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Processamento auditivo temporal e os traços distintivos de crianças com transtorno fonológico

RESUMO

Objetivo:

verificar se existe relação entre as habilidades de processamento auditivo temporal e os traços distintivos alterados nos casos de transtorno fonológico.

Métodos:

participaram da pesquisa 18 crianças com idades entre 6:0 e 8:0 anos, com diagnóstico de transtorno fonológico. Todas as crianças passaram por triagem fonoaudiológica, avaliação fonológica da criança e pela avaliação das habilidades de processamento temporal por meio dos testes GIN - Gap in Noise Test, TPF - Teste Padrão de Frequência e TPD - Teste Padrão de Duração. Foram comparados os números de fonemas e traços distintivos alterados, o nível em que se encontravam no Modelo Implicacional de Complexidade de Traços com os resultados dos testes GIN, TPF e TPD. O nível de significância adotado para todos os testes estatísticos foi de 5% (p<0,05).

Resultados:

em nenhuma comparação ou correlação houve significância estatística, porém os sujeitos avaliados apresentaram baixo desempenho nas tarefas de processamento auditivo temporal de acordo com os padrões normativos dos testes.

Conclusão:

na análise geral, não houve a relação entre as habilidades auditivas temporais e os traços distintivos na população avaliada, muito embora tenham apresentado dificuldades nas tarefas de processamento temporal.

Descritores:
Fala; Percepção da Fala; Percepção Auditiva

ABSTRACT

Purpose:

to assess whether there is a relationship between temporal auditory processing skills and altered distinctive features in cases of phonological disorder.

Methods:

18 children aged between 6 and 8 years, diagnosed with phonological disorders participated in the research. All children underwent speech-language screening, phonological assessment and the assessment of temporal processing skills through the GIN - Gap in Noise Test, TPF - Frequency Pattern Test and TPD - Duration Pattern Test. The numbers of altered phonemes and distinctive features and the level at which they were in the Implicational Model of Features Complexity were compared with those of the GIN, TPF and TPD tests. The significance level adopted for all statistical tests was 5% (p<0.05).

Results:

in no comparison and correlation was there statistical significance, but the subjects evaluated showed low performance in temporal auditory processing tasks, according to normative testing standards.

Conclusion:

in the general analysis, there was no relationship between temporal auditory skills and distinctive traits in the population assessed, even though they had difficulties in temporal auditory processing tasks.

Keywords:
Speech; Speech Perception; Auditory Perception

Introdução

Considerando o desenvolvimento normal da linguagem, é por meio da percepção dos sons da fala que a criança irá aprender as regras do sistema linguístico, ao qual está sendo exposta e, assim, organizar o sistema fonológico de sua língua11. Vilela N, Wertzner HF, Sanches SGG, Neves-Lobo IF, Carvallo RMM. Temporal processing in children with phonological disorders submitted to auditory training: a pilot study. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(1):42-8..

Quando não ocorre a correta apropriação desse sistema, o transtorno fonológico (TF) se estabelece. Esse consiste em uma característica do desenvolvimento que corresponde a uma dificuldade de fala caracterizada pelo uso inadequado dos sons contrastivos da língua, de acordo com a idade e com variações regionais22. Murphy CFB, Pagan-Neves LO, Wertzner HF, Schochat E. Children with speech sound disorder: comparing a non-linguistic auditory approach with a phonological intervention approach to improve phonological skills. Front Psychol. 2015;6:64.,33. Wertzner HF, Pulga MJ, Pagan-Neves LO. Metaphonological skills among children with speech sound disorder: the influence of age and disorder severity. Audiol Commun Res. 2014;19(3):243-51..

A produção de uma fala inteligível depende tanto das capacidades de programação e execução motora, como também da habilidade de processar os paradigmas do espectro acústico. Sendo assim, verifica-se a existência de uma estreita relação entre a percepção acústica temporal e a percepção da fala. Por esta razão, entende-se que as alterações no processamento auditivo central (PAC), e até mesmo o atraso nas etapas de maturação das habilidades auditivas, podem ser um fator preditivo dos transtornos no desenvolvimento da fala e da linguagem oral e escrita11. Vilela N, Wertzner HF, Sanches SGG, Neves-Lobo IF, Carvallo RMM. Temporal processing in children with phonological disorders submitted to auditory training: a pilot study. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(1):42-8.,44. Beattie RL, Manis FR. Rise time perception in children with reading and combined reading and language difficulties. J Learn Disabil. 2013;46(3):200-9.

5. Moraes TFD de, Feniman MR, Gonçalves T dos S, Crenitte PAP. Temporal processing, phonology and writing in lead-contaminated children. Rev. CEFAC. 2014;16(1):161-6.

6. Ramus F, Marshall CR, Rosen S, van der Lely HKJ. Phonological deficits in specific language impairment and developmental dyslexia: towards a multidimensional model. Brain. 2013;136(2):630-45.
-77. Sussman E, Steinschneider M, Lee W, Lawson K. Auditory scene analysis in school-aged children with developmental language disorders. Int J Psychophysiol. 2015;95(2):113-24..

No TF a produção de fala de cada criança, quando analisados os traços distintivos que compõem as dificuldades desta produção, pode evidenciar dificuldades maiores na decodificação espectral ou temporal dos sons. Nesse sentido, alguns estudos verificaram a importância de se avaliar a discriminação auditiva nos casos de TF, verificando a influência de todas as habilidades auditivas nos casos de transtornos fonológicos88. Boets B, Wouters J, Van Wieringen A, De Smedt B, Ghesquière P. Modelling relations between sensory processing, speech perception, orthographic and phonological ability, and literacy achievement. Brain Lang. 2008;106(1):29-40.,99. Cavalheiro LG, Brancalioni AR, Keske-Soares M. Prevalence of phonological disorders in children from Salvador, Bahia, Brazil. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(4):441-6.. Além disso, várias pesquisas já relacionaram o TF e o PAC, demonstrando, de forma geral, que crianças com TF possuem alterações nas habilidades auditivas44. Beattie RL, Manis FR. Rise time perception in children with reading and combined reading and language difficulties. J Learn Disabil. 2013;46(3):200-9.

5. Moraes TFD de, Feniman MR, Gonçalves T dos S, Crenitte PAP. Temporal processing, phonology and writing in lead-contaminated children. Rev. CEFAC. 2014;16(1):161-6.

6. Ramus F, Marshall CR, Rosen S, van der Lely HKJ. Phonological deficits in specific language impairment and developmental dyslexia: towards a multidimensional model. Brain. 2013;136(2):630-45.
-77. Sussman E, Steinschneider M, Lee W, Lawson K. Auditory scene analysis in school-aged children with developmental language disorders. Int J Psychophysiol. 2015;95(2):113-24.,1010. Quintas VG, Attoni TM, Keske-Soares M, Mezzomo CL. O processamento auditivo e a combinação de traços distintivos na aquisição de fala em crianças com desvios fonológicos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):167-73.

11. Muniz LF, Roazzi A, Schochat E, Teixeira CF, Lucena JA de. Avaliação da habilidade de resolução temporal, com uso do tom puro, em crianças com e sem desvio fonológico. Rev. CEFAC. 2007;9(4):550-62.

12. Quintas VG. A relação das habilidades do processamento auditivo com a consciência fonológica e com o desenvolvimento da fala. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(2):310.

13. Quintas VG, Attoni TM, Keske-Soares M, Mezzomo CL. Auditory processing in children with normal and disordered speech. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(6):718-22.
-1414. Santos J dos, Parreira L, Leite R. Habilidades de ordenação e resolução temporal em crianças com desvio fonológico. Rev. CEFAC. 2010;12(3):371-6..

Dentre as habilidades alteradas, percebem-se investigações nas habilidades de processamento auditivo temporal11. Vilela N, Wertzner HF, Sanches SGG, Neves-Lobo IF, Carvallo RMM. Temporal processing in children with phonological disorders submitted to auditory training: a pilot study. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(1):42-8.,66. Ramus F, Marshall CR, Rosen S, van der Lely HKJ. Phonological deficits in specific language impairment and developmental dyslexia: towards a multidimensional model. Brain. 2013;136(2):630-45.,77. Sussman E, Steinschneider M, Lee W, Lawson K. Auditory scene analysis in school-aged children with developmental language disorders. Int J Psychophysiol. 2015;95(2):113-24.,1515. Assis EF, Parreira LMMV, Lodi DF. Noise test: Gap detection in children with phonological deviation. Rev. CEFAC. 2013;15(1):79-88.

16. Vanvooren S, Poelmans H, Hofmann M, Ghesquière P, Wouters J. Hemispheric asymmetry in auditory processing of speech envelope modulations in prereading children. J Neurosci. 2014;34(4):1523-9.
-1717. Yathiraj A, Vanaja CS. Age related changes in auditory processes in children aged 6 to 10 years. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2015;79(8):1224-34.. Uma possível justificativa para a implicação desta habilidade na produção da fala é que a resolução temporal é a habilidade que contribui para a detecção de pequenas variações acústicas no tempo. Desta forma, ela é fundamental na detecção e reconhecimento auditivo de todos os elementos sonoros, constituindo um pré-requisito para as habilidades linguísticas. Essa afirmação se justifica, pois, para discriminar e produzir corretamente os fonemas, é necessário saber identificar e discriminar pequenas mudanças acústicas, como a percepção de intervalos sonoros, mudanças sutis de duração e frequência. Considera-se que déficits na habilidade auditiva temporal geram dificuldades na discriminação sonora, sendo já verificada esta dificuldade em crianças com TF11. Vilela N, Wertzner HF, Sanches SGG, Neves-Lobo IF, Carvallo RMM. Temporal processing in children with phonological disorders submitted to auditory training: a pilot study. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(1):42-8.,1313. Quintas VG, Attoni TM, Keske-Soares M, Mezzomo CL. Auditory processing in children with normal and disordered speech. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(6):718-22.,1515. Assis EF, Parreira LMMV, Lodi DF. Noise test: Gap detection in children with phonological deviation. Rev. CEFAC. 2013;15(1):79-88..

Apesar de alguns estudos sinalizarem a importância do processamento temporal para a aquisição fonológica, na maioria deles as habilidades de processamento temporal (resolução temporal e ordenação temporal) foram investigadas utilizando apenas um teste para avaliar somente uma dessas habilidades, ou seja, fizeram uso do teste que avalia a percepção de gap temporal ou do teste que avalia ordenação temporal, por meio dos testes de padrões de frequência ou de duração ou avaliação simplificada do processamento auditivo central. Entretanto, nesse estudo foram utilizados um teste para avaliar resolução temporal e outro teste para avaliar ordenação temporal, possibilitando, assim, uma análise completa do processamento auditivo temporal.

Com base nesses dados, observa-se a importância de verificar se existe relação entre as habilidades auditivas de processamento temporal, tanto de resolução temporal quanto de ordenação temporal, com os traços distintivos alterados nos casos de TF, sendo este o objetivo do presente estudo.

Métodos

Esta pesquisa foi desenvolvida como parte de um projeto maior intitulado: “O estudo de diferentes habilidades perceptivas em crianças com desenvolvimento típico e atípico da fala”. Este estudo caracteriza-se por ser transversal e quantitativo. A pesquisa foi desenvolvida na clínica escola do curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), conforme normas regulamentadas pela Resolução 196/1996 (BRASIL Resolução MS/CNS/CNEP nº.466/2012), passou por Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) da UFSM, Brasil, sendo seu número de registro 046/2011 e CAAE 0202.0.243.000-11.

Os participantes foram selecionados por meio de uma triagem fonoaudiológica, realizada em duas escolas de um município da região sul do Brasil. Também foram eleitos sujeitos por meio da análise das triagens realizadas na Prática Clínica de Fonoaudiologia e Saúde Coletiva I e II, os quais são atendidos pelos acadêmicos do quarto ano do curso de Fonoaudiologia da instituição de origem em que o estudo foi realizado.

Para as crianças serem incluídas na amostra, foram observados os seguintes critérios de inclusão: terem idade entre 6:0 e 8:0; serem falantes monolíngues do português brasileiro; serem destras; apresentarem diagnóstico de transtorno fonológico; apresentarem limiares auditivos melhores do que 15 dBNA bilateralmente de 250 a 8000 Hz; pais ou responsáveis assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); e as próprias crianças assentirem sua participação. Como critérios de exclusão, foram considerados os aspectos expostos a seguir: ter recebido ou estar recebendo terapia fonoaudiológica; apresentar dificuldade de concentração; ser praticante de atividades com instrumentos musicais; apresentar outras alterações fonoaudiológicas que interferissem na produção da fala, tais como, alterações de voz, motricidade orofacial, audição, de outros níveis da linguagem, além do componente fonológico, e apresentar alterações neurológicas, cognitivas ou psicológicas evidentes.

Assim, para a seleção da amostra, foi realizada uma entrevista inicial com os pais ou responsáveis, triagem fonoaudiológica e avaliação fonológica. Na entrevista inicial, foram investigados dados sobre a gestação e o parto, o desenvolvimento motor e linguístico, amamentação e alimentação atual, aspectos relacionados à sociabilidade, sono, saúde geral e escolarização.

Na triagem fonoaudiológica foram observados aspectos do sistema estomatognático - por meio da aplicação do protocolo MBGR (Marchesan, Berretin-Felix, Genaro, Rehder)1818. Genaro KF, Berretin-Felix G, Rehder MIBC, Marchesan IQ. Avaliação miofuncional orofacial: protocolo MBGR. Rev. CEFAC. 2009;11(2):237-55., no qual são observados aspecto, postura, tensão muscular e mobilidade dos órgãos fonoarticulatórios e suas funções - respiração, fonoarticulação, mastigação e deglutição. Também foram analisados aspectos de linguagem, por meio da fala espontânea obtida na descrição de uma sequência lógica; da voz, por meio da escala de avaliação perceptiva da fonte glótica - RASATI (Rouquidão, Aspereza, Soprosidade, Astenia, Tensão, Instabilidade)1919. Pinho S, Korn GP, Pontes P. Desvendando os segredos da voz. Músculos intrínsecos da laringe e dinâmica vocal. 1ª ed. Vol. 1. Editora Revinter: Rio de Janeiro; 2008.; e de audição, mediante avaliação auditiva realizada no Laboratório de Audiologia da IES (Instituição de Ensino Superior).

Para realizar a avaliação auditiva, de acordo com a norma ANSI S3.21-19782020. Katz J. Tratado de Audiologia Clínica. 4º ed. Editora Manole: São Paulo; 1999., foi utilizado o audiômetro Fonix, modelo FA-12 e tipo I, devidamente calibrado. Primeiramente, foi realizada a inspeção do meato acústico externo de ambas as orelhas, com o auxílio de um otoscópio, a fim de se verificar acúmulo de cerúmen ou presença de objetos estranhos na região. Após, foi realizada a avaliação audiológica propriamente dita, sendo pesquisados os limiares auditivos, de via aérea, entre as frequências de 250 e 8000 Hz, sendo considerados normais limiares de até 15 dBNA para cada frequência testada. Ressaltando que nenhum sujeito apresentou problemas condutivos, todos tinham simetria2121. AMERICAN SPEECH-LANGUAGE ASSOCIATION (ASHA) [homepage on the internet]. Configuration of Hearing Loss. [accessed 2022 Dec 19] 2015. Available at: https://www.asha.org/public/hearing/Configuration-of-Hearing-Loss/
https://www.asha.org/public/hearing/Conf...
entre as orelhas em termos de acuidade auditiva e era a primeira vez que realizavam avaliação de PAC.

A avaliação do sistema fonético e fonológico das crianças visou identificar os casos de transtorno fonológico e foi realizada por meio do instrumento Avaliação Fonológica da Criança (AFC). Para tal, foi solicitado que a criança nomeasse espontaneamente os itens contidos nas cinco figuras do instrumento e esta amostra de fala foi gravada. Após a transcrição fonética, foi realizada a análise contrastiva, a fim de se estabelecer os sistemas fonético e fonológico. Esse instrumento foi utilizado também com a finalidade de se calcular o grau de gravidade do transtorno fonológico e para que se realizasse a análise de traços distintivos e inventário fonético-fonológico, observados nos casos de alteração de fala.

Quando necessários, foram realizados exames complementares, como: avaliação otorrinolaringológica, neurológica e psicológica, para confirmar a exclusão ou inclusão do sujeito na pesquisa.

Assim, após as avaliações, a amostra da pesquisa constou de 18 sujeitos com idades entre 6:0 e 8:0, com diagnóstico de transtorno fonológico. Com esses sujeitos foi realizada a análise dos sistemas fonético-fonológico, com base nos resultados do instrumento AFC previamente aplicado. Foi descrito o inventário fonológico pela verificação dos fonemas adquiridos (produção correta igual ou superior a 80%), parcialmente adquiridos (40% a 79% de produção) e não adquiridos (igual ou inferior a 39% de produção)2222. Bernhardt B. The application of nonlinear phonological theory to intervention with one phonologically disordered child. Clin Linguist Phon. 1992;6(4):283-316..

Foi realizada, adicionalmente, a análise por meio do Modelo Implicacional de Complexidade de Traços - MICT2323. Mota HB. Aquisição segmental do português: um modelo implicacional de complexidade de traços [dissertation]. Porto Alegre (RS): Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 1996., modificado2424. Rangel GA. Uma análise auto-segmental da fonologia normal: estudo longitudinal de 3 crianças de 1:6 a 3:0 [thesis]. Porto Alegre (RS): Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 1998. conforme a Figura 1. Os traços distintivos ou as combinações de traços distintivos que compõem os fonemas considerados ausentes ou parcialmente adquiridos foram identificados na análise de traços distintivos. O MICT representa a relação de implicação entre os traços distintivos, formando caminhos a serem percorridos durante a aquisição fonológica. As linhas desenhadas no modelo representam os caminhos, estabelecendo a relação de implicação entre os traços distintivos (a presença de um traço em um nível mais baixo/marcados/complexo implica a presença de outro traço em um nível mais alto/não marcados/menos complexo). As linhas contínuas estabelecem relações mais fortes, enquanto as linhas pontilhadas denotam relações mais fracas.

A autora2323. Mota HB. Aquisição segmental do português: um modelo implicacional de complexidade de traços [dissertation]. Porto Alegre (RS): Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 1996. desse modelo refere que, durante o processo de aquisição, a criança apresenta uma estrutura representacional básica (traços distintivos não-marcados) e, à medida em que a aquisição ocorre, o input e as próprias capacidades cognitivas e articulatórias influenciarão as especificações de outros traços distintivos (traços distintivos marcados) que não estavam presentes na representação básica inicial. Porém, o aumento da complexidade não ocorre da mesma forma para todas as crianças, pois elas não seguem a mesma rota de aquisição, podem percorrer diferentes caminhos para atingir o alvo adulto.

Dessa forma, foi possível perceber os caminhos já percorridos por cada sujeito no MICT modificado e em qual nível máximo de desenvolvimento cada sujeito se encontrava. Para tanto, foram utilizadas as porcentagens de alterações dos traços distintivos ou combinações de traços distintivos de acordo com as possibilidades de cada nível de complexidade, considerando o número total de ocorrência de cada fonema e seu nível correspondente na avaliação de cada criança.

Para análise do MICT, optou-se por categorizar os sujeitos em três níveis, pois, dos dezoito sujeitos avaliados, todos se concentraram em quatro níveis do MICT, sendo assim, os níveis ficaram categorizados em nível 5 mais o nível 7 (N5 + N7), nível 8 (N8) e nível 9 (N9).

Figura 1:
Modelo Implicacional de Complexidade de Traços com alterações propostas por Rangel (1998)

Foram aplicados, na avaliação do processamento auditivo temporal, os testes de padrão de duração e de padrão de frequência2525. AUDITEC. Pitch Pattern Sequence - PPS and Duration Pattern Sequence - DPS [CD-ROOM]. AUDITEC's Tests; 1997. e o teste Gap in Noise (GIN)2626. AUDITEC. Gap-in-noise test [CD-ROM]. AUDITEC's Tests; 2015.. Os testes de PAC foram realizados no Setor de Audiologia do Serviço de Atendimento Fonoaudiológico (SAF) da instituição de origem, em cabina acústica, por meio dos seguintes materiais: audiômetro digital de dois canais da marca Fonix, modelo FA-12 e tipo I; fones auriculares da marca Telephonics, modelo TDH-39P e coxim MX-41 e CD-player da marca Sony, modelo D-11, acoplado ao audiômetro.

Na aplicação de todos os testes de processamento auditivo temporal, foi utilizada a média tritonal das frequências de 500, 1000 e 2000 Hz, baseada nos valores encontrados na audiometria tonal de cada criança por orelha. Tal média foi somada a 50 dB NA. Os testes TPF e TPD foram aplicados de forma binaural e o teste GIN no modo monoaural.

O Teste de Padrões de Frequência - TPF (PPS - Pitch Patern Sequence - versão americana) utilizado neste estudo foi o desenvolvido pela Auditec, pois este apresenta uma versão infantil, que consiste na apresentação de 60 sequências de três tons puros cada, que se diferenciam com relação à frequência dos estímulos: fino/agudo (1430 Hz) e grosso/grave (880 Hz). Das 60 sequências, 30 são respondidas sob forma de murmúrio e 30 sob forma de nomeação. A normativa de respostas esperada é, entre 6 e 7 anos, de 60%, já entre 7 e 8 anos é 76%.

O Teste de Padrões de Duração - TPD (DPS - Duration Patern Sequence - versão americana) é semelhante ao TPF2525. AUDITEC. Pitch Pattern Sequence - PPS and Duration Pattern Sequence - DPS [CD-ROOM]. AUDITEC's Tests; 1997., porém, neste a frequência é mantida em 1000 Hz e a duração dos tons é variada (250 ms - curto; e 500 ms - longo). Mesmo este teste não apresentando padrão de normalidade para a faixa etária aqui analisada, sabe-se que ele tem estreita relação com a aprendizagem2727. Balen SA, Moore DR, Sameshima K. Pitch and Duration Pattern Sequence Tests in 7-to 11-year-old children: results depend on response mode. J Am Acad Audiol. 2019;30(1):6-15., sendo utilizado como parâmetro para a comparação pré e pós-terapia. Da mesma forma que o TPF, no TPD são apresentadas 60 sequências, 30 devem ser respondidas sob forma de murmúrio e 30 sob forma de nomeação. Em adultos a porcentagem de acertos esperada é superior a 70%, sendo que aos 9 anos as crianças já apresentam resultados semelhantes aos dados dos adultos. Crianças menores necessitaram de padrões de duração mais longos para realizar a tarefa, considerando que aos 7 anos o esperado é em torno de 9% de acertos e aos 8 anos a porcentagem de 13% nomeando e 15% murmurando2727. Balen SA, Moore DR, Sameshima K. Pitch and Duration Pattern Sequence Tests in 7-to 11-year-old children: results depend on response mode. J Am Acad Audiol. 2019;30(1):6-15..

O Teste GIN (Gap in Noise) foi desenvolvido2828. Musiek FE, Shinn JB, Jirsa R, Bamiou D-E, Baran JA, Zaida E. GIN (Gaps-In-Noise) Test performance in subjects with confirmed central auditory nervous system involvement. Ear Hear. 2005;26(6):608-18. e tem por objetivo determinar o limiar de detecção de gap, ou seja, detecção de intervalo de silêncio. Para conseguir detectar os intervalos, é necessária a capacidade de solucionar aspectos relacionados ao tempo do evento acústico. O nome dado ao comportamento auditivo que caracteriza este tipo de capacidade é a resolução temporal. O teste é composto por quatro faixas, na qual cada uma consiste de diversos segmentos de seis segundos de ruído branco, com cinco segundos de intervalo. Inseridos nos estímulos de ruído, existem gaps em posições e duração diferentes, porém, para esta pesquisa foi aplicada uma faixa para cada orelha (faixas 1 e 2). Foi considerado o limiar de duração o menor gap temporal detectado de quatro das seis apresentações. Para crianças o resultado esperado é um limiar inferior a 6 ms2929. Marculino CF, Rabelo CM, Schochat E. Gaps-in-Noise test: gap detection thresholds in 9-yearold normal-hearing children. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):364-7., porém, aos 7 anos as crianças apresentaram respostas próximas às obtidas por adultos, que seriam 5 ms3030. Shinn JB, Chermak GD, Musiek FE. GIN (Gaps-In-Noise) performance in the pediatric population. J Am Acad Audiol. 2009;20(4):229-38.. Os resultados do teste GIN, neste estudo, para melhor análise, foram categorizados em normal e alterado, sendo considerada resposta normal quando a criança obteve um resultado entre 2 e 6 ms (milissegundos) que é a normativa do teste, e foi considerado alterado quando o escore foi superior a 6 ms ou quando a criança não conseguiu realizar a tarefa.

Após a realização de todas as avaliações, foram correlacionados os resultados dos testes que avaliam a habilidade de processamento auditivo temporal (GIN, TPD e TPF) com os traços distintivos ausentes.

Para tanto, foi feita a descrição do perfil da amostra segundo as variáveis em estudo de tabelas de frequência com valores de frequência absoluta (n) e relativa (%) das variáveis categóricas e estatísticas descritivas da variável numérica (testes GIN, TPF, TPD), com valores de média, desvio-padrão, valores mínimos, valores máximos e mediana. Para comparação das variáveis categóricas foi utilizado o teste Qui-Quadrado de Pearson, ou o teste exato de Fisher, na presença de valores esperados menores que 5. Para comparação das variáveis numéricas entre os grupos foram utilizados os testes de Mann-Whitney (2 grupos) e de Kruskal-Wallis (3 ou mais grupos), devido à ausência de distribuição normal. Para analisar a relação entre as variáveis numéricas (traços distintivos, número de traços distintivos alterados e número de fonemas alterados) foi usado o coeficiente de correlação de Spearman. O nível de significância adotado para todos os testes estatísticos foi de 5% (p<0,05).

Resultados

Nesta sessão serão apresentados os resultados das comparações entre os testes de processamento auditivo temporal e os distintos níveis do MICT; a correlação dos resultados do processamento temporal com o número de fonemas alterados e o número de traços distintivos alterados, dos 18 sujeitos avaliados.

Na Tabela 1 são expostos dados da comparação dos resultados dos testes TPF e TPD, nomeando e murmurando, nos distintos agrupamentos do MICT. Como pode-se observar não houve diferença significante no desempenho dos testes temporais pelas crianças de acordo com os níveis do MICT em que se encontravam.

Contudo, ao analisar as médias do teste TPF, nota-se que os sujeitos que estão no último nível (N9) obtiveram valores superiores aos demais. Ao contrário, as crianças do N8 obtiveram respostas inferiores aos sujeitos do N5+N7. Já na análise dos resultados do teste TPD, nota-se um melhor desempenho dos sujeitos que se encontram no N8, seguidos pelo N9 e, por último, no N5+N7. Desse modo, ao comparar as médias de acertos nos dois testes, observa-se um pior desempenho na realização do teste TPD em comparação com o teste TPF, mesmo que a normativa do teste TPD seja inferior ao do teste TPF.

Tabela 1:
Análise comparativa das variáveis numéricas dos três grupos do Modelo Implicacional de Complexidade de Traços em relação ao desempenho no Teste Padrão de Frequência e Teste Padrão de Duração

Na Tabela 2 observa-se a comparação dos níveis do MICT em relação ao desempenho no teste GIN na orelha esquerda e na orelha direita. Também não foi possível observar diferença significante nas análises. O que se nota é que a maior parte dos sujeitos demonstrou dificuldade na realização da tarefa de percepção de gap temporal, independente do desenvolvimento fonológico, ou seja, de estar mais evoluído nos níveis do MICT.

Tabela 2:
Análise comparativa das variáveis numéricas dos três grupos do Modelo Implicacional de Complexidade de Traços com o teste Gap-In-Noise

Em relação aos resultados da correlação entre os testes TPF e TPD (nomeando e murmurando) com o número de traços distintivos alterados e o número de fonemas alterados dos sujeitos da pesquisa, não se observou correlação significante (Tabela 3).

Tabela 3:
Correlação dos testes Teste Padrão de Frequência e Teste Padrão de Duração com os traços distintivos específicos que se encontram alterados na amostra estudada

A Tabela 4 mostra a análise comparativa do teste GIN com o número de traços distintivos alterados e de fonemas alterados. Já a Tabela 5 mostra a análise comparativa do teste GIN com os traços distintivos específicos. Pode-se perceber que não houve relação significante entre nenhuma das variáveis.

Tabela 4:
Resultados da análise comparativa do teste Gap-In-Noise com o número de fonemas alterados, número total de traços distintivos alterados
Tabela 5:
Resultados da análise comparativa do teste Gap-In-Noise com os traços distintivos específicos alterados

Discussão

A análise dos resultados evidenciou que, na comparação entre as variáveis, não houve diferença estatisticamente significante em todas as análises realizadas.

Na análise do MICT separado por grupos (N5+N7, N8 e N9), nota-se no teste TPF uma melhora nos resultados quando comparadas as médias entre os níveis N5+N7 e N9, porém, quando se verifica o N8, as médias pioram. Um resultado semelhante foi encontrado nas médias do teste TPD, onde também ocorre uma melhora quando se compara os níveis N5+N7 e o N8, mas piorando quando são analisados os resultados do N9. Porém, em nenhuma das análises realizadas houve significância estatística. Com base nesses resultados, pode-se observar que a criança possuir um sistema fonológico menos alterado não significa que ela terá melhor desempenho nas tarefas de processamento temporal.

Esses dados sugerem que as habilidades auditivas temporais dos sujeitos com TF não seguiriam o mesmo padrão de desenvolvimento que a aquisição fonológica, pois, mesmo os sujeitos apresentando um sistema fonológico pouco alterado, tiveram grande dificuldade na realização das tarefas de processamento temporal. Este fato é o que se observa na análise das médias dos testes temporais2727. Balen SA, Moore DR, Sameshima K. Pitch and Duration Pattern Sequence Tests in 7-to 11-year-old children: results depend on response mode. J Am Acad Audiol. 2019;30(1):6-15.

28. Musiek FE, Shinn JB, Jirsa R, Bamiou D-E, Baran JA, Zaida E. GIN (Gaps-In-Noise) Test performance in subjects with confirmed central auditory nervous system involvement. Ear Hear. 2005;26(6):608-18.
-2929. Marculino CF, Rabelo CM, Schochat E. Gaps-in-Noise test: gap detection thresholds in 9-yearold normal-hearing children. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):364-7..

Em um estudo1010. Quintas VG, Attoni TM, Keske-Soares M, Mezzomo CL. O processamento auditivo e a combinação de traços distintivos na aquisição de fala em crianças com desvios fonológicos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):167-73., ao analisarem a sequência de sons verbais na avaliação simplificada do PAC, os autores observaram que a ordenação temporal mostra ser a habilidade que mais pode estar comprometida em crianças com alteração de traços distintivos.

Já é sabido da relação entre problemas de linguagem e o PAC, principalmente, no que se refere à compreensão da linguagem oral. As capacidades perceptivas da criança influenciam o desenvolvimento da fala. Por meio da recepção dos estímulos, da análise e da organização do processamento das informações auditivas, a criança estabelecerá a representação mental do estímulo linguístico e o armazenará na memória1010. Quintas VG, Attoni TM, Keske-Soares M, Mezzomo CL. O processamento auditivo e a combinação de traços distintivos na aquisição de fala em crianças com desvios fonológicos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):167-73.,3131. Guimarães ACF, Santos JN, Rabelo ATV, Magalhães M de C. The influence of noise on verbal auditory temporal ordering ability. Rev. CEFAC. 2015;17(1):209-15.

32. Loo JHY, Bamiou D-E, Rosen S. The impacts of language background and language-related disorders in auditory processing assessment. J Speech Lang Hear Res. 2013;56(1):1-12.
-3333. Pinheiro FH, De Oliveira AM, Cardoso ACV, Capellini SA. Dichotic listening tests in students with learning disabilities. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(2):257-62.. Porém, tal achado não foi confirmado na presente pesquisa, pois, de acordo com os resultados, o desempenho no processamento temporal não acompanhou a evolução na fonologia dos sujeitos avaliados.

Ao analisar os resultados dos testes TPF e TPD, nota-se que os sujeitos tiveram maior dificuldade com o teste de padrão de duração. Em uma pesquisa3434. Delecrode CR, Cardoso ACV, Frizzo ACF, Guida HL. Pitch pattern sequence and duration pattern tests in Brazil: literature review. Rev. CEFAC. 2014;16(1):283-92. de revisão de literatura sobre o uso dos testes TPF e TPD no Brasil, os pesquisadores concluíram que, na maioria das alterações fonoaudiológicas, a habilidade de ordenação temporal encontra-se alterada, e o teste mais utilizado no Brasil para verificar tal habilidade foi o teste de padrão de frequência. Porém, os autores não mostraram diferenças entre os testes TPF e TPD no Brasil3434. Delecrode CR, Cardoso ACV, Frizzo ACF, Guida HL. Pitch pattern sequence and duration pattern tests in Brazil: literature review. Rev. CEFAC. 2014;16(1):283-92..

Tal diferença no desempenho entre os testes foi referida em um estudo2727. Balen SA, Moore DR, Sameshima K. Pitch and Duration Pattern Sequence Tests in 7-to 11-year-old children: results depend on response mode. J Am Acad Audiol. 2019;30(1):6-15. que verificou o desempenho nos testes de padrão de frequência e duração em crianças com idades entre 7 e 11 anos, com desenvolvimento de fala normal. Ao comparar os resultados entre os testes de padrão de frequência e duração, a autora encontrou um desempenho pior no teste de padrão de duração. Este resultado concorda com a presente pesquisa, pois as crianças mais jovens tiveram desempenhos mais baixos no TPD em comparação ao TPF no teste da Auditec, também utilizado neste estudo. Vale salientar que esta não teve como objetivo correlacionar estatisticamente os resultados dos testes TPF e TPD, porém, observou pela análise dos resultados o mesmo padrão de respostas entre os testes. A autora supracitada refere que o padrão de frequência pode ter uma determinação inata, enquanto o padrão de duração depende de estímulos do meio, necessitando de aprendizado.

Outro estudo1010. Quintas VG, Attoni TM, Keske-Soares M, Mezzomo CL. O processamento auditivo e a combinação de traços distintivos na aquisição de fala em crianças com desvios fonológicos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):167-73., semelhante ao presente trabalho, encontrou uma fraca correlação entre o PAC e as combinações de traços distintivos. Tal estudo utilizou um protocolo diferente, a avaliação simplificada do PAC, porém, mostrou uma correlação mais alta entre a sequencialização de sons verbais e a combinação dos traços [+aproximante, +continuo], que corresponde ao fonema /r/. O estudo apontou uma distintiva tendência de crianças com alteração nesta combinação de traços distintivos também apresentarem dificuldade com a habilidade auditiva de ordenação temporal1010. Quintas VG, Attoni TM, Keske-Soares M, Mezzomo CL. O processamento auditivo e a combinação de traços distintivos na aquisição de fala em crianças com desvios fonológicos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(2):167-73.. Tal resultado concorda com os achados da presente pesquisa, pois, mesmo não havendo relação significante, é possível observar que a maioria dos sujeitos teve resultados bem abaixo dos escores esperados para o padrão de cada teste. Este achado demonstra a dificuldade que as crianças com TF têm com as habilidades de ordenação temporal, reconhecimento, nomeação e imitação dos padrões de duração e frequência.

No presente estudo não foi encontrada relação significante entre os testes de PAC aplicados e os traços distintivos, porém, nota-se que crianças com alteração do traço [aproximante] demonstram maior dificuldade com as habilidades auditivas testadas pela análise das médias obtidas nos testes de PAC aplicados.

Um trabalho semelhante aplicou o teste TPF em crianças com TF, sendo que a maioria dos sujeitos obteve resultados dentro dos padrões de normalidade em ambos os testes1414. Santos J dos, Parreira L, Leite R. Habilidades de ordenação e resolução temporal em crianças com desvio fonológico. Rev. CEFAC. 2010;12(3):371-6.. Esse resultado concorda com algumas pesquisas realizadas anteriormente com crianças na mesma faixa etária, que apresentaram resultados dentro do esperado para as habilidades de ordenação temporal1111. Muniz LF, Roazzi A, Schochat E, Teixeira CF, Lucena JA de. Avaliação da habilidade de resolução temporal, com uso do tom puro, em crianças com e sem desvio fonológico. Rev. CEFAC. 2007;9(4):550-62.,3535. Barreto M, Muniz L, Teixeira C. Desempenho da habilidade a resolução temporal em crianças de 07 a 13 anos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2004;9(4):220-8., porém, ambos os resultados discordam dos dados obtidos na presente pesquisa, os quais, apesar de não apresentarem significância estatística dos resultados, mostram que a maioria dos sujeitos obteve resultados abaixo do esperado em todos os testes aplicados, discordando das pesquisas supracitadas.

Na análise do teste GIN, observa-se que não houve correlação na análise dos traços distintivos alterados, mas, como nos testes TPF e TPD, a maioria das crianças obteve resultados considerados alterados. Ressalta-se que existem dados normotípicos esperados para estes testes na população infantil a partir de sete anos, mas há também uma grande variabilidade no desempenho do teste GIN, TPF e TPD em crianças normotípicas. Das 18 crianças avaliadas, 15 tiveram resultados superiores a 6 ms, em uma ou nas duas orelhas, ou não conseguiram realizar a tarefa proposta pelo teste. Tal resultado concorda com o achado de outras pesquisas que avaliaram a resolução temporal1111. Muniz LF, Roazzi A, Schochat E, Teixeira CF, Lucena JA de. Avaliação da habilidade de resolução temporal, com uso do tom puro, em crianças com e sem desvio fonológico. Rev. CEFAC. 2007;9(4):550-62.,1515. Assis EF, Parreira LMMV, Lodi DF. Noise test: Gap detection in children with phonological deviation. Rev. CEFAC. 2013;15(1):79-88.,3636. Rabelo ATV, Campos FR, Friche CP, Silva BSV Da, Friche AADL, Alves CRL et al. Speech and language disorders in children from public schools in Belo Horizonte. Rev Paul Pediatr. 2015;33(4):453-9.,3737. Rocha-Muniz CN, Befi-Lopes DM, Schochat E. Investigation of auditory processing disorder and language impairment using the speech-evoked auditory brainstem response. Hear Res. 2012;294(1-2):143-52.. Assim, por mais que o GIN TPF e TPD sejam testes com desempenhos baixos para referência de normalidade, constatou-se que o desempenho da amostra estudada estava mais aquém dos valores normativos.

A dificuldade das crianças com TF na realização dos testes de processamento temporal concorda com os achados na literatura, algumas hipóteses relacionam as dificuldades de fala e/ou linguagem a um déficit de origem perceptiva, principalmente com o processamento temporal3838. Murphy CFB, Zachi EC, Roque DT, Ventura DSF, Schochat E. Influence of memory, attention, IQ and age on auditory temporal processing tests: preliminary study. CoDAS. 2014;26(2):105-11.,3939. Peter V, Wong K, Narne VK, Sharma M, Purdy SC, McMahon C. Assessing spectral and temporal processing in children and adults using temporal Modulation Transfer Function (TMTF), Iterated Ripple Noise (IRN) Perception, and Spectral Ripple Discrimination (SRD). J Am Acad Audiol. 2014;25(2):210-8.. Processar os sons da fala está relacionado à habilidade de perceber e processar as características espectrais dos fonemas, incluindo os intervalos entre cada som, dentro de um intervalo de tempo na ordem de milissegundos, o que é essencial para o desenvolvimento da linguagem. Logo, qualquer alteração ou instabilidade na representação dos fonemas pode levar a uma dificuldade na percepção da fala e na aquisição fonológica, sintática e semântica3737. Rocha-Muniz CN, Befi-Lopes DM, Schochat E. Investigation of auditory processing disorder and language impairment using the speech-evoked auditory brainstem response. Hear Res. 2012;294(1-2):143-52.,4040. Balen SA, Boeno MRM, Liebel G. A influência do nível socioeconômico na resolução temporal em escolares. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15(1):7-13.,4141. Soares AJC, Sanches SGG, Alves DC, Carvallo RMM, Cárnio MS. Temporal auditory processing and phonological awareness in reading and writing disorders: preliminary data. CoDAS. 2013;25(2):188-90..

Acredita-se que a falta de relação estatisticamente significante pode ser explicada, em parte, pela constituição do grupo de sujeitos avaliados. Na amostra não houve variação na gravidade do TF, tendo a maioria das crianças um sistema fonológico pouco alterado. O fator idade pode ter contribuído, pois a faixa etária avaliada pode ser considerada avançada para ainda apresentar um TF. Em torno dos nove anos, o TF passa a ser considerado como erros residuais da fala, o que também tem consequências negativas no desenvolvimento da criança, tanto na fala quanto na escrita.

Sugere-se a realização de novas pesquisas com maior número de sujeitos e a tentativa de realização com crianças que tenham um sistema fonológico mais alterado, utilizando um protocolo de avaliação do processamento auditivo temporal mais específico, como no presente estudo.

Conclusão

Pode-se constatar que não houve relação significante entre os traços distintivos e fonemas alterados e os testes de processamento auditivo temporal. Porém, nota-se o baixo desempenho em todos os testes de processamento temporal utilizados nos sujeitos da pesquisa, indicando a dificuldade que as crianças com TF têm com as habilidades auditivas testadas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2022
  • Aceito
    21 Set 2022
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