Sintomas relacionados à voz e deglutição após tireoidectomia total: evidências de uma pesquisa nacional brasileira

RESUMO

Objetivo:

estimar a prevalência de sintomas relacionados à voz e deglutição em mulheres submetidas à tireoidectomia total.

Métodos:

estudo de base populacional, observacional, transversal e analítico, baseado em um survey nacional brasileiro. Participaram do estudo 252 mulheres submetidas à tireoidectomia total, com idades entre 18 e 58 anos, residentes nas cinco regiões geográficas do país. Todas responderam a versão traduzida e adaptada para o português brasileiro do Thyroidectomy-Related Voice Questionnaire (TVQ), além de questões demográficas e clínicas. Foi realizada análise descritiva das variáveis categóricas e quantitativas. A relação entre escore total do TVQ e variáveis independentes foi analisada por meio dos testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis. O nível de significância foi de 5%.

Resultados:

os sintomas mais prevalentes foram sensação de voz cansada depois de conversar por muito tempo (50%) e percepção de boca seca/sede (43,3%). Sintomas vocais foram mais prevalentes que os relacionados à deglutição. O escore total do TVQ não se relacionou com faixa etária (p=0,141), profissão (p=0,213), região de residência (p=0,303), tempo de cirurgia (p=0,955) e radioterapia/radioiodoterapia (p=0,666).

Conclusão:

mulheres brasileiras submetidas à tireoidectomia total possuem alta prevalência de sintomas relacionados à voz e deglutição, com predomínio dos sintomas vocais seguidos dos sintomas relacionados à deglutição.

Descritores:
Tireoidectomia; Disfonia; Transtornos de Deglutição; Inquéritos e Questionários; Sinais e Sintomas

ABSTRACT

Purpose:

to estimate the prevalence of voice- and swallowing-related symptoms in women submitted to total thyroidectomy.

Methods:

a population-based, observational, cross-sectional, analytical study, based on a Brazilian national survey. A total of 252 women, aged 18 to 58 years, submitted to total thyroidectomy, residing in the five geographical regions of the country participated in the study. All of them answered the version of the Thyroidectomy-Related Voice Questionnaire translated and adapted into Brazilian Portuguese, besides questions on demographic and clinical issues. A descriptive analysis of the categorical and quantitative variables was conducted. The relationship between the total TVQ score and the independent variables was analyzed with the Mann-Whitney and Kruskal-Wallis tests. The significance level used was 5%.

Results:

the most prevalent symptoms were, tired voice, after talking for a long time (50%), and dry mouth/thirst (43.3%). The voice-related symptoms were more prevalent than those related to swallowing. The total TVQ score was not related to age group (p=0.141), profession (p=0.213), region of residence (p=0.303), time since surgery (p=0.955), and radiotherapy/radioiodine therapy (p=0.666).

Conclusion:

Brazilian women submitted to total thyroidectomy have a high prevalence of voice- and swallowing-related symptoms, the former being predominant.

Keywords:
Thyroidectomy; Dysphonia; Deglutition Disorders; Surveys and Questionnaires; Signs and Symptoms

Introdução

Tireoidectomia total é a cirurgia endócrina mais realizada no mundo¹ e o tratamento mais indicado para o câncer de tireoide². Nos Estados Unidos, a incidência desse tipo de câncer subiu de 7,1/100.000 habitantes em 2000 para 17,6/100.000 em 2013³. No Brasil, a proporção de casos de câncer de tireoide informada pelos Registros Hospitalares de Câncer aumentou de 1,1% em 2000 para 11,0% em 2014⁴. Além disso, entre 2008 e 2015, os gastos com diagnóstico e tratamento do câncer de tireoide no Brasil subiram 120% e representaram um custo de aproximadamente 230 milhões de reais para o Sistema Único de Saúde brasileiro nesse período⁵. Considerando que o número de indivíduos submetidos à tireoidectomia total é crescente no Brasil, é necessário olhar com atenção para as condições de morbidade às quais esses indivíduos estão expostos.

Disfonia e disfagia estão entre as sequelas mais frequentes da tireoidectomia, porém, o diagnóstico dessas condições envolve exames instrumentais que requerem tempo, custo e disponibilidade, o que nem sempre é possível na rotina de alta demanda dos serviços^6,7. O uso de questionários autorreferidos tem sido uma alternativa para superar essas limitações e selecionar os pacientes que necessitam de exames mais específicos para confirmação diagnóstica a partir da identificação dos sintomas relacionados às alterações na voz e deglutição^6,7.

A ocorrência dos sintomas vocais após tireoidectomia varia de 16%⁸ a 36%⁹ e oscila de 20% a 58%¹⁰ no caso dos sintomas relacionados à deglutição. No pós-operatório imediato essas proporções são ainda mais altas e podem chegar a 69,2% e 80,8%, respectivamente¹¹. As possíveis causas dos sintomas incluem a manipulação laríngea¹², extensão da cirurgia^8,13, tipo de técnica cirúrgica utilizada¹⁴, dissecação dos músculos cervicais^13,15, intubação orotraqueal, hematoma, alongamento e fixação dos músculos cervicais, lesões nos nervos laríngeos superior e inferior¹⁵, além da síndrome pós-tireoidectomia, que ocorre quando há queixas mesmo na ausência de complicações pós-operatórias^12,16.

Os sintomas mais comuns são redução do pitch vocal, fadiga vocal, rouquidão, loudness fraca, sensação de bolo na garganta, garganta seca e pigarro^{2,7,8,10-13,17-22}. Embora sejam consideradas complicações transitórias com melhora progressiva²³, existem evidências de persistência dos sintomas ao longo do tempo^23,24 em até 50% dos pacientes², com impacto significativo na qualidade de vida^10-12.

No Brasil, estudos anteriores que investigaram sintomas relacionados à voz e deglutição após tireoidectomia não possuem resultados convergentes e foram realizados apenas em serviços hospitalares localizados na Região Sudeste^11,18,20, Nordeste^17,19 ou Sul²¹ usando questionários sem propriedades psicométricas conhecidas^17-21 ou não específicos para essa população¹¹. Internacionalmente, um instrumento que tem sido aplicado com esta finalidade^6,7,23,25-29 é o questionário Thyroidectomy-Related Voice Questionnaire (TVQ)^6,25, que já possui sua versão traduzida e adaptada transculturalmente para o português brasileiro³⁰.

Diante desse cenário, nota-se que a prevalência dos sintomas relacionados à voz e deglutição após tireoidectomia total no Brasil é desconhecida. Compreender os sintomas mais prevalentes por meio do uso de instrumentos adequados pode proporcionar ações de cuidado mais assertivas após tireoidectomia e auxiliar no gerenciamento dos casos no curto e longo prazo. Dessa forma, o objetivo deste estudo, realizado a partir de um survey nacional inédito, foi estimar a prevalência de sintomas relacionados à voz e deglutição em mulheres brasileiras submetidas à tireoidectomia total. Como objetivo secundário, analisar a relação de variáveis demográficas e clínicas com o escore total do TVQ em português brasileiro. As hipóteses foram de elevada prevalência de sintomas relacionados à voz e deglutição após tireoidectomia total e diferença significante dos escores totais do TVQ de acordo com as variáveis demográficas e clínicas estudadas.

Métodos

Trata-se de um estudo de base populacional do tipo observacional, transversal e analítico, com abordagem quantitativa, baseado em dados provenientes de um survey nacional. Faz parte de um estudo maior aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba - UFPB, Brasil, sob o parecer n° 2.190.242, respeitando os aspectos éticos conforme a Resolução 466/2012. Todos os voluntários preencheram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Participantes

Para cálculo do tamanho amostral foi considerada a prevalência do desfecho estimada em 45%¹⁸, intervalo de confiança de 99% (z = 2.58), margem de erro de 10% e acréscimo de 20% correspondente às possíveis perdas. O cálculo resultou em um número mínimo de 198 indivíduos. Inicialmente foram incluídas pessoas de ambos os sexos, com idade igual e acima de 18 anos, independente do intervalo de tempo entre a tireoidectomia e o preenchimento do formulário. Para fins de análise deste estudo os critérios de exclusão foram: (1) sexo masculino; (2) idade superior a 59 anos; (3) cirurgia prévia em região de cabeça e pescoço, inclusive tireoidectomia parcial. Além da proporção de participantes com essas características ter sido pequena no banco de dados, esses critérios foram considerados fatores de confusão. Doenças tireoidianas como o câncer de tireoide são mais comuns no sexo feminino³¹, a idade avançada já é um fator de risco conhecido para complicações pós-tireoidectomia⁸ e a tireoidectomia parcial, além de ser menos indicada, promove sequelas funcionais diferentes quando comparadas à tireoidectomia total³². Com base nos critérios de elegibilidade, 104 indivíduos foram excluídos do banco de dados inicial. Sendo assim, foram incluídas 252 mulheres brasileiras, com média de idade de 38,81±7,95 anos (amplitude, 20-58), submetidas à tireoidectomia total.

Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada por meio de um survey nacional online. O formulário foi depositado no serviço gratuito Google Forms e o link para acesso divulgado em mídias sociais e digitais com intervalos regulares durante cinco semanas para alcançar indivíduos submetidos à tireoidectomia residentes nas cinco regiões geográficas do Brasil.

O formulário foi composto por três etapas. Na primeira, o participante leu e preencheu o TCLE. Em seguida, respondeu questões relacionadas a aspectos demográficos e clínicos. Finalmente, respondeu o Thyroidectomy-Related Voice Questionnaire (TVQ)^6,25 em sua versão traduzida e adaptada para o português brasileiro³⁰. O TVQ é composto por 20 perguntas, sendo dez relacionados à voz e dez à deglutição. Cada questão tem cinco possibilidades de resposta de acordo com a frequência do sintoma (nunca, quase nunca, às vezes, quase sempre e sempre). Elas estão distribuídas em uma escala do tipo Likert com valores crescentes de 0 a 4. O escore total é resultado do somatório simples de todos os itens e pode variar de 0 a 80, sendo pior o resultado quanto mais alto o valor³⁰. O TVQ não estava com o processo de validação concluído na época da coleta deste estudo, mas naquele momento foi considerado o instrumento mais consistente e com melhores propriedades psicométricas para a finalidade da pesquisa.

Análise dos Dados

As variáveis categóricas foram retratadas quanto a sua frequência relativa e absoluta. As variáveis quantitativas foram analisadas por meio das medidas de tendência central e de dispersão. A prevalência de cada um dos 20 itens do TVQ foi analisada separadamente. Para fins de análise, a idade foi dicotomizada de acordo com a mediana. No caso da profissão, em razão da grande variabilidade de repostas, foram criadas as seguintes categorias: “profissões de nível superior”, “profissões de nível técnico”, “profissões de nível elementar” e “sem profissão declarada”. As respostas “quase sempre” e “sempre” do TVQ indicaram presença do sintoma e as demais indicaram ausência. O escore total do TVQ foi comparado entre as categorias das variáveis faixa etária, profissão, região de residência, radioterapia/radioiodoterapia adjuvante e há quanto tempo fez a cirurgia. O teste de Shapiro-Wilk indicou que os dados não tinham distribuição normal (p<0,001), portanto, foram usados os testes não paramétricos de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis. O nível de significância foi de 5%.

Resultados

Os dados demográficos e clínicos mostram que o perfil da amostra foi composto predominantemente por mulheres residentes na região sudeste do país e com profissão de nível superior. A maioria realizou tireoidectomia total há mais de três anos e pouco mais da metade fez radioterapia ou radioiodoterapia adjuvante (Tabela 1).

Tabela 1:
Distribuição de mulheres brasileiras submetidas à tireoidectomia total de acordo com variáveis demográficas e clínicas

Variáveis	Categorias	n (%)
Faixa Etária	> 38 anos	126 (50,0)
	38 anos e menos	126 (50,0)
Profissão	Nível Superior	123 (48,8)
	Nível Técnico	24 (9,5)
	Nível Elementar	81 (32,1)
	Sem profissão declarada	24 (9,5)
Região de residência	Sudeste	138 (54,8)
	Nordeste	48 (19,0)
	Sul	37 (14,7)
	Centro-Oeste	22 (8,7)
	Norte	7 (2,8)
Há quanto tempo fez a cirurgia?	Menos de seis meses	16 (6,3)
	Entre seis meses e um ano	31 (12,3)
	Entre um e três anos	76 (30,2)
	Acima de três anos	129 (51,2)
Radioiodoterapia ou Radioterapia	Sim	131 (52,0)
	Não	121 (48,0)

Na Figura 1 é possível observar que a prevalência dos sintomas relacionados à voz e deglutição após tireoidectomia variou entre 14,3% (desconforto para comer e beber) e 50% (sensação de voz cansada depois de conversar por muito tempo), sendo este último o sintoma mais prevalente relacionado à voz. A percepção de boca seca e sensação de sede (43,3%) foi o sintoma mais prevalente relacionado à deglutição. Nota-se que a maior prevalência foi de sintomas vocais, já que entre os dez mais citados, oito são relacionados à voz.

Figura 1:
Distribuição percentual dos sintomas presentes em mulheres brasileiras submetidas à tireoidectomia total de acordo com a versão traduzida e adaptada para o português brasileiro do Thyroidectomy-Related Voice Questionnaire (somatório das respostas “sempre” e “quase sempre”)

O escore total do TVQ mostrou-se independente da faixa etária, profissão, região de residência, há quanto tempo fez cirurgia e radioterapia/radioiodoterapia adjuvante (Tabela 2).

Tabela 2:
Medidas do escore total da versão traduzida e adaptada para o português brasileiro do Thyroidectomy-Related Voice Questionnaire entre as categorias das variáveis faixa etária, profissão, região de residência, tempo pós-operatório e tratamento com radioterapia ou radioiodoterapia

	Escore total - TVQ					P valor
	Mediana	Q25-Q75	Mínimo-máximo	Média	Desvio-padrão
Faixa etária
>38 anos	27,50	12,00-50,25	0-77	30,97	21,73	0,141*
≤ 38 anos	25,00	7,5-41,25	0-71	26,62	19,73
Profissão
Nível Superior	24,00	8,00-41,00	0-76	26,41	19,91	0,213†
Nível Técnico	20,50	7,25-47,0	2-67	25,79	20,77
Nível Elementar	29,00	16,50-51,00	0-74	32,17	21,37
Sem profissão declarada	27,50	14,25-52,00	0-77	32,58	22,76
Região de residência
Sudeste	28,50	14,50-48,75	0-77	31,01	20,79	0,303†
Nordeste	19,00	7,25-34,25	0-76	23,69	19,83
Sul	24,00	7,50-43,00	0-67	27,00	20,62
Centro-Oeste	28,50	11,75-44,00	0-71	29.86	21,95
Norte	26,00	3,00-55,00	0-59	26,29	24,75
Há quanto tempo fez a cirurgia
Seis meses	31,00	14,75-41,00	1-53	29,44	16,33	0,955†
Entre seis meses e um ano	26,00	13,00-48,00	0-65	29,61	20,41
Entre um e três anos	24,00	9,25-44,00	0-77	29,14	21,95
Acima de três anos	26,00	8,00-44,50	0-74	28,31	20,96
Radioterapia ou Radioiodoterapia
Sim	26,00	9,00-43,00	0-76	28,08	20,24	0,666*
Não	29,00	9,50-45,00	0-77	29,56	21,50

• p<0,05; *Teste de Mann-Whitney; ^†Teste de Kruskal-Wallis.
• Legenda: TVQ = Thyroidectomy-Related Voice Questionnaire (versão traduzida e adaptada para o português brasileiro.

Discussão

Este estudo mostrou que a prevalência de sintomas relacionados à voz e deglutição em mulheres brasileiras submetidas à tireoidectomia total é alta e que o escore total do TVQ independe da faixa etária, profissão, região de residência, há quanto tempo a cirurgia foi realizada e radioterapia/radioiodoterapia adjuvante.

Os dados demográficos e clínicos mostraram que o perfil da amostra foi composto predominantemente por mulheres residentes na região Sudeste do país e com profissões de nível superior. A maioria realizou tireoidectomia total há mais de três anos e pouco mais da metade fez radioterapia ou radioiodoterapia adjuvante.

A ordem decrescente da distribuição percentual de respondentes de acordo com as regiões geográficas de residência foi similar à distribuição do número de casos de câncer de tireoide observado em levantamento de base hospitalar entre 2000 e 2016⁴, e à distribuição das 57.872 tireoidectomias totais realizadas no Brasil entre 2014 e 2018, de acordo com os dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS) do Ministério da Saúde do Brasil³³. Portanto, a distribuição relativa da amostra deste estudo entre as regiões geográficas de residência refletiu a distribuição observada no Brasil quanto ao número de casos de câncer de tireoide e de tireoidectomias realizadas.

O predomínio de mulheres que possuem profissões de nível superior está atrelado ao maior nível de escolaridade e melhor consciência quanto ao autocuidado, com consequente acesso a melhores tecnologias diagnósticas e assistenciais, o que se mostra um viés de seleção⁴. A proporção de pouco mais da metade das participantes com intervalo de tempo superior a 3 anos entre a cirurgia e o preenchimento do formulário denota o interesse dessas mulheres em relatar os sintomas mesmo após longo período de pós-operatório. A proporção de mulheres submetidas à radioterapia/radioiodoterapia já era esperada conforme diretrizes internacionais³⁴.

Os sintomas mais prevalentes foram relacionados à voz, resultado que se assemelha a outros estudos com indivíduos submetidos à tireoidectomia total^8,9,17. Esta ocorrência pode estar ligada à proximidade topográfica da glândula tireoide às estruturas e inervação periférica da laringe, que são expostas e manipuladas durante o procedimento cirúrgico¹⁵. Embora exista a preocupação com a possibilidade de paralisia de prega vocal por lesão iatrogênica do nervo laríngeo superior e/ou inferior, a maioria dos casos apresenta queixas mesmo na ausência de lesão nervosa periférica¹². Considerando que a voz expressa a identidade do indivíduo, alterações no seu padrão habitual podem interferir na comunicação, socialização e manutenção das atividades ocupacionais, especialmente no caso daqueles que fazem uso profissional da voz. Portanto, é compreensível que comprometimentos vocais seja uma das principais preocupações da população que irá se submeter ou tenha se submetido a tireoidectomia¹⁸.

Dentre os vários sintomas vocais investigados pelo TVQ, o mais prevalente nas mulheres brasileiras que realizaram tireoidectomia total foi a fadiga vocal. Essa percepção de diminuição da resistência se manifesta mediante esforço fonatório associado ao aumento da demanda vocal³⁵ e também pode estar relacionada a lesões nervosas periféricas que promovam impacto na atividade da musculatura intrínseca da laringe³⁶. Ao observar o conjunto dos outros sintomas vocais mais prevalentes na população deste estudo é possível observar que eles convergem para a queixa de “voz cansada após conversar por muito tempo”. Esses sintomas contemplam a percepção de dificuldades associadas à pitch, loudness, rugosidade, incoordenação pneumofônica e o próprio esforço vocal, ou seja, condições que, se presentes, necessitam ser superadas por meio de compensações hiperfuncionais que resultam em fadiga vocal³⁷.

De forma geral, os sintomas relacionados à deglutição após tireoidectomia total foram percebidos de forma menos frequente que os sintomas vocais, mas a sensação de boca seca/sede foi o segundo sintoma mais prevalente. Embora a sensação de “garganta seca” já tenha sido mencionada frequentemente por pacientes submetidos à tireoidectomia em outros estudos brasileiros^11,18-19 e até mesmo no pré-operatório^17,38, não são encontradas justificativas claras para esse sintoma nesses pacientes. Existe a hipótese que a demanda vocal^17,38 e/ou a hidratação inadequada^17,38,39 possam estar relacionados a esse sintoma, assim como a desregulação hormonal característica das doenças tireoidianas⁴⁰. A realização de radioterapia/radioiodoterapia poderia ser uma possível explicação para a ocorrência desse sintoma, mas na análise paralela dos dados para verificar essa hipótese, a mesma não foi confirmada.

Este estudo mostrou ainda que idade, profissão, região de residência, tempo de pós-operatório e radioterapia/radioiodoterapia adjuvante não são aspectos que interferem no escore total do TVQ, cuja mediana em todas as categorias superou os 20 pontos. Esse resultado indica, portanto, que a investigação dos sintomas de voz e deglutição em mulheres brasileiras após tireoidectomia não deve se restringir a grupos específicos e deve ocorrer independente dessas variáveis.

Embora o Brasil tenha dimensões continentais, grande diversidade cultural e diferentes realidades de acesso aos serviços de saúde, isso não se mostrou um aspecto relacionado ao resultado do TVQ. Chamou a atenção que mesmo três anos após a cirurgia, o escore total do TVQ tenha permanecido com mediana semelhante ao grupo com menos tempo de pós-operatório. Esse resultado ratifica as evidências de manutenção dos sintomas mesmo no longo prazo e a necessidade de melhores estratégias para detecção dessas condições de morbidade, assim como assistência terapêutica mais resolutiva. Ressalta-se, portanto, a importância de incorporar a investigação dos sintomas relacionados à voz e deglutição na rotina da equipe de saúde assistencial em todas as regiões do Brasil. O TVQ é a opção de instrumento mais promissora para essa finalidade e sua versão traduzida e adaptada para o português brasileiro deve ser usada tão logo sejam obtidas as evidências de validade e confiabilidade.

Este estudo possui algumas limitações. O desenho transversal não permite estabelecer relações diretas de causa e efeito; características referentes ao procedimento cirúrgico, além de aspectos clínicos como medicações utilizadas e resultados de exames bioquímicos e histopatológicos não puderam ser coletados, já que não houve acesso a prontuários dos participantes; variáveis confundidoras como realização de fonoterapia após a cirurgia e a presença de comorbidades como alterações laríngeas e refluxo gastroesofágico não foram controladas e podem ter interferido nos resultados; o instrumento utilizado estava apenas traduzido e adaptado para o português brasileiro no momento da coleta e ainda segue em processo de validação. Ao mesmo tempo, este estudo surge como o primeiro no Brasil a evidenciar a prevalência de sintomas relacionados à voz e deglutição após tireoidectomia total em uma pesquisa nacional com amostra de base populacional, a partir de resultados advindos de um instrumento utilizado internacionalmente.

Conclusão

Sintomas relacionados à voz e deglutição possuem alta prevalência em mulheres brasileiras submetidas à tireoidectomia total. Os dois sintomas mais prevalentes são fadiga vocal e boca seca/sede. Há predomínio dos sintomas vocais seguidos dos sintomas relacionados à deglutição. Não há relação entre o escore total do TVQ em português brasileiro e faixa etária, profissão, região de residência, há quanto tempo fez a cirurgia e radioterapia/radioiodoterapia adjuvante.

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• Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação em Modelos de Decisão e Saúde - PPGMDS da Universidade Federal da Paraíba - UFPB, João Pessoa, Paraíba, Brasil.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  10 Mar 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  08 Dez 2020
• Aceito
  15 Jan 2021