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Habilidades do processamento temporal em pessoas que gaguejam

RESUMO

Objetivo:

investigar as habilidades auditivas de resolução e ordenação temporal em pessoas que gaguejam.

Métodos:

estudo observacional transversal analítico e comparativo entre o grupo estudo e o controle. Realizado numa Clínica-Escola de Fonoaudiologia de uma instituição de ensino com pessoas que gaguejam atendidos em projeto de extensão universitária, bem como por voluntários sem distúrbio de comunicação, no período de 13 meses. Os procedimentos realizados foram anamnese de percepção auditiva, imitanciometria, audiometria tonal e vocal para descartar alteração na audição. Para os participantes que atenderam aos critérios de elegibilidade, realizou-se a avaliação das habilidades de resolução e ordenação com os seguintes testes: Gaps in Noise; Random Gap Detection Test; Pitch Pattern Sequence; e Duration Pattern Sequence. Após a realização dos testes descritos acima, os dados obtidos foram alocados em planilha digital para análise estatística descritiva e inferencial.

Resultados:

o grupo estudo apresentou alteração nas habilidades de resolução e ordenação temporal. Verificou-se, também, a diferença estatisticamente significante nos achados avaliativos dos grupos estudo e controle, quando comparados, para todos os testes realizados nas avaliações.

Conclusão:

observou-se alteração das habilidades de resolução e ordenação temporal nos indivíduos com gagueira, independentemente do gênero ou idade cronológica.

Descritores:
Gagueira; Percepção Auditiva; Audição; Percepção da Fala; Audiologia; Fala

ABSTRACT

Purpose:

to investigate the auditory skills of temporal resolution and ordering in people who stutter.

Methods:

an observational, cross-sectional, analytical, and comparative research between study and control groups conducted at a speech-language-hearing teaching clinic of an academic institution, comprising people who stutter (who attended a public outreach program) and volunteers without communicative disorders, for 13 months. The procedures used were auditory perception anamnesis, acoustic immittance, and pure-tone and speech audiometry to discharge hearing changes. The participants who met the eligibility criteria had their resolution and ordering skills assessed with the Gaps-in-Noise, Random Gap Detection, Pitch Pattern Sequence, and Duration Pattern Sequence tests and the data obtained were entered into a spreadsheet for descriptive and inferential statistical analyses.

Results:

the study group presented changes in temporal resolution and ordering. A statistically significant difference was also verified comparing the assessment findings of the study and control groups, in all the assessment tests.

Conclusion:

temporal resolution and ordering changes were observed in the people presented with stuttering, regardless of sex or chronological age.

Keywords:
Stuttering; Auditory Perception; Hearing; Speech Perception; Audiology; Speech

Introdução

A comunicação oral é a modalidade interativa que predomina como meio de troca de experiências, compartilhamento de novos conhecimentos e exteriorização de ideias, pensamentos, desejos e aspirações. A fluência constitui-se enquanto uma habilidade importante para o desenvolvimento da saúde da comunicação de um falante. Caracteriza-se como um fluxo contínuo e suave da fala, resultante da integração harmônica entre os processamentos neurais envolvidos na linguagem e no ato motor11. Andrade CRFD, Juste F. Aplicação de um teste americano de severidade da gagueira (SSI) em crianças fluentes falante do Português Brasileiro. Pró-Fono R. Atual. Cientif. 2001;13(2):177-80..

A maneira com que as informações auditivas são processadas, principalmente as que estão relacionadas à percepção do ato de falar, são cruciais para compreender possíveis dificuldades apresentadas na linguagem expressiva, entre elas, a gagueira22. Silva R, Oliveira CMC, Cardoso ACV. Aplicação dos testes de padrão temporal em crianças com gagueira desenvolvimental persistente. Rev. CEFAC [journal on the internet]. 2011 [accessed on 2017 Mar 14]; 13(5):902-8. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462011000500015&lng=en. Epub June 03, 2011. https://doi.org/10.1590/S1516-18462011005000045.
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O Transtorno da Fluência com início na infância se trata de uma alteração do padrão típico da fluência, gerado pelo excesso de rupturas (disfluências) na produção da fala. Tais quebras são de caráter involuntário e interferem nos principais parâmetros da fluência, sendo eles: a continuidade, o esforço e o tempo envolvidos no ato de fala. Associada a processos neurolinguísticos dessincronizados, que não permitem à pessoa que gagueja evitar a quebra do fluxo da fala, a gagueira se configura como um distúrbio de caráter multidimensional e complexo, que possui base genética e neurofuncional. Seus fatores etiológicos são diversos, e interagem de forma complexa repercutindo na seleção dos procedimentos avaliativos, diagnósticos e terapêuticos necessários para o seu cuidado, bem como no prognóstico clínico33. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995..

Dentre os fatores biológicos envolvidos na dinâmica neurofuncional da gagueira, destacam-se as habilidades auditivas do processamento temporal, que se enquadram como sendo a base do processamento auditivo. Muitas das características da informação auditiva são influenciadas pelo tempo e é no tocante a este aspecto que as dinâmicas neurofisiológicas da audição e da fluência convergem. Visto que a fluência da fala envolve a interação sincrônica entre os aspectos acústicos de produção e percepção da fala na cadeia do tempo44. Arcuri CF, Schiefer AM, Azevedo MF. Research about suppression effect and auditory processing in individuals who stutter. CoDAS [journal on the internet]. 2017 [accessed on 2017 Dec 7]; 29(3):e20160230. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2317-17822017000300312&lng=en. Epub May 22, 2017. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016230.
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,55. Samelli AG, Schochat E. Processamento auditivo, resolução temporal e teste de detecção de gap: revisão da literatura. Rev. CEFAC [journal on the internet]. 2008 [accessed on 2017 Apr 29]; 10(3):369-77. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462008000300012&lng=en. https://doi.org/10.1590/S1516-18462008000300012.
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Há uma possibilidade da imprecisão temporal na percepção de fala ter uma intima relação com o desenvolvimento da audição e da fala disfluente, como apontam as pesquisas44. Arcuri CF, Schiefer AM, Azevedo MF. Research about suppression effect and auditory processing in individuals who stutter. CoDAS [journal on the internet]. 2017 [accessed on 2017 Dec 7]; 29(3):e20160230. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2317-17822017000300312&lng=en. Epub May 22, 2017. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016230.
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,55. Samelli AG, Schochat E. Processamento auditivo, resolução temporal e teste de detecção de gap: revisão da literatura. Rev. CEFAC [journal on the internet]. 2008 [accessed on 2017 Apr 29]; 10(3):369-77. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462008000300012&lng=en. https://doi.org/10.1590/S1516-18462008000300012.
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. Sendo assim, a avaliação do processamento auditivo central objetiva investigar um conjunto de habilidades auditivas específicas das quais o indivíduo depende para interpretar o que ouve, bem como os processos neuroaudiológicos (temporalidade dos sons, ritmo e prosódia), implicados no processamento da fluência na fala. Mediante essa avaliação torna-se possível identificar o Transtorno do Processamento Auditivo Central (TPAC), que ocorrerá quando há uma perda total ou parcial da função de análise das imagens auditivas66. Andrade AN, Gil D, Schiefer AM, Pereira LD. Processamento auditivo em gagos: análise do desempenho das orelhas direita e esquerda. Rev. soc. bras. fonoaudiol. [journal on the internet]. 2008 Mar [accessed on 2017 Mar 14]; 13(1):20-9. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-80342008000100006&lng=en. https://doi.org/ 10.1590/S1516-80342008000100006.
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7. Alvarez AMMA, Balen SA, Misorelli MIL, Sanchez ML. Processamento auditivo central: proposta de avaliação e diagnóstico diferencial. In: Munhoz MSL, Caovilla HH, Silva MLG, Ganança MM, editors. Audiologia clínica. São Paulo: Atheneu, 2000. v. 2. p. 103-20.
-88. Prestes R, Andrade AN, Santos RBF, Marangoni AT, Schiefer AM, Gil D. Temporal processing and long-latency auditory evoked potential in stutterers. Braz. j. otorhinolaryngol. [journal on the internet]. 2017 Apr [accessed on 2017 Dec 7]; 83(2):142-6. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-86942017000200142&lng=en. http://dx.doi.org/ 10.1016/j.bjorl.2016.02.015.
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O processamento auditivo temporal, portanto, possui como habilidades a integração, o mascaramento, a ordenação e a resolução temporal55. Samelli AG, Schochat E. Processamento auditivo, resolução temporal e teste de detecção de gap: revisão da literatura. Rev. CEFAC [journal on the internet]. 2008 [accessed on 2017 Apr 29]; 10(3):369-77. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462008000300012&lng=en. https://doi.org/10.1590/S1516-18462008000300012.
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,99. Mourão AM, Esteves CC, Labanca L, Lemos SMA. Desempenho de crianças e adolescentes em tarefas envolvendo habilidade auditiva de ordenação temporal simples. Rev. CEFAC [journal on the internet]. 2012 accessed on 2017 Dec 2]; 14(4):659-68. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462012000400009&lng=en. Epub Dec 13, 2011. https://doi.org/10.1590/S1516-18462011005000141.
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. É compreendido como sendo o processamento do sinal acústico em função do tempo de recepção, discriminação ou detecção dos estímulos apresentados numa rápida sucessão de tempo. É um dos mecanismos fisiológicos do processamento auditivo central, e está relacionado com a percepção de fala, levando em conta que as características das informações auditivas são influenciadas pelo tempo55. Samelli AG, Schochat E. Processamento auditivo, resolução temporal e teste de detecção de gap: revisão da literatura. Rev. CEFAC [journal on the internet]. 2008 [accessed on 2017 Apr 29]; 10(3):369-77. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462008000300012&lng=en. https://doi.org/10.1590/S1516-18462008000300012.
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,1010. Meyers SC, Hughes LF, Schoeny ZG. Temporal-phonemic processing skills in adult stutterers and nonstutterers. J Speech Hear Res. 1989;32(2):274-80..

A habilidade de integração resulta da somatória da atividade neuronal que ocasiona um aumento na energia do som, tanto na duração quanto na intensidade do estímulo. Já a habilidade de mascaramento temporal consiste na mudança da percepção de um som mediante a presença de outro estímulo auditivo subsequente. Porém, ainda não há ferramentas clínicas validadas que avaliem tais habilidades1111. Filippini R, Schochat E. A new paradigm for temporal masking assessment: pilot study. CoDAS [journal on the internet]. 2014 [accessed on 2017 Mar 25]; 26 (4):302-7. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2317-17822014000400302&lng=en. https://doi.org/10.1590/2317-1782/201420130044.
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. Por essa razão, não foram selecionadas para investigação no presente estudo.

Na habilidade de ordenação temporal, o processamento de estímulos auditivos se refere na sua respectiva ordem de ocorrência, o que possibilita ao ouvinte a capacidade de discriminar a sequência correta dos sons. Essa habilidade é frequentemente avaliada por meio de testes de padrão de frequência e duração, que são utilizados principalmente para análise dos aspectos prosódicos da fala, como ritmo, acentuação e entonação. Assim, a presença de dificuldades na habilidade de ordenação temporal pode colaborar para uma fala disfluente55. Samelli AG, Schochat E. Processamento auditivo, resolução temporal e teste de detecção de gap: revisão da literatura. Rev. CEFAC [journal on the internet]. 2008 [accessed on 2017 Apr 29]; 10(3):369-77. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462008000300012&lng=en. https://doi.org/10.1590/S1516-18462008000300012.
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,77. Alvarez AMMA, Balen SA, Misorelli MIL, Sanchez ML. Processamento auditivo central: proposta de avaliação e diagnóstico diferencial. In: Munhoz MSL, Caovilla HH, Silva MLG, Ganança MM, editors. Audiologia clínica. São Paulo: Atheneu, 2000. v. 2. p. 103-20.,1212. Balen SA, Bretzke L, Mottecy C, Liebel G, Boeno MRM, Gondim LMA. Temporal resolution in children: comparing normal hearing, conductive hearing loss and auditory processing disorder. Rev. Bras. Otorrinolaringol. [journal on the internet]. 2009 [accessed on 2017 Mar 27]; 75(1):123-9. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-72992009000100020&lng=en.
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Entretanto, a habilidade de resolução temporal é a responsável pela detecção de rápidas mudanças no estímulo sonoro, no menor intervalo de tempo necessário para discriminar entre dois estímulos acústicos. É considerada uma habilidade importante, necessária para o processamento auditivo acurado, percepção da fala e seu desenvolvimento, podendo ser avaliada por meio de testes de detecção de gap55. Samelli AG, Schochat E. Processamento auditivo, resolução temporal e teste de detecção de gap: revisão da literatura. Rev. CEFAC [journal on the internet]. 2008 [accessed on 2017 Apr 29]; 10(3):369-77. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462008000300012&lng=en. https://doi.org/10.1590/S1516-18462008000300012.
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,1212. Balen SA, Bretzke L, Mottecy C, Liebel G, Boeno MRM, Gondim LMA. Temporal resolution in children: comparing normal hearing, conductive hearing loss and auditory processing disorder. Rev. Bras. Otorrinolaringol. [journal on the internet]. 2009 [accessed on 2017 Mar 27]; 75(1):123-9. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-72992009000100020&lng=en.
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,1313. Zaidan E, Garcia AP, Tedesco ML, Baran JA. ADOLEC-Desempenho de adultos jovens normais em dois testes de resolução temporal. Pró-Fono R. Atual. Cientif. [journal on the internet]. 2008 [accessed on 2017 Apr 11]; 20(1):19-24. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-56872008000100004&lng=en. https://doi.org/10.1590/s0104-56872008000100004.
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Estudos vêm demonstrando uma íntima relação entre o processamento auditivo e a gagueira. Nos quais, o processamento auditivo central apresentou-se alterado em grande parte das pessoas que gaguejam em diversos grupos etários. Alguns resultados indicaram diferenças funcionais entre as regiões frontais e temporais do cérebro relacionadas com a percepção de fala, ressaltando o desequilíbrio presente na rede neural envolvida nas tarefas de percepção da fala22. Silva R, Oliveira CMC, Cardoso ACV. Aplicação dos testes de padrão temporal em crianças com gagueira desenvolvimental persistente. Rev. CEFAC [journal on the internet]. 2011 [accessed on 2017 Mar 14]; 13(5):902-8. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462011000500015&lng=en. Epub June 03, 2011. https://doi.org/10.1590/S1516-18462011005000045.
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,66. Andrade AN, Gil D, Schiefer AM, Pereira LD. Processamento auditivo em gagos: análise do desempenho das orelhas direita e esquerda. Rev. soc. bras. fonoaudiol. [journal on the internet]. 2008 Mar [accessed on 2017 Mar 14]; 13(1):20-9. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-80342008000100006&lng=en. https://doi.org/ 10.1590/S1516-80342008000100006.
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,99. Mourão AM, Esteves CC, Labanca L, Lemos SMA. Desempenho de crianças e adolescentes em tarefas envolvendo habilidade auditiva de ordenação temporal simples. Rev. CEFAC [journal on the internet]. 2012 accessed on 2017 Dec 2]; 14(4):659-68. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462012000400009&lng=en. Epub Dec 13, 2011. https://doi.org/10.1590/S1516-18462011005000141.
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,1010. Meyers SC, Hughes LF, Schoeny ZG. Temporal-phonemic processing skills in adult stutterers and nonstutterers. J Speech Hear Res. 1989;32(2):274-80.,1414. Gonçalves IC. Aspectos Audiológicos da gagueira: evidências comportamentais e eletrofisiológicas [Dissertação]. São Paulo (SP): Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2013.,1515. Bohnen AJ. Estudo das palavras gaguejadas por crianças e adultos: caracterizando a gagueira como um distúrbio de linguagem [Dissertação]. Porto Alegre (RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2009..

Sobre os aspectos estruturais e funcionais do cérebro de pessoas que gaguejam, os estudos com ressonância magnética funcional encontraram diferenças volumétricas e microestruturais nas regiões cerebrais associadas com a gagueira em toda a rede neural de processamento da fala, com déficit nas regiões e vias relacionadas principalmente com a parte motora da fala e a função auditiva1616. Beal DS, Gracco VL, Lafaille SJ, Luc F. Voxel-based morphometry of auditory and speech-related cortex in stutterers. NeuroReport. 2007;18(12):1257-60.

17. Chang SE, Erickson KI, Ambrose NG, Hasegawa-Johnson MA, Ludlow CL. Brain anatomy differences in childhood stuttering. Neuroimage. [journal on the internet]. 2008 [accessed on 2017 Apr 29]; 39(3):1333-44. Available at: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/ pii/S1053811907008944. https://doi.org/10.1016/j.neuroimage.2007.09.067.
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18. Kell CA, Neumann K, Von Kriegstein K, Posenenske C, Von Gudenberg AW, Euler H et al. How the brain repairs stuttering. Brain. 2009;132(10):2747-60.
-1919. Kikuchi Y, Ogata K, Umesaki T, Yoshiura T, Kenjo M, Hirano Y et al. Spatiotemporal signatures of an abnormal auditory system in stuttering. Neuroimage. [journal on the internet]. 2011[accessed on 2017 Mar 14]; 55(3):891-9. Available at: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21232617. https://doi.org/10.1016/j.neuroimage.2010.12.083.
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Diante do exposto, evidencia-se que alterações no processamento auditivo temporal, principalmente nas habilidades de ordenação e resolução temporal, podem também repercutir no desempenho da fluência na fala. Por isso, o presente estudo teve como objetivo investigar as habilidades de ordenação e resolução auditiva temporal em pessoas que gaguejam.

Métodos

O estudo se caracterizou como observacional, transversal e analítico com comparação entre grupos. Foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal da Paraíba, Brasil, sob o número 2.413.862. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A coleta dos dados ocorreu em novembro de 2016 a dezembro de 2017, na Clínica-Escola de Fonoaudiologia da Universidade Federal da Paraíba.

A amostra inicial total foi composta por 46 voluntários, de modo que 12 participantes foram excluídos por apresentar distúrbios de fala e/ou auditivo. Os participantes que compuseram a amostra foram separados em dois grupos: grupo estudo (G1), diagnosticados com gagueira antes de iniciar o processo terapêutico fonoaudiológico; e os indivíduos sem gagueira ou outro distúrbio de fala e/ou auditivo, que compuseram o grupo controle (G2). Para composição da amostra, os critérios de inclusão para o grupo estudo (G1) foram: apresentar limiares auditivos dentro da normalidade bilateralmente e curva timpanométrica tipo A; ter o diagnóstico fonoaudiológico de gagueira; e apresentar faixa etária entre 08 e 55 anos de idade. Para o grupo controle (G2), os critérios de inclusão foram: não apresentar qualquer distúrbio de fala ou linguagem; apresentar limiares auditivos dentro da normalidade bilateralmente e curva timpanométrica tipo A; não estar realizando nenhuma terapia fonoaudiológica; e apresentar idade 08 a 55 anos. Todos os participantes do G2 foram pareados por idade com o G1.

Excluídos do estudo, tanto para o G1 como para o G2, foram os participantes que não aceitaram participar voluntariamente da pesquisa, ou, no caso do público infantil, quando os pais e/ou responsáveis não autorizaram a participação da sua criança ou adolescente no estudo; além daqueles que evidenciaram dificuldades na compreensão dos testes apresentados, o que inviabilizou a sua realização, conforme está disposto na Figura 1.

A amostra final foi composta por 34 participantes, sendo 17 pacientes com gagueira, atendidos pelo projeto de extensão universitária da instituição (G1) e, 17 voluntários sem gagueira ou outro distúrbio de fala e/ou auditivo, universitários e crianças (G2). Para este grupo, a seleção da amostra se deu por conveniência.

Figura 1:
Organograma da população da pesquisa

Todos os participantes realizaram a anamnese de percepção auditiva proposto por Pereira & Schochat2020. Pereira LD, Schochat E. Testes auditivos comportamentais. In: Pereira LD, Schochat E, editors. Testes auditivos comportamentais para avaliação do processamento auditivo central. São Paulo: Pró-Fono. 2011. p.11-4., a imitanciometria e o exame de audiometria tonal e vocal. A anamnese era composta por questões relacionadas ao desempenho auditivo do participante e de como o mesmo se comportava frente à exposição ao ruído. A imitanciometria foi realizada com o intuito de investigar as condições da orelha média, verificando-se a complacência da membrana timpânica e os reflexos acústicos, contra e ipsilateralmente, por meio das frequências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz (contralateralmente) e 1000 e 2000 Hz (ipsilateralmente). Os participantes que obtiverem timpanograma tipo A foram considerados aptos para participarem do estudo.

A audiometria tonal e vocal foi realizada para pesquisar os limiares auditivos e também a inteligibilidade da fala. O teste foi realizado em cabine acústica e foram pesquisadas as frequências de 250, 500, 1000, 2000, 3000, 4000, 6000 e 8000Hz (para via aérea) e de 500, 1000, 2000, 3000 e 4000Hz (para via óssea), sendo esta última somente realizada se o indivíduo tivesse apresentado limiares auditivos maiores que 20 dBNA para via aérea.

Os voluntários que apresentaram audição simétrica e normal, com o Índice Perceptual de Reconhecimento de fala (IPRF) maior que 70%, e aceitaram participar, seguiram para o desfecho clínico da pesquisa que consistiu na avaliação das habilidades do processamento auditivo temporal. Para isso, fez-se uso da gravação de Auditec Saint Louis para realização dos seguintes testes: Gaps in Noise (GIN); Random Gap Detection Test (RGDT); Pitch Pattern Sequence (PPS); e Duration Pattern Sequence (DPS). Todos em cabine acústica, com aparelho de dois canais que permitia a realização eficaz de testes do processamento auditivo central, conectado a um aparelho iPod, da marca Apple.

O Teste Gaps in Noise (GIN) foi aplicado com o objetivo de analisar a habilidade auditiva de resolução temporal, por relacionar-se com o tempo mínimo requerido para segmentar ou resolver eventos acústicos2121. Weihing JA, Musiek FE, Shinn JB. The effect of presentation level on the Gaps-In-Noise (GIN) test. J Am Acad Audiol. 2007;18(2):141-50.. O mesmo se dá mediante a apresentação de estímulos distribuídos em quatro faixas-testes e uma faixa-treino, garantindo que o indivíduo compreenda a dinâmica de execução do teste. A tarefa consiste em apresentar segmentos de ruído branco com duração de seis segundos, intercalados com intervalos de silêncio (gaps) aleatórios. De maneira que os voluntários da pesquisa levantassem a mão quando ouvissem os intervalos de silêncio (gaps), cientes também de que esses intervalos iriam variar em duração. Considerou-se limiar de gap o menor percebido em pelo menos 67% das apresentações2222. Assis EF, Parreira LMMV, Lodi DF. Noise Test: GAP detection in children with phonological deviation. Rev. CEFAC [journal on the internet]. 2013 [accessed on 2017 Nov 23]; 15(1):79-88. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462013000100009&lng=en. Epub Apr 05, 2012. https://doi.org/10.1590/S1516-18462012005000029.
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No Random Gap Detection Test (RGDT) também objetivou avaliar a habilidade de resolução temporal de modo que o participante era orientado a identificar os pares de tons separados em intervalos que variavam aleatoriamente, de 0 a 40 ms. Os tons foram apresentados nas frequências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz, sendo cada uma destas compostas por nove apresentações de tons puros pareados, com estímulos apresentados a 50 dBNS. O indivíduo deveria indicar se estava ouvindo um ou dois tons. Considerou-se como padrão de normalidade para as crianças respostas iguais ou menores a 15ms, enquanto para os adultos, as respostas de normalidade precisavam apresentar-se iguais ou menores que 10 ms2323. Keith RW. Random gap detection test. St. Louis, MO: Auditec. 2000..

No teste Pitch Pattern Sequence (PPS), dedicado a investigar a habilidade de ordenação temporal, foram apresentados três tons sucessivos, de maneira que apenas um deles diferia em frequência dos outros dois tons. Nessa tarefa, o participante era solicitado a nomear e/ou imitar os sons apresentados em grave e agudo na respectiva sequência apresentada. Os resultados foram considerados dentro do padrão de normalidade quando a porcentagem de acertos estivesse maior ou igual a 76%2424. Musiek FE. Frequency (pitch) and duration pattern tests. J Am Acad Audiol. 1994;(5):265-8.. Para a apresentação dos três tons sucessivos fez-se uso da condição binaural, com um tom diferente em frequência (agudo - 1122Hz, grave - 880Hz), sendo possíveis seis combinações (AAG, GAG, GAA, AGA, AGG e GGA).

Já o teste Duration Pattern Sequence (DPS), também destinado a avaliação da habilidade de ordenação temporal, o voluntário deveria discriminar a sequência de três sons de 1000 Hz que diferenciavam em duas durações, dois sons curtos e um som longo, ou, dois sons longos e um som curto. Os estímulos de curta e longa duração tiveram, respectivamente, 250 ms e 500 ms, com apresentação de uma elevação ou um declínio da intensidade sonora de 10 ms. Essa tarefa foi constituída por seis padrões de sequências diferentes, repetidas dez vezes para gerar sessenta padrões. A percentagem de 70% foi considerada o valor mínimo para o padrão de normalidade do teste. Nesse teste, o participante era solicitado a responder verbalmente a sequência de duração dos sons (curto ou longo), ou, a imitar os tipos de sons apresentados. Visto que como não utiliza os estímulos da fala, pode ser aplicado nas alterações de linguagem2525. Nazaré CJ. Testes temporais para estudo do processamento auditivo central. [Thesis]. Porto (PT): Faculdade de Engenharia, Universidade do Porto; 2009..

Após a realização dos testes descritos acima e a investigação das habilidades auditivas selecionadas para avaliação neste estudo, realizaram a análise dos dados obtidos. Estes foram alocados em planilha digital para análise estatística descritiva por meio das medidas de frequência absoluta e relativa, média e desvio padrão e, inferencial, utilizando-se os seguintes testes: Kolmogorov-Smirnov, para verificar se os dados estavam distribuídos normalmente. Neste caso, apenas a variável Duration Pattern Sequence (DPS) não apresentou distribuição normal (p=0,02); o teste Qui-quadrado, para verificar associação entre os grupos e a presença de alteração; o teste t-Student, para análise de dados independentes e paramétricos, e o teste de Mann Whitney, para análise de dados não paramétricos, a fim de comparar as médias dos resultados dos testes de avaliação dos grupos caso e controle. Utilizou-se o software estatístico R, versão 2.11.0., bem como nível de significância igual a 5%.

Dos voluntários que participaram do estudo, 52,9% (n=18) eram do sexo masculino e 47,1% (n=16) do sexo feminino. Os participantes alocados no grupo estudo tinham idade média de 22,35 (± 10,48) anos e, os do grupo controle, uma idade média de 22,53 (±10,54) anos. Essas médias não apresentaram diferença estatística significante (p=0,961), confirmando a homogeneidade entre os grupos.

Resultados

A Tabela 1 apresenta dados sobre a avaliação das habilidades de resolução e ordenação temporal do processamento auditivo das pessoas que compuseram o grupo estudo e o grupo controle. Quando avaliada a habilidade auditiva de resolução temporal, por meio dos resultados do teste GIN, observa-se que 88,2% (n=15) das pessoas que gaguejam apresentaram resultados alterados. Nos demais testes, este fato se repetiu, visto que nas tarefas RGDT e PPS, 70,6% (n=12) do grupo estudo apresentou alteração de resolução e ordenação temporal, respectivamente. Já no teste DPS, para investigação da habilidade de ordenação temporal, a alteração ocorreu em 52,9% (n=9) dos participantes. Observou-se ainda que em todos os testes, os voluntários do grupo controle apresentaram resultados dentro dos padrões de normalidade.

Dessa forma, verificou-se que o fato de ter ou não gagueira pode estar associado à presença de alterações do processamento auditivo das habilidades de resolução e ordenação temporal, visto que houve diferença significante nos achados avaliativos dos grupos, quando comparados, para todos os testes realizados: GIN (p=0,048), RGDT (p=0,0001), PPS (p=0,0001) e DPS (p=0,001) (Tabela 1).

Tabela 1:
Avaliação das habilidades do processamento temporal de indivíduos com e sem diagnóstico de gagueira

Quando comparadas as médias dos percentuais de acertos obtidos nos dois grupos, observou-se diferença estatisticamente significante para os testes GIN (p=0,005), PPS (p=0,0001) e DPS (p=0,001), de maneira que as pessoas que gaguejam apresentaram sempre o índice de acerto inferior aos encontrados no grupo controle (Tabela 2).

Em relação ao tempo de resposta dos testes GIN e RGDT, as pessoas que gaguejam demoraram mais tempo para identificar os intervalos entre os sons, evidenciando média de 6,12 (±2,93) para o teste GIN e média 17,64 (±8,99) para o teste RGDT. Este último mostrou-se fora do padrão de normalidade. Neste caso, também foi observada diferença estatisticamente significante entre os tempos médios dos dois grupos na realização do teste de resolução (p=0,006) e ordenação temporal (p=0,0001), reiterando que pessoas que gaguejam apresentam maior suscetibilidade para apresentar alteração nessas habilidades do processamento auditivo temporal (Tabela 2).

Tabela 2:
Média do percentual de acertos e tempo de resposta em testes para avaliação de habilidades do processamento temporal de indivíduos com e sem diagnóstico de gagueira

Discussão

O presente estudo dedicou-se à investigação de como pessoas que gaguejam processam o sinal acústico em função do tempo. Conceber o parâmetro de tempo para além do domínio de produção da fala, e ampliar a visualização do seu espectro de alcance para a esfera da percepção e discriminação dos sons, aloca a fluência enquanto uma habilidade que, para a manutenção da sua sincronia, necessita transitar entre o input e o output comunicativo, em um fluxo bidirecional de informações2626. ALM PA. On the causal mechanisms of stuttering. Lund, Sweden: Lund University, 2005..

Sabe-se que o processamento temporal é a base e o mecanismo fisiológico do processamento auditivo central. Assim, é imprescindível a aplicação de testes envolvendo as habilidades temporais em indivíduos com queixas relacionadas à fluência de fala. A literatura aponta que as características das informações auditivas são influenciadas pelo tempo, estando relacionada com a percepção de fala. Além disso, afirma que a dificuldade no processamento auditivo central acarreta dificuldade na interpretação dos padrões sonoros e consequentemente ocasiona prejuízos na compreensão das informações e alterações no comportamento55. Samelli AG, Schochat E. Processamento auditivo, resolução temporal e teste de detecção de gap: revisão da literatura. Rev. CEFAC [journal on the internet]. 2008 [accessed on 2017 Apr 29]; 10(3):369-77. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462008000300012&lng=en. https://doi.org/10.1590/S1516-18462008000300012.
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,2727. Smith NA, Trainor LJ, Shore DI. The development of temporal resolution: between-channel gap detection in infants and adults. J Speech Lang Hear Res. 2006;49(5):1104-13.,2828. Galvão TF, Pansani TSA, Harrad D. Principais itens para relatar revisões sistemáticas e meta-análises: a recomendação PRISMA. Epidemiologia e Serviços de Saúde. [journal on the internet]. 2015 [accessed on 2017 Nov 23]; 24:335-42. Available at: https://www.scielosp.org/article/ress/2015.v24n2/335-342/pt/. https://doi.org/10.5123 /S1679-49742015000200017.
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Quando se tem a presença de um padrão neurofisiológico atípico que inviabiliza a harmonia necessária para o encadeamento das sequências sonoras na produção da fala, como observado em pessoas que gaguejam, faz-se necessário considerar que há uma implicação neural responsável por gerar não apenas uma fala disfluente, rompida, mas também a possibilidade de um processamento auditivo deficitário, em decorrência do compartilhamento de estruturas cerebrais envolvidas em ambas as funções1414. Gonçalves IC. Aspectos Audiológicos da gagueira: evidências comportamentais e eletrofisiológicas [Dissertação]. São Paulo (SP): Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2013..

A esse respeito, pesquisas apontam a região temporal anterior, que contém parte da comissura anterior, como sendo a responsável por conduzir as informações acústicas ou inibir os impulsos de um lobo temporal para o outro. E que uma lesão ou desordem nas vias auditivas centrais, e/ou no lobo temporal repercutirá nos processos de aprendizagem envolvidos na organização do sistema fonológico e na linguagem do indivíduo2929. Marcília LF. Fundamentos em Processamento Auditivo. Profala. [Homepage on the Internet]. 2016 [accessed on 2017 Apr 29]. Available at: http://www.profala.com/artaudio6.htm.
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30. Luria AR. El cérebro em accíon. In: Marcília LF, editor. Fundamentos em Processamento Auditivo. Profala. [journal on the internet]. 2016 [accessed on 2017 Apr 29]. Available at: http://www.profala.com/artaudio6.htm.
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-3131. Pickless IO. Physiology of the cerebral auditory system. In: Pinheiro ML, Musiek FE, editors. Assessment of central auditory dysfunction: Foundations and clinical correlates. Baltimore: Williams & Wilkins; 1985. p. 67-86..

Todas essas evidências de padrão neurofisiológico atípico que envolve audição e fluência também foram observadas a respeito do desempenho das habilidades auditivas em pessoas que gaguejam. De modo que apresentaram desempenhos inferiores nas habilidades do processamento temporal quando comparados com indivíduos sem alterações de fluência. A dificuldade de adquirir ou armazenar informações que se sucedem no tempo pode colaborar para a produção de uma fala disfluente, explicando o baixo desempenho de indivíduos com gagueira em testes que avaliam as habilidades de ordenação e resolução temporal77. Alvarez AMMA, Balen SA, Misorelli MIL, Sanchez ML. Processamento auditivo central: proposta de avaliação e diagnóstico diferencial. In: Munhoz MSL, Caovilla HH, Silva MLG, Ganança MM, editors. Audiologia clínica. São Paulo: Atheneu, 2000. v. 2. p. 103-20..

No presente estudo, a habilidade envolvida no processamento auditivo temporal que se mostrou com maior alteração foi a de resolução temporal. Sobre essa habilidade, a literatura descreve que ela nos permite detectar rápidas mudanças no estímulo sonoro ou o menor intervalo de tempo necessário para discriminar entre dois estímulos acústicos. Essa capacidade de detectar mudanças temporais muito rápidas de um som para o outro, permite discriminar os diferentes fonemas que constituem a fala. Levando-nos a discriminar as pequenas mudanças entre fonemas surdos e sonoros, por exemplo. Já que é baseada no comprimento do intervalo de silêncio entre a consoante e a vogal1212. Balen SA, Bretzke L, Mottecy C, Liebel G, Boeno MRM, Gondim LMA. Temporal resolution in children: comparing normal hearing, conductive hearing loss and auditory processing disorder. Rev. Bras. Otorrinolaringol. [journal on the internet]. 2009 [accessed on 2017 Mar 27]; 75(1):123-9. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-72992009000100020&lng=en.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,1313. Zaidan E, Garcia AP, Tedesco ML, Baran JA. ADOLEC-Desempenho de adultos jovens normais em dois testes de resolução temporal. Pró-Fono R. Atual. Cientif. [journal on the internet]. 2008 [accessed on 2017 Apr 11]; 20(1):19-24. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-56872008000100004&lng=en. https://doi.org/10.1590/s0104-56872008000100004.
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,2525. Nazaré CJ. Testes temporais para estudo do processamento auditivo central. [Thesis]. Porto (PT): Faculdade de Engenharia, Universidade do Porto; 2009.,3232. Samelli AG. O Teste GIN (Gap in noise): limiares de detecção de gap em adultos com audição normal [Dissertation]. São Paulo (SP): Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo; 2005..

Em contrapartida, a habilidade de ordenação temporal foi a mais avaliada do processamento temporal nos estudos encontrados no meio acadêmico. Essa habilidade refere ao processo de estímulos auditivos na sua ordem de acontecimento, tornando o individuo capaz de discriminar a correta ocorrência dos sons em relação a sua duração e frequência. Como também uma alteração no fluxo de informações entre a programação do planejamento motor da fala e a execução do movimento55. Samelli AG, Schochat E. Processamento auditivo, resolução temporal e teste de detecção de gap: revisão da literatura. Rev. CEFAC [journal on the internet]. 2008 [accessed on 2017 Apr 29]; 10(3):369-77. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462008000300012&lng=en. https://doi.org/10.1590/S1516-18462008000300012.
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,3333. Malta MM, Cardoso LO, Bastos FI, Magnanini MMF, Silva CMFP. Iniciativa STROBE: subsídios para a comunicação de estudos observacionais. Rev. Saúde Pública [journal on the internet]. 2010 [accessed on 2017 Nov 27]; 44(3):559-65. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102010000300021&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102010000300021.
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34. Martins JS, Pinheiro MMC, Blasi HF. A utilização de um software infantil na terapia fonoaudiológica de Distúrbio do Processamento Auditivo Central. Rev. soc. bras. fonoaudiol. [journal on the internet]. 2008 [accessed on 2017 Apr 29]; 13(4):398-404. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-80342008000400016&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342008000400016.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
-3535. Giraud AL, Neumann K, Bachoud-Levi AC, Von Gudenberg AW, Euler HA, Lanfermann H et al. Severity of dysfluency correlates with basal ganglia activity in persistent developmental stuttering. Brain. 2008;104(2):190-9. https://doi.org/10.1016/j.bandl.2007.04.005.
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.

Na prática clínica, dentre os testes que avaliam a resolução temporal, o RGDT é o mais utilizado talvez pelo fato de ser anterior e de execução mais rápida que o GIN. Apesar de estudos comprovarem algumas vantagens do teste GIN, em relação à sua aplicação e apuramento dos resultados, o que ficou claro no presente estudo1212. Balen SA, Bretzke L, Mottecy C, Liebel G, Boeno MRM, Gondim LMA. Temporal resolution in children: comparing normal hearing, conductive hearing loss and auditory processing disorder. Rev. Bras. Otorrinolaringol. [journal on the internet]. 2009 [accessed on 2017 Mar 27]; 75(1):123-9. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-72992009000100020&lng=en.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,1313. Zaidan E, Garcia AP, Tedesco ML, Baran JA. ADOLEC-Desempenho de adultos jovens normais em dois testes de resolução temporal. Pró-Fono R. Atual. Cientif. [journal on the internet]. 2008 [accessed on 2017 Apr 11]; 20(1):19-24. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-56872008000100004&lng=en. https://doi.org/10.1590/s0104-56872008000100004.
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,3636. Amaral MIR, Martins PMF, Colella-Santos MF. Temporal resolution: assessment procedures and parameters for school-aged children. Braz. j. otorhinolaryngol. [journal on the internet]. 2013 [accessed on 2017 Apr 11]; 79(3):317-24. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-86942013000300010&lng=en. http://dx.doi.org/10.5935/1808-8694.20130057.
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. Em outra pesquisa que comparou o desempenho de crianças e adultos em ambos os testes (RGDT e GIN), após a análise estatística comparativa, observaram que os limiares de detecção de gap no teste RGDT foram significantemente mais elevados do que os limiares no teste GIN, corroborando com os resultados obtidos neste estudo3737. Liporaci FD, Frota SMMC. Envelhecimento e ordenação auditiva temporal. Rev. CEFAC [journal on the internet]. 2010 [accessed on 2017 Dec 7]; 12(5):741-8. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462010000500004&lng=en. Epub em 30 de julho de 2010. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000078.
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No que se refere às diferenças dos gêneros e também ao comparar o desempenho de adultos com audição normal para os testes RGDT e GIN, o presente estudo não houve diferença significante. Em contrapartida, outros autores1313. Zaidan E, Garcia AP, Tedesco ML, Baran JA. ADOLEC-Desempenho de adultos jovens normais em dois testes de resolução temporal. Pró-Fono R. Atual. Cientif. [journal on the internet]. 2008 [accessed on 2017 Apr 11]; 20(1):19-24. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-56872008000100004&lng=en. https://doi.org/10.1590/s0104-56872008000100004.
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encontraram diferenças significantes entre os gêneros em ambos os testes, sendo que o gênero masculino obteve desempenho melhor tanto no RGDT quanto no GIN.

Uma suposição a ser levantada com relação ao teste RGDT resultarem limiares mais elevados quando comparados ao GIN na mesma amostra, é a de que os parâmetros do RGDT solicitam que o indivíduo realize uma ação mais complexa, envolvendo fusão auditiva e resolução temporal. Já o GIN pode ser considerado um teste apenas de resolução temporal. Uma vez que o RGDT necessita de uma reposta mais complexa cognitivamente, em que o indivíduo é orientado a dizer ou demonstrar gestualmente se percebeu um ou dois estímulos. Em contrapartida, o GIN necessita apenas de uma resposta simples e não verbal, em que o indivíduo precisa sinalizar só quando percebe a interrupção do estímulo3636. Amaral MIR, Martins PMF, Colella-Santos MF. Temporal resolution: assessment procedures and parameters for school-aged children. Braz. j. otorhinolaryngol. [journal on the internet]. 2013 [accessed on 2017 Apr 11]; 79(3):317-24. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-86942013000300010&lng=en. http://dx.doi.org/10.5935/1808-8694.20130057.
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Os testes aplicados na avaliação da habilidade de ordenação temporal, aqueles referentes ao processo de discriminação de estímulos auditivos apresentados em ordem de acontecimentos, requerem do indivíduo a capacidade de discriminar corretamente a sequência dos sons em relação a sua duração e frequência. A esse respeito, a resposta correta para esses testes exige uma memorização de curto prazo dos três tons ouvidos para posterior e breve evocação. Sabendo que a memória está presente no processamento auditivo, então, existe a hipótese de que alguns indivíduos podem ter piores respostas, não porque não consigam discriminar o tom, mas porque tenham dificuldade na memória. No qual, afirmam que a memória de curto prazo e a atenção deve estar envolvida no processo de ordenação temporal1111. Filippini R, Schochat E. A new paradigm for temporal masking assessment: pilot study. CoDAS [journal on the internet]. 2014 [accessed on 2017 Mar 25]; 26 (4):302-7. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2317-17822014000400302&lng=en. https://doi.org/10.1590/2317-1782/201420130044.
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,3737. Liporaci FD, Frota SMMC. Envelhecimento e ordenação auditiva temporal. Rev. CEFAC [journal on the internet]. 2010 [accessed on 2017 Dec 7]; 12(5):741-8. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462010000500004&lng=en. Epub em 30 de julho de 2010. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000078.
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A gagueira, com seu comprometimento rítmico e a alteração nos processos suprassegmentais da fluência da fala, pode estar diretamente interligada com o transtorno do processamento auditivo temporal encontrado no grupo estudo. A realização dos testes de resolução e ordenação temporal, para avaliar as habilidades do processamento auditivo, aplicados de forma combinada em uma mesma pesquisa, oferece a complementaridade investigativa que a gagueira requer, por se tratar de um distúrbio de natureza complexa que apresenta múltiplas interfaces com diversas habilidades e domínios cognitivos22. Silva R, Oliveira CMC, Cardoso ACV. Aplicação dos testes de padrão temporal em crianças com gagueira desenvolvimental persistente. Rev. CEFAC [journal on the internet]. 2011 [accessed on 2017 Mar 14]; 13(5):902-8. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462011000500015&lng=en. Epub June 03, 2011. https://doi.org/10.1590/S1516-18462011005000045.
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,66. Andrade AN, Gil D, Schiefer AM, Pereira LD. Processamento auditivo em gagos: análise do desempenho das orelhas direita e esquerda. Rev. soc. bras. fonoaudiol. [journal on the internet]. 2008 Mar [accessed on 2017 Mar 14]; 13(1):20-9. Available at: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-80342008000100006&lng=en. https://doi.org/ 10.1590/S1516-80342008000100006.
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Dessa forma, investigar a habilidade em detectar mudanças rápidas na ocorrência do estímulo sonoro (resolução temporal) e discriminar sequências de sons (ordenação temporal) tornam-se relevantes para o processo de cuidado fonoaudiológico de pessoas que gaguejam e que possuem outros transtornos da fluência também. Pois, identificar essas necessidades clínicas auxiliará tanto no processo diagnóstico e interventivo, quanto na análise prognóstica do caso.

Conclusão

Com base nos resultados deste estudo, observou-se alteração das habilidades de resolução e ordenação temporal nos indivíduos com gagueira, independentemente do gênero ou idade cronológica. Este estudo contribuiu para reforçar a importância da avaliação das habilidades do processamento auditivo temporal no processo de cuidado fonoaudiológico nos casos de alteração da fluência. Como também, a necessidade de incorporação na prática terapêutica de objetivos e estratégias que visem o treino dessas habilidades, com vistas à sua repercussão no desempenho comunicativo do paciente.

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2020
  • Aceito
    26 Fev 2021
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