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Ocorrência de alterações vocais em pré-escolares sem queixas de voz: análise perceptivo-auditiva e acústica

RESUMO

Objetivo:

verificar a ocorrência de alterações vocais por seus respectivos parâmetros perceptivo-auditivos e acústicos em crianças sem queixas de voz, segundo o sexo.

Métodos:

foram avaliados os registros de 36 crianças sem queixas de voz, com idade entre seis e oito anos, sendo 19 do sexo masculino. O banco de dados consistiu de gravações de vogais sustentadas, frases e fala espontânea. A análise perceptivo-auditiva foi realizada por meio do Consensus Auditory-Perceptual Evaluation of Voice e a análise acústica por meio do VoxMetria. Foram analisados: frequência fundamental, jitter, shimmer, ruído e glottal to noise excitation ratio e aplicados os testes Mann-Whitney, para as variáveis numéricas, e McNemar, para as categóricas, com nível de significância de p<0,05.

Resultados:

das cinco crianças com alterações vocais leves, quatro eram do sexo masculino. O desvio de ressonância mais ocorrente foi o laringofaríngeo. Não houve diferença entre os sexos, nos achados perceptivo-auditivos. A frequência fundamental do grupo com alterações foi menor em relação ao grupo sem alterações. Houve associação estatística entre as alterações na avaliação perceptivo-auditiva e nos parâmetros acústicos.

Conclusão:

a ocorrência de alterações vocais na população de crianças estudadas sem queixa vocal foi de 13,89% e não diferiu entre os sexos nos parâmetros perceptivo-auditivos. Das crianças que apresentaram desvios vocais, todos foram em grau leve, com rugosidade e soprosidade mais ocorrentes. A frequência fundamental e o shimmer foram os parâmetros acústicos com maior ocorrência de valores fora dos limites referenciais, em ambos os sexos.

Descritores:
Criança; Disfonia; Distúrbios da Voz; Voz

ABSTRACT

Purpose:

to verify, with the auditory-perceptual and acoustic parameters, the occurrence of voice changes in children with no voice complaints, per sex.

Methods:

the registers of 36 children with no voice complaints, aged 6 to 8 years, of whom 19 were males, were assessed. The databank consisted of the recordings of sustained vowels, sentences, and spontaneous speech. The auditory-perceptual analysis was conducted with the Consensus Auditory-Perceptual Evaluation of Voice, and the acoustic analysis, with VoxMetria. The fundamental frequency, jitter, shimmer, noise, and glottal-to-noise excitation ratio were analyzed. The Mann-Whitney test was applied for numerical variables, and the McNemar test, for the categorical ones, at the p < 0.05 significance level.

Results:

of the 5 children with mild voice changes, 4 were males. The most frequent resonance deviation was the laryngopharyngeal one. There was no difference between the sexes in the auditory-perceptual findings. The fundamental frequency in the group with changes was lower than that in the group without changes. There was a statistical association between the changes in the auditory-perceptual assessment and the acoustic parameters.

Conclusion:

voice changes occurred in 13.89% of the studied sample of children with no voice complaints, without differences between the sexes in the auditory-perceptual parameters. Vocal deviations were in a mild degree in all children who had them, the most frequent ones being roughness and breathiness. The fundamental frequency and shimmer were the acoustic parameters whose values most often occurred outside the reference limits, in both genders.

Keywords:
Child; Dysphonia; Voice Disorders; Voice

Introdução

A voz é uma ferramenta complexa da comunicação humana e sua produção é resultante de parâmetros musculares, acústicos, psicossociais, fisiológicos e hábitos culturais e individuais11. Aronson AE, Bless DM. Clinical voice disorders. 4ed. New York: Thieme, 2009.,22. Guerra ASHS, Araujo ANB, Lira ZS, Lucena JA, Gomes AOC. Vocal behavior of children in early childhood education center. Distúrb. Comun. 2014;26(1):101-9.. A qualidade vocal tem forte influência na capacidade e habilidade sociais, portanto, considerando os parâmetros mencionados como variáveis indissociáveis do processo de produção, conscientizar e intervir no comportamento vocal tem repercussões que vão além da estética sonora33. Silva M, Batista AP, Oliveira JP, Dassie-Leite AP. Habilidades sociais em crianças disfônicas. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(4):361-7.. Quando se trata de atuar com crianças, o direcionamento das práticas deve partir da premissa de que a voz infantil compreende uma complexidade particular de aspectos comportamentais, fisiológicos e cognitivos44. Paixão CLB, Silvério KCA, Berberain AP, Mourão LF, Marques JM. Disfonia infantil: hábitos prejudiciais à voz dos pais interferem na saúde vocal de seus filhos? Rev. CEFAC. 2012;4(4):705-13.,55. Sapienza CM, Ruddy BH, Baker S. Laryngeal structure and function in the pediatric larynx: clinical applications. Lang Speech Hear Serv Sch. 2004;35(4):299-307..

A voz infantil, em particular, apresenta-se com características distintas da voz do adulto; não apenas relacionadas às diferenças estruturais laríngeas e de sua posição relativa no pescoço, mas também relacionadas às instabilidades resultantes do processo de crescimento e desenvolvimento, o que reflete em ajustes musculares e respiratórios que interferem na qualidade vocal. Por isso, graus discretos de rouquidão e soprosidade podem ser esperados em crianças 11. Aronson AE, Bless DM. Clinical voice disorders. 4ed. New York: Thieme, 2009.,55. Sapienza CM, Ruddy BH, Baker S. Laryngeal structure and function in the pediatric larynx: clinical applications. Lang Speech Hear Serv Sch. 2004;35(4):299-307.

6. Tavares ELM, Brasolotto A, Santana MF, Padovan CA, Martins RHG. Epidemiological study of dysphonia in 4-12 year-old children. Braz J Otorhinolaryngol. 2011;77(6):736-46.
-77. Gomes AOC, Queiroga BAM, Cunha DA, Pinto DG, Silva HJ, Muniz LF. O desenvolvimento da comunicação na segunda infância e adolescência. In: Queiroga BAM, Gomes AOC, Silva HJ (orgs). Desenvolvimento da comunicação humana nos diferentes ciclos de vida. Barueri: Pró-Fono, 2015. p.121-46..

A disfonia infantil é conceituada como qualquer dificuldade que impede ou dificulta a produção natural da voz de crianças e em decorrência de desajustes em sua produção, que podem surgir por comportamento vocal inadequado ou devido a desequilíbrio anatômico, fisiológico, social e/ou ambiental; muitas vezes, apresenta-se associada a outras etiologias que variam desde afecções autolimitantes, até alterações incapacitantes de diferentes graus que exigem intervenções mais incisivas88. Oliveira RC, Teixeira LC, Gama ACC, Medeiros AM. Análise perceptivo-auditiva, acústica e autopercepção vocal em crianças. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(2):158-63.,99. Ribeiro VV, Leite APD, Lacerda Filho L, Cielo CA, Bagarollo MF. Perception of parents on the quality of life in voice and clinical outcomes in dysphonic children before and after speech therapy group. Distúrb. Comun. 2013;25(1):81-90..

A formação do padrão vocal infantil pode sofrer as influências do meio e cultura em que as crianças estão inseridas; portanto, é frequente a preocupação com a voz infantil em ambientes institucionais, incluindo centros de educação infantil1010. McAllister AM, Granqvist S, Sjölander P, Sundberg J. Child voice and noise: a pilot study of noise in day cares and the effects on 10 children´s voice quality according to perceptual evaluation. J Voice. 2009;23(5):587-93.. Isso porque tais ambientes favorecem o comportamento vocal abusivo, comum às crianças22. Guerra ASHS, Araujo ANB, Lira ZS, Lucena JA, Gomes AOC. Vocal behavior of children in early childhood education center. Distúrb. Comun. 2014;26(1):101-9.,1111. Cardin PN, Roulstone S, Norhstone K. The prevalence of childhood dysphonia: a cross-sectional study. J Voice. 2006;20(4):623-30., tendo como uma das causas o ruído ambiental1010. McAllister AM, Granqvist S, Sjölander P, Sundberg J. Child voice and noise: a pilot study of noise in day cares and the effects on 10 children´s voice quality according to perceptual evaluation. J Voice. 2009;23(5):587-93.. As características familiares também são apontadas como favoráveis ao desenvolvimento e à prática de hábitos vocais adequados ou inadequados como gritar, falar forte, realizar vocalizações com tensão, falar excessivamente, entre outros44. Paixão CLB, Silvério KCA, Berberain AP, Mourão LF, Marques JM. Disfonia infantil: hábitos prejudiciais à voz dos pais interferem na saúde vocal de seus filhos? Rev. CEFAC. 2012;4(4):705-13.,77. Gomes AOC, Queiroga BAM, Cunha DA, Pinto DG, Silva HJ, Muniz LF. O desenvolvimento da comunicação na segunda infância e adolescência. In: Queiroga BAM, Gomes AOC, Silva HJ (orgs). Desenvolvimento da comunicação humana nos diferentes ciclos de vida. Barueri: Pró-Fono, 2015. p.121-46.,1212. Paixao CLB, Siqueira LTD, Coelho AC, Brasolotto AG, Silverio KCA. Is there agreement between parents and children about their vocal behavior? Distúrb. Comun. 2015;27(4):750-9.

13. Maia AA, Gama ACC, Michalick-Triginelli MF. Relação entre transtorno do déficit de atenção/hiperatividade, dinâmica familiar, disfonia e nódulo vocal em crianças. Rev Cienc Med. 2006;15(5):379-89.

14. Tezcaner CZ, Ozgursoy SK, Sati I, Dursun G. Changes after voice therapy in objective and subjective voice measurements of pediatric patients with vocal nodules. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2009;266(12):1923-7.
-1515. Takeshita TK, Aguiar-Ricz L, Isaac ML, Ricz H, Anselmo-Lima W. Comportamento vocal de crianças em idade pré-escolar. Arq Int Otorrinolaringol. 2009;13(3):252-8..

Estudos demonstram que as alterações no comportamento vocal de pré-escolares são fatores determinantes para a disfonia nessa população e que os distúrbios vocais têm aumentado nas últimas décadas, juntamente com a frequência de abusos vocais em meninos e meninas22. Guerra ASHS, Araujo ANB, Lira ZS, Lucena JA, Gomes AOC. Vocal behavior of children in early childhood education center. Distúrb. Comun. 2014;26(1):101-9.,44. Paixão CLB, Silvério KCA, Berberain AP, Mourão LF, Marques JM. Disfonia infantil: hábitos prejudiciais à voz dos pais interferem na saúde vocal de seus filhos? Rev. CEFAC. 2012;4(4):705-13.,1616. Maia AA, Gama ACC, Kümmer AM. Behavioral characteristics of dysphonic children: integrative literature review. CoDAS. 2014;26(2):159-63..

A gama de fatores etiológicos relacionados às disfonias infantis requer diagnóstico correto e precoce, o qual nem sempre é possível por diversos fatores. Um deles é a procura tardia por profissionais de saúde, fato este atribuído à pouca preocupação dos pais com relação às alterações vocais de seu filho, uma vez que as crianças não apresentam sintomas mais alarmantes envolvendo outros sistemas1717. Tavares ELM, Labio RB, Martins RHG. Estudo normativo dos parâmetros acústicos vocais de crianças de 4 a 12 anos de idade sem sintomas vocais: estudo piloto. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(4):485-90..

Portanto, a avaliação vocal de crianças, por meio de análise perceptivo-auditiva e acústica, pode trazer subsídios para intervenções que visem o cuidado com a saúde vocal dessa população e para conscientização de pais e professores sobre a importância da qualidade da voz infantil.

Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo verificar a ocorrência de alterações vocais e seus respectivos parâmetros perceptivo-auditivos e acústicos em crianças de um centro de educação infantil, sem queixas de voz, de acordo com o sexo.

Métodos

Estudo de análise descritiva, transversal, quantitativo e retrospectivo, com aprovação do Comitê de Ética em pesquisa com seres humanos do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil, sob número do parecer: 1.668.792.

A pesquisa foi embasada em dados secundários, já registrados em bancos de dados de registros vocais armazenados em computador, onde as vozes foram gravadas em taxa de amostragem de 44 kHz, nos Programas VoxMetria e Fonoview da CTS Informática. As gravações consistiram em emissões de vogais sustentadas/a/, /ε/ e /i/ emitidas em modo habitual de voz, durante aproximadamente cinco segundos; emissão de sentenças padronizadas do protocolo CAPE-V e conversa espontânea. As sentenças consistem em seis frases pré-determinadas, cujo objetivo é eliciar vários comportamentos laríngeos e sinais clínicos (frases que contêm fonemas plosivos, fricativos e nasais). A conversa espontânea consistiu de uma fala de pelo menos 20 segundos, eliciada pelo examinador, sobre assuntos relacionados ao cotidiano infantil.

O critério de inclusão do estudo foi: todos os registros vocais de crianças sem queixas de voz, matriculadas em um Centro de Educação Infantil, na faixa etária de seis a oito anos de idade, por ser a faixa de idade das crianças que frequentavam a Instituição onde o estudo foi desenvolvido. Ademais, a restrição da faixa etária permitiu uma amostra mais homogênea, biologicamente, considerando-se o crescimento e desenvolvimento da laringe e trato vocal, quando as condições anatômicas da laringe são próximas, tendo em vista as rápidas mudanças nessas estruturas e cujas diferenças entre os sexos ainda não são significantes11. Aronson AE, Bless DM. Clinical voice disorders. 4ed. New York: Thieme, 2009.,55. Sapienza CM, Ruddy BH, Baker S. Laryngeal structure and function in the pediatric larynx: clinical applications. Lang Speech Hear Serv Sch. 2004;35(4):299-307.,77. Gomes AOC, Queiroga BAM, Cunha DA, Pinto DG, Silva HJ, Muniz LF. O desenvolvimento da comunicação na segunda infância e adolescência. In: Queiroga BAM, Gomes AOC, Silva HJ (orgs). Desenvolvimento da comunicação humana nos diferentes ciclos de vida. Barueri: Pró-Fono, 2015. p.121-46.,1717. Tavares ELM, Labio RB, Martins RHG. Estudo normativo dos parâmetros acústicos vocais de crianças de 4 a 12 anos de idade sem sintomas vocais: estudo piloto. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(4):485-90.,1818. Braga JN, Oliveira DSF, Sampaio TMM. Frequência fundamental da voz de crianças. Rev. CEFAC. 2009;11(1):119-26.. Dadas essas diferenciações rápidas na morfologia do trato vocal e, consequentemente, na qualidade da voz, outros estudos também pesquisaram faixas etárias restritas88. Oliveira RC, Teixeira LC, Gama ACC, Medeiros AM. Análise perceptivo-auditiva, acústica e autopercepção vocal em crianças. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(2):158-63.,1818. Braga JN, Oliveira DSF, Sampaio TMM. Frequência fundamental da voz de crianças. Rev. CEFAC. 2009;11(1):119-26.. Foram excluídas as crianças cujos registros estavam incompletos.

Portanto, foram avaliados os registros vocais de 36 crianças sem queixas de voz, com idade entre seis e oito anos, tanto do sexo feminino (n=17) quanto do sexo masculino (n=19), sob autorização dos pais, por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

A avaliação perceptivo-auditiva consistiu na impressão subjetiva da qualidade da voz do indivíduo, para a qual foi utilizado o protocolo Consensus Auditory-Perceptual Evaluation of Voice (CAPE-V)1919. Behlau M. Consensus auditory-perceptual evaluation of voice (CAPE-V), ASHA 2003. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2004;9(3):187-9.. O CAPE-V foi realizado na íntegra, com emissão das vogais, das seis frases e o depoimento espontâneo.

A aplicação do CAPE-V indica alterações dos atributos perceptuais vocais pela contagem de seu grau de alteração. Os atributos são: Grau Geral, Rugosidade, Soprosidade, Tensão, alteração de pitch, alteração de loudness, dois espaços para possíveis outras alterações na qualidade vocal e classificação da ressonância vocal, em normal ou alterada.

O CAPE-V exibe cada atributo acompanhado por uma linha milimétrica de 100mm, formando uma escala analógica visual, estabelecendo-se escore percentual para cada parâmetro analisado. Os avaliadores indicaram o grau da percepção desde o normal até o desvio para cada parâmetro da escala, utilizando-se uma marcação.

Para a mensuração da contagem dos pontos, o avaliador mediu fisicamente a distância, em milímetros, da esquerda até o fim da escala. A pontuação foi anotada no espaço branco no lado direito da tabela, junto à proporção do total de 100mm de comprimento da linha. Os resultados foram analisados considerando-se os desvios e os graus de alteração vocal.

Para a avaliação perceptivo-auditiva foi produzido um arquivo contendo todas as amostras de vozes, acrescidas de 10% de repetição aleatória para análise de confiabilidade intra avaliador, totalizando 40 vozes. As amostras foram enumeradas de forma aleatória pelo programa Random Number Generator do Intemodino Group (http://randomnumbergenerator.intemodino.com/pt/gerador-de-numeros-aleatorios.html) cujo objetivo foi garantir cegamento entre as vozes obtidas na avaliação e na reavaliação.

Foram convidadas três fonoaudiólogas especialistas em voz, com mais de dez anos de experiência clínica e em análise perceptivo-auditiva, a participarem da pesquisa de forma voluntária, sem fins lucrativos ou condicionamento de autoria em publicação, em julgamento independente e cego. As avaliadoras receberam o arquivo das vozes gravadas em CD. Analisaram, portanto, o total de 40 vozes, que incluíram todos os registros vocais dos 36 sujeitos da pesquisa, acrescidos de quatro repetições aleatórias. Para os arquivos repetidos foi considerado apenas o primeiro registro, na análise. A avaliação da concordância intra e inter-juízes das variáveis da análise perceptivo-auditiva foi realizada por meio do coeficiente de correlação intraclasse (ICC), equivalente à estatística Kappa para variáveis contínuas. Em todos os casos, o nível de concordância foi considerado satisfatório (ICC = 0.66).

Para a avaliação das amostras, cada avaliadora foi orientada a reproduzir o arquivo das vozes, quantas vezes necessárias, em ambiente silencioso, com utilização de fone de ouvido, individualmente, em intensidade confortável, preenchendo o protocolo CAPE-V para cada amostra. Foi orientado às avaliadoras que realizassem a análise diária de até 10 amostras de vozes, para que a fadiga gerada pela atividade não interferisse na qualidade da avaliação.

A análise acústica foi realizada por meio do programa VoxMetria da CTS Informática e os parâmetros analisados foram: frequência fundamental média (e suas variações jitter e shimmer), medida de ruído e do glottal to noise excitation ratio (GNE), a partir do registro da vogal sustentada / ε /.

Para a análise perceptivo-auditiva foram consideradas as pontuações do CAPE-V. O valor obtido para cada criança, em cada um dos parâmetros analisados, foi calculado pela média dos valores expressos pelas três juízas. Para verificar a ocorrência de desvios nos parâmetros vocais, em qualquer grau, na análise perceptivo-auditiva, foram consideradas as marcações maiores que zero, na avaliação de pelo menos duas juízas.

Para avaliação do grau de desvio vocal, foram utilizados os escores estabelecidos para a população adulta, a saber: 0-34mm (grau neutro), 34.1-51mm (grau leve), 51.1-63.5 (grau moderado). Com base nesses escores, as crianças foram divididas em dois grupos: alteração neutra e alteração leve2020. Martins PC, Couto TE, Gama ACC. Auditory-perceptual evaluation of the degree of vocal deviation: correlation between the Visual Analogue Scale and Numerical Scale. CoDAS. 2015;27(3):279-84.. A média dos grupos foi calculada pela soma dos valores médios obtidos para cada criança, divididos pelo número de sujeitos daquele grupo. Os resultados dos grupos com alteração neutra e com alteração leve também foram estratificados por sexo.

O programa de análise acústica apresenta os valores de referência dos parâmetros jitter e shimmer e a medida de ruído GNE para a comparação dos dados aos parâmetros de normalidade; a saber: jitter = 0,5%; shimmer = 6,5% e a proporção GNE é 0,5 dB. Tais parâmetros são considerados para a análise da voz adulta.

A normalidade dos dados foi analisada pelo teste de Shapiro-Wilk, rejeitando-se a hipótese de distribuição normal, quando p<0,05. Para testar a associação estatística entre as alterações na avaliação perceptivo-auditiva e a análise acústica, aplicou-se o teste Qui-Quadrado de Pearson ou exato de Fisher e para a comparação entre os sexos, foi aplicado o teste Mann-Whitney, na análise das variáveis numéricas da avaliação acústica e perceptivo-auditiva e McNemar, na análise das variáveis categóricas (com e sem alteração) todos com nível de significância de 5%.

Resultados

A Figura 1 apresenta a ocorrência de alterações vocais em relação ao grau geral e aos parâmetros vocais analisados por meio da avaliação perceptivo-auditiva. Vale ressaltar que as porcentagens foram calculadas a partir do total de crianças de cada sexo; portanto, os valores apresentados para cada parâmetro não totalizam 100%.

Figura 1:
Ocorrência de crianças identificadas com desvios nos parâmetros vocais, segundo a análise perceptivo-auditiva, estratificadas por sexo

Pode-se observar que a ocorrência de alterações vocais na população de crianças estudadas sem queixa vocal foi de 13,89%, com grau leve de alteração.

Os resultados da análise das vozes quanto aos padrões de ressonância encontram-se na Figura 2. Observa-se que a maioria das crianças apresentaram padrão de ressonância equilibrado e que o desvio de ressonância mais ocorrente foi a ressonância laringofaríngea.

Figura 2:
Distribuição, em porcentagem, dos padrões de ressonância identificados, estratificados por sexo

Os valores obtidos pela média do grau de alteração, estabelecido em porcentagem, expressos pelas três juízas foram tabulados para cada criança. Na Tabela 1 são expostos os valores médios de cada parâmetro analisado na avaliação perceptivo-auditiva, das crianças consideradas com alteração e sem alteração, segundo classificação1717. Tavares ELM, Labio RB, Martins RHG. Estudo normativo dos parâmetros acústicos vocais de crianças de 4 a 12 anos de idade sem sintomas vocais: estudo piloto. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(4):485-90. que determina como neutro (grau zero) valores entre 0mm e 34mm. Vale ressaltar que uma mesma criança pode ter mais de um parâmetro alterado.

Tabela 1:
Valores médios e seus respectivos desvios-padrão dos parâmetros vocais avaliados na análise perceptivo-auditiva, classificados em alteração neutra e leve, distribuídos por sexo. (N=36)

Pode-se perceber que das cinco crianças que apresentaram alterações leves, duas apresentaram rugosidade e duas soprosidade, sendo essas quatro do sexo masculino. A criança do sexo feminino que apresentou alteração no grau geral obteve escore de alteração vocal neutro nos outros parâmetros. No entanto, de forma geral, não houve diferença entre os sexos, em relação aos achados perceptivo-auditivos.

A Tabela 2 demonstra os valores médios dos parâmetros acústicos das crianças com e sem alterações vocais, segundo os parâmetros de normalidade, referentes à frequência fundamental e seus respectivos desvios-padrão, jitter, shimmer, proporção GNE e ruído e a Figura 3 mostra a ocorrência dos valores dos parâmetros acústicos, segundo padrões de referência estabelecidos para a faixa etária.

Tabela 2:
Valores médios (desvios-padrão), da frequência fundamental (em Hertz), do jitter e shimmer, do glottal to noise excitation ratio e do índice de ruído das 36 crianças avaliadas

Figura 3:
Ocorrência dos valores dos parâmetros acústicos, segundo padrões de referência estabelecidos para a faixa etária

Observa-se que a frequência fundamental do grupo com alteração encontra-se diminuída em relação ao grupo sem alterações. Quanto aos demais parâmetros, o jitter e o shimmer são os que mais demonstram alteração em ambos os sexos. Também se observou associação estatística entre as alterações na avaliação perceptivo-auditiva e alterações no jitter (p=0,013) e shimmer (p=0,027).

Discussão

Neste estudo pode-se observar as características perceptivo-auditivas e acústicas presentes na voz de crianças em fase escolar de uma Instituição de assistência e ensino. A ocorrência de desvio vocal foi de 33,89% nos meninos e 24,49% nas meninas, considerando-se a análise perceptivo-auditiva. De forma geral, a ocorrência de desvios vocais foi de 13,89% e em grau leve. Portanto, a despeito de ser uma população sem queixas vocais, foram observadas alterações em cinco crianças, o que corrobora a não percepção dos pais em relação às alterações nas vozes dos filhos44. Paixão CLB, Silvério KCA, Berberain AP, Mourão LF, Marques JM. Disfonia infantil: hábitos prejudiciais à voz dos pais interferem na saúde vocal de seus filhos? Rev. CEFAC. 2012;4(4):705-13.,2121. Dornelles S, Jotz GP, Guilherme A. Correlação entre avaliação perceptiva auditiva e nasofibroscopia em crianças sem queixa vocal. Rev AMRIGS. 2007;51(2):121-7. e a ocorrência de disfonia encontrada em crianças de 6 a 10 anos de idade, cujas características vocais mais comuns são rugosidade e soprosidade88. Oliveira RC, Teixeira LC, Gama ACC, Medeiros AM. Análise perceptivo-auditiva, acústica e autopercepção vocal em crianças. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(2):158-63..

Há que se considerar que a avaliação da voz infantil traz certas peculiaridades, diferentemente da avaliação no adulto. Tal complexidade também se justifica pelo fato de que, além de haver poucas variações entre o padrão da voz de meninos e de meninas, o conceito de voz esperada para essa população permite graus discretos de rugosidade, soprosidade e nasalidade devido à instabilidade que o processo de desenvolvimento acarreta. A maturação dos sistemas que compõem a fonação está intimamente ligada a essa instabilidade11. Aronson AE, Bless DM. Clinical voice disorders. 4ed. New York: Thieme, 2009.,2121. Dornelles S, Jotz GP, Guilherme A. Correlação entre avaliação perceptiva auditiva e nasofibroscopia em crianças sem queixa vocal. Rev AMRIGS. 2007;51(2):121-7.,2222. Lopes LW, Lima ILB, Azevedo EHM, Silva MFBL, Silva POC. Acoustic analysis of children's voices: phonatory deviation diagram contributions. Rev. CEFAC. 2015;17(4):1173-83.. Tal característica pode ter interferido tanto na avaliação perceptivo-auditiva quanto no agrupamento da classificação por escores.

Vale ressaltar, porém, uma reflexão sobre o método adotado, levando-se em conta que, segundo o conceito de voz esperada para crianças, graus discretos de rouquidão e soprosidade são considerados normais11. Aronson AE, Bless DM. Clinical voice disorders. 4ed. New York: Thieme, 2009.,55. Sapienza CM, Ruddy BH, Baker S. Laryngeal structure and function in the pediatric larynx: clinical applications. Lang Speech Hear Serv Sch. 2004;35(4):299-307.,77. Gomes AOC, Queiroga BAM, Cunha DA, Pinto DG, Silva HJ, Muniz LF. O desenvolvimento da comunicação na segunda infância e adolescência. In: Queiroga BAM, Gomes AOC, Silva HJ (orgs). Desenvolvimento da comunicação humana nos diferentes ciclos de vida. Barueri: Pró-Fono, 2015. p.121-46. e que não se têm estabelecidos na literatura referenciais para se considerar o nível discreto de alteração nas vozes infantis. Além disso, a referência usada para análise perceptivo-auditiva é a de adultos e essa é uma limitação do presente estudo e dos estudos com voz infantil88. Oliveira RC, Teixeira LC, Gama ACC, Medeiros AM. Análise perceptivo-auditiva, acústica e autopercepção vocal em crianças. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(2):158-63.,1818. Braga JN, Oliveira DSF, Sampaio TMM. Frequência fundamental da voz de crianças. Rev. CEFAC. 2009;11(1):119-26.,2222. Lopes LW, Lima ILB, Azevedo EHM, Silva MFBL, Silva POC. Acoustic analysis of children's voices: phonatory deviation diagram contributions. Rev. CEFAC. 2015;17(4):1173-83.. Ademais, inferiu-se que os avaliadores, já experientes em avaliação perceptivo-auditiva, consideraram o conceito de voz esperada para as crianças e, desse modo, o grau leve de alteração atribuído expressou realmente uma alteração vocal, caracterizando a disfonia88. Oliveira RC, Teixeira LC, Gama ACC, Medeiros AM. Análise perceptivo-auditiva, acústica e autopercepção vocal em crianças. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(2):158-63..

Por outro lado, deve-se acrescentar que, ao considerar os escores de referência apresentados para escala analógico-visual (como é a escala CAPE-V) para o parâmetro de rugosidade2323. Baravieira PB, Brasolotto AG, Montagnoli NA, Silvério KCA, Yamasaki R, Behlau M. Auditory-perceptual evaluation of rough and breathy voices: correspondence between analogical visual and numerical scale. CoDAS. 2016;28(2):163-7., também em adultos, os valores a partir de 28,5 são identificados como grau moderado.

Sugere-se, portanto, em estudos futuros, a possibilidade de calibração dos juízes, por meio de modelos de vozes infantis, graduando as alterações vocais a partir de critérios próprios para as características das vozes esperadas para população infantil, visando maior embasamento para as pesquisas com crianças. Além disso, os parâmetros acústicos do presente estudo apontaram possíveis alterações; portanto, a associação da análise perceptivo-auditiva com a acústica, o exame laríngeo e o acompanhamento longitudinal dessas crianças poderão elucidar melhor os referenciais para avaliação dessa população.

Sendo assim, os parâmetros estabelecidos para adultos quanto à avaliação vocal perceptivo-auditiva e acústica devem ser usados com cautela na avaliação da voz infantil, mesmo quando se trata de ouvidos treinados de juízes especialistas em voz. Além disso, nem sempre é possível diferenciar as vozes femininas e masculinas nessa população, o que pode interferir no julgamento do pitch da voz, antes do processo de muda vocal.

Pode-se observar que 24,49% dos meninos e 33,89% das meninas apresentaram grau neutro no Grau Geral. No parâmetro Rugosidade 22,05% dos meninos e 21,56% das meninas apresentaram grau neutro. No parâmetro Soprosidade, 27,11% dos meninos e 24,49% das meninas apresentaram grau neutro. No parâmetro Tensão 16,94% dos meninos e 11,76% das meninas apresentaram grau neutro. Tais achados também podem ser relacionados aos sintomas vocais e à sobrecarga fonatória, comum em ambientes escolares22. Guerra ASHS, Araujo ANB, Lira ZS, Lucena JA, Gomes AOC. Vocal behavior of children in early childhood education center. Distúrb. Comun. 2014;26(1):101-9.,2121. Dornelles S, Jotz GP, Guilherme A. Correlação entre avaliação perceptiva auditiva e nasofibroscopia em crianças sem queixa vocal. Rev AMRIGS. 2007;51(2):121-7..

É esperado que as crianças do sexo masculino apresentem maior alteração vocal 66. Tavares ELM, Brasolotto A, Santana MF, Padovan CA, Martins RHG. Epidemiological study of dysphonia in 4-12 year-old children. Braz J Otorhinolaryngol. 2011;77(6):736-46.,88. Oliveira RC, Teixeira LC, Gama ACC, Medeiros AM. Análise perceptivo-auditiva, acústica e autopercepção vocal em crianças. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(2):158-63.,1818. Braga JN, Oliveira DSF, Sampaio TMM. Frequência fundamental da voz de crianças. Rev. CEFAC. 2009;11(1):119-26.; porém, este estudo mostrou não haver diferença entre os sexos, na análise perceptivo-auditiva e, na análise acústica, as meninas apresentaram mais alterações de jitter, comparativamente aos meninos.

Ainda em relação aos valores dos parâmetros perceptivo-auditivos, pode-se observar que quatro crianças do sexo masculino e uma do sexo feminino apresentaram alteração no Grau Geral. Nos parâmetros tensão, pitch e loudness nenhuma das crianças apresentou alteração, sendo os valores encontrados considerados como neutros. Quanto aos padrões de ressonância, a maioria não apresentou alterações; porém a alteração de maior ocorrência foi a de ressonância laringofaríngea, o que pode indicar ou predispor a uma alteração vocal2424. Behlau M, Madazio G, Feijó D, Pontes P. Avaliação de voz. In: Behlau M (org). Voz: O Livro do Especialista. Vol 1. Rio de Janeiro: Revinter, 2008. p. 85-176..

No entanto, por não terem sido submetidas a exames laringoscópicos, não se pode verificar se tais crianças têm patologias laríngeas instaladas ou não. Faz-se, portanto, necessário o encaminhamento dessas para avaliação otorrinolaringológica, bem como orientação aos pais. Tais encaminhamentos foram feitos, após a coleta dos dados.

Quanto aos parâmetros acústicos, pode-se observar que a frequência fundamental se encontra fora dos padrões de normalidade estabelecidos para crianças1818. Braga JN, Oliveira DSF, Sampaio TMM. Frequência fundamental da voz de crianças. Rev. CEFAC. 2009;11(1):119-26.,2424. Behlau M, Madazio G, Feijó D, Pontes P. Avaliação de voz. In: Behlau M (org). Voz: O Livro do Especialista. Vol 1. Rio de Janeiro: Revinter, 2008. p. 85-176.,2525. Capellari VM, Cielo CA. Vocal acoustic characteristics in pre-school aged children. Rev Bras Otorrinolaringol. 2008;74(2):265-72.. Além disso, há que se considerar que os valores de referência de jitter, shimmer, GNE e ruído, estão baseados em parâmetros de adultos. Tais valores geram conflitos na interpretação desses parâmetros para as crianças, sendo identificada a necessidade do estabelecimento de parâmetros referenciais para a população infantil1717. Tavares ELM, Labio RB, Martins RHG. Estudo normativo dos parâmetros acústicos vocais de crianças de 4 a 12 anos de idade sem sintomas vocais: estudo piloto. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(4):485-90.,2222. Lopes LW, Lima ILB, Azevedo EHM, Silva MFBL, Silva POC. Acoustic analysis of children's voices: phonatory deviation diagram contributions. Rev. CEFAC. 2015;17(4):1173-83.,2525. Capellari VM, Cielo CA. Vocal acoustic characteristics in pre-school aged children. Rev Bras Otorrinolaringol. 2008;74(2):265-72.

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Um aspecto que deve ser considerado é a diferença anatômica das pregas vocais infantis em relação às do adulto, por não apresentarem as camadas da lâmina própria diferenciadas como as do adulto e, portanto, o ligamento vocal ainda não totalmente definido55. Sapienza CM, Ruddy BH, Baker S. Laryngeal structure and function in the pediatric larynx: clinical applications. Lang Speech Hear Serv Sch. 2004;35(4):299-307.. Também estão em fase de desenvolvimento neuromuscular, e de suporte respiratório, podendo justificar maiores alterações nos parâmetros acústicos de jitter e shimmer2222. Lopes LW, Lima ILB, Azevedo EHM, Silva MFBL, Silva POC. Acoustic analysis of children's voices: phonatory deviation diagram contributions. Rev. CEFAC. 2015;17(4):1173-83..

Os valores máximos esperados de jitter e shimmer, respectivamente, são 0,6% e 6,5%, no programa utilizado. Os valores encontrados, respectivamente, 0,73% e 9,05%, podem ser caracterizados como alterados. Portanto, das 36 crianças, 12 estão fora do padrão de normalidade, quanto ao jitter. Em relação ao shimmer, apenas quatorze crianças (38,89%) apresentaram valores adequados. É necessária a comparação com análise perceptivo-auditiva para confirmação do impacto dessas alterações na qualidade da voz infantil.

Quanto à frequência fundamental (f0), considerando-se o valor de referência de 240,02 a 249,71 Hz, estabelecido para a faixa etária de seis a oito anos de idade1717. Tavares ELM, Labio RB, Martins RHG. Estudo normativo dos parâmetros acústicos vocais de crianças de 4 a 12 anos de idade sem sintomas vocais: estudo piloto. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(4):485-90.,1818. Braga JN, Oliveira DSF, Sampaio TMM. Frequência fundamental da voz de crianças. Rev. CEFAC. 2009;11(1):119-26.,2525. Capellari VM, Cielo CA. Vocal acoustic characteristics in pre-school aged children. Rev Bras Otorrinolaringol. 2008;74(2):265-72., pode-se observar, no grupo identificado com alteração, a média de 223,45 Hz, o que significa valor inferior aos estabelecidos como referência em crianças sem alterações vocais. As justificativas mais relatadas para a diminuição da f0 com o avanço da idade são as mudanças anatômicas e fisiológicas nas próprias estruturas laríngeas, decorrente do desenvolvimento normal, e a maturação do sistema nervoso, possibilitando maior controle laríngeo1818. Braga JN, Oliveira DSF, Sampaio TMM. Frequência fundamental da voz de crianças. Rev. CEFAC. 2009;11(1):119-26.,2525. Capellari VM, Cielo CA. Vocal acoustic characteristics in pre-school aged children. Rev Bras Otorrinolaringol. 2008;74(2):265-72.. No entanto, valores de f0 não esperados para a idade podem sugerir patologias laríngeas2525. Capellari VM, Cielo CA. Vocal acoustic characteristics in pre-school aged children. Rev Bras Otorrinolaringol. 2008;74(2):265-72..

Vale ressaltar, porém, que a alta ocorrência de crianças que apresentaram valores diferentes dos estabelecidos como referência para essa faixa etária (Figura 3) reforça a ideia de que há necessidade de se estabelecerem valores de referência para a população infantil brasileira, baseadas em amostras de diferentes regiões.

Segundo o limite considerado dentro dos padrões de normalidade para a proporção GNE na voz de indivíduos adultos, pelo programa de análise acústica VoxMetria, pode-se observar que 80,56% das crianças analisadas apresentaram valores adequados2424. Behlau M, Madazio G, Feijó D, Pontes P. Avaliação de voz. In: Behlau M (org). Voz: O Livro do Especialista. Vol 1. Rio de Janeiro: Revinter, 2008. p. 85-176..

Com base nos achados deste estudo, sugere-se que haja uma maior investigação referente à voz infantil, priorizando a população que já frequenta centros de educação. Tem-se como limitação para análise dos dados a falta de parâmetros para crianças.

Os programas computadorizados de análise vocal apresentam os valores normativos de seus parâmetros na população adulta para ambos os sexos, porém não para a população infantil. Há necessidade de se estabelecer padrões comparativos com os valores normais de análises acústicas em crianças. A falta de homogeneidade nos resultados em vários estudos demonstra a importância da realização de pesquisas adicionais criteriosas com ampliação do tamanho amostral1717. Tavares ELM, Labio RB, Martins RHG. Estudo normativo dos parâmetros acústicos vocais de crianças de 4 a 12 anos de idade sem sintomas vocais: estudo piloto. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(4):485-90.. Além disso, é igualmente importante incluir crianças de faixas etárias menores nos estudos normativos uma vez que a laringe infantil sofre profundas e constantes alterações desde o nascimento até à adolescência e, consequentemente, a qualidade vocal vai, paralelamente, se alterando com o crescimento.

O estudo também reforça a necessidade de orientação familiar e a professores sobre saúde vocal, a indispensabilidade da implementação de programas para as crianças, com vistas à promoção do conhecimento sobre saúde vocal, disfonia e prevenção da disfonia.

Pais e demais membros da família possuem papel fundamental nas condições vocais das crianças, podendo influenciar os quadros de disfonia infantil. Apesar de tal influência, pais e educadores dão pouca importância às alterações vocais na infância, ou não as percebem retardando assim, a procura pela intervenção44. Paixão CLB, Silvério KCA, Berberain AP, Mourão LF, Marques JM. Disfonia infantil: hábitos prejudiciais à voz dos pais interferem na saúde vocal de seus filhos? Rev. CEFAC. 2012;4(4):705-13.,66. Tavares ELM, Brasolotto A, Santana MF, Padovan CA, Martins RHG. Epidemiological study of dysphonia in 4-12 year-old children. Braz J Otorhinolaryngol. 2011;77(6):736-46.,2929. Jotz GP, Cervantes O, Settani FAP, Angelis EC. Acoustic measures for the detection of hoarseness in children. Arq Int Otorrinolaringol. 2006;10(1):14-20.,3030. Martins RHG, Ribeiro CBH, Melo BMZF, Branco AB, Tavares ELM. Dysphonia in children. J Voice. 2012;26(5):674.17-20.. Muitas vezes os pais acreditam que as alterações vocais das crianças são passageiras ou que não causam impacto nas relações sociais do filho; sendo assim, muitas vezes os pais não buscam o tratamento necessário e deixam essa responsabilidade para outros profissionais da área da saúde e também para professores99. Ribeiro VV, Leite APD, Lacerda Filho L, Cielo CA, Bagarollo MF. Perception of parents on the quality of life in voice and clinical outcomes in dysphonic children before and after speech therapy group. Distúrb. Comun. 2013;25(1):81-90..

Tais achados corroboram a importância de programas de promoção da saúde vocal em ambientes escolares, bem como de prevenção da disfonia infantil, incluindo orientação aos pais e educadores.

Conclusão

A ocorrência de alterações vocais na população de crianças estudadas sem queixa vocal foi de 13,89% e não diferiu entre os sexos nos parâmetros perceptivo-auditivos, porém, houve maior alteração nas meninas, em um dos parâmetros acústicos. As crianças que apresentaram desvios vocais os apresentaram em grau leve, com rugosidade e soprosidade como qualidades vocais predominantes. A frequência fundamental e o shimmer, foram os parâmetros acústicos com maior ocorrência de valores fora dos limites referenciais para a idade, em ambos os sexos.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 e da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Federal de Pernambuco (PROPG-UFPE).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    18 Set 2020
  • Aceito
    02 Dez 2020
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