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Avaliação clínica da deglutição no diagnóstico da aspiração silente

RESUMO

Objetivo:

identificar sinais na avaliação clínica da deglutição que indiquem aspiração silente em pacientes com acidente vascular cerebral isquêmico.

Métodos:

foram avaliados 46 pacientes. O tempo médio entre a ocorrência do acidente e a avaliação da deglutição foi de 17 dias. A avaliação clínica abarcou aspectos estruturais e funcionais, monitoração da oximetria e ausculta cervical. Durante o exame de videofluoroscopia os pacientes foram monitorados por meio da oximetria de pulso. Em ambas avaliações os pacientes ingeriram 100 ml de líquido. Na análise estatística foi utilizado o teste de regressão logística exata e o cálculo do Odds Ratio (OR), com nível de significância de 0,05.

Resultados:

dos 46 pacientes, sete apresentaram aspiração, sendo silente em seis. A alteração da ausculta cervical na avaliação clínica (OR: 18,8; IC 95%: 1,2 - 1000, p=0,03) associou-se à aspiração silente detectada na videofluoroscopia. O pigarro presente na análise da filmagem (OR: 12,2; IC 95%: 1,23 - ∞, p=0,03) foi associado a possíveis penetrações e aspiração laringotraqueais não silentes. Não foi identificada alteração no nível de saturação de oxigênio nos pacientes com aspiração silente.

Conclusão:

alteração da ausculta cervical observada na avaliação clínica pode indicar aspiração silente em pacientes acometidos por acidente vascular cerebral isquêmico.

Descritores:
Acidente Vascular Cerebral; Transtornos da Deglutição; Deglutição; Pneumonia Aspirativa

ABSTRACT

Purpose:

to identify, in the clinical assessment of swallowing, signs indicating silent aspiration in ischemic stroke patients.

Methods:

forty-six patients were assessed, 17 days being the mean time elapsed from the stroke to the swallowing assessment. The clinical assessment encompassed structural and functional aspects, oximetry monitoring, and cervical auscultation. During the videofluoroscopy examination, the patients were also monitored with pulse oximetry. In both assessments, the patients were given 100 ml of liquid. In the statistical analysis, the exact logistic regression test and odds ratio calculation were used, with a 0.05 significance level.

Results:

seven, out of the 46 patients, presented aspiration, which was silent in six of them. Change in the cervical auscultation, in the clinical assessment (OR: 18.8; 95% CI: 1.2 - 1000, p = 0.03), was associated with silent aspiration, as detected in the videofluoroscopy. The hawking present in the analysis of the recording (OR: 12.2; 95% CI: 1.23 - ∞, p = 0.03), was associated with possible non-silent laryngotracheal penetrations and aspirations. No change was identified regarding oxygen saturation in patients presented with silent aspiration.

Conclusion:

the change in cervical auscultation observed in the clinical assessment can indicate silent aspiration in patients affected by an ischemic stroke.

Keywords:
Stroke; Deglutition Disorders; Deglutition; Pneumonia, Aspiration

Introdução

Uma das principais causas de morte após Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a pneumonia aspirativa11. Pacheco-Castilho AC, Vanin GM, Dantas RO, Pontes-Neto OM, Martino R. Dysphagia and associated pneumonia in stroke patients from Brazil: a systematic review. Dysphagia. 2019;34(4):499-520.

2. Paixão CT, Silva LD, Camerini FG. Perfil da disfagia após um acidente vascular cerebral: Uma revisão integrativa. Rev Rene Fortaleza. 2010;11(1):181-90.
-33. Cohen DL, Roffe C, Beavan J, Blackett B, Fairfield CA, Hamdy S et al. Post-stroke dysphagia: a review and design considerations for future trials. Int J Stroke. 2016;11(4):399-411.. Pacientes disfágicos tem risco oito vezes maior de desenvolver pneumonia44. Eltringham SA, Kilner K, Gee M, Karen S, Bray BD, Pownall S et al. Impact of dysphagia assessment and management on risk of stroke-associated pneumonia: a systematic review. Cerebrovasc Dis. 2018;46(3-4):97-105. e, em quem tem aspiração para vias aéreas, este risco aumenta para onze vezes55. Martino R, Foley N, Bhogal S, Diamant N, Speechley M, Teasell R. Dysphagia after stroke: incidence, diagnosis and pulmonary complications. Stroke. 2005;36(12):2756-63.. Quando a aspiração ocorre de maneira silente, sem causar reação do paciente, o risco aumenta para treze vezes66. Pikus L, Levine MS, Yang Y, Rubesin SE, Katzka DA, Laufer I et al. Videofluoroscopic studies of swallowing dysfunction and the relative risk of pneumonia. Am J Roentgenol. 2003;180(6):1613-6..

Aspiração silente define-se pela entrada de material gástrico ou orofaríngeo abaixo das pregas vocais com ausência de tosse, engasgos ou qualquer sinal que demonstre a ocorrência da aspiração77. Marik PE. Aspiration pneumonitis and aspiration pneumonia. N Engl J Med. 2001;344(9):665-71.,88. Bretan O. Quando suspeitar de aspiração silenciosa? Rev Assoc Med Bras. 2007;53(4):283-92.. Ela está presente em 15-39% dos pacientes com AVC subagudo e em 2-25% dos pacientes com AVC agudo99. Ramsey DJC, Smithard DG, Kalra L. Silent aspiration: what do we know? Dysphagia. 2005;20(3):218-25..

Há diferentes métodos para avaliar o risco de aspiração, como a avaliação clínica, cintilografica e videofluoroscopica da deglutição (VFD), sendo considerada a videofluoroscopia o melhor método para o diagnóstico da aspiração silente. Entretanto, um grande número de profissionais e serviços fonoaudiológicos não tem disponível aparelho para realização de videofluoroscopia, e nem sempre os pacientes estão em condições clínicas para fazer o exame, tendo dificuldade em realizar um diagnóstico fidedigno.

O maior receio dos profissionais que atendem pacientes com queixa de disfagia é a dificuldade em diagnosticar aspiração durante a avaliação clínica, e há preocupação em tomar condutas rápidas e precisas a respeito da via de alimentação para cada paciente sem esta informação.

O objetivo deste estudo foi identificar sinais na avaliação clínica da deglutição que indiquem aspiração silente, com a hipótese que no paciente com Acidente Vascular Cerebral isquêmico (AVCi) há alteração na avaliação clínica quando da ocorrência de aspiração silente.

Métodos

O delineamento deste estudo foi observacional e prospectivo. A pesquisa foi realizada no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP, Setor de Radiologia, no período de Agosto de 2015 a Julho de 2017. Foram convidados a participar da pesquisa, após alta hospitalar, pacientes admitidos na Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), com diagnóstico de AVCi. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, SP, Brasil, processo n°14962/2014.

Participaram pacientes com AVCi e idades acima de 18 anos. Os critérios de inclusão foram: diagnóstico neurológico de AVCi, comprovado por exame de neuroimagem, apresentar condição clínica para a realização das avaliações e concordância em participar do estudo. Foram excluídos da pesquisa pacientes com diagnóstico neurológico diferente de AVCi, que não possuíssem condição clínica para a realização das avaliações e que não concordaram em participar. Os pacientes que concordaram em participar da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, após a leitura e esclarecimentos.

Inicialmente, foram coletados dados de identificação, data do AVCi, dia da internação, dia da alta hospitalar e alimentação (alimentação oral ou por sonda nasogástrica, limitações relacionadas à consistência alimentar). As avaliações e suas análises foram realizadas por duas fonoaudiólogas com experiência na área e que desconheciam os resultados da avaliação realizada pela outra profissional. Uma ficou responsável pela avaliação clínica e análise clínica da filmagem e a outra pela VFD.

As avaliações deste estudo foram separadas em três etapas:

Avaliação Clínica

Protocolo de avaliação previamente descrito1010. Padovani AR, Moraes DP, Mangili LD, Andrade CRF. Protocolo de avaliação de risco para disfagia (PARD). Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(3):199-205., e realizado em duas etapas.

- Avaliação estrutural (sem alimento): observada a sensibilidade de lábios (à direita e à esquerda, superior e inferior) e língua (à direita e à esquerda, ponta e dorso); ao paciente foi solicitado fazer os seguintes movimentos para avaliação da mobilidade dos órgãos fonoarticulatórios: oclusão labial por três segundos, protrusão e retração de língua, toque interno de língua à direita e à esquerda, inflar bochechas (direita, esquerda, ambas e alternadas), insuflar bochechas; além disso, foi observada a elevação laríngea (durante a deglutição de saliva).

- Avaliação funcional: composta pela oferta da consistência líquida (água) em volume de 100 ml, utilizando-se de copo.

Os pacientes foram orientados a tomar o líquido de forma espontânea, isto é, sem um comando verbal para deglutir. Alguns tomaram o líquido através de goles sequenciais, outros por goles fracionados. Foram observados e anotados sinais clínicos como escape oral anterior, resíduo oral (observação de resto da consistência na cavidade oral, por inspeção direta), pigarro, voz molhada (observado por meio da solicitação da produção da vogal “a” prolongada após a deglutição do volume), tosse, engasgo, lacrimejamento ocular, alteração respiratória e ausculta cervical alterada (presença ou aumento de ruídos). Na avaliação da ausculta cervical1111. Cardoso MCAF, Gomes DH. Ausculta cervical em adultos sem queixas de alteração na deglutição. Arq Int Otorrinolaringol. 2010;14(4):404-9. foi utilizado o estetoscópio Littmann Cardiology III. A ausculta foi realizada na região lateral da traquéia, acima da cartilagem cricóide.

Videofluoroscopia da Deglutição

Em seguida ao exame clínico foi realizada a avaliação videofluoroscopica da deglutição, com participação de um técnico em radiologia e uma fonoaudióloga em sala de Raio-X. Os exames foram realizados com o equipamento Angiógrafo Arcomax, da marca Philips, modelo BV300 e as imagens foram gravadas em 30 frames por segundo. Os indivíduos foram posicionados sentados, com o foco da imagem fluoroscópica definido anteriormente pelos lábios, superiormente pelo palato duro, posteriormente pela coluna e inferiormente pela via aérea e esôfago proximal na altura da 7ª vértebra cervical1212. Barros APB, Carrara-de-Angelis E. Videofluoroscopia da deglutição orofaríngea. In: Jotz GP, Carrara-de-Angelis E, Barros APB (orgs). Tratado da deglutição e disfagia no adulto e na criança. Rio de Janeiro: Revinter, 2009. p.84-8..

A consistência líquida foi oferecida em volume de 100 ml, com 67 ml de água e 33 ml de sulfato de bário 100%, utilizando-se de copo. A orientação sobre a ingesta foi a mesma da avaliação clínica. Os parâmetros observados na VFD foram o escape extra-oral anterior e posterior, controle oral (subjetivo), preparo do bolo, transporte do bolo, resíduo oral, início da deglutição, e resíduo faríngeo. A escala de Rosenbek foi utilizada para classificar a penetração ou aspiração laringotraqueal, bem como a aspiração silente1313. Rosenbek JC, Robins JA, Roecker EB, Coyle JL, Wood JL. A penetration aspiration scale. Dysphagia. 1996;11(2):93-8.. As imagens geradas durante o exame de VFD foram gravadas em DVD para posterior análise.

Na avaliação clínica e na VFD os pacientes foram monitorados pela oximetria de pulso, medida no dedo indicador da mão direita, utilizando-se o oxímetro Contec modelo CMS50D. Resultado anormal foi considerado quando ocorreu variação ≥ 3% da saturação de oxigênio após a deglutição da água. Foram considerados os valores medidos imediatamente antes da ingestão e os menores valores medidos nos sessenta segundos após a ingestão.

Análise Clínica da Filmagem

No momento em que os pacientes realizavam exame de VFD, uma câmera Nikon 42x Wide Optical Zoom ED VR 4.3-180 mm 1:3-5.9 e um tripê WT 3710 foram posicionados a sua frente para captar as imagens de cabeça e torax.

A mesma fonoaudióloga que realizou a avaliação clínica da deglutição (estrutural e funcional) observou as imagens do paciente, captadas pela câmera no momento em que realizava a VFD, e fez a análise dos sinais sugestivos de disfagia apresentados por eles. Tal análise foi denominada neste estudo de análise clínica da filmagem.

Os sinais observados foram: escape extra-oral anterior, resíduo oral (resto da consistência na cavidade oral), pigarro, voz molhada (observado por meio da solicitação da produção da vogal “a” prolongada), tosse; engasgo, lacrimejamento ocular e alteração respiratória.

A ausculta cervical simultânea à filmagem não pôde ser realizada, pois a presença do estetoscópio interferiria na visualização da VFD.

Foi realizada a comparação entre a avaliação clínica da deglutição (antes da VFD), VFD e análise clínica da filmagem (análise dos sinais sugestivos de disfagia no momento da VFD).

Os participantes foram separados em três grupos levando-se em consideração a classificação de Rosenbek1313. Rosenbek JC, Robins JA, Roecker EB, Coyle JL, Wood JL. A penetration aspiration scale. Dysphagia. 1996;11(2):93-8. para penetração/aspiração na VFD:

  • Grupo 1: participantes que obtiveram classificação 1 e 2

  • Grupo 2: participantes que obtiveram classificação 3 a 6

  • Grupo 3: participantes que obtiveram classificação 8

Nenhum paciente foi classificado com pontuação 7.

Para a análise dos resultados, foram realizadas duas comparaçôes. A primeira entre os três grupos individualmente e a segunda entre o grupo 1 e o grupo 2 e 3 associados. Deste modo foi posível comparar o grupo com poucas ou nenhuma alteração na escala de Rosenbek (Grupo 1) com aqueles com graus mais avançados na escala (Grupo 2), e aqueles com aspiração silente (Grupo 3). Foi comparado também os pacientes do Grupo 1 com os pacientes dos Grupos 2 e 3 juntos, com o objetivo de avaliar os pacientes com poucas alterações na escala Rosembek com aqueles com alterções mais importantes.

Análise Estatística

Estatísticas descritivas de frequências absolutas e relativas foram utilizadas para descrever as variáveis categóricas.

Para comparar os grupos quanto às variáveis de interesse foi utilizado o método de regressão logística exata, com o respectivo cálculo de Odds Ratio (OR). Todas as comparações foram controladas por sexo e idade. Todas as análises foram feitas com o auxílio do software SAS 9.2. Para todas as comparações adotou-se um nível de significância de p<0,05.

Resultados

Participaram deste estudo 50 pacientes adultos. Um deles foi excluído por ter exame incompleto e três por terem diagnóstico de AVC hemorrágico, totalizando 46 indivíduos adultos pós-AVCi analisados, 17 mulheres (37%) e 29 homens (63%), 33 do grupo 1 (Rosenbek 1 e 2), sete do Grupo 2 (Rosenbek 3 a 6) e seis do grupo 3 (Rosenbek 8).

A média de idade dos pacientes foi de 66,5±13,6 anos, com limites de 22 e 91 anos. A média do tempo de internação foi de 5,3±4,5 dias, com variação de 1 a 19 dias. O tempo decorrido do acometimento da doença até a avaliação variou de 6 a 35 dias, com média de 17,3±6,7 dias. Com relação à alimentação, 45 (98%) alimentavam-se por via oral exclusiva, sendo que 34 (74%) já estavam com dieta sem restrições. Entre os restantes 11 pacientes (26%) ingeriam dieta pastosa, sólidos macios e líquidos espessados. Um paciente (2%) encontrava-se em uso de sonda nasogástrica, alimentando-se parcialmente por via oral.

Foi observada no exame clínico alteração de mobilidade de bochecha; presença de pigarro na análise da filmagem no Grupo 2; alteração da ausculta cervical, observada na avaliação clínica em metade dos pacientes com aspiração silente detectada na VFD (Grupo 3).

A distribuição da mobilidade, tonicidade e sensibilidade de órgãos fonoarticulatórios na avaliação estrutural pode ser observada na Tabela 1. A mesma avaliação foi realizada em todos os participantes e não foram observadas alterações significantes na maior parte dos casos. A porcentagem maior de alteração ocorreu com movimentos relacionados à mobilidade de bochecha.

Tabela 1:
Resultados das avaliações da mobilidade, tonicidade e sensibilidade dos orgãos fonoarticulatórios nos pacientes com acidente vascular cerebral isquêmico avaliados (n=46)

Alterações na deglutição foram observadas na avaliação clínica em 50% dos pacientes, na análise da filmagem em 45.6% e em 41,3% na VFD. A aspiração laringotraqueal foi observada na VFD em 7(15,2%) participantes e, dentre eles, 6 apresentaram aspiração silente.

Na Tabela 2 estão os resultados da comparação entre os três grupos. Foi observado no Grupo 3 que em três pacientes (50%) com aspiração silente houve alteração da ausculta cervical na avaliação clínica (OR: 18,8; IC 95%: 1,2-1000; p=0,03). Outro dado encontrado foi a presença de pigarro na análise clínica da filmagem no momento da VFD (OR: 12,2; IC 95%: 1,23-∞; p=0,03) no Grupo 2. O símbolo ∞ indica valor bastante elevado. Dos 7 pacientes deste grupo, 3 (43%) apresentaram pigarro. O intervalo de confiança de 95% teve limites com variação muito grande, o que não permite conclusões seguras quanto a diferença em relação ao grupo 1.

Tabela 2:
Comparação da ausculta cervical no exame clínico e do pigarro na filmagem entre os três grupos. Número e (percentagem)

Os parâmetros escape oral anterior, controle oral, preparo e transporte do bolo, resíduo oral, início da deglutição, resíduo faríngeo, voz molhada, tosse, engasgo, lacrimejamento ocular, deglutição múltipla e alteração respiratória não foram inseridos na tabela por não apresentarem diferença estatisticamente significante entre os grupos.

Na Tabela 3, observa-se a comparação do grupo 1 com os grupos 2 e 3 (associados), quando foram observadas, em maior frequência, a ocorrência de pigarro na análise clínica da filmagem no momento da VFD nos pacientes com deglutição mais comprometida (OR: 12,9; IC 95%:1,02-689,11; p=0.04). Os outros sinais clínicos não foram inseridos na tabela por não apresentarem diferença estatisticamente significante na comparação dos Grupos 2 e 3 com o Grupo 1.

Tabela 3:
Comparação da ocorrência de pigarro e tosse observados na filmagem entre o grupo 1 e os grupos 2 e 3 (associados). Número e (percentagem)

Não foi observada queda na saturação de oxigênio a valores ≥ 3% do valor basal nos 6 participantes aspiradores silentes. Entre pacientes sem aspiração silente (n=40) queda na saturação de oxigênio ≥3% foi observada em 2 (5%) na avaliação clínica e em 4 (10%) na avaliação pela filmagem.

Discussão

Autores relatam que a função exercida pela bochecha está relacionada à higiene oral, ejeção, mastigação e articulação1414. Jotz GP, Dornelles S. Fisiologia da deglutição. In: Jotz GP, Carrara-de-Angelis E, Barros APB (orgs). Tratado da deglutição e disfagia no adulto e na criança. Rio de Janeiro: Revinter, 2009. p. 16-20., e outros relatam a importância da mobilidade dos órgãos fonoarticulatórios para a pressurização e ejeção do bolo1414. Jotz GP, Dornelles S. Fisiologia da deglutição. In: Jotz GP, Carrara-de-Angelis E, Barros APB (orgs). Tratado da deglutição e disfagia no adulto e na criança. Rio de Janeiro: Revinter, 2009. p. 16-20.. A deglutição é uma sequência, portanto alterações em fase oral podem refletir em alterações na fase faríngea. A baixa pressurização intra-oral associada à dificuldade de ejeção do bolo, poderá causar resíduo oral e faríngeo1515. Xerez DR, Carvalho YSV, Costa MMB. Estudo clínico e videofluoroscópico da disfagia na fase subaguda do acidente vascular encefálico. Radiol Bras. 2004;37(1):9-14.. Em pacientes com a sensibilidade preservada, a presença do pigarro é uma tentativa de depuração de material da região faríngea após estases ou penetrações laríngeas de alimentos pastosos ou líquidos1616. Mourão LF, Xavier DAN, Neri AL, Luchesi KF. Association study between natural chronic diseases of aging and swallowing changes referred by community elderly. Audiol. Commun. Res. 2016;21:e1657..

Há divergências na literatura sobre a utilidade da ausculta cervical na investigação de penetração e aspiração laringo-traqueal, por ser uma análise subjetiva, por necessitar de treinamento das pessoas envolvidas no exame, e não estabelecer concordância entre investigadores1717. Cardoso MCAF, Fontoura EG. Valor da ausculta cervical em pacientes acometidos por disfagia neurogênica. Arq Int Otorrinolaringol. 2009;13(4):431-9.,1818. Borr G, Hielscher-Fastabend M, Lucking A. Rehability and validity of cervical auscultation. Dysphagia. 2007;22(3):225-34.. Entretanto, quando realizado por profissionais treinados no método, tem sensibilidade de 94% e especificidade de 70% para detectar penetração/aspiração definida na vídeo fluoroscopia1717. Cardoso MCAF, Fontoura EG. Valor da ausculta cervical em pacientes acometidos por disfagia neurogênica. Arq Int Otorrinolaringol. 2009;13(4):431-9.. Outros defendem seu uso como método complementar na avaliação clínica1919. Bolzan GP, Christmann MK, Berwing LC, Costa CC, Rocha RM. Contribution of the cervical auscultation in clinical assessment of the oropharyngeal dysphagia. Rev. CEFAC. 2013;15(2):455-65.,2020. Ferrucci JL, Mangilli LD, Sassi FC, Limongi SCO, Andrade CRF. Sons da deglutição na prática fonoaudiológica: análise crítica da literatura. Einstein. 2013;11(4):535-9..

É recomendável a utilização da ausculta cervical, associada a outros métodos de avaliação, na detecção de aspiração silente ou não silente. O fato de haver concordância entre ausculta cervical e aspiração silente em metade dos casos é um dado importante para profissionais que trabalham em centros que não possuem instrumentos objetivos para auxiliar no diagnóstico desta complicação, ou na situação em que pacientes não estejam clinicamente estáveis para realizar um exame objetivo. À medida que a experiência profissional aumenta o número de falsos negativos deve diminuir, portanto ausculta cervical deve ser sempre realizada. Não é um método perfeito, mas é o melhor disponível para este diagnóstico entre os profissionais que não dispõem da VFD.

A oximetria de pulso não se mostrou eficiente para o diagnóstico de aspiração, o que já havia sido demonstrado em trabalhos anteriores, e não deve ser utilizada com este objetivo2121. Britton D, Roeske A, Ennis SK, Benditt JO, Quinn C, Graville D. Utility of pulse oximetry to detect aspiration: an evidence-based systematic review. Dysphagia. 2018;33(3):282-92..

Este estudo apresenta algumas limitações quanto aos indivíduos avaliados. O número de pacientes com aspiração silente na VFD foi relativamente baixo, o que justifica a grande diferença dos limites do intervalo de confiança. Tal fato pode estar associado ao estado clínico dos pacientes no momento da avaliação, já que a maior parte deles encontrava-se na fase subaguda do AVC e a maior prevalência de aspiração silente ocorre na fase aguda e em quadros clínicos mais graves. Os líquidos ingeridos na avaliação clínica e na VFD não foram iguais. Na avaliação clínica foi água pura e na VFD foi acrescido o sulfato de bário. Modificações do líquido ingerido altera os resultados da VFD2222. Stokely SL, Molfenter SM, Steele CM. Effects of barium concentration on oropharyngeal swallow timing measures. Dysphagia. 2014;29(1):78-82.. Entretanto, os dois líquidos têm o mesmo nível (nível 0, líquido) na classificação e terminologia da International Dysphagia Diet Standardisation Initiative (IDDSI)2323. Cichero JA, Lam P, Steele CM, Hanson B, Chen J, Dantas RO et al. Development of international terminology and definitions for texture-modified foods and thickened fluids used in dysphagia management: the IDDSI framework. Dysphagia. 2017;32(2):293-314., portanto com pouca possibilidade de ter diferença em relação a aspiração.

Na observação do paciente pela filmagem, no momento em que a VFD estava sendo realizada, não foram encontrados sinais simultâneos, na filmagem e VFD, que indicasse diagnóstico de aspiração silente. A alteração da ausculta cervical detectada na avaliação clínica foi o sinal que mais se associou à ocorrência de aspiração silente na VFD, embora tenha sido observada em somente metade dos casos. Com melhor treinamento e experiência no método, talvez seja possível diagnosticar aspiração silente em maior número de casos, hipótese que precisa de novas pesquisas.

Conclusão

Nos pacientes sem reação quando ocorre aspiração de material líquido deglutido para as vias aéreas, a alteração na ausculta cervical foi o sinal mais frequente a indicar esta aspiração silente, entretanto a ausência de alteração durante a ausculta não excluiu a ocorrência de aspiração.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    25 Jun 2020
  • Aceito
    24 Set 2020
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