuropsychol. 2017;34(3-4):187-204..

A aquisição da escrita é uma somatória de aspectos relacionados à maturação, desenvolvimento e integração do sistema nervoso central33. Planton S, Jucla M, Roux F, De´Monet J. The "handwriting brain": a meta-analysis of neuroimaging studies of motor versus orthographic processes. Cortex. 2013;49(10):2772-87., componentes motores44. Feder KP, Majnemer A. Handwriting development, competency, and intervention. Dev Med Child Neurol. 2007;49(4):312-7. e também do contexto social do qual a criança faz parte55. Rodrigues SD, Castro MJMG, Ciasca SM. Relação entre indícios de disgrafia funcional e desempenho acadêmico. Rev. CEFAC. 2009;11(2):221-7..

A princípio o ato de escrever envolve uma extensa área do hemisfério esquerdo do cérebro constituindo-se de doze áreas corticais, destas, três são consideradas primariamente específicas para a escrita (sulco frontal superior esquerdo/área do giro frontal médio, sulco intraparietal esquerdo/área parietal superior e cerebelo direito)33. Planton S, Jucla M, Roux F, De´Monet J. The "handwriting brain": a meta-analysis of neuroimaging studies of motor versus orthographic processes. Cortex. 2013;49(10):2772-87.. Além disso, os componentes cognitivos e motores que estão relacionados ao desempenho da escrita incluem controle motor fino (ajuste manual, integração bilateral e planejamento motor), integração visual-motora, percepção visual, cinestesia e atenção sustentada44. Feder KP, Majnemer A. Handwriting development, competency, and intervention. Dev Med Child Neurol. 2007;49(4):312-7..

A escrita da letra cursiva exige um domínio dos movimentos que representa um esforço excessivo por parte das crianças que nem sequer são capazes de segurar o lápis e controlá-lo com facilidade66. Tôrres VC, Silva AP, Gouveia AA, Lemes JAC. Aquisição da escrita - o desenvolvimento da escrita infantil. In: Donadon-Leal JB (org). Reflexões - a lingüística na sala de aula. Mariana: Aldrava Letras e Artes; 2007. p.72-8.. Assim, no ensino brasileiro, recomenda-se, inicialmente, o uso de letras imprensas maiúsculas, por serem mais fáceis de reconhecer e de grafar. Posteriormente, a letra cursiva é conduzida a ser objeto de apropriação pelos alunos porque ela permitirá maior agilidade no ato de escrever, embora o traçado contínuo da letra cursiva não seja simples77. Brasil. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: a apropriação do sistema de escrita alfabética e a consolidação do processo de alfabetização. Ano 2: unidade 3. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional- Brasília: MEC, SEB; 2012.. Estudo evidenciou que as diferenças de padrões gráficos tendem a diminuir com o avanço da idade88. Chartrel E, Vinter A. The impact of spatio-temporal constraints on cursive letter handwriting in children. Learn Instr. 2008;18(6):537-47..

Alterações nos componentes cognitivos e motores relacionados ao processo de escrita podem causar modificações na organização perceptiva, estruturação espaço temporal e interiorização do esquema corporal, o que pode resultar, neste processo, em alterações na capacidade de integração visoperceptiva, desordens topológicas, postura corporal anormal, dificuldade em segurar o lápis e, consequentemente, grafismo lento e fatigante99. Rodrigues SD, Ciasca SM. Disgrafia na infância: aspectos psicomotores. In: Capovilla FC (org). Transtornos de aprendizagem: processos em avaliação e intervenção preventiva e remediativa. 2ª Ed. São Paulo: Memnon, 2011. p. 224-30.. Crianças com transtornos do desenvolvimento da coordenação demonstram estas características, visto que apresentam problemas com a produção escrita, especialmente na formação de letras, independentemente da idade1010. Prunty M, Barnett AL. Accuracy and consistency of letter formation in children with developmental coordination disorder. J Learn Disabil. 2020;53(2):120-30..

A dominância manual também é um fator que interfere na destreza das mãos1111. Havaei N, Rezaei M, Rostamil HR. Dexterity and two-point discrimination of the hand in school-aged children with dysgraphia. Med J Islam Repub Iran. 2016;30(434):1-7.. Assim, lateralidade pode exercer influência sobre o desempenho da escrita, visto que, crianças ambidestras, canhotas contrariadas e/ou com lateralidade cruzada têm fatores de risco para a disgrafia99. Rodrigues SD, Ciasca SM. Disgrafia na infância: aspectos psicomotores. In: Capovilla FC (org). Transtornos de aprendizagem: processos em avaliação e intervenção preventiva e remediativa. 2ª Ed. São Paulo: Memnon, 2011. p. 224-30..

O desequilíbrio da funcionalidade destes componentes supracitados pode desencadear a disgrafia, a qual tem dois sentidos: pode referir-se a alterações ortográficas ou a déficits que afetam o planejamento motor ou outros processos envolvidos na produção da escrita1212. McCloskey M, Rapp B. Developmental dysgraphia: An overview and framework for research. Cogn Neuropsychol. 2017;34(3-4):65-82.. Pode ser caracterizada como escrita lenta, caligrafia ilegível, má organização das letras no espaço (letras muito curtas, linhas não retas, letras mal colocadas em linhas, etc.) e erros ortográficos1313. Rosenblum S, Dror G. Identifying developmental dysgraphia characteristics utilizing Handwriting Classification Methods. IEEE Trans Hum Mach Syst. 2016;47(2):293-8..

A disgrafia é definida pelo DSM-5 como dificuldade persistente e prejudicial na habilidade de escrita que pode ser uma das manifestações do Transtorno Específico da Aprendizagem1414. APA. Associação americana de psiquiatria. DSM-5. Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais - Quinta Edição (DSM-5). Tradução Maria Inês Corrêa Nascimento et al. Porto Alegre: ARTMED, 2014.. No entanto, pode estar presente tanto em crianças com transtornos de aprendizagem como em crianças com dificuldades de aprendizagem, podendo ocorrer, também, em crianças consideradas com bom desempenho acadêmico1515. Cardoso MH, Capellini SA. Identification and characterization of dysgraphia in students with learning difficulties and learning disorders. Distúrb Comun. 2016;28(1):27-37..

A leitura e a escrita são habilidades que necessitam de instrução sistemática para serem aprendidas, e a escola relaciona-se diretamente com esse processo. A maior parte das atividades escolares está relacionada com a habilidade da escrita55. Rodrigues SD, Castro MJMG, Ciasca SM. Relação entre indícios de disgrafia funcional e desempenho acadêmico. Rev. CEFAC. 2009;11(2):221-7.. No entanto, a maioria dos professores desconhecem aspectos importantes sobre o desenvolvimento da aprendizagem infantil, pois não tem o conhecimento estruturado sobre as funções psicomotoras necessárias à aquisição da escrita1616. Duzzi MHB, Rodrigues SD, Ciasca SM. Percepção de professores sobre a relação entre desenvolvimento das habilidades psicomotoras e aquisição da escrita. Rev Psicopedagia. 2013;30(92):121-8., e ao referirem sobre as dificuldades de escrita relacionam estas aos aspectos ortográficos e não aos aspectos de formato das letras1717. Germano GD, Giaconi C, Capellini SA. Characterization of Brazilians students with dyslexia in handwriting proficiency screening questionnaire and handwriting scale. Psychol Res. 2016;6(10):590-7..

Tendo em vista a importância do conhecimento sobre o grafismo, o objetivo deste estudo foi caracterizar aspectos da escrita de crianças com queixa de dificuldades de aprendizagem, de acordo com o tipo de letra utilizada, a fim de verificar sinais sugestivos de disgrafia.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, observacional, quantitativo, individuado, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes sob o protocolo nº1.012.635/2015. A coleta de dados foi feita com os participantes de um Projeto para crianças com dificuldades de aprendizagem, localizado na Clínica Escola da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, RN, Brasil, o qual tem o objetivo de avaliar e intervir em crianças com dificuldades de aprendizagem, especificamente em leitura e escrita.

Participantes

A amostra consiste de 32 crianças e adolescentes de ambos os gêneros na faixa etária entre 7 e 15 anos de idade, com escolaridade entre o primeiro e o oitavo ano do ensino fundamental I e II.

Os critérios de inclusão foram: (a) crianças e adolescentes com queixas específicas de dificuldades de aprendizagem com repercussão no desempenho escolar na faixa etária pré-determinada, (b) participantes de Projeto específico para crianças com dificuldades de aprendizagem cujos pais assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), (c) participantes do Projeto que assinaram o Termo de assentimento livre e esclarecido (TALE), (d) crianças e adolescentes que realizaram escrita espontânea no processo de avaliação. Foram excluídos os participantes que apresentaram outras queixas emocionais, físicas e de saúde que comprometem o desempenho escolar; bem como amostras das crianças e dos adolescentes que previamente fizeram linhas antes de iniciar seu texto e/ou uso de caneta esferográfica.

Para a composição dos grupos foi realizada somente a análise da amostra de escrita, dividindo os participantes conforme o tipo de letra utilizada, o que propiciou a constituição de três grupos. A opção por dividir os grupos por característica da letra utilizada se deu porque nem sempre a idade cronológica ou escolar da criança são compatíveis com o seu desempenho. Assim, independentemente da escolarização ou faixa etária, a escrita, caracterizada por seu tipo de letra, é o objeto deste estudo:

  • Grupo de estudo 1 (GE1): 8 crianças/adolescentes com dificuldade de aprendizagem que utilizam letra bastão/fôrma;

  • Grupo de estudo 2(GE2): 12 crianças/adolescentes com dificuldade de aprendizagem que utilizam letra cursiva;

  • Grupo de estudo 3(GE3): 12 crianças/adolescentes com dificuldade de aprendizagem que utilizam letra mista, ou seja, ora bastão/fôrma ora cursiva.

Instrumento e Procedimentos

O instrumento utilizado foi a Escala de Disgrafia proposta por Lorenzini (1993)1818. Lorezini MV. Uma escala para determinar a disgrafia baseada na escala de Ajuriaguerra [Dissertação]. São Carlos (SP): Universidade Federal de São Carlos; 1993., baseada na Escala de Disgrafia de Ajuriaguerra (1971), adaptada para este estudo, já que o instrumento analisa a escrita a partir do ditado, porém, neste estudo, optou-se por analisar a escrita temática “A casa mal assombrada”. Para a realização da escrita foram fornecidos aos participantes uma folha sulfite e um lápis preto nº 2 e a apresentação do tema para a realização da escrita, realizada em uma única sessão, com tempo livre para a elaboração. Após a atividade, a avaliadora analisou as escritas obtidas. A escala permite uma análise quantitativa da escrita a partir de pontuações atribuídas a dez itens de análise: (1) linhas flutuantes; (2) linhas descendentes e/ou ascendentes; (3) espaço irregular entre as palavras; (4) letras retocadas; (5) curvaturas de angulações das arcadas dos M, N, V, U; (6) pontos de junção; (7) colisões e aderências; (8) movimentos bruscos; (9) irregularidade de dimensão e (10) más formas. A pontuação varia de zero a dezessete pontos, sendo então considerada disgrafia a pontuação que obtiver valor igual ou superior a oito pontos e meio (equivalente a 50% do valor total). Como mais um elemento a ser analisado, foi inserido para este estudo o item (11) quantidade de linhas utilizadas.

Para o GE1 houve a retirada dos itens (5) curvaturas de angulações das arcadas dos M, N, V, U; (6) pontos de junção e (8) movimentos bruscos, visto que o tipo de letra utilizado pelos participantes não permite esta análise. Assim, para este grupo, foi considerada disgráfica a criança/adolescentes que apresentou valor proporcional ao teste, sendo igual ou superior a 6 (50% da pontuação total dos itens considerados para análise).

Análise dos Dados

Os dados foram analisados de forma descritiva e inferencial dos três grupos. Na análise comparativa entre os três grupos foi realizado o teste estatístico Kruskal-Wallis. Para comparar os grupos GE1 e GE2, GE1 e GE3 foi utilizado o teste estatístico Mann-Whitney, considerando apenas os itens (1) linhas flutuantes, (2) linhas descendentes e/ou ascendentes, (3) espaço irregular entre as palavras, (4) letras retocadas, (7) colisões e aderências, (9) irregularidade de dimensão e (10) más formas da escala de disgrafia; para comparar GE2 e GE3 foi utilizado o teste estatístico Mann-Whitney, sendo comparado todos os dez itens da escala de disgrafia. Para comparação de escolaridade entre os grupos foi utilizado o teste de Fisher e da idade o teste Kruskal-Wallis. O valor de p, de significância, adotado foi de p<0,05.

Resultados

A caracterização da amostra na estatística inferencial revelou que a média de idade do GE1 é de 10 anos (dp=1,77); GE2 é de 11,33 anos (dp=1,77) e GE3 é 10,16 anos (dp=1,89). Na comparação da idade entre os três grupos não foram encontradas diferenças significantes (χ² =3,16, p=0,21). Quando comparada a idade a cada dois grupos, não foi encontrada diferença estatística entre GE1 e GE2 (U=29,00; p=0,14); GE1 e GE3 (U=47,00; p=0,94) e GE2 e GE3 (U=46,00; p=0,13).

Considerando a escolaridade dos participantes do estudo, na Tabela 1 é possível observar a distribuição da amostra dos grupos. Não foram encontradas diferenças significantes entre os três grupos (p=0,36), entre GE1 e GE2 (p=0,89), GE1 e GE3 (p=0,29), GE2 e GE3 (p=0,19).

Considerando a comparação da pontuação dos itens de análise da Escala entre os três grupos, verificou-se que houve diferença nos itens (3) espaçamento irregular entre as palavras, (7) colisões e aderências e na pontuação total (Tabela 2). Já para comparação da pontuação dos itens entre GE1 e GE2 houve diferença estatisticamente significante no item (7) colisões e aderências e na pontuação total (Tabela 3); diferença estatisticamente significante somente na pontuação total entre GE1 e GE3 (Tabela 4) e; entre GE2 e GE3 houve diferença estatisticamente significante somente no item (3) espaçamento irregular entre as palavras (Tabela 5).

Tabela 1:
Distribuição da frequência dos participantes quanto à escolaridade
Tabela 2:
Comparação entre os grupos nas médias dos itens da escala de disgrafia
Tabela 3:
Comparação entre os grupos nas médias dos itens da escala
Tabela 4:
Comparação entre os grupos nas médias dos itens da escala
Tabela 5:
Comparação entre os grupos nas médias dos itens da escala

Quanto à análise descritiva da presença de disgrafia conforme a escala, houve média de 50% a 100% de sinais de disgrafia presente nos grupos de crianças avaliadas, sendo 4 crianças (50%) do GE1 apresentaram presença de disgrafia; 10 crianças (83,3%) do GE2; e todos os participantes (100%) do GE3 apresentaram disgrafia conforme a análise do instrumento. Logo, o grupo de crianças que utilizavam letra mista (bastão/fôrma e cursiva) apresentou a maior prevalência de classificação disgráfica, segundo critérios da escala de Lorenzini (1993)1818. Lorezini MV. Uma escala para determinar a disgrafia baseada na escala de Ajuriaguerra [Dissertação]. São Carlos (SP): Universidade Federal de São Carlos; 1993.. De maneira geral, não foi observado domínio da escrita na maioria das crianças avaliadas para este estudo.

Com relação ao total de linhas escritas durante a produção do texto, foi visto que o GE1 obteve média de elaboração de 7 linhas (dp= 4, 37); o GE2 média 10 linhas (dp= 7,70) e GE3, média de 6 linhas (dp= 4, 32).

Discussão

O objetivo do estudo é a escrita caracterizada pelos tipos de letras de crianças e adolescentes com queixa de dificuldades de aprendizagem a fim de verificar sinais sugestivos de disgrafia.

Considerando a faixa etária (idade média entre 10 e 11 anos) das crianças incluídas no estudo, seria esperado escrita adequada e legível, pois, nesta idade, ou até mesmo antes, por volta dos 8 a 10 anos de idade, os movimentos da escrita se tornam estáveis e automatizados1919. Kandel S, Perret C. How does the interaction between spelling and motor processes build up during writing acquisition? Cognition. 2015;136:325-36. e a criança passa a dominar e personalizar sua escrita com controle orientado desse processo22. Palmis S, Danna J, Velay J, Longcamp M. Motor control of handwriting in the developing brain: A review. Cogn Neuropsychol. 2017;34(3-4):187-204.. E é neste período crítico entre o final da infância e pré adolescência que é possível notar que características persistentes nas alterações de escrita podem revelar quadros específicos de transtornos de aprendizagem, como a disgrafia2020. Berninger VW, Richards T, Abbott RD. Differential diagnosis of dysgraphia, dyslexia, and OWL LD: behavioral and neuroimaging evidence. Read Writ. 2015;28(8):1119-53..

No entanto, considerando que todas as crianças apresentam alguma dificuldade de aprendizagem, há maior prevalência de alterações na motricidade fina do que a população sem alterações no desempenho acadêmico1717. Germano GD, Giaconi C, Capellini SA. Characterization of Brazilians students with dyslexia in handwriting proficiency screening questionnaire and handwriting scale. Psychol Res. 2016;6(10):590-7.,2121. Capellini AS, Coppede AC, Valle TR. Função motora fina de escolares com dislexia, distúrbio e dificuldades de aprendizagem. Pro Fono R. Atual. Cientif. 2010;22(3):201-8.

22. Fusco N, Germano GD, Capellini AS. Efficacy of a perceptual and visual-motor skill intervention program for students with dyslexia. CoDAS. 2015;27(2):128-34.
-2323. Okuda PMM, Pinheiro FH. Motor performance of students with learning difficulties. Procedia Soc Behav Sci. 2015;174:1330-8.. Considerando a população como um todo, a prevalência de disgrafia descrita na literatura internacional é estimada em 7% a 15% de crianças em idade escolar. Em estudos nacionais, foram encontradas porcentagens de disgrafia de 24% dos sujeitos com queixas de aprendizagem55. Rodrigues SD, Castro MJMG, Ciasca SM. Relação entre indícios de disgrafia funcional e desempenho acadêmico. Rev. CEFAC. 2009;11(2):221-7.,2424. Oliveira RMSG. Aplicação da escala de disgrafia em crianças com e sem dificuldade na escrita [dissertação]. Marília (SP): Universidade de Marília; 2000.. Outros estudos trouxeram prevalências ainda maiores, como entre 70 e 95% de prevalência de sinais disgráficos entre crianças com transtorno de aprendizagem ou alguma dificuldade escolar1717. Germano GD, Giaconi C, Capellini SA. Characterization of Brazilians students with dyslexia in handwriting proficiency screening questionnaire and handwriting scale. Psychol Res. 2016;6(10):590-7.,2121. Capellini AS, Coppede AC, Valle TR. Função motora fina de escolares com dislexia, distúrbio e dificuldades de aprendizagem. Pro Fono R. Atual. Cientif. 2010;22(3):201-8.. Prevalência que corresponde a desta pesquisa.

A partir do exposto anteriormente, este artigo, em consonância com a literatura, aborda a relação de alta comorbidade entre transtornos de aprendizagem, como a dislexia e dificuldade de aprendizagem, com alterações da motricidade fina e disgrafia. Uma quantidade considerável de escolares com dislexia podem ter alterações em características da escrita como linhas flutuantes, linhas ascendentes e/ou descendentes, espaço irregular entre as palavras, letras retocadas, curvaturas e angulações das arcadas dos M, N, V, U, pontos de junção, colisões e aderências, movimentos bruscos, irregularidade de dimensão e más formas. Além disso, embora a disgrafia possa ocorrer separadamente, frequentemente há associação com outras alterações relacionadas ao desempenho acadêmico11. Döhla D, Heim S. Developmental dyslexia and dysgraphia: what can we learn from the one about the other? Front Psychol. 2016;6(2045):1-12.,1717. Germano GD, Giaconi C, Capellini SA. Characterization of Brazilians students with dyslexia in handwriting proficiency screening questionnaire and handwriting scale. Psychol Res. 2016;6(10):590-7.,2020. Berninger VW, Richards T, Abbott RD. Differential diagnosis of dysgraphia, dyslexia, and OWL LD: behavioral and neuroimaging evidence. Read Writ. 2015;28(8):1119-53.,2121. Capellini AS, Coppede AC, Valle TR. Função motora fina de escolares com dislexia, distúrbio e dificuldades de aprendizagem. Pro Fono R. Atual. Cientif. 2010;22(3):201-8..

Apesar de crianças com dificuldades de aprendizagem apresentarem desenvolvimento neuropsicomotor adequado, quando comparado com crianças sem dificuldade, há diferença no desempenho motor global e fino, indicando a necessidade e importância da estimulação psicomotora pelos profissionais que lidam com desenvolvimento infantil2323. Okuda PMM, Pinheiro FH. Motor performance of students with learning difficulties. Procedia Soc Behav Sci. 2015;174:1330-8..

Por outro lado, também há evidências contrárias55. Rodrigues SD, Castro MJMG, Ciasca SM. Relação entre indícios de disgrafia funcional e desempenho acadêmico. Rev. CEFAC. 2009;11(2):221-7., as quais usaram a escala de Lorenzini (1993)1818. Lorezini MV. Uma escala para determinar a disgrafia baseada na escala de Ajuriaguerra [Dissertação]. São Carlos (SP): Universidade Federal de São Carlos; 1993., tal qual o presente estudo, sem relação entre desempenho acadêmico e disgrafia. No entanto, houve algumas limitações, pois foram avaliadas apenas 25 crianças que estudavam na mesma turma de uma escola pública, as quais apresentaram desempenho acadêmico abaixo do esperado.

Finalmente, deve-se considerar que, as alterações da escrita comprometem o desempenho da criança em sala de aula e o professor deve estar preparado para auxiliá-la no que for possível, com estratégias que compensem esta dificuldade2525. Prunty M, Barnett AL. Understanding handwriting difficulties: A comparison of children with and without motor impairment. Cogn Neuropsychol. 2017;34(3-4):205-18.. Para isso, é preciso investir em produção científica sobre a temática da disgrafia e inseri-lo na formação dos professores, pois na literatura é evidente o conhecimento limitado sobre o desenvolvimento neuropsicomotor, a percepção das alterações de motricidade fina e mais especificamente da escrita que estariam relacionadas a sinais de disgrafia1616. Duzzi MHB, Rodrigues SD, Ciasca SM. Percepção de professores sobre a relação entre desenvolvimento das habilidades psicomotoras e aquisição da escrita. Rev Psicopedagia. 2013;30(92):121-8.,1717. Germano GD, Giaconi C, Capellini SA. Characterization of Brazilians students with dyslexia in handwriting proficiency screening questionnaire and handwriting scale. Psychol Res. 2016;6(10):590-7..

Dentre as limitações deste estudo está a necessidade da avaliação de outros aspectos, como habilidades motoras relacionados ao processo de escrita.

Conclusão

Foi possível verificar, neste estudo, que as crianças com dificuldades de aprendizagem apresentaram alterações na escrita quanto ao espaçamento irregular entre as palavras e a presença entre colisões e aderências.

Também foi identificado que, independentemente de idade, aquelas crianças que utilizam letras cursiva e mista apresentam mais sinais de disgrafia. Portanto, é possível que o desgaste relacionado ao movimento encadeado que se deve realizar, dificulte ainda mais o processo da escrita destas crianças, considerando inclusive o contexto educacional a que está exposta. Assim, observar o tipo de letra utilizada pela criança é fundamental para posterior estratégia interventiva.

REFERENCES

  • 1
    Döhla D, Heim S. Developmental dyslexia and dysgraphia: what can we learn from the one about the other? Front Psychol. 2016;6(2045):1-12.
  • 2
    Palmis S, Danna J, Velay J, Longcamp M. Motor control of handwriting in the developing brain: A review. Cogn Neuropsychol. 2017;34(3-4):187-204.
  • 3
    Planton S, Jucla M, Roux F, De´Monet J. The "handwriting brain": a meta-analysis of neuroimaging studies of motor versus orthographic processes. Cortex. 2013;49(10):2772-87.
  • 4
    Feder KP, Majnemer A. Handwriting development, competency, and intervention. Dev Med Child Neurol. 2007;49(4):312-7.
  • 5
    Rodrigues SD, Castro MJMG, Ciasca SM. Relação entre indícios de disgrafia funcional e desempenho acadêmico. Rev. CEFAC. 2009;11(2):221-7.
  • 6
    Tôrres VC, Silva AP, Gouveia AA, Lemes JAC. Aquisição da escrita - o desenvolvimento da escrita infantil. In: Donadon-Leal JB (org). Reflexões - a lingüística na sala de aula. Mariana: Aldrava Letras e Artes; 2007. p.72-8.
  • 7
    Brasil. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: a apropriação do sistema de escrita alfabética e a consolidação do processo de alfabetização. Ano 2: unidade 3. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional- Brasília: MEC, SEB; 2012.
  • 8
    Chartrel E, Vinter A. The impact of spatio-temporal constraints on cursive letter handwriting in children. Learn Instr. 2008;18(6):537-47.
  • 9
    Rodrigues SD, Ciasca SM. Disgrafia na infância: aspectos psicomotores. In: Capovilla FC (org). Transtornos de aprendizagem: processos em avaliação e intervenção preventiva e remediativa. 2ª Ed. São Paulo: Memnon, 2011. p. 224-30.
  • 10
    Prunty M, Barnett AL. Accuracy and consistency of letter formation in children with developmental coordination disorder. J Learn Disabil. 2020;53(2):120-30.
  • 11
    Havaei N, Rezaei M, Rostamil HR. Dexterity and two-point discrimination of the hand in school-aged children with dysgraphia. Med J Islam Repub Iran. 2016;30(434):1-7.
  • 12
    McCloskey M, Rapp B. Developmental dysgraphia: An overview and framework for research. Cogn Neuropsychol. 2017;34(3-4):65-82.
  • 13
    Rosenblum S, Dror G. Identifying developmental dysgraphia characteristics utilizing Handwriting Classification Methods. IEEE Trans Hum Mach Syst. 2016;47(2):293-8.
  • 14
    APA. Associação americana de psiquiatria. DSM-5. Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais - Quinta Edição (DSM-5). Tradução Maria Inês Corrêa Nascimento et al. Porto Alegre: ARTMED, 2014.
  • 15
    Cardoso MH, Capellini SA. Identification and characterization of dysgraphia in students with learning difficulties and learning disorders. Distúrb Comun. 2016;28(1):27-37.
  • 16
    Duzzi MHB, Rodrigues SD, Ciasca SM. Percepção de professores sobre a relação entre desenvolvimento das habilidades psicomotoras e aquisição da escrita. Rev Psicopedagia. 2013;30(92):121-8.
  • 17
    Germano GD, Giaconi C, Capellini SA. Characterization of Brazilians students with dyslexia in handwriting proficiency screening questionnaire and handwriting scale. Psychol Res. 2016;6(10):590-7.
  • 18
    Lorezini MV. Uma escala para determinar a disgrafia baseada na escala de Ajuriaguerra [Dissertação]. São Carlos (SP): Universidade Federal de São Carlos; 1993.
  • 19
    Kandel S, Perret C. How does the interaction between spelling and motor processes build up during writing acquisition? Cognition. 2015;136:325-36.
  • 20
    Berninger VW, Richards T, Abbott RD. Differential diagnosis of dysgraphia, dyslexia, and OWL LD: behavioral and neuroimaging evidence. Read Writ. 2015;28(8):1119-53.
  • 21
    Capellini AS, Coppede AC, Valle TR. Função motora fina de escolares com dislexia, distúrbio e dificuldades de aprendizagem. Pro Fono R. Atual. Cientif. 2010;22(3):201-8.
  • 22
    Fusco N, Germano GD, Capellini AS. Efficacy of a perceptual and visual-motor skill intervention program for students with dyslexia. CoDAS. 2015;27(2):128-34.
  • 23
    Okuda PMM, Pinheiro FH. Motor performance of students with learning difficulties. Procedia Soc Behav Sci. 2015;174:1330-8.
  • 24
    Oliveira RMSG. Aplicação da escala de disgrafia em crianças com e sem dificuldade na escrita [dissertação]. Marília (SP): Universidade de Marília; 2000.
  • 25
    Prunty M, Barnett AL. Understanding handwriting difficulties: A comparison of children with and without motor impairment. Cogn Neuropsychol. 2017;34(3-4):205-18.
  • Fonte de auxílio: Instituto ABCD

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2020
  • Aceito
    15 Set 2020
ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistacefac@cefac.br