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Análise da triagem auditiva de crianças expostas ao vírus Zika

RESUMO

Objetivo:

analisar os resultados dos exames de triagem auditiva neonatal de recém-nascidos sem e com microcefalia expostos ao vírus Zika, que não apresentaram outros indicadores de risco para deficiência auditiva e verificar a associação entre o resultado da triagem, as características da amostra e o trimestre gestacional em que ocorreu a exposição.

Métodos:

estudo descritivo de corte transversal. Fizeram parte do estudo sujeitos sem indicadores de risco para deficiência auditiva, com exceção da microcefalia, cujas mães apresentaram na gestação o exame RT-PCR positivo e sujeitos que tiveram o RT-PCR positivo, ao nascimento. Os exames de Emissões Otoacústicas Transientes e Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico foram aplicados, pela pesquisadora, entre março de 2016 e dezembro de 2017. O recém-nato foi considerado reprovado na triagem quando apresentou falha em pelo menos um reteste, em ao menos uma orelha. Os dados foram analisados de forma descritiva e utilizando-se o teste estatístico exato de Fisher, p valor menor ou igual a 0,05 foi considerado significante.

Resultados:

dos 45 sujeitos, 30 (66,7%) eram do sexo feminino, 6,7% apresentaram a probabilidade de alteração do tipo sensorioneural, com ou sem espectro da neuropatia auditiva e somente um dentre esses três sujeitos apresentou uma das orelhas com chance do espectro da neuropatia auditiva, isoladamente. A falha na triagem foi estatisticamente significativa, nos sujeitos que apresentavam pelo menos uma característica da Síndrome da Zika Congênita e nos sujeitos com calcificação subcortical com afilamento do córtex cerebral, atrofia coriorretiniana macular com moteado pigmentar focal e hipertonia com sintomas de envolvimento extrapiramidal. Houve associação do trimestre gestacional da exposição com o resultado de triagem.

Conclusão:

as respostas verificadas pela triagem apontam para a possibilidade de alteração auditiva em recém-nascidos sem e com microcefalia, onde a presença da microcefalia não foi significante para falha nos exames. A exposição no primeiro trimestre gestacional indicou uma possível relação com falhas na triagem.

Descritores:
Recém-Nascido; Perda Auditiva; Zika virus; Microcefalia; Anormalidades Congênitas

ABSTRACT

Purpose:

to analyze the results of neonatal hearing screening examinations in newborns with and without microcephaly, exposed to the Zika virus, without other risk indicators for hearing loss, and verify the association between screening results, sample characteristics, and the gestational trimester when exposure took place.

Methods:

a descriptive cross-sectional study. Subjects included in the study had no risk indicator for hearing loss other than microcephaly, and presented, along with their mothers, positive RT-PCR results, respectively at birth and during pregnancy. The transient evoked otoacoustic emission and brainstem auditory evoked potential examinations were applied by the researcher between March 2016 and December 2017. Newborns failed the screening when they failed at least one retest in at least one ear. The data were descriptively analyzed, using the Fisher exact test; p-values equal to or lower than 0.05 were considered significant.

Results:

out of the 45 subjects, 30 (66.7%) were females, 6.7% were likely to have sensorineural hearing loss, with or without auditory neuropathy spectrum disorder - which was possibly present in only one ear of one of these three subjects. Failure in the screening was statistically significant in subjects with at least one of the congenital Zika syndrome characteristics and subjects with subcortical calcification and brain cortex thinning, macular chorioretinal atrophy with focal pigmentary mottling, and hypertonia with symptoms of extrapyramidal involvement. The gestational trimester of exposure was associated with screening results.

Conclusion:

the responses in screening point to the possibility of hearing loss in newborns with and without microcephaly, whereas the presence of microcephaly was not significant to examination failures. Exposure in the first gestational trimester indicated a possible relationship with screening failures.

Keywords:
Newborn; Hearing Loss; Zika Virus; Microcephaly; Congenital Abnormalities

Introdução

Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde conduzida no Brasil, em 2013, 0,9% da população possuía deficiência auditiva causada por doença ou acidente, enquanto 0,2% da população apresentava a deficiência auditiva ao nascer11. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. [homepage on the internet]. PNS 2013: Em dois anos, mais da metade dos nascimentos ocorreram por cesariana. [accessed 2018 Aug 10]. Available at: https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo.html?busca=1&id=1&idnoticia=2965&t=pns-2013-dois-anos-mais-metade-nascimentos-ocorreram-cesariana&view=noticia. 2013.
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.

A deficiência auditiva pode ocasionar um prognóstico ruim, principalmente em relação ao desenvolvimento da linguagem e da comunicação oral na infância, porém, o diagnóstico e a intervenção precoce podem resultar em melhora significativa no que diz respeito ao contexto sociocognitivo da criança22. Sígolo C, Lacerda CBF. Da suspeita à intervenção em surdez: caracterização deste processo na região de Campinas/SP. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(1):32-7..

Sabe-se que o sistema nervoso central apresenta grande plasticidade, principalmente durante os primeiros seis meses de vida, e que a estimulação precoce possibilita o aumento das conexões nervosas e consequentemente melhor reabilitação das vias auditivas33. Yoshinaga-Itano C, Sedey AL, Coulter DK, Mehl AL. Language of early- and later-identified children with hearing loss. Pediatrics. 1998;102(5):1161-71.. Desta forma, crianças que recebem o diagnóstico de deficiência auditiva no primeiro semestre de vida e iniciam a reabilitação neste período, apresentam desenvolvimento cognitivo, de fala e de linguagem superior ao de crianças que passam por este processo mais tarde44. Bicas RdS, Guijo LM, Delgado-Pinheiro EMC. Oral communication and auditory skills of hearing impaired children and adolescents and the speech therapy rehabilitation process. Rev. CEFAC. 2017;19(4):465-74..

O diagnóstico precoce de deficiência auditiva torna-se possível quando a população tem acesso à Triagem Auditiva Neonatal (TAN). A TAN deve ocorrer preferencialmente entre 24 e 48 horas de vida na maternidade ou, no máximo, durante o primeiro mês de vida, exceto nos casos em que a saúde da criança não permita a realização dos exames de triagem55. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. [homepage on the internet]. Diretrizes de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal. 2012, 32p. [accessed 2018 Aug 10]. Available at: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_triagem_auditiva_neonatal.pdf.
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. A TAN tem o objetivo de promover o encaminhamento para o diagnóstico o mais precocemente possível, de modo que o diagnóstico funcional e a intervenção tenham início antes do sexto mês de vida do lactente, o que possibilita um melhor prognóstico55. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. [homepage on the internet]. Diretrizes de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal. 2012, 32p. [accessed 2018 Aug 10]. Available at: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_triagem_auditiva_neonatal.pdf.
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A TAN é composta por dois exames objetivos de rápida execução: as Emissões Otoacústicas Evocadas (EOAE) e o Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico no modo automático (PEATE-A). Porém, a definição para a aplicação de cada um dos exames depende da presença ou ausência de Indicadores de Risco para Deficiência Auditiva (IRDA) na população testada66. Lewis DR, MaroneI SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Multiprofessional committee on auditory health - COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(1):121-8..

Recomenda-se a aplicação do PEATE-A na presença de IRDA, visto que tais indicadores aumentam os riscos de alterações retrococleares, incluindo o Espectro da Neuropatia Auditiva (ENA). Essas alterações não podem ser registradas pelo exame das EOAE, pois este teste avalia a funcionalidade da via auditiva até a região da cóclea66. Lewis DR, MaroneI SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Multiprofessional committee on auditory health - COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(1):121-8..

Em 2015, o Brasil passou por uma epidemia do vírus Zika. Com isso, observou-se um aumento de casos de microcefalia nos filhos de mulheres acometidas pelo Zika durante a gestação. Nesses casos, o Ministério da Saúde enfatiza que o PEATE-A deve ser a primeira opção dentre os exames que compõem a TAN, pois se considera a microcefalia um indicador de risco para surdez66. Lewis DR, MaroneI SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Multiprofessional committee on auditory health - COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(1):121-8.

7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. [homepage on the internet]. Protocolo de atenção à saúde e resposta à ocorrência de microcefalia relacionada à infecção pelo vírus Zika. 2015. [accessed 2018 Aug 10]. Available at: http://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2015/12/PROTOCOLO-SAS-MICROCEFALIA-ZIKA-dez-15.pdf.
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-88. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. [homepage on the internet]. Protocolo de atenção à saúde e resposta à ocorrência de microcefalia. 2016. [accessed 2018 Set 19]. Available at: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2016/janeiro/22/microcefalia-protocolo-de-vigilancia-e-resposta-v1-3-22jan2016.pdf.
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Com o avanço das pesquisas sobre o impacto do vírus Zika na saúde auditiva dos recém-natos expostos à doença, houve um aumento dos estudos sobre a audição dos recém-nascidos com e sem a microcefalia. Entretanto, dois estudos descritos na literatura99. Fandino-Cardenas M, Idrovo AJ, Velandia R, Molina-Franky J, Alvarado-Socarras JL. Zika virus infection during pregnancy and sensorineural hearing loss among children at 3 and 24 months post-partum. J Trop Pediatr. 2019;65(4):328-35.,1010. Borja A, Loiola AG, Araújo RPC. Triagem auditiva em crianças expostas ao Zika vírus durante a gestação. Rev Ciênc Méd Biol. 2017;16(3):271-6. de sujeitos com e sem microcefalia não referiram ter excluído de suas amostras os lactentes com IRDA66. Lewis DR, MaroneI SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Multiprofessional committee on auditory health - COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(1):121-8. e outros dois trabalhos, somente com microcefálicos1111. Silva MFA, Araújo FCM. Triagem auditiva em crianças expostas ao vírus Zika. II Congresso Brasileiro de Ciências da Saúde. Paraíba: Editora Realize; 2017.,1212. Microcephaly Epidemic Research Group. Microcephaly in infants, Pernambuco State, Brazil, 2015. Emerg Infect Dis. 2016;22(6):1090-3., também não indicaram a retirada de sujeitos com IRDA66. Lewis DR, MaroneI SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Multiprofessional committee on auditory health - COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(1):121-8.. A não exclusão dos IRDA, nos estudos citados99. Fandino-Cardenas M, Idrovo AJ, Velandia R, Molina-Franky J, Alvarado-Socarras JL. Zika virus infection during pregnancy and sensorineural hearing loss among children at 3 and 24 months post-partum. J Trop Pediatr. 2019;65(4):328-35.

10. Borja A, Loiola AG, Araújo RPC. Triagem auditiva em crianças expostas ao Zika vírus durante a gestação. Rev Ciênc Méd Biol. 2017;16(3):271-6.

11. Silva MFA, Araújo FCM. Triagem auditiva em crianças expostas ao vírus Zika. II Congresso Brasileiro de Ciências da Saúde. Paraíba: Editora Realize; 2017.
-1212. Microcephaly Epidemic Research Group. Microcephaly in infants, Pernambuco State, Brazil, 2015. Emerg Infect Dis. 2016;22(6):1090-3., pode ter gerado viés nos resultados.

Diante tais constatações, o presente estudo tem como objetivo analisar as respostas auditivas de exames que compuseram a TAN, de recém-nascidos sem e com microcefalia expostos ao vírus Zika, que não apresentaram outros IRDA e verificar a associação entre o resultado da triagem, as características da amostra e o trimestre gestacional em que ocorreu a exposição.

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo de corte transversal realizado no setor de Fonoaudiologia Hospitalar do Instituto Fernandes Figueira - FIOCRUZ. O presente trabalho teve sua origem a partir da coorte “Exposição vertical ao vírus Zika e suas consequências para o neurodesenvolvimento infantil”; coorte do mesmo instituto.

Os responsáveis pelos participantes da pesquisa foram orientados, cientes e obrigatoriamente assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), na presença de uma testemunha independente. O TCLE foi previsto pela coorte e aprovado pelo CEP do Instituto Fernandes Figueira sob o número 526756616000005269.

Foram coletadas do prontuário e da anamnese realizada com o responsável as variáveis demográficas (data de nascimento e sexo) e os seguintes desfechos clínicos: RT-PCR da mãe e da criança, realizado no laboratório do Instituto Fernandes Figueira; trimestre gestacional da infecção, tendo como parâmetro o "rash” cutâneo88. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. [homepage on the internet]. Protocolo de atenção à saúde e resposta à ocorrência de microcefalia. 2016. [accessed 2018 Set 19]. Available at: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2016/janeiro/22/microcefalia-protocolo-de-vigilancia-e-resposta-v1-3-22jan2016.pdf.
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; a presença de IRDA1313. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. [homepage on the internet]. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção humanizada ao recém-nascido de baixo peso: Método Canguru: manual técnico. 2 ed. 2013, 204p. [accessed 2018 Aug 10]. Available at: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_recem_nascido_canguru.pdf.
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e as características da Síndrome da Zika Congênita (SZC)1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95..

Para caracterização da presença da SZC1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95. foram obtidos dados do banco de dados da coorte “Exposição vertical ao vírus Zika e suas consequências para o neurodesenvolvimento infantil” sobre: perímetro cefálico (PC), resultados dos exames oftalmológicos, neurológicos e dos exames de imagem disponíveis (ultrassonografia transfontanela, tomografia computadorizada, ressonância magnética). Tais critérios foram analisados por possibilitarem a identificação de alguns sinais gerais da síndrome, como: microcefalia severa (PC< -3SD) com colapso parcial do crânio; córtex cerebral fino com calcificações subcorticais; cicatrização macular e moteado pigmentar retiniano focal; contraturas congênitas e marcada hipertonia precoce com sintomas de envolvimento extrapiramidal1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95..

Para análise do tamanho do PC foi utilizado o gráfico Intergrowth 21 e foi considerada microcefalia da SZC quando a mesma se apresentou de forma severa, ou seja, PC < -3SD com colapso parcial do crânio1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95..

Foi utilizado o equipamento Madsen AccuScreen da marca GN Otometrics, para aplicar o exame de Emissões Otoacústicas Evocadas Transientes (EOAT) e o exame do Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico no modo automático (PEATE-A). O protocolo de TAN, EOAT e PEATE-A permite verificar o funcionamento de diferentes áreas da via auditiva66. Lewis DR, MaroneI SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Multiprofessional committee on auditory health - COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(1):121-8. e possibilita a comparação do resultado de dois exames.

Os exames que compuseram a TAN (EOAT e PEATE-A) foram aplicados pela fonoaudióloga responsável pela pesquisa entre os meses de março de 2016 e dezembro de 2017. Foram avaliados recém-natos e lactentes integrantes da coorte, nascidos ou não na maternidade deste instituto de pesquisa, com ou sem microcefalia, com suspeita de exposição ao vírus Zika. As avaliações iniciais foram realizadas majoritariamente no período de internação e as avaliações subsequentes foram realizadas a nível ambulatorial no próprio instituto de pesquisa, de acordo com os retornos previstos para as demais consultas relacionadas à coorte.

Para o exame de EOAT, foi aplicada a análise automática por estatística binomial das respostas, com estímulo clique não linear numa sequência com velocidade aproximada de 60Hz e intensidade de 70-84dBSPL (45-60 dBHL) com autocalibração, de acordo com o volume do canal auricular, faixa de frequência de 1,5 quilohertz (KHz) a 4,5KHz, taxa de amostragem de 16KHz, artefato menor que 20% e estabilidade da sonda superior a 80%1515. GN Otometrics. MADSEN AccuScreen Dispositivo de triagem OAE & ABR: manual do utilizador. 2015. [accessed 2018 Aug 10]. Available at: https://partners.natus.com/asset/resource/file/otometrics/asset/2018-09/7-50-0920-BR_11.PDF.
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. Para o sujeito ser considerado aprovado nas EOAT, é necessário o registro de pelo menos oito picos válidos em sentidos alternados, contados tanto acima quanto abaixo da linha mediana. Quando o registro se encontra abaixo de oito picos, considera-se que o sujeito reprovou no teste1515. GN Otometrics. MADSEN AccuScreen Dispositivo de triagem OAE & ABR: manual do utilizador. 2015. [accessed 2018 Aug 10]. Available at: https://partners.natus.com/asset/resource/file/otometrics/asset/2018-09/7-50-0920-BR_11.PDF.
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Em relação ao PEATE-A, após a verificação da impedância dos eletrodos foi realizada análise automática das respostas por meio da aplicação de estatística binomial, com estímulo clique na velocidade de aproximadamente 80Hz, intensidade de 35dBnHL, taxa de amostragem de 16KHz e largura da banda de entrada entre 70Hz e 4KHz. Um resultado de aprovação no PEATE-A indica a detecção de uma resposta auditiva do tronco encefálico para um estímulo de 35dBnHL, principalmente entre as frequências de 2KHz e 4KHz. A aprovação no exame assegura que uma perda de audição significante nestas frequências pode ser desconsiderada com 99,5% de certeza. O registro de reprovação significa que a resposta auditiva do tronco encefálico para o estímulo de 35dBnHL não foi detectada, principalmente entre as frequências de 2KHz e 4KHz1515. GN Otometrics. MADSEN AccuScreen Dispositivo de triagem OAE & ABR: manual do utilizador. 2015. [accessed 2018 Aug 10]. Available at: https://partners.natus.com/asset/resource/file/otometrics/asset/2018-09/7-50-0920-BR_11.PDF.
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Foi realizado o reteste das EOAT e do PEATE-A em caso de falha nestes55. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. [homepage on the internet]. Diretrizes de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal. 2012, 32p. [accessed 2018 Aug 10]. Available at: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_triagem_auditiva_neonatal.pdf.
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. Os retestes foram aplicados aproximadamente quinze dias após os testes.

Os lactentes que apresentavam a TAN alterada, ou seja, falhas em ao menos um dos exames no reteste eram encaminhados para avaliação diagnóstica otorrinolaringológica e audiológica66. Lewis DR, MaroneI SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Multiprofessional committee on auditory health - COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(1):121-8..

Os critérios de inclusão estabelecidos foram: ser filho de mulheres que apresentaram RT-PCR positivo durante a gestação, seja na amostra de sangue, da urina, do líquido amniótico ou placenta, e recém-natos ou lactentes que tiveram o exame laboratorial RT-PCR positivo no sangue, na urina ou líquido cefalorraquidiano, sendo que, em ambas as situações descritas, o único IRDA presente foi a microcefalia.

Foram excluídos do estudo sujeitos que não tiveram a TAN concluída, seja devido à evasão ou óbito, aqueles com RT-PCR negativo e cujas mães também tiveram o exame RT-PCR negativo ou que não tiveram o resultado do exame conhecido. Ainda, foram excluídos lactentes com IRDA, com exceção da microcefalia.

Os resultados das EOAT e do PEATE-A foram analisados separadamente e em conjunto. Considerou-se aprovado na triagem auditiva o recém-nascido/lactente que passasse em ambos os testes ou em ambos os retestes nas duas orelhas, e considerou-se reprovado o recém-nascido/lactente que obtivesse falha em pelo menos um reteste em ao menos uma orelha. Para os sujeitos que necessitaram de reteste, este foi considerado o resultado final, ou seja, o resultado que fez parte da análise do estudo.

A análise dos dados foi realizada por meio da análise descritiva dos dados e testes estatísticos, ambos realizados no software SPSS. O nível de significância adotado foi de 0,05.

Na análise descritiva, foram apresentadas as frequências relativas das categorias de variáveis do estudo. Em seguida, recorreu-se ao teste exato de Fisher para testar a associação das variáveis do estudo com os resultados da TAN. A hipótese nula desse teste é de que as variáveis não possuem associação estatística. Dessa forma, rejeita-se a hipótese nula e conclui-se que as variáveis foram significantemente associadas nos casos em que o p-valor foi menor que o nível de significância adotado.

Resultados

Foram avaliados ao todo 128 recém-natos e lactentes, sendo que destes, 83 foram excluídos do trabalho pelos seguintes motivos: 42 por evasão ou óbito, 29 em função do resultado negativo do exame laboratorial RT-PCR da mãe e do sujeito ou pelo desconhecimento do resultado do exame e 12 por apresentarem IRDA. Desse modo, a amostra do presente estudo foi composta por 45 sujeitos, sendo 30 (66,7%) do sexo feminino e 15 (33,3%) do sexo masculino.

Sobre os nascidos neste instituto (n= 25; 55,6%), o primeiro exame de TAN foi realizado entre as primeiras 24 horas de vida e trinta dias de vida na maioria dos sujeitos, com exceção de quatro indivíduos que tiveram sua primeira avaliação realizada entre o trigésimo e o sexagésimo dia de vida devido à condição grave de saúde. Com relação aos lactentes nascidos em outras maternidades do Rio de Janeiro (n=20; 44,4%), o primeiro exame de TAN foi realizado entre as 48 horas de vida e os noventa dias de vida, com exceção de um sujeito que foi avaliado aos cinco meses de vida devido às suas condições clínicas.

A mediana da idade do primeiro exame de triagem aplicado foi de 7 dias (IIQ 2-32 dias).

O Quadro 1 apresenta a distribuição da variável sexo, o número de recém-natos com e sem alguma característica da SZC1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95., e demonstra a presença dos cinco sintomas gerais da síndrome1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95. em relação aos resultados de TAN. Ainda, o quadro destaca as variáveis com maiores frequências de falha na TAN, na qual se constatou associação estatisticamente significante da falha na TAN com a presença de: pelo menos uma característica da SZC1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95., calcificação subcortical e afilamento do córtex cerebral, atrofia coriorretiniana macular e moteado pigmentar focal e hipertonia e sintomas de envolvimento extrapiramidal. Vale destacar no Quadro 1 que o resultado de falha na TAN e a ocorrência da microcefalia severa com colapso parcial do crânio, manifestação clínica da doença mais estudada dentre as características da SZC1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95., tendeu a significância, mas não foi evidenciada associação entre o resultado dessas variáveis (p-valor 0,059).

Quadro 1:
Características gerais da amostra (n=45) em relação ao resultado de Triagem Auditiva Neonatal

A característica da SZC1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95. mais frequente nesse estudo foi a hipertonia e sintomas de envolvimento extrapiramidal (n=12; 27%), seguida da calcificação subcortical e afilamento do córtex cerebral (n=11; 24%), da microcefalia severa (PC<-3SD) com colapso parcial do crânio (n=7; 16%), da atrofia coriorretiniana macular e moteado pigmentar focal (n=6; 13%) e, por fim, da contratura congênita presente em um lactente (2% da amostra).

O Quadro 2 descreve os resultados dos exames de EOAT e do PEATE-A isolados e em conjunto de acordo com a presença ou não da microcefalia severa (PC< -3SD) com colapso parcial do crânio1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95., em que a falha na TAN ocorreu em 6,7% da amostra do estudo (três lactentes). Destaca-se que, os indivíduos que falharam nas EOAT, foram os mesmos que falharam no PEATE-A.

Quadro 2:
Resultados dos exames de EOAT, PEATE-A, e EOAT + PEATE-A, de acordo com presença ou não da microcefalia da Síndrome da Zika Congênita

O Quadro 3 apresenta os resultados das EOAT, do PEATE-A, e EOAT+ PEATE-A dos três sujeitos que falharam na TAN (por orelha). Cada um deles apresentou quatro dentre as cinco características da SZC1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95..

O lactente 3, sem microcefalia, apresentou um maior número de orelhas com falhas nos exames que compuseram a TAN (EOAT e PEATE-A), do que os lactentes 1 e 2 que tinham a microcefalia (Quadro 3).

Quadro 3:
Resultados dos exames de EOAT, PEATE-A, e EOAT + PEATE-A, por orelha, dos lactentes que falharam na Triagem Auditiva Neonatal

Finalmente, os resultados apresentados no Quadro 4 demonstram associação do trimestre gestacional de exposição à doença, com o resultado de TAN.

Quadro 4:
Relação do trimestre gestacional em que ocorreu a exposição ao vírus Zika, com o resultado de Triagem Auditiva Neonatal

Discussão

O exame laboratorial RT-PCR é o exame preconizado pelo Ministério da Saúde para detectar o vírus Zika por ser considerado padrão ouro na identificação da doença1616. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. [homepage on the internet]. Protocolo de vigilância e resposta à ocorrência de microcefalia e/ou alterações do sistema nervoso central (SNC). 2016, 60p. [accessed 2018 Aug 10 2018]. Available at: http://combateaedes.saude.gov.br/images/sala-de-situacao/Microcefalia-Protocolo-de-vigilancia-e-resposta-10mar2016-18h.pdf.
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e, por essa razão, foi o exame laboratorial escolhido pelos pesquisadores da coorte do Instituto Fernandes Figueira, que originou o presente estudo.

Dentre os estudos compilados da literatura, destaca-se um estudo realizado em modelo animal que empregou o RT-PCR em 100% da sua amostra1717. Julander JG, Siddharthan V, Park AH, Preston E, Mathur P, Bertolio M et al. Consequences of in utero exposure to Zika virus in offspring of AG129 mice. Sci Rep. 2018;8(1):9384.. Também pode-se destacar outros estudos que examinaram parte de sua amostra por este método99. Fandino-Cardenas M, Idrovo AJ, Velandia R, Molina-Franky J, Alvarado-Socarras JL. Zika virus infection during pregnancy and sensorineural hearing loss among children at 3 and 24 months post-partum. J Trop Pediatr. 2019;65(4):328-35.,1818. Marques Abramov D, Saad T, Gomes-Junior SC, de Souza ESD, Araujo I, Lopes Moreira ME et al. Auditory brainstem function in microcephaly related to Zika virus infection. Neurology. 2018;90(7):e606-e14.. Três trabalhos utilizaram a sorologia ao invés do RT-PCR para confirmar a doença em suas amostras1111. Silva MFA, Araújo FCM. Triagem auditiva em crianças expostas ao vírus Zika. II Congresso Brasileiro de Ciências da Saúde. Paraíba: Editora Realize; 2017.,1919. Leal MC, Muniz LF, Caldas Neto SD, van der Linden V, Ramos RC. Sensorineural hearing loss in a case of congenital Zika virus. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;86(4):513-5.,2020. Leal MC, Muniz LF, Ferreira TSA, Santos CM, Almeida LC, Linden VVD et al. Hearing loss in infants with microcephaly and evidence of congenital Zika virus infection - Brazil, November 2015-May 2016. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(34):917-9. e dois outros trabalhos incluíram filhos de gestantes que apresentaram “rash”, porém sem a confirmação laboratorial da infecção pelo vírus1010. Borja A, Loiola AG, Araújo RPC. Triagem auditiva em crianças expostas ao Zika vírus durante a gestação. Rev Ciênc Méd Biol. 2017;16(3):271-6.,1212. Microcephaly Epidemic Research Group. Microcephaly in infants, Pernambuco State, Brazil, 2015. Emerg Infect Dis. 2016;22(6):1090-3..

No presente estudo, o uso do RT-PCR permitiu a inclusão de sujeitos assintomáticos e sintomáticos, ou seja, recém-nascidos ou lactentes sem as características clínicas da SZC1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95., assim como recém-natos e lactentes com as características da síndrome. Isso proporcionou um melhor entendimento da doença sobre os expostos e não somente sobre um determinado grupo com características clínicas específicas da síndrome.

Na amostra aqui estudada, a manifestação mais comum da síndrome foi a hipertonia e sintomas de envolvimento extrapiramidal, sendo a microcefalia a terceira característica mais comum dentre as cinco descritas por Moore et al. (2017)1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95.. Esse achado aponta para a necessidade do profissional de saúde ter um olhar clínico ampliado sobre todas as características da SZC, e não somente sobre a microcefalia.

Nenhum dos estudos encontrados na literatura descreveu resultados relacionados às características da SZC. Dois estudos apresentaram os resultados de avaliações auditivas de lactentes com e sem microcefalia99. Fandino-Cardenas M, Idrovo AJ, Velandia R, Molina-Franky J, Alvarado-Socarras JL. Zika virus infection during pregnancy and sensorineural hearing loss among children at 3 and 24 months post-partum. J Trop Pediatr. 2019;65(4):328-35.,1010. Borja A, Loiola AG, Araújo RPC. Triagem auditiva em crianças expostas ao Zika vírus durante a gestação. Rev Ciênc Méd Biol. 2017;16(3):271-6. e os demais estudos compilados da literatura foram direcionados ao impacto do vírus sobre a audição de sujeitos com microcefalia1111. Silva MFA, Araújo FCM. Triagem auditiva em crianças expostas ao vírus Zika. II Congresso Brasileiro de Ciências da Saúde. Paraíba: Editora Realize; 2017.,1212. Microcephaly Epidemic Research Group. Microcephaly in infants, Pernambuco State, Brazil, 2015. Emerg Infect Dis. 2016;22(6):1090-3.,1818. Marques Abramov D, Saad T, Gomes-Junior SC, de Souza ESD, Araujo I, Lopes Moreira ME et al. Auditory brainstem function in microcephaly related to Zika virus infection. Neurology. 2018;90(7):e606-e14.

19. Leal MC, Muniz LF, Caldas Neto SD, van der Linden V, Ramos RC. Sensorineural hearing loss in a case of congenital Zika virus. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;86(4):513-5.
-2020. Leal MC, Muniz LF, Ferreira TSA, Santos CM, Almeida LC, Linden VVD et al. Hearing loss in infants with microcephaly and evidence of congenital Zika virus infection - Brazil, November 2015-May 2016. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(34):917-9..

Sabe-se que a infecção pelo vírus Zika pode ocorrer e não apresentar sintomas no recém-nato2121. Brasil P, Pereira JP Jr., Moreira ME, Ribeiro Nogueira RM, Damasceno L, Wakimoto M et al. Zika virus infection in pregnant women in Rio de Janeiro. N Engl J Med. 2016;375(24):2321-34. ou manifestar até cinco características clínicas1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95.. Devido a isso, torna-se importante abordar todos os sujeitos expostos à doença e não somente os microcefálicos, assim como é necessário analisar todas as manifestações clínicas relacionadas à SZC e não somente a microcefalia. Dessa maneira, é possível conhecer melhor a amostra e estabelecer a relação das manifestações clínicas com os resultados dos exames auditivos.

A descrição e análise mais ampliada da amostra no presente estudo possibilitou verificar significância estatística entre a presença de, ao menos, uma característica da SZC1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95. com o resultado de falha na TAN. Ainda, pôde-se observar a significância de determinadas características da síndrome com a falha na TAN, tais como: calcificação subcortical e afilamento do córtex cerebral, atrofia coriorretiniana macular e moteado pigmentar focal, e a hipertonia e sintomas de envolvimento extrapiramidal.

Em relação à definição de microcefalia, tanto o presente estudo quanto outros trabalhos na literatura99. Fandino-Cardenas M, Idrovo AJ, Velandia R, Molina-Franky J, Alvarado-Socarras JL. Zika virus infection during pregnancy and sensorineural hearing loss among children at 3 and 24 months post-partum. J Trop Pediatr. 2019;65(4):328-35.,1212. Microcephaly Epidemic Research Group. Microcephaly in infants, Pernambuco State, Brazil, 2015. Emerg Infect Dis. 2016;22(6):1090-3.,1818. Marques Abramov D, Saad T, Gomes-Junior SC, de Souza ESD, Araujo I, Lopes Moreira ME et al. Auditory brainstem function in microcephaly related to Zika virus infection. Neurology. 2018;90(7):e606-e14.,1919. Leal MC, Muniz LF, Caldas Neto SD, van der Linden V, Ramos RC. Sensorineural hearing loss in a case of congenital Zika virus. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;86(4):513-5. utilizaram o conceito padrão para caracterização de microcefalia: PC <-2SD da média específica para sexo e idade gestacional2222. Pan American Health Organization (PAHO). Epidemiological alert: neurological syndrome, congenital malformations, and Zika virus infection. Implications for public health in the Americas. Washington D. C.: Pan American Health Organization; 2015.. Quanto ao grau da microcefalia, este trabalho e outros estudos publicados1212. Microcephaly Epidemic Research Group. Microcephaly in infants, Pernambuco State, Brazil, 2015. Emerg Infect Dis. 2016;22(6):1090-3.,1919. Leal MC, Muniz LF, Caldas Neto SD, van der Linden V, Ramos RC. Sensorineural hearing loss in a case of congenital Zika virus. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;86(4):513-5.,2020. Leal MC, Muniz LF, Ferreira TSA, Santos CM, Almeida LC, Linden VVD et al. Hearing loss in infants with microcephaly and evidence of congenital Zika virus infection - Brazil, November 2015-May 2016. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(34):917-9. distinguiram na metodologia a microcefalia (PC<-2SD) da microcefalia severa (PC <-3SD), ambos definidos a partir da média específica para sexo e idade gestacional2323. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. [homepage on the internet]. Orientações integradas de vigilância e atenção à saúde no âmbito da Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional: procedimentos para o monitoramento das alterações no crescimento e desenvolvimento a partir da gestação até a primeira infância, relacionadas à infecção pelo vírus Zika e outras etiologias infeciosas dentro da capacidade operacional do SUS. 2017, 158p. [accessed 2018 Aug 10]. Available at: http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2016/dezembro/12/orientacoes-integradas-vigilancia-atencao.pdf.
http://portalarquivos.saude.gov.br/image...
. Porém, outros estudos1010. Borja A, Loiola AG, Araújo RPC. Triagem auditiva em crianças expostas ao Zika vírus durante a gestação. Rev Ciênc Méd Biol. 2017;16(3):271-6.,1111. Silva MFA, Araújo FCM. Triagem auditiva em crianças expostas ao vírus Zika. II Congresso Brasileiro de Ciências da Saúde. Paraíba: Editora Realize; 2017.,1818. Marques Abramov D, Saad T, Gomes-Junior SC, de Souza ESD, Araujo I, Lopes Moreira ME et al. Auditory brainstem function in microcephaly related to Zika virus infection. Neurology. 2018;90(7):e606-e14. não fizeram essa diferenciação entre os graus da microcefalia e incluíram sujeitos com microcefalia em suas amostras. Essas diferenças metodológicas podem conduzir o pesquisador a resultados equivocados, visto que a microcefalia referida no estudo pode não ter a característica da microcefalia específica da SZC1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95.. Sendo assim, identificar os diferentes graus de microcefalia parece ser o melhor caminho para compreender o impacto da microcefalia específica da doença.

Em relação aos IRDA, dois estudos demonstraram a preocupação com a exclusão de sujeitos que apresentaram indicadores específicos, apesar de não terem retirado 100% dos IRDA1818. Marques Abramov D, Saad T, Gomes-Junior SC, de Souza ESD, Araujo I, Lopes Moreira ME et al. Auditory brainstem function in microcephaly related to Zika virus infection. Neurology. 2018;90(7):e606-e14.,2020. Leal MC, Muniz LF, Ferreira TSA, Santos CM, Almeida LC, Linden VVD et al. Hearing loss in infants with microcephaly and evidence of congenital Zika virus infection - Brazil, November 2015-May 2016. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(34):917-9., os demais trabalhos encontrados na literatura não excluíram os sujeitos que apresentaram IRDA99. Fandino-Cardenas M, Idrovo AJ, Velandia R, Molina-Franky J, Alvarado-Socarras JL. Zika virus infection during pregnancy and sensorineural hearing loss among children at 3 and 24 months post-partum. J Trop Pediatr. 2019;65(4):328-35.

10. Borja A, Loiola AG, Araújo RPC. Triagem auditiva em crianças expostas ao Zika vírus durante a gestação. Rev Ciênc Méd Biol. 2017;16(3):271-6.

11. Silva MFA, Araújo FCM. Triagem auditiva em crianças expostas ao vírus Zika. II Congresso Brasileiro de Ciências da Saúde. Paraíba: Editora Realize; 2017.
-1212. Microcephaly Epidemic Research Group. Microcephaly in infants, Pernambuco State, Brazil, 2015. Emerg Infect Dis. 2016;22(6):1090-3..

Tanto a confirmação da exposição ao vírus Zika pelo RT-PCR quanto a exclusão de todos os IRDA com exceção da microcefalia por ser objeto do estudo foram essenciais para afastar o viés de confundimento desta doença com outras possíveis causas de alteração auditiva, o que possibilitou a relação de potenciais falhas na TAN com a real exposição ao vírus Zika.

No presente trabalho foram encontradas falhas na TAN em três sujeitos (6,7%), destes indivíduos, dois apresentaram a microcefalia característica da SZC1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95.. Além disso, foi possível discriminar o resultado de cada exame isoladamente e em conjunto, de acordo com a presença ou não da microcefalia severa (PC< -3SD) com colapso parcial do crânio1414. Moore CA, Staples JE, Dobyns WB, Pessoa A, Ventura CV, Fonseca EB et al. Characterizing the pattern of anomalies in congenital Zika syndrome for pediatric clinicians. JAMA Pediatr. 2017;171(3):288-95..

Dois estudos encontrados na literatura avaliaram uma população mista, ou seja, sujeitos com e sem microcefalia99. Fandino-Cardenas M, Idrovo AJ, Velandia R, Molina-Franky J, Alvarado-Socarras JL. Zika virus infection during pregnancy and sensorineural hearing loss among children at 3 and 24 months post-partum. J Trop Pediatr. 2019;65(4):328-35.,1010. Borja A, Loiola AG, Araújo RPC. Triagem auditiva em crianças expostas ao Zika vírus durante a gestação. Rev Ciênc Méd Biol. 2017;16(3):271-6.. No primeiro99. Fandino-Cardenas M, Idrovo AJ, Velandia R, Molina-Franky J, Alvarado-Socarras JL. Zika virus infection during pregnancy and sensorineural hearing loss among children at 3 and 24 months post-partum. J Trop Pediatr. 2019;65(4):328-35., os autores não dividiram os sujeitos em dois grupos distintos e seus resultados não apontaram alterações auditivas. No segundo1010. Borja A, Loiola AG, Araújo RPC. Triagem auditiva em crianças expostas ao Zika vírus durante a gestação. Rev Ciênc Méd Biol. 2017;16(3):271-6., os autores não informaram se a falha nas EOAT (presente em 6,6% da amostra) ocorreu nos sujeitos com ou sem microcefalia.

A descrição isolada dos resultados de exames auditivos do grupo com e sem microcefalia é importante devido ao fato de que a microcefalia específica da SZC é o achado mais relevante entre os que comprometem o sistema nervoso central de fetos e recém-natos infectados pelo vírus Zika no início da gestação2424. Chimelli L, Avvad-Portari E. Congenital Zika virus infection: a neuropathological review. Childs Nerv Syst. 2018;34(1):95-9.. Porém, o presente estudo não evidenciou associação entre os resultados de TAN com a microcefalia.

O presente trabalho observou falha em três lactentes na análise dos resultados de TAN. Os dados encontrados convergem para a possibilidade de alteração do tipo sensorioneural, com ou sem o ENA nos lactentes 1 e 2 na orelha esquerda e no lactente 3 na orelha direita. Os achados apontam ainda uma provável presença isolada do ENA no lactente 3 na OE, visto que passou nas EOAT e falhou no PEATE-A, condição sugestiva desta patologia2525. Stewart DL, Mehl A, Hall 3rd JW, Thomson V, Carroll M, Hamlett J. Universal newborn hearing screening with automated auditory brainstem response: a multisite investigation. J Perinatol. 2000;20(8 Pt 2): S128-31..

Apesar do PEATE-A ser menos sensível para detectar alterações de orelha média quando comparado com as EOAT55. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. [homepage on the internet]. Diretrizes de Atenção da Triagem Auditiva Neonatal. 2012, 32p. [accessed 2018 Aug 10]. Available at: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_triagem_auditiva_neonatal.pdf.
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,66. Lewis DR, MaroneI SAM, Mendes BCA, Cruz OLM, Nóbrega M. Multiprofessional committee on auditory health - COMUSA. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(1):121-8., não foi possível descartar totalmente a influência de alterações de orelha média nos resultados dos lactentes 1 e 2, que apresentaram falha unilateral em ambos os testes em OE, visto que não foi realizada nem a otoscopia e nem a imitanciometria antes do reteste dos lactentes. Cabe ressaltar que o lactente 3 - que apresentou falha bilateral nas EOAT e no PEATE-A (com exceção das EOAT em OE) - apresentou otoscopia normal antes da realização do reteste. Portanto, neste lactente (sem microcefalia), existe a probabilidade dos exames que compuseram a TAN não terem sido influenciados por algum componente condutivo excluindo-se, principalmente, qualquer obstrução física no conduto auditivo externo.

Dentre os estudos apresentados, somente os estudos realizados em sujeitos com microcefalia comprovadamente expostos ao vírus Zika1919. Leal MC, Muniz LF, Caldas Neto SD, van der Linden V, Ramos RC. Sensorineural hearing loss in a case of congenital Zika virus. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;86(4):513-5.,2020. Leal MC, Muniz LF, Ferreira TSA, Santos CM, Almeida LC, Linden VVD et al. Hearing loss in infants with microcephaly and evidence of congenital Zika virus infection - Brazil, November 2015-May 2016. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(34):917-9. descreveram as alterações auditivas com relação à lateralidade. No estudo de um indivíduo com microcefalia severa, o diagnóstico foi de perda auditiva sensorioneural bilateral1919. Leal MC, Muniz LF, Caldas Neto SD, van der Linden V, Ramos RC. Sensorineural hearing loss in a case of congenital Zika virus. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;86(4):513-5. e no estudo com 69 sujeitos, quatro apresentaram o diagnóstico de perda auditiva sensorioneural, sendo que dois sujeitos com perda bilateral e os outros dois tiveram perda unilateral2020. Leal MC, Muniz LF, Ferreira TSA, Santos CM, Almeida LC, Linden VVD et al. Hearing loss in infants with microcephaly and evidence of congenital Zika virus infection - Brazil, November 2015-May 2016. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(34):917-9..

O estudo realizado por Leal et al. (2016)2020. Leal MC, Muniz LF, Ferreira TSA, Santos CM, Almeida LC, Linden VVD et al. Hearing loss in infants with microcephaly and evidence of congenital Zika virus infection - Brazil, November 2015-May 2016. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(34):917-9., em sujeitos com microcefalia, teve parte do resultado com valores próximos ao encontrado neste estudo, quando 5,8% da população recebe o diagnóstico de perda auditiva sensorioneural. Nesta pesquisa, 6,7% da amostra apresenta a possibilidade de ter este mesmo tipo de alteração auditiva. Os resultados diferenciam-se, quando é abordada a presença do ENA, sendo que, enquanto no presente estudo registra-se a possibilidade do ENA em um sujeito sem microcefalia, em Leal et al. (2016)2020. Leal MC, Muniz LF, Ferreira TSA, Santos CM, Almeida LC, Linden VVD et al. Hearing loss in infants with microcephaly and evidence of congenital Zika virus infection - Brazil, November 2015-May 2016. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(34):917-9. foi verificada, unicamente, a perda auditiva sensorioneural, que comprometeu a audição dos sujeitos que apresentaram a microcefalia severa.

Por outro lado, o trabalho realizado por Silva et al. (2017)1111. Silva MFA, Araújo FCM. Triagem auditiva em crianças expostas ao vírus Zika. II Congresso Brasileiro de Ciências da Saúde. Paraíba: Editora Realize; 2017. em sujeitos com microcefalia e com suspeita de exposição ao vírus Zika, a partir do sintoma clínico “rash” presente nas mães no período gestacional, demonstrou que os resultados dos exames de triagem (EOAT e PEATE-A) corroboram os desfechos encontrados no presente trabalho em relação à chance da amostra apresentar alterações sensorioneurais, assim como a respeito da possibilidade da presença do ENA.

Com relação ao ENA, Silva et al. (2017)1111. Silva MFA, Araújo FCM. Triagem auditiva em crianças expostas ao vírus Zika. II Congresso Brasileiro de Ciências da Saúde. Paraíba: Editora Realize; 2017. também encontraram o risco (4,2%) de um sujeito apresentar esta patologia, já que ele passou nas EOAT e falhou no PEATE, condição que sugere a presença do ENA2525. Stewart DL, Mehl A, Hall 3rd JW, Thomson V, Carroll M, Hamlett J. Universal newborn hearing screening with automated auditory brainstem response: a multisite investigation. J Perinatol. 2000;20(8 Pt 2): S128-31.. A respeito do número de falhas nos exames que compuseram a TAN, evidencia-se grande divergência entre os resultados dos estudos: enquanto registra-se, nesta pesquisa, 6,7% da amostra com falha em, ao menos, um dos dois testes de triagem, no estudo em questão1111. Silva MFA, Araújo FCM. Triagem auditiva em crianças expostas ao vírus Zika. II Congresso Brasileiro de Ciências da Saúde. Paraíba: Editora Realize; 2017., 79% dos avaliados falhou em, ao menos, um dos dois testes de triagem. Além disso, enquanto neste estudo não foi observada diferença entre as falhas nas EOAT e no PEATE-A, ou seja, 6,7% falharam nas EOAT e 6,7% falharam no PEATE-A, no estudo realizado por Silva et al. (2017)1111. Silva MFA, Araújo FCM. Triagem auditiva em crianças expostas ao vírus Zika. II Congresso Brasileiro de Ciências da Saúde. Paraíba: Editora Realize; 2017. as falhas nas EOAT alcançaram 75% e no PEATE-A chegaram a 29%.

Um trabalho1717. Julander JG, Siddharthan V, Park AH, Preston E, Mathur P, Bertolio M et al. Consequences of in utero exposure to Zika virus in offspring of AG129 mice. Sci Rep. 2018;8(1):9384., realizado em camundongos comprovadamente expostos ao vírus Zika no útero por meio do exame laboratorial RT-PCR, teve por objetivo verificar os potenciais de ação coletados nos promontórios por meio do PEATE (com “tone burst” nas frequências de 4 KHz, 6 KHz e 8 KHz, 85-95 dB, cliques e tone pip de 8 KHz) e estudar as cócleas dos ratos infectados e com perda auditiva por meio de análises histopatológicas e imunohistoquímica. Neste estudo os autores concluíram que a perda auditiva em alguns camundongos foi transitória, e em outros foi de longa duração. Isso sugere que a exposição ao vírus Zika durante o período fetal pode levar a perda auditiva crônica ou permanente. Ainda, o estudo observou que não houve diferença estatística significante no número de células ciliadas externas de ratos com perda auditiva profunda quando comparados com o grupo controle, o que indica que a perda auditiva associada à infecção pelo vírus Zika não parece envolver células ciliadas cocleares danificadas, visto que as cócleas dos ratos com perda auditiva profunda se encontravam íntegras. Tal situação não condiz com a definição de perda sensorioneural, que é caracterizada por comprometimento das células ciliadas externas (CCE), podendo atingir também o funcionamento das células ciliadas internas (CCI)2626. Padilha C, Garcia MV, Costa MJ. Diagnosing cochlear "dead" regions and its importance in the auditory rehabilitation process. Rev Bras Otorrinolaringol. 2007;73(4):556-61..

Em contrapartida, o presente trabalho demonstrou que 6,7% da amostra apresentou a possibilidade da presença de alteração do tipo sensorioneural com ou sem o ENA, ou seja, resultado sugestivo de comprometimento das células cocleares, já que as falhas ocorreram tanto no exame de EOAT, quanto no exame do PEATE-A. Entretanto, verificou-se a possibilidade da presença do ENA isolada na orelha esquerda do sujeito 3, o que se assemelha aos resultados encontrados no estudo de Julander et al. (2018)1717. Julander JG, Siddharthan V, Park AH, Preston E, Mathur P, Bertolio M et al. Consequences of in utero exposure to Zika virus in offspring of AG129 mice. Sci Rep. 2018;8(1):9384., visto que a perda auditiva profunda sem alteração de células ciliadas externas nos camundongos pode sugerir a presença do ENA.

Três estudos encontraram desfechos distintos dos descritos nestes resultados99. Fandino-Cardenas M, Idrovo AJ, Velandia R, Molina-Franky J, Alvarado-Socarras JL. Zika virus infection during pregnancy and sensorineural hearing loss among children at 3 and 24 months post-partum. J Trop Pediatr. 2019;65(4):328-35.,1010. Borja A, Loiola AG, Araújo RPC. Triagem auditiva em crianças expostas ao Zika vírus durante a gestação. Rev Ciênc Méd Biol. 2017;16(3):271-6.,1818. Marques Abramov D, Saad T, Gomes-Junior SC, de Souza ESD, Araujo I, Lopes Moreira ME et al. Auditory brainstem function in microcephaly related to Zika virus infection. Neurology. 2018;90(7):e606-e14.. No estudo realizado por Marques Abramov et al. (2018)1818. Marques Abramov D, Saad T, Gomes-Junior SC, de Souza ESD, Araujo I, Lopes Moreira ME et al. Auditory brainstem function in microcephaly related to Zika virus infection. Neurology. 2018;90(7):e606-e14., os resultados apontaram a favor da normalidade funcional do tronco encefálico. No trabalho de Fandino-Cardenas et al. (2018)99. Fandino-Cardenas M, Idrovo AJ, Velandia R, Molina-Franky J, Alvarado-Socarras JL. Zika virus infection during pregnancy and sensorineural hearing loss among children at 3 and 24 months post-partum. J Trop Pediatr. 2019;65(4):328-35., nenhum dos sujeitos avaliados apresentou alteração auditiva. E, por fim, o estudo descrito por Borja et al. (2017)1010. Borja A, Loiola AG, Araújo RPC. Triagem auditiva em crianças expostas ao Zika vírus durante a gestação. Rev Ciênc Méd Biol. 2017;16(3):271-6. concluiu que as falhas ocorridas nas EOAT poderiam ser consequência de problemas condutivos, apesar do estudo ter apresentado 6,6% de falha no exame de EOAT, percentual de falha próximo ao encontrado nesta pesquisa. Os autores1010. Borja A, Loiola AG, Araújo RPC. Triagem auditiva em crianças expostas ao Zika vírus durante a gestação. Rev Ciênc Méd Biol. 2017;16(3):271-6. descreveram que não foram realizados testes e nem procedimentos para descartar alterações na transmissão do som e que a condução nervosa registrou latências absolutas e intervalos interpicos adequados à idade, com nível de resposta e amplitude clara em 30 dBNA no PEATE clique.

A respeito do trimestre gestacional da exposição, destaca-se que a exposição ao vírus Zika adquirida no primeiro trimestre pode apresentar relação com a falha nos exames que compuseram a TAN.

Outros dois estudos também apontaram problemas auditivos nos filhos de gestantes que contraíram a doença no primeiro trimestre gestacional1919. Leal MC, Muniz LF, Caldas Neto SD, van der Linden V, Ramos RC. Sensorineural hearing loss in a case of congenital Zika virus. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;86(4):513-5.,2020. Leal MC, Muniz LF, Ferreira TSA, Santos CM, Almeida LC, Linden VVD et al. Hearing loss in infants with microcephaly and evidence of congenital Zika virus infection - Brazil, November 2015-May 2016. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(34):917-9.. Um destes estudos trata-se de um relato de caso a respeito de uma gestante que foi infectada no primeiro trimestre da gestação e o lactente recebeu o diagnóstico de perda auditiva sensorioneural bilateral de grau profundo1919. Leal MC, Muniz LF, Caldas Neto SD, van der Linden V, Ramos RC. Sensorineural hearing loss in a case of congenital Zika virus. Braz J Otorhinolaryngol. 2016;86(4):513-5.. Já o outro estudo2020. Leal MC, Muniz LF, Ferreira TSA, Santos CM, Almeida LC, Linden VVD et al. Hearing loss in infants with microcephaly and evidence of congenital Zika virus infection - Brazil, November 2015-May 2016. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(34):917-9. demonstrou que quatro entre cinco filhos de gestantes que apresentaram “rash” no primeiro trimestre da gestação receberam o diagnóstico de perda auditiva sensorioneural. Porém, apesar desta constatação, o estudo conclui que o trimestre em que as gestantes tiveram o “rash” não apresentou associação significante com o diagnóstico de perda auditiva sensorioneural.

A conclusão do estudo supracitado2020. Leal MC, Muniz LF, Ferreira TSA, Santos CM, Almeida LC, Linden VVD et al. Hearing loss in infants with microcephaly and evidence of congenital Zika virus infection - Brazil, November 2015-May 2016. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(34):917-9. difere da conclusão do trabalho aqui realizado, visto que foi encontrada associação significante entre o trimestre gestacional da exposição com os resultados de TAN, ou seja, a exposição ocorrida no primeiro trimestre gestacional - período em que a cóclea está em formação2727. Lewkowicz DJ. Review: perceptual development in human infants. Am J Psychol. 2000;113(3):488-500. - pode apresentar relação com falhas nos exames de EOAT e do PEATE-A.

Em contrapartida aos resultados apresentados acima, outro trabalho2828. Schuler-Faccini L, Ribeiro EM, Feitosa IML, Horovitz DDG, Cavalcanti DP, Pessoa A et al. Possible association between Zika virus infection and microcephaly - Brazil. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(3):59-62. descreve a possibilidade da infecção ocorrida pelo vírus Zika no terceiro trimestre gestacional causar problemas menos severos para o recém-nato. Dentre as menores deformidades citadas pelos autores, que ocorreram pela exposição à doença no final da gestação, está a surdez sensorioneural2828. Schuler-Faccini L, Ribeiro EM, Feitosa IML, Horovitz DDG, Cavalcanti DP, Pessoa A et al. Possible association between Zika virus infection and microcephaly - Brazil. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(3):59-62..

A não realização de otoscopia em todos os participantes e a não realização da imitanciometria foram algumas limitações do presente trabalho. Ainda, a não aplicação do exame PEATE de diagnóstico impossibilitou a visualização da funcionalidade da via auditiva e a determinação do limiar auditivo, entretanto, cabe ressaltar que a avaliação do PEATE de diagnóstico não fez parte da metodologia desse estudo.

Conclusão

Recém-nascidos com e sem microcefalia expostos ao vírus Zika e sem indicadores de risco para deficiência auditiva tiveram falhas nos exames de triagem auditiva neonatal, indicando a possibilidade de 6,7% da amostra desse estudo apresentar alteração auditiva. Ressalta-se que, apesar da microcefalia severa com colapso parcial do crânio ser a manifestação clínica da doença da Zika mais estudada dentre as características da Síndrome da Zika Congênita, não foi evidenciada associação entre o resultado de falhas na triagem auditiva e a ocorrência da microcefalia.

Com relação ao trimestre gestacional da exposição, foi encontrada associação dos resultados de triagem com o trimestre em que a gestante adquiriu a doença, indicando uma possível relação da falha nos exames de triagem com a contaminação pelo vírus Zika no primeiro trimestre gestacional.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2021
  • Aceito
    15 Mar 2022
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